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30 de Abril de 2024

Paternidade Socioafetiva.

há 3 anos

Socio-affective paternity.

Aluno Aylton Benevides de Souza Junior[1] , Orientador Diogenes Faria de Carvalho[2].

Resumo - O artigo objetiva demonstrar que a paternidade não é somente de laços biológicos, mas de fatores internos, onde o afeto criado entre pai e filho não biológico é mais importante do que qualquer consanguinidade. Ademais, além dos efeitos afetivos tais vínculos geram efeitos legais, os quais são decididos em nossos Tribunais com julgamentos pela legalização e a colocação do patronímico do pai não biológico em conformidade da Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009. Assim sendo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) devido as grandes demandas Judiciais de reconhecimento de Paternidade Socioafetiva, criou o Provimento nº 63 de 14/11/2017, autorizando os notariais a averbarem o reconhecimento. Ademais, será verificado os efeitos legais destas averbações e os entraves constantes neste Provimento. Para atingir a sua finalidade, utilizar-se-á o método científico dedutivo de pesquisa bibliográfica.

Palavras chaves: Paternidade Sociafetiva, Demandas Judiciais. Patronímico.

abstract - The article aims to demonstrate that paternity is not only of biological ties, but of internal factors, where the affection created between father and non-biological son is strong, but important than any consanguinity. In addition, in addition to affective effects, such ties generate legal effects, which have been decided in our Courts with judgments for the legalization and apposition of the patronymic of the non-biological father pursuant to Law nº 11.924 of April 17, 2009. Therefore, the National Council of Justice due to the great judicial demands of recognition of Socio-affective paternity, created the Provision nº 63 of 11/14/2017, authorizing the notaries to register the recognition. In addition, the legal effects of these endorsements and the obstacles contained in this Provision will be verified. To achieve its purpose, the deductive scientific method of bibliographic research will be used.

Key words: Socio-affective Parenting, Judicial Demands. Patronymic.

I. Considerações Iniciais

O presente artigo tem o escopo de explanar acerca da Paternidade Sociafetiva no Brasil, bem como acerca dos ordenamentos jurídicos conectados as mudanças ocorrentes nas formações familiares, e estas mudanças em relação aos pais e filhos não biológicos.

É cediço que a paternidade biológica esta ligada a consanguinidade, entretanto, a paternidade socioafetiva vai além deste vínculo sanguíneo, e sim daquele que tem o cuidado subjetivo de cuidar daquele que esta sobre os seus cuidados, tendo parentesco por afinidade.

Apesar disto, o Código Civil (Artigo 1829) ainda não abarcou a figura da paternidade socioafetiva para questão da herança, não estando no rol da sucessão legítima o enteado e a enteada, sem que seja reconhecido a paternidade em juízo ou através de um processo notorial, sobre a égide do provimento nº 63/2017 do CNJ.

Imperioso dizer que dificuldades pelas próprias normas dificultam e muito o reconhecimento de paternidade socioafetiva, senão vejamos o Art. 11 do provimento suso, in verbis:

Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação. (...) § 3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor. (...) § 5º A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado. (...) (grifo meu)

Bastasse ouvir o Ministério Público, vez que exigir coleta de anuência dos pais dificulta o reconhecimento, e tendo o notório bojo de provas submetido a visada Ministerial, supriria tal empecilho, ademais o vínculo socioafetivo não deveria ter que passar pelo crivo paternal, criando um entrave que com certeza dificultaria o acesso mais fácil via notarial, tendo assim que se não anuído, submeter-se a demanda judicial, enchendo o Poder Judicial de ações que poderiam ser resolvido através do regime jurídico administrativo notarial.

Mas do que a norma diz, o que é de maior valia é a verdade afetiva e não a verdade biológica, entendimento este consolidado pela Douta Maria Berenice Dias, in verbis:

[...]nunca foi tão fácil descobrir a verdade biológica, mas essa verdade tem pouca valia frente à verdade afetiva. Tanto assim que se estabeleceu a diferença entre pai e genitor. Pai é o que cria, o que dá amor, e genitor é somente o que gera. Se durante muito tempo por presunção legal ou por falta de conhecimentos científicos confundiam-se essas duas figuras, hoje possível é identificá-las em pessoas distintas. (DIAS, 2009, p. 331).

