STJ - H.C. de Ofício em REsp - Dosimetria da Pena Tráfico
O STJ, em HC de Ofício em REsp, afastou a valoração negativa da culpabilidade, dos motivos e das consequências do crime; determinou a aplicação da fração de 1/6 para a atenuante da confissão espontânea; e reconheceu a presença do bis in idem.
Grupo Mentoria em HC e REsp - Whatsaap - Todo dia Jurisprudência
https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10
O STJ, em HC de Ofício em REsp, afastou a valoração negativa da culpabilidade, dos motivos e das consequências do crime; determinou a aplicação da fração de 1/6 para a atenuante da confissão espontânea; e reconheceu a presença do bis in idem, determinando que o Tribunal de origem proceda a uma nova dosimetria da pena:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO DEFICIENTE DA DECISÃO DE INADMISSÃO NA ORIGEM. INOBSERVÂNCIA DO COMANDO LEGAL INSERTO NOS ARTS. 932, III, DO CPC E 253, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO RISTJ. ILEGALIDADE FLAGRANTE. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O agravo que não rebate especificamente os fundamentos utilizados para inadmitir o especial atrai a incidência da Súmula nº 182/STJ. 2. Verificada, de ofício, a ocorrência de ilegalidade relativa à dosimetria da pena imposta, sendo necessária a concessão de habeas corpus quanto a esse aspecto. 3. Agravo regimental improvido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para afastar a valoração negativa da culpabilidade, dos motivos e das consequências do crime; determinar a aplicação da fração de 1/6 para a atenuante da confissão espontânea; e reconhecer a presença do bis in idem, determinando que o Tribunal de origem proceda a uma nova dosimetria da pena, levando em consideração os termos explicitados. (STJ; AgRg-AREsp 1.946.013; Proc. 2021/0242256-4; ES; Sexta Turma; Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; Julg. 26/10/2021; DJE 05/11/2021)
No VOTO CONDUDOR, as explicações:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR):
(...)
Contudo, apesar de não prosperarem os argumentos defendidos pelo
agravante, verifico a existência de ilegalidade flagrante na dosimetria da pena, a ser corrigida de ofício, por meio de habeas corpus.
Da análise dos autos, verifica-se que o ora agravante foi condenado
à pena de 6 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao
pagamento de 650 dias-multa, como incurso no art. 33, caput, da Lei n.
11.343/2006 (apreensão de 4.694 kg de crack).
Não se mostra idônea a fundamentação lançada na sentença – e
corroborada pelo Tribunal local - para a majoração da pena-base, no tocante à
culpabilidade, aos motivos e às consequências do crime (fls. 369/370):
[...] Considerando a culpabilidade do agente, agindo com dolo, sendo certo
que a exploração do tráfico ilícito de entorpecentes vem se tornando cada vez
mais organizada, resultando em verdadeiras facções escalonadas do crime
em que cada parte desenvolve funções específicas e delimitadas,
movimentando enormes somas em dinheiro e, em muitas comunidades,
encampando o Poder Oficial, exercido pelo Estado, gerindo-as como bem
entenderem, merecendo, pois, reprimenda estatal; antecedentes, há de ser
considerado primário; conduta social, não esclarecida; personalidade, que
não pode ser aferida, face a ausência de laudo psicológico firmado por
profissional habilitado; motivos, que, na essência, visam ao lucro rápido e
fácil; circunstâncias, que não favorecem, considerando a apreensão de
vultosa quantidade de “crack”, de alto valor de mercado, eis que, segundo
pelo próprio fora declarado, pela venda de ½ quilo da substância auferiria R$
9.000,00; consequências, desfavoráveis, com disseminação de droga e
perniciosa à sociedade e a situação financeira do réu, mediana, estando
amparado por patrono particular. [...]
