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29 de Abril de 2024

STJ Ago23 - Pronúncia - Dizer que a Qualificado do Homicídio tem Guarita nos autos é falta de Fundamentação

há 6 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 829912 - DF (2023/0197861-5)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

DECISÃO

RXXXXXXXXXXXXXA alega sofrer constrangimento ilegal no seu direito de locomoção em decorrência de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios no Recurso em Sentido Estrito n. 0701335- 91.2021.8.07.000.

A defesa busca a exclusão das qualificadoras previstas no art. 121, § 2º, II, III e IV, do Código Penal, ao argumento de que elas são manifestamente improcedentes.

Quanto ao emprego do meio cruel, afirma que a prova pericial atestou não haver elementos que indicassem essa circunstância. Aduz que o fato de os disparos de arma de fogo haverem sido desferidos a curta distância não é suficiente, por si só, para se concluir pelo intenso sofrimento da vítima.

Em relação ao uso de recurso que dificultou a defesa do ofendido, sustenta ser "necessária a demonstração da surpresa, o que não ocorreu na hipótese em comento" (fl. 13).

Por fim, no que tange ao motivo fútil, expõe que não houve motivação clara demonstrada pela acusação, uma vez que o desentendimento prévio envolvendo o réu não foi com a vítima, mas sim com um terceiro.

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do habeas corpus (fls. 2.239-2.241).

Decido.

O acusado foi pronunciado pelos crimes tipificados nos arts. 121, § 2º, II, III e IV, do CP e 14 da Lei n. 10.826/2005. Quanto às qualificadoras do homicídio, a Juíza de primeira instância consignou o seguinte (2.065-2.066, grifei):

Das qualificadoras

Por se tratar de mero juízo de admissibilidade da acusação, o afastamento de qualquer qualificadora somente deve ocorrer por ocasião da pronúncia em face de sua evidente improcedência.

Do motivo fútil (inciso II, do § 2º, do art. 121 do CP)

Segundo a descrição feita pelo Ministério Público em sua peça acusatória, "o móvel do crime revela-se fútil, desarrazoado, desproporcional, uma vez que os denunciados mataram a vítima Wenderson em razão de desentendimento relacionado ao valor da conta do"Kabeças Bar".

Nas palavras do ilustre jurista Paulo José da Costa Júnior, motivo fútil" É o motivo insignificante, de somenos importância, o motivo desproporcionado com a conduta desempenhada. "(in Código Penal Comentado, Ed. Saraiva, 10a ed. rev. amp. e atual., 2011, p. 467).

A dita qualificadora, em tese, encontra lastro nas provas produzidas, por se tratar de traço comum à maioria dos depoimentos colhidos, o fato de que o crime teria como motivação a discussão a respeito sobre uma conta de bar, cujo valor era de aproximadamente R$ 105,00 (cento e cinco reais), cuja parcela reconhecida pelo réu RAIMUNDO seria de apenas R$ 35,00 (trinta e cinco reais).

Portanto, a qualificadora encontra amparo nos autos como elemento constitutivo do fato delituoso em apuração, razão pela qual deve ser submetida ao crivo do Conselho de Sentença.

Do meio cruel (inciso III, do § 2º, do art. 121 do CP)

Segundo o Ministério Público," o crime se deu por meio cruel, pois o denunciado RAIMUNDO efetuou seis tiros à curta distância contra o corpo da vítima, mesmo quando a vítima já se encontrava gravemente ferida, o denunciado RAIMUNDO prosseguiu realizando os disparos, o que causou intenso e desnecessário sofrimento à vítima ".

Em relação a essa qualificadora, entendo que, em tese, também assiste razão ao Ministério Público, uma vez que a vítima foi alvejada com 6 (seis) disparos de arma de fogo, dos quais 5 (cinco) foram realizados em área de grande letalidade, o que reforça, ao menos em tese, o desejo do réu de causar maior sofrimento à vítima e, isso se verifica, em linha de princípio, do Laudo de Exame de Corpo de Delito (Cadavérico) nº 1286/21 (ID. 82880928).

Sob tal perspectiva, também não se mostra possível o decote dessa qualificadora, ante a existência de indícios de sua ocorrência, devendo, pois, ser submetida ao Conselho de Sentença.

Do recurso que dificultou a defesa da vítima (inciso IV, do § 2º, do art. 121, do CP)

De acordo com denúncia, a vítima teria sido atacada de surpresa e pelas costas, assim:" o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, uma vez que, após o entrevero no "Kabeças Bar" , os denunciados se retiraram do local em seus respectivos veículos em busca de uma arma de fogo e retornaram ao bar em veículo diverso, de modo a surpreender a vítima, impedido que ela esboçasse qualquer reação defensiva ".

A surpresa constitui recurso que, em tese, também encontra suporte nos elementos probatórios. Os réus admitiram que retornaram ao local dos fatos em veículo diferente dos utilizados quando se retiraram de lá.

De acordo com os próprios réus, SILKY teria saído do local, dirigindo um GM Chevette de cor verde, enquanto que RAIMUNDO, deixara o local em uma caminhonete Nissan Frontier. Posteriormente, teriam retornado juntos em um veículo VW Gol, de cor preta, que havia sido emprestado a SILKY, por seu sobrinho.

