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2 de Maio de 2024

Investigação de paternidade c/c alimentos. Possibilidade de coexistência de ambos os nomes dos pais no registro de nascimento.

Publicado por Sândala Almonfrey
há 6 anos

Julgamento realizado no dia 29 de junho de 2017, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Joel Dias Figueira Júnior e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Rodolfo C. R. S. Tridapalli e Gilberto Gomes de Oliveira.

RELATÓRIO

C. A. M. (filho) interpôs agravo de instrumento contra a decisão que, nos autos da ação de investigação de paternidade c/c pedido de alimentos n. 0000544-80.1999.8.0033, proposta em desfavor de B. A. S., indeferiu o pleito de retificação da filiação em sua certidão de nascimento e de casamento, após recebimento de ofício pelo cartório informando a impossibilidade de cumprimento do mandado em razão de já constar nome de pai e mãe nos referidos registros do Autor.

Alegou, em síntese, que a sentença que determinou a retificação de seu nome e filiação em seus registros de nascimento e casamento já transitou em julgado e que, por ser imutável, a decisão deve ser cumprida.

Requereu, pois, o conhecimento e provimento do agravo (fls. 2-10).

Nesta instância, a Desa. Cláudia Lambert de Faria deixou de aplicar efeito ativo ao recurso, porquanto não houve pedido liminar (fls. 174-175).

Não foram apresentadas contrarrazões (fl. 178).

O Ministério Público, em parecer da lavra do procurador Tycho B. Fernandes deixou de opinar no feito por entender ausente interesse que justificasse a sua intervenção (fl. 181).

Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Autor contra a decisão proferida nos autos da ação de investigação de paternidade c/c pedido de alimentos n. 0000544-80.1999.8.0033, que indeferiu o pleito de retificação de seu nome e filiação em seus registros de nascimento e casamento, após recebimento de ofício pelo Cartório informando a impossibilidade de cumprimento do mandado em razão de já constar o nome do pai e da mãe do Agravante nos referidos registros.

Em suas razões, o Recorrente sustentou, em síntese, que a sentença que determinou a retificação de seu nome e filiação em seus registros já transitou em julgado e que, por ser imutável, a decisão deve ser cumprida.

Razão lhe assiste.

Consoante verifica-se do caderno processual, o Agravante, nascido em 13-7-1961, foi adotado por J. M. e A. N. P., seus avós, por meio de escritura pública lavrada em 22-5-1978, nos termos do art. 375 do Código Civil de 1916 (vigente à época).

Agora, identificado o pai biológico como sendo B. A. S. (Agravado) - conforme sentença de fls. 128-135 - tem o Recorrente a ciência exata de quem o gerou, requer, por consequência, a retificação de seu registro de nascimento e casamento, a fim de que neles passe a constar a sua origem biológica paterna.

Em que pese a adoção ser medida irrevogável, incondicional e irrenunciável (art. 39, § 1º, da Lei n. 8.069/90), ou seja, sem a possibilidade de exclusão dos nomes dos adotantes dos registros civis do Autor/agravante, com a comprovação da filiação biológica por ele, incontroverso é o seu direito de ter reconhecida a paternidade do Agravado e de ter seu nome no Registro Civil.

Tal ato acarretará ao Agravante o surgimento de direitos e deveres, nos termos do § 6º do artigo 227 da Constituição Federal: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

Nesse sentido, colhe-se da doutrina de Sílvio de Salvo Venosa:

O reconhecimento, como já afirmado, tem efeito ex tunc, retroativo [...]. Sua eficácia é erga omnes, refletindo tanto para os que participaram do ato de reconhecimento, voluntário ou judicial, como em relação a terceiros [...] A sentença que reconhece a paternidade produz, como vimos, os mesmos efeitos do reconhecimento voluntário (art. 1.616).

Ao lado do caráter moral, o reconhecimento da filiação gera efeitos patrimoniais. Os filhos reconhecidos equiparam-se em tudo aos demais, no atual estágio de nosso ordenamento, gozando de direitos hereditário, podendo pedir alimentos, pleitear herança e propor ação de nulidade de partilha. Se o filho reconhecido falecer antes do autor da herança, seus herdeiros o representarão e recolherão os bens, por direito de transmissão, se a morte tiver ocorrido antes da partilha. O direito sucessório que se estabelece é recíproco entre pais e filhos [...] (Direito Civil: direito de família, 10. ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 271).

As relações humanas evoluíram a tal ponto que originaram vínculos afetivos estranhos aos regulados pela legislação. Atualmente, os arranjos familiares são formados por diversas espécies de organizações, como a união estável, a coabitação, a família monoparental, entre outras.

Com fundamento Constitucional acerca da dignidade da pessoa humana a doutrina e a jurisprudência, a despeito do rigorismo da legislação vigente, têm entendido nesta área de Direito de Família em abarcar a proteção jurídica às circunstâncias em que se verifica a multiparentalidade, autorizando, inclusive, o assento civil plurinominal, ou seja, com a indicação do nome de pai biológico e socioafetivo, como no caso em comento e respectivos ascendentes diretos.

A este respeito, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão proferida em repercussão geral, assentou a seguinte tese:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. , III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES.

1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem.

2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo.

3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. , III, da CRFB) e da busca da felicidade.

4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187).

5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana.

6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. , III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011.

7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei.

8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada "família monoparental" (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º).

9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011).

10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade.

11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser.

12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio).

13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos.

14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de "dupla paternidade" (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina.

15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º).

16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extramatrimoniais" (RE n. 898.060/SC. Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.9.2016). (Grifou-se)

Do corpo da decisão, extrai-se:

A omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade. É imperioso o reconhecimento, para todos os fins de direito, dos vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos. Na doutrina brasileira, encontra-se a valiosa conclusão de Maria Berenice Dias, in verbis: "não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe. Agora é possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. 19 Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. (...) Tanto é este o caminho que já há a possibilidade da inclusão do sobrenome do padrasto no registro do enteado" (Manual de Direito das Famílias. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 370). Tem-se, com isso, a solução necessária ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). (Grifou-se)

Neste mesmo sentido, o Grupo de Câmaras de Direito Civil desta Corte de Justiça já decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO E ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL C/C INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA MANTIDA NA SENTENÇA. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA, SEM EFEITOS JURÍDICOS E PATRIMONIAIS. REFORMA DA SENTENÇA, POR MAIORIA DE VOTOS, PARA RECONHECER A PATERNIDADE BIOLÓGICA EM TODOS OS EFEITOS JURÍDICOS. RECURSO DESPROVIDO. A preexistência da paternidade socioafetiva não impede a declaração judicial da paternidade biológica, com todas as consequências dela decorrentes, inclusive as de natureza patrimonial (Embargos Infringentes n. 2014.084742-5, de Lages. Rel. Des. Newton Trisotto, j. 9.3.2016). (Grifou-se)

Nessa toada, a existência prévia do estado de filiação com o pai registral não configura impedimento para que seja declarada a paternidade biológica com todas as consequências dela decorrentes.

Ante o exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento para reconhecer a dupla parentalidade, determinando-se a inserção do nome e sobrenome do genitor/Agravado nos registros do Agravante - tal como especificado na sentença de fls. 128-135 -, mantendo-se, contudo, os dados dos pais socioafetivos constantes no registro de nascimento do Recorrente,

É o voto.

Fonte: http://www.ibdfam.org.br/jurisprudencia/8756/

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