A assertiva referente à culpabilidade do agente - agindo com dolo, sendo certo que a exploração do tráfico ilícito de entorpecentes vem se tornando cada vez mais organizada, resultando em verdadeiras facções escalonadas do
crime em que cada parte desenvolve funções específicas e delimitadas,
movimentando enormes somas em dinheiro e, em muitas comunidades,
encampando o Poder Oficial, exercido pelo Estado, gerindo-as como bem
entenderem -, bem como às consequências do crime - desfavoráveis, com
disseminação de droga perniciosa à sociedade, e a situação financeira do réu,
mediana, estando amparado por patrono particular -, por serem vagas e
genéricas, não constituem elementos idôneos à exasperação da pena-base,
pois dissociadas de elementos fáticos aptos a demonstrarem a gravidade
concreta do delito.
Nesse sentido: AgRg no REsp n. 1.657.417/ES, Ministro Jorge Mussi,
Quinta Turma, DJe 19/12/2019; HC n. 466.740/PE, Ministra Laurita Vaz, Sexta
Turma, DJe 19/12/2018; HC n. 450.352/PE, Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, Quinta Turma, DJe 10/12/2018, e HC n. 422.413/SE, Ministra Maria
Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 12/4/2018.
Mostra-se igualmente incorreta a valoração dos motivos do crime,
porquanto o Juízo singular se valeu de circunstância inerente ao tipo penal ora
violado para justificar a exasperação da pena-base: o lucro rápido e fácil.
Veja-se o AgRg no AREsp n. 1.796.538/PR, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma,
DJe 29/4/2021 e o EDcl no AgRg no AREsp n. 1.704.093/ES, Ministro Nefi
Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/11/2020.
Em relação à segunda fase, constata-se que a pena foi reduzida em
apenas 3 meses, não tendo sido observado o patamar de 1/6 (fl. 370):
[...] Incide a atenuante da confissão, de modo que reduzo-lhe a pena
aplicada em 03 (três) meses, atingindo-se, então, SEIS ANOS E TRÊS
MESES DE RECLUSÃO sem alteração da pena de multa, por reputá-la
suficiente aos critérios de prevenção geral/especial da pena [...]
Ao contrário do consignado no acórdão impugnado, o entendimento
firmado por este Superior Tribunal é no sentido de que a aplicação de fração
diversa da de 1/6, pelo reconhecimento de agravantes e/ou de atenuantes
genéricas, exige motivação concreta e idônea, o que não ocorreu no caso.
Nesse sentido: HC n. 614.998/PE, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta
Turma, DJe 20/10/2020; AgRg no AREsp n. 1.630.565/MG, Ministra Laurita Vaz,
Sexta Turma, DJe 29/6/2020; AgRg no AREsp n. 1.688.698/TO, Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 23/6/2020; HC n. 492.801/MS,
Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 17/6/2019, entre outros.
Logo, mostra-se desproporcional a redução da pena intermediária
operada pela instância ordinária, em razão do reconhecimento da atenuante da
confissão, já que não foi declinada nenhuma justificativa idônea para que a
redução fosse operada no patamar de 1/6, contrariando, com isso, a
jurisprudência consolidada desta Corte.
Quanto ao redutor do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, verifica-se
que, em sede recursal, o Tribunal de Justiça manteve a conclusão da sentença,
de não incidência da referida causa de diminuição de pena, conforme se
observa da seguinte passagem do acórdão recorrido (fls. 541/543 - grifo nosso):
[...] No tocante a redução da pena-base, inicialmente, cobra relevo
esclarecer que a jurisprudência deste Colegiado se inclina na direção de que
"deve a reprimenda se afastar do mínimo legal quando houver circunstâncias
desfavoráveis ao agente" (Apelação Criminal 11140132728, Rel. Des. Adalto
Dias Tristão, Segunda Câmara Criminal, DJ 17/07/2015), valendo lembrar
que, mesmo que "as circunstâncias judiciais sejam favoráveis ao recorrente, a
redução da pena base não deve alcançar o mínimo legal, haja vista droga
apreendida" (Apelação Criminal 0035657-15.2012.8.08.0024. Primeira
Câmara Criminal. Rel. Des. Subst. Délio José Rocha Sobrinho. DJ
28/02/2014).