Portanto, não é possível o decote dessa qualificadora, ante a existência de indícios de sua ocorrência, devendo, a exemplo da qualificadora do motivo fútil e do meio cruel, ser submetida ao Conselho de Sentença.

O Tribunal a quo , a seu turno, manteve as qualificadoras na pronúncia pelos motivos a seguir (fls. 2.084-2.085, destaquei):

O pedido de decote das qualificadoras não merece prosperar. Na esteira da orientação do colendo STJ,"(...) somente é cabível a exclusão das qualificadoras, na decisão de pronúncia, quando manifestamente improcedentes, pois cabe ao Tribunal do Júri, diante dos fatos narrados na denúncia e colhidos durante a instrução probatória, a emissão de juízo de valor acerca da conduta praticada pelo réu (...)"( AgRg no AREsp 1420950/PB, Rel.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 21/02/2020).

Além disso," a jurisprudência desta Corte Superior é a de que somente devem ser excluídas da sentença de pronúncia as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes ou sem nenhum amparo nos elementos dos autos, sob pena de usurpação da competência constitucional do Tribunal do Júri (...) "( AgRg no AREsp 1308335/PI, Rel. Ministro ANTONIO

SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 26/08/2019).

No particular, as qualificadoras do motivo fútil, do emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima e do meio cruel encontram guarida nas provas coligidas aos autos e devem ser submetidas ao crivo do Corpo de Jurados.

A combativa defesa do réu RAIMUNDO não logrou êxito em comprovar de forma plena e escoimada de qualquer dúvida, tese que subtraia dos jurados a competência para análise das qualificadoras. Se há questões controvertidas, como pretende fazer crer, devem elas ser dirimidas pelos juízes naturais da causa. As dúvidas, neste momento processual, resolvem-se em favor da sociedade. A pronúncia, nos moldes da sentença recorrida, é imperativa.

A pronúncia consubstancia um mero juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual basta que o juiz esteja convencido da materialidade do delito e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação delitiva para que o acusado seja pronunciado, consoante o disposto no art. 413 do Código de Processo Penal.

A decisão que submete o agente a julgamento perante o Conselho de Sentença deve ser fundamentada em relação à materialidade do fato e aos indícios suficientes de autoria ou de participação delitiva, inclusive no que se refere às qualificadoras , haja vista o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal.

Vale dizer, embora a decisão de pronúncia deva ser comedida na apreciação das provas, deve conter uma fundamentação mínima, com base nos elementos fático-probatórios amealhados aos autos, para o reconhecimento de qualificadoras, deixando o juízo de valor acerca da sua efetiva ocorrência para ser apreciado pelo Conselho de Sentença.

No caso em exame, verifico que o acórdão impugnado se limitou a afirmar que as qualificadoras" encontram guarida nas provas coligidas aos autos "(fl. 2.085). Todavia, não explicitou quais provas foram valoradas para que se concluísse haver plausibilidade quanto à prática do homicídio por motivo fútil, com meio cruel e com o uso de recurso que dificultou a defesa da vítima.

É dizer, não basta justificar a presença das qualificadoras na decisão de pronúncia com base na narrativa descrita na denúncia. É necessário que haja lastro probatório suficiente sobre as circunstâncias fáticas que as ensejaram, a fim de que elas sejam submetidas ao Tribunal do Júri.

Ressalto que é dever do julgador explicitar os motivos que o levaram a decidir pela pronúncia, por ser este o momento crucial e definitivo quanto à delimitação da matéria a ser apreciada pelo Tribunal do Júri.

A ausência de fundamentação concreta das decisões é causa de nulidade absoluta do julgado. Deveras, a motivação dos atos jurisdicionais, conforme imposição do art. 93, IX, da Constituição Federal ("Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade..."), funciona como garantia da atuação imparcial e s ecundum legis (sentido lato) do órgão julgador.

Presta-se, assim, a motivação dos atos judiciais a servir de controle social sobre os atos judiciais e de controle das partes sobre a atividade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes e se bem aplicou o direito ao caso concreto.

Sob essas premissas, entendo haver flagrante ilegalidade , pois o acórdão impugnado se limitou a asseverar, genericamente , existir provas suficientes para manter as qualificadoras na pronúncia. Destarte, constatada a ausência de fundamentação concreta do decisum , deve ser concedida a ordem para anular o acórdão do recurso em sentido estrito e determinar que o Juízo de segundo grau prolate nova decisão.

Ressalto não ser possível a análise direta, por esta Corte Superior, acerca da plausibilidade das qualificadoras, uma vez que, para tanto, seria imprescindível o reexame fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via estreita do habeas corpus.

À vista do exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a

ordem, de ofício, para cassar o acórdão impugnado e determinar que outro seja prolatado, com a devida fundamentação acerca das qualificadoras incidentes na pronúncia.

Publique-se e intimem-se.

Brasília (DF), 01 de agosto de 2023.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Relator

(STJ - HC: 829912, Relator: ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: 02/08/2023)

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