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A relação médico-paciente caracteriza relação de consumo?
Artigo publicado originalmente no meu blog https://www.blogdolucasararipe.com
O que se entende por uma relação de consumo?
Conforme a melhor doutrina de Luiz Antonio Rizzatto Nunes (2017, p. 151) haverá uma relação de consumo quando "se puder identificar num dos polos da relação o consumidor, no outro, o fornecedor, ambos transacionando produtos e/ou serviços".
O art. 3º do CDC exige que, para ser enquadrado como fornecedor, a parte deve praticar uma atividade negocial, conceituada por Tarcisio Teixeira (2016, p. 54) como sendo "qualquer atividade que tenha por finalidade o lucro".
Pergunta-se, então: A relação jurídica entre médico e paciente caracteriza relação de consumo? O contrato de tratamento visa a obtenção de lucro, nos termos do art. 3º do CDC?
Com a devida vênia, entendo que não.
Atualmente, doutrina e jurisprudência reconhecem que o serviço prestado pelo médico ao paciente é uma relação de consumo, mediante uma leitura literal (gramatical) do Código de Defesa do Consumidor.
Pode o paciente discutir, por exemplo, um vício oculto em até 05 anos após o atendimento médico, iniciando o prazo quando ficar evidenciado o defeito (§ 3º do artigo 26 c/c artigo 27 do CDC); ou, ainda, ingressar com uma ação na justiça em seu domicílio, mesmo sendo o atendimento em local diverso (artigo 101, I do CDC).
Nelson Nery Júnior explica que o legislador buscou, com o surgimento do Código do Consumidor, buscar a igualdade material, ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas respectivas desigualdades. Porém, o CDC, como acima demonstrado, é voltado para atividades negociais que buscam o lucro, objeto este completamente diverso da medicina.
Pela leitura da Lei 12.842/13, que disciplina a atividade médica, é de fácil constatação que o real objeto da atuação do médico não é uma atividade negocial, mas sim "a saúde do ser humano e das coletividades humanas", conforme art. 2º da normativa. Podemos encontrar o mesmo objeto no decreto 20.931/32 (artigo 16, alínea g) e na Resolução do Conselho Federal de Medicina 2.217/18, que regula o Código de Ética Médica, trazendo como princípios fundamentais (I, II, IX, X, XX) e normas deontológicas (artigos 46, 58, 68, 69, 72, 104 e 115) voltadas à proibição de atividades comercial e de consumo por parte do profissional da medicina.
Mister destacar, ainda, que o artigo 14, § 4º do CDC não pode ser usado para que o médico responda, visto que sua atividade autônoma e liberal é um serviço sui generis (com regulação própria), conforme a doutrina e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceram em favor do advogado, não incidindo, portanto, o CDC (STJ; AgInt no REsp 1.446.090 - SC).
Portanto, defende-se a tese de que a relação médico-paciente constitui um vínculo de natureza civilista e não de relação de consumo, visto que a interpretação meramente literal ou gramatical de uma norma (CDC) deve ceder passo quando colidente com outros métodos exegéticos de maior robustez e cientificidade, conforme já decidiu o STJ no RESP 9934/SP.
Marcelo Novelino explica que a principal crítica ao método de interpretação gramatical de uma norma é que “ os elementos clássicos, embora importantes para a interpretação constitucional, são insuficientes para a resolução dos casos de maior complexidade, não podendo ser olvidado que as reflexões feitas por Savigny tiveram por base institutos jurídicos próprios do direito privado”.
Assim, numa interpretação sistemática entre o Código de Ética, Código Civil e Lei 12.842/13, deve-se entender que o médico não se compromete a curar o paciente, mas sim prestar os cuidados necessários, possibilitando a boa recuperação do mesmo.
Já os danos ocasionados por atos extramédicos, preponderantemente ligados à hotelaria hospitalar particular, como mau funcionamento de equipamentos, segurança do paciente e etc, configuram relação típica de consumo e devem ser abraçadas pelo Código de Defesa do Consumidor, visto que, o hospital desenvolve uma atividade negocial com o intuito de lucro, devendo responder o estabelecimento de forma objetiva, independente de culpa, nos moldes do art. 3º e 14 do CDC. Da mesma forma devemos tratar os atos paramédicos, em geral praticados pela enfermagem e outros profissionais da saúde.
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Getúlio Costa Melo: Uso equivocado do Código de Defesa do Consumidor às relações entre médico e paciente. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/321163/uso-equivocado-do-código-de-defesa-do-consumidor-as-relacoes-entre-medicoepaciente. Acesso em: 26/09/2020.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: Clique aqui;
BRASIL. Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013. Institui a Lei do Ato Medico. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: Clique aqui;
BRASIL. Resolução CFM nº 2.217/2018. Institui o Código de Ética Médica. Brasília, DF: Conselho Federal de Medicina. Disponível em: Clique aqui;
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 151;
NERY JÚNIOR, Nélson. Princípios do processo civil à luz da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999;
TEIXEIRA, Tarcisio Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2016, p. 54.
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional, 14. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2019.
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
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