Logo, ainda que, a primeira vista, o conjunto das circunstâncias judiciais
milite em favor do recorrente, há que se ter em mente que o artigo 42 da Lei
nº 11.343/2006 impõe que o julgador considere, com preponderância sobre o
previsto no artigo 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da droga, a
personalidade e a conduta social do agente.
No caso em apreço, a quantidade e natureza das drogas, a saber,
4.694Kg (quatro quilos seiscentos e noventa e quatro gramas) de
crack, já é fundamento suficiente para afastar a pena base do mínimo
Iegal, fazendo da referida exasperação, algo proporcional, dada às
particularidades do caso concreto e a pena abstrata imposta ao tipo penal (05
a 15 anos de reclusão).
Ademais, analisando a sentença condenatória, constato que as
circunstâncias judiciais do recorrente não lhe são totalmente favoráveis, fato
que, do mesmo modo, por si só, também impede a fixação da pena-base no
mínimo legal.
Assim sendo, levando-se em conta que a pena abstrata para o crime de
tráfico de drogas é de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos, considero que a
pena-base fixada pelo magistrado singular se amolda perfeitamente aos
feitos em questão.
No que toca à aplicação da causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º
da Lei nº 11.343/2006, relembro que a incidência do § 4º, do artigo 33, da Lei
nº 11.343/06 pressupõe comprovação da primariedade e dos bons
antecedentes do réu e que não se dedique ele a atividades criminosas ou
integre organização criminosa. Preenchidos esses requisitos, o magistrado
sentenciante deve reduzir a pena à razão de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois
terços), levando em consideração a responsabilidade penal do acusado, bem
como as circunstâncias da prisão, a quantidade e a natureza da droga
apreendida.
No caso focado, como bem ponderou o douto magistrado "tem-se
que o acusado mantinha em depósito vultuosa quantidade de drogas,
as quais não de seriam confiadas a mero participante eventual movimento,
sendo, pois, de se reconhecer que, embora sem comprovação da
estabilidade permanência necessárias a ensejar o crime do artigo 35, da lei
em comento, passou a integrar organização criminosa, visto ser rara, para
não dizer inexistente, a atuação" autônoma "no escalonado regime imposto
pelo Tráfico de entorpecentes e seus chefes", circunstância que pois descarta
configura a possibilidade de redução da pena, pois configura sua
habitualidade na prática delitiva.
[...]
Todavia, segundo o reiterado posicionamento jurisprudencial desta
Corte, a utilização concomitante da natureza e da quantidade da droga
apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para
descaracterizar o tráfico privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena,
configura bis in idem, expressamente rechaçado no julgamento do Recurso
Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo
Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712). Afora isso, a
utilização supletiva desses elementos para afastamento do tráfico privilegiado
somente pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras
circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do
agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa (REsp n.
1.887.511/SP, Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Seção, DJe
1º/7/2021).
Na hipótese, a natureza e a quantidade da droga apreendida (4.694
kg de crack) foram consideradas na primeira fase da dosimetria para elevar a
pena-base. Logo, não poderá tal fator ser também utilizado como parâmetro para
afastar o redutor ora perseguido, em respeito ao princípio do non bis in idem.
Veja-se: AgRg no HC n. 674.478/PR, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca,
Quinta Turma, DJe 30/8/2021 e AgRg no HC n. 542.208/SP, Ministro Antonio
Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 2/3/2021.
Logo, deve o Tribunal de origem proceder a uma nova fixação da
reprimenda do agravante, com a utilização da quantidade e qualidade da droga
em apenas uma das fases da dosimetria, devendo, ainda, observar o patamar de
1/6 na redução da pena intermediária.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental de Douglas
Vieira Monteiro de Oliveira. Concedo, entretanto, habeas corpus de ofício, para:
afastar a valoração negativa da culpabilidade, dos motivos e das consequências
do crime; determinar a aplicação da fração de 1/6 para a atenuante da confissão
espontânea; e reconhecer a presença do bis in idem, determinando que o
Tribunal de origem proceda a uma nova dosimetria da pena, levando em
consideração os termos acima explicitados.
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.