Com o progresso no campo do DNA hoje é fácil descobrir a verdade sobre paternidade biológica, entretanto a paternidade socioafetiva tem mas valor do que um reconhecimento biológico sobre a égide do pensamento que Pai de verdade é quem cria e da amor, é muito mais do gerar e colocar ao mundo

II. Paternidade

O ato de ser pai é maior que pensar que é somente colocar o filho no mundo e já é considerado paternidade, este pensamento está muito aquém da realidade. Paternidade é o ato de criar, dar amor, carinho e não tem nada a ver com a questão de consanguinidade, sabedores que muito das vezes a pais de afetos que cuidam muito melhor do que pais biológicos, e em decorrência disto, os tribunais vem decidindo pelo reconhecimento deste tipo de paternidade.

Neste sentido, o escólio de Juliane Fernandes Queiros, ipisis litteris:

[...] A paternidade envolve a função de pai, que vai muito além do dimensionamento do vínculo biológico. O aspecto da paternidade não se limita meramente à concepção; mais importante é o acompanhamento de todo o desenvolvimento após o nascimento, tomando para si a responsabilidade na criação, manutenção do filho. [...] (QUEIROZ, 2001, p. 128).

III. Paternidade biológica e socioafetiva.

Paternidade Biológica, é a relação sanguínea e natural existente entre os pais e seus filhos, ambos têm os mesmos DNA. Acerca do assunto, DIAS (2009), diz:

“[...]que a paternidade biológica pode ser comprovada por meio de exame laboratorial que permite afirmar com certeza absoluta a existência biológica entre duas pessoas”.

A paternidade socioafetiva é quando, um ser até então estranho àquela família, cria laços de afeto primeiramente com a mãe ou com o pai, a depender do caso, e com o tempo cria o laço de afeto com a criança, e este ligação é gerado por uma sinergia natural, onde no decorrer da relação é aquela criança que adota como pai/mãe, acatando a ordem natura de aceitação de envolvimento em sua educação, criação, amor e carinho, de tal forma que este adulto cria a criança como se filho biológico fosse.

Assim sendo, paternidade socioafetivo é o ato de cuidar da criança como se filho fosse, sendo importante sempre a consideração que surge do pai/mãe através da demonstração de carinho, afeto e amor à criança perante as pessoas que convivem.

IV. As consequências na sucessão do estado socioafetivo

A nossa Carta Cidadã de 1988 tem como premissa o princípio da dignidade da pessoa humana, e em seu corpo da um enfoque especial a família, instituindo de forma isonômica a identidade filial, sejam estes oriundos ou não do casamento, seja formação multiparental ou não.

Conquanto, na filiação socioafetiva, poderá ser gerado através da formação da família multiparental, e acréscimo do patronímico do pai/mãe, às possibilidades advindas das Jurisprudências e do Provimento nº 63/2017 do CNJ, que agilizou, apesar de alguns entraves, o reconhecimento e abrindo espaço para sucessão para a filiação socioafetivo.

Deste modo, a verdade real se justapõe a formal, é o que vem sendo decidido em nosso Tribunais, de forma que o vínculo afetivo-familiar que é criado com a Paternidade socioafetiva, sempre que demostrada por robustas provas de afeto e por carinho, tal como foto, filmagem e todas as provas admitidas em direito, resulta em posicionamento positivo para a efetivação de uma verdadeira família multiparental, e uma vez constituído o vínculo socioafetivo e por força da irrevogabilidade do poder familiar, o pai/mãe não poderá negar o vínculo.

Conquanto, não poderá haver distinção entre herança entre filiação biológica ou socioafetiva, não havendo nenhuma vedação legal para que isto ocorra, como já decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás na Apelação (CPC) 0109180-59.2006.8.09.0051, em que o Relator CARLOS ROBERTO FAVARO, da 1ª Câmara Cível, decidiu, ipsis litteris:

(...) VINCULAÇÃO PATERNA. EXAME DE DNA. VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. Além de ter como inquestionável que à autora assiste o direito de investigar e conhecer sua ascendência genética paterna, o que, diga-se, é corolário do direito de personalidade, e, portanto, imprescritível, a paternidade socioafetiva não se presta, por si apenas, para afastar a biológica e seus efeitos pessoais e patrimoniais. Afastar a possibilidade de o filho maior pleitear o reconhecimento de paternidade biológica em seu assento de nascimento, no caso de "adoção à brasileira", significa impor-lhe que se conforme com essa situação, criada à sua revelia e à margem da lei. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALI­DADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL. RE 898060. REPERCUSSÃO GERAL. APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. A paternidade traz em seu bojo diversas responsabilidades, sejam de ordem moral ou patrimonial, devendo ser assegurados os direitos sucessórios decorrentes da comprovação do estado de filiação. Todos os filhos são iguais, não sendo admitida qualquer distinção entre eles, sendo indiferente a existência, ou não, de qualquer contribuição para a formação do patrimônio familiar. Não se está aqui a dizer que a relação de afetividade desenvolvida por décadas não existiu mas sim, que a filha, ora apelada, tomando ciência de que é filha biológica de outrem, pode, para todos os fins, ir atrás dessa paternidade, em qualquer momento. Portanto, quando, como no caso, a pretensão investigatória advém da vontade da própria filha, deve lhe ser assegurado o direito à verdade e a todas as consequências decorrentes da afirmação dessa verdade, inclusive as de caráter patrimonial. O fato de a autora haver ocasionalmente ter afirmado na seara fática uma relação socioafetiva com seu pai registral e de haver bem usufruído desse relacionamento, não tem força para obstar a declaração de sua verdade biológica, o que é direito seu - e para todos os fins. A jurisprudência é firme no sentido de que a paternidade afetiva convive com a paternidade biológica, ou seja, é possível que uma pessoa registrada em nome do pai socioafetivo depois promova também o registro do pai biológico, o que é hipótese dos autos, pois, na inicial, a autora requer o reconhecimento da paternidade e o registro, não havendo que se falar em julgamento extrapetita. Em recente julgado do Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral reconhecida (RE 898.060/SC), restou definido que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. E não há que se falar que o caso paradigma se distingue do caso concreto. Naquele caso, o pai biológico de uma mulher, buscava retirar dela o direito de herança e pensão, sob o fundamento de que ela não deveria ter acesso aos benefícios por ter sido criada e registrada por outro homem, que a acolheu como filha. In casu, igualmente, ao invés do pai, os herdeiros questionam o direito da apelante, que, conforme já analisado, é inconteste, já que restou comprovado nos autos que ela é filha e herdeira do de cujus. PRIMEIRO APELO CONHECIDO E PROVIDO. SEGUNDO APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, Apelação (CPC) 0109180-59.2006.8.09.0051, Rel. CARLOS ROBERTO FAVARO, 1ª Câmara Cível, julgado em 13/12/2017, DJe de 13/12/2017)

Ademais, o direito à herança da filiação socioafetiva não exclui o direito da filiação biológica, assim foi decidido no Recurso Extraordinário 898.060, Supremo Tribunal Federal, tendo como Relator Ministro Luiz Fux, in verbis:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. , III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES. 1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo. 3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobre princípio da dignidade humana (art. , III, da CRFB) e da busca da felicidade. 4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobre princípio da dignidade humana. 6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. , III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, FIXANDO-SE A SEGUINTE TESE JURÍDICA PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES: “A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, DECLARADA OU NÃO EM REGISTRO PÚBLICO, NÃO IMPEDE O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE FILIAÇÃO CONCOMITANTE BASEADO NA ORIGEM BIOLÓGICA, COM TODAS AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS.”. RE 898.060, Relator Ministro Luiz Fux, Supremo Tribunal Federal. (Grifo meu)

Assim sendo, o filho socioafetivo poderá ter a declaração de filho com a consequente alteração do registro civil e patronímico de nascimento para que adote o sobrenome do pai/mãe afetivo e uma vez constituído o vínculo socioafetivo e por força da irrevogabilidade do poder familiar, os pais não poderão mais negar o vínculo. Consequente, haverá direito à herança entre eles; enfim, todos os direitos dos filhos naturais são assegurados aos filhos socioafetivos.

O douto Paulo Lobo (2006) em seu artigo Científico, Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula nº 301 do STJ, diz que paternidade é muito mais do que partilha de bens ou de provimento de alimentos, senão vejamos:

A paternidade é muito mais que o provimento de alimentos ou a causa de partilha de bens hereditários. Envolve a constituição de valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente na convivência familiar durante a infância e a adolescência. A paternidade é múnus, direito-dever, construída na relação afetiva e que assume os deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação "à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar" (art. 227 da Constituição). É pai quem assumiu esses deveres, ainda que não seja o genitor.[3]

V. Reconhecimento da Socioafetividade

O estado de filiação peremptório à sociafetividade se apresenta através de três elementos:

a. Os tratos dispensados ao filho;

b. O nome ostentado do patronímico da família; e

c. A crença da própria sociedade em geral quanto a paternidade qual seja a exposição pública do vínculo paternal.

Assim sendo, o que vale na relação paterno afetiva é o melhor interesse da criança, tendo além do escopo constitucional a guarida na legislação ordinário, a saber, o artigo 1.593 do Código Civil, que diz que o parentesco é natural ou civil, por consanguinidade ou outro tipo de origem.

O doutrinador Paulo Lôbo (2006, pag. 15-21) menciona que onde houver paternidade juridicamente considerada, haverá estado de filiação, presumido em relação ao pai registral. A afetividade foi positivada como princípio jurídico, com força normativa, onde são impostos deveres e obrigações decorrentes da caracterização da paternidade socioafetiva.[4]

Cediço é que criado o vínculo afetivo, constituído a paternidade socioafetiva, esta não mais poderá ser revogada, importando apenas a questão da proteção, o cuidado e o amor dispensado ao filho diante da sociedade que sempre prevalecerão.

Nogueira (2001), diz:

“O verdadeiro sentido nas relações pai-mãe-filho transcende a lei e o sangue, não podendo ser determinadas de forma escrita nem comprovadas cientificamente, pois tais vínculos são mais sólidos e mais profundos, são invisíveis aos olhos científicos, mas são visíveis para aqueles que não têm os olhos limitados, que podem enxergar os verdadeiros laços que fazem de alguém um pai: os laços afetivos, de tal forma que os verdadeiros pais são os que amam e dedicam sua vida a uma criança, pois o amor depende de tê-lo e de dispor a dá-lo. Pais, conforto, sendo estes para os sentidos dela o seu “porto seguro”. Esse vínculo, por certo, nem a lei nem o sangue garantem. O vínculo de sangue tem um papel definitivamente secundário para a determinação da paternidade; a era da veneração biológica cede espaço a um novo valor que se agiganta: o afeto, porque o relacionamento mais profundo entre pais e filhos transcende os limites biológicos, ele se faz no olhar amoroso, no pagá-lo nos braços, em afaga-lo, em protege-lo, e este é o vínculo que se cria e não que se determina [...]”.[5]

Mormente, não é a letra fria da lei, que define o que é ser pai/mãe, e sim o laços afetivos, sendo no sentido amplo o que for melhor para a criança, sendo que a paternidade socioafetiva não é espécie acrescida, excepcional ou supletiva da paternidade biológica, é a própria natureza do paradigma atual de paternidade, cujas espécies são a biológica e a não-biológica. De outra forma, a paternidade juridicamente considerada é a socioafetiva, pouco importando sua origem, como diz o Artigo 1.593 do Código Civil.

A paternidade superou o entendimento simplista da origem genética, e passou a reger-se por uma reconfiguração, destarte, a voluntaria ideia de consolidação da convivência familiar duradoura, e direito e deveres, onde os fatores sociais e afetivos são os validos.

Foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Provimento 63/2017, que facilitou o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, com efeito, de acordo com o referido ordenamento, os requisitos para que o reconhecimento da filiação socioafetiva seja deferido extrajudicialmente são os seguintes:

a. Requerimento firmado pelo ascendente socioafetivo (nos termos do Anexo VI), testamento ou codicilo (artigo 11, parágrafos 1º e 8º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

b. Documento de identificação com foto do requerente – original e cópia simples ou autenticada (artigo 11 do Provimento 63/2017 do CNJ);

c. Certidão de nascimento atualizada do filho – original e cópia simples ou autenticada (artigo 11 do Provimento 63/2017 do CNJ);

d. Anuência pessoalmente dos pais biológicos, na hipótese do filho ser menor de 18 anos de idade (artigo 11, parágrafos 3º e 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

e. Anuência pessoalmente do filho maior de 12 anos de idade (artigo 11, parágrafos 4º e 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

f. Não poderão ter a filiação socioafetiva reconhecida os irmãos entre si nem os ascendentes (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

g. Entre o requerente e o filho deve haver uma diferença de pelo menos 16 anos de idade (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

h. Comprovação da posse do estado de filho (artigo 12 do Provimento 63/2017 do CNJ).

Conforme alínea a deverá ser preenchido o Termo que abaixo se aduz, conforme anexo IV do Provimento 63/2017 do CNJ:

VI. O princípio da dignidade da pessoa humana e a paternidade socioafetividade

O princípio da dignidade da pessoa humana é uma das principais normas princiológicas insculpidas na Constituição Federal (CF, art. , III) e é alicerce para o surgimento da paternidade socioafetiva, sendo que para Gilmar Ferreira Mendes[6] é sob a metafísica do ser humano que se reputa adequado analisar a dignidade da pessoa humana, como um dos princípios desde logo, considerados de valor pré-constituinte de hierarquia constitucional, em que se funda a República Federativa do Brasil.

Sabedor que o princípio do melhor interesse da criança nasce sob a tutela da pessoa humana e é uma conduta proativa que ajuda no crescimento físico e psicossocial da criança e adolescente, por esteio às relações familiares de filiação/paternidade, e é a base à aplicação nas demandas judiciais envolvendo a paternidade socioafetiva. Porquanto, este princípio é baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, é basilar para as decisões dos Magistrados quando das decisões pelo reconhecimento da paternidade socioafetiva.

VII. CONCLUSÃO

Assim sendo, embora não existisse nenhuma previsão legal acerca da paternidade socioafetiva, exceto nos casos de adoção, a paternidade socioafetiva surgiu da interpretação da legislação à luz dos princípios constitucionais da igualdade, solidariedade e principalmente da dignidade da pessoa humana, e diante das várias demandas judiciais para reconhecimento, o CNJ, fez o Provimento 63/2017, que facilitou o reconhecimento extrajudicial via cartório.

Nesse espeque os princípios basilares utilizados nas relações humanas propiciaram uma significativa modernização na estrutura social e familiar, onde o conceito de paternidade, ligado especificamente aos laços consanguíneos, modificou-se, passando também a ser olhado pelo aspecto afetivo, na medida em que a sociedade e a legislação primam pela valorização da pessoa humana, criando assim o vínculo familiar.

Conquanto, as ligações paterno-filiais edificadas por laços afetivos passaram a se sobrepor inclusive a paternidade biológica, ou seja, pais não são mais definidos apenas pela presunção da lei ou pelas ligações consanguíneas.

Assim sendo, a essência da socioafetiva é o exercício fático da autoridade parental, ou seja, os pais que criam, educam, prestam assistência e geram o vínculo afetivo com seus filhos. Destarte, a paternidade socioafetiva é um instituto familiar fundada na igualdade, dignidade, solidariedade e no afeto construído na convivência familiar.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 11 de maio de 2018.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Estado de Goiás. Ap. Cív. 0109180-59.2006.8.09.0051 – 1ª Câm. Cív. – Rel. Des. Carlos Roberto Favaro – Julgado em 13/12/2017. Disponível em: <http://www.tjgo.jus.br>. Acesso em: 11 maio de 2018.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 20 de maio. 2018.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009 p. 331.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 898.060, STF – Rel. Min. Luiz Fux – Julgado em 21 de setembro de 2016. <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf>. Acesso em: 11 maio de 2018.

LOBO, Paulo Luiz Netto. A paternidade socioafetiva e a verdade real. Revista CEJ, Brasília, n. 34, jul./set. 2006.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula nº 301 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1036, 3 maio 2006. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/8333/paternidade-socioafetivaeo-retrocesso-da-sumulan301-do-stj>. Acesso em: 20 maio. 2018.

MENDES, Gilmar Ferreira. Constituição Federal Comentada – 3º ed . BrasÍlia/DF: Revista dos tribunais, 2007.

NOGUEIRA, Jaqueline Filgueiras. A Filiação que se costrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001,

QUEIROZ, Juliene Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicos de inseminação artificial. Doutrina e jurisprudência. Belo


[1] Discente do Curso de pós-Graduação “lato sensu” em Direito Civil e Processo Civil.

[2] Professor de Direito do Consumidor e Processo Civil Coletivo da Universidade Salgado de Oliveira, Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e Universidade Federal de Goiás (UFG). - Coordenador do curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil - Gestor do curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira - Diretor para o Centro-Oeste do Instituto Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor- Brasilcon Áreas de Atuação: - Direito do Consumidor - Direito Processual Civil - Direito Civil Formação Acadêmica: - Graduação em Direito pelo Centro Universitário de Goiás (2001) - Mestrado em Direito das Relações Econômico-Empresariais pela Universidade de Franca (2006)

[3] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula nº 301 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1036, 3 maio 2006. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/8333/paternidade-socioafetivaeo-retrocesso-da-sumulan301-do-stj>. Acesso em: 20 maio. 2018.

[4]LOBO, Paulo Luiz Netto. A paternidade socioafetiva e a verdade real. Revista CEJ, Brasília, n. 34, pp. 15-21, jul./set. 2006.

[5] NOGUEIRA, Jaqueline Filgueiras. A Filiação que se costrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001, p.84 e 85.

[6] MENDES, Gilmar Ferreira. Constituição Federal Comentada. 3ª ed., Brasília/DF: Revista dos Tribunais, 2007, p.43.

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