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16 de Junho de 2024

Da inconstitucionalidade do inquérito nº 4781, mais conhecido como inquérito das fake news e sua relação com a teoria dos frutos da árvore envenenada.

há 4 meses

1. INTRODUÇÃO

Até a conclusão do presente artigo, está em trâmite no âmbito do Supremo Tribunal Federal desde 14/03/2019 o Inquérito nº 4781, mais conhecido na sociedade brasileira como inquérito das fake news. O inquérito, nos termos da portaria nº 69/2019 que lhe deu origem, tem como objeto inicial velar pela “intangibilidade das prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e dos seus membros e apurar a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honra e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. No presente artigo, analisaremos as características do presente inquérito, sua constitucionalidade e, especialmente, sua relação com a teoria probatória dos frutos da árvore envenenada.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 – DAS INCONSTITUCIONALIDADES E ILEGALIDADES DA INVESTIGAÇÃO

2.1.1 – Da violação ao sistema acusatório

Inicialmente, chama-se a atenção do leitor para a ausência da legitimidade necessária para promover o início das investigações. Se considerarmos que os crimes em comento são de ação penal pública incondicionada, a iniciativa para a instauração do inquérito policial deveria partir, ex oficio, do próprio delegado de polícia civil ou delegado de polícia federal (se presentes os requisitos legais específicos) ou por requisição do membro do Ministério Público, nos termos do art. 129 da Constituição Federal.

Já se os supostos crimes forem de ação penal pública condicionada ou de ação penal privada, a instauração dependeria de requerimento do ofendido/vítima ou de seu representante legal, ou ainda, de requisição do Ministro da Justiça nos casos previstos em lei.

Cabe destacar que esses requisitos não foram observados no Inquérito nº 4781, visto que o então presidente do STF, Excelentíssimo Senhor Ministro Dias Toffoli, através da portaria nº 69/2019, determinou a abertura do inquérito, designou o Ministro Relator e deu início às investigações, justificando o ato com a previsão regimental do art. 43 do RISTF.

É importante salientar que o art. 43 do RISTF não foi recepcionado pela Carta Magna, pois prevê a abertura de inquérito por ordem ou requisição da autoridade judiciária, mais especificamente o Presidente do STF, violando o sistema processual penal acusatório em vigor no Brasil com o advento da atual Constituição Cidadã. Esse é o primeiro ponto de análise.

Em que consiste o sistema acusatório? É um sistema de persecução penal em que as funções de investigar, acusar e julgar são separadas, sendo designadas à autoridade policial, ao membro do Ministério Público e ao Juiz, respectivamente. Tal regramento, veio a substituir o antiquado sistema inquisitorial, vigente do século XIII ao século XVIII, muito comum nos antigos regimes ditatoriais, em que a função de investigar, acusar, defender e julgar eram acumuladas (indevidamente) pelo juízo inquisitorial, conferindo-lhe superpoderes e ferindo, assim, a imparcialidade, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Nas palavras do eminente professor e doutrinador Renato Brasileiro de Lima, em seu Manual de Processo Penal Volume Único: Em um sistema acusatório como o nosso, onde há nítida separação das funções de investigar (e acusar), defender e julgar (…), não se pode permitir que o juiz requisite a instauração de um inquérito policial. Essa divisão de funções tem a mesma finalidade que o próprio princípio da separação de poderes: visa impedir a concentração de poder, evitando que seu uso se degenere em abuso.” Ob. 8ªEd. 2020. Pág.200.

No Inquérito nº 4781, por enquanto e lamentavelmente, as funções de investigar, acusar e julgar vão se acumulando em um único agente, sem perspectivas de mudança desse cenário. Além disso, se considerarmos que os Ministros do STF são também os ofendidos pelos hipotéticos delitos, a situação é ainda mais grave, pois Suas Excelências, além das inconveniências apontadas (e por que não falar em inconstitucionalidades?), agora ostentando a condição de vítimas ou interessadas diretamente no feito, passam também a ser impedidas de julgarem futuro processo decorrente desse inquérito, nos termos do art. 252, inciso IV do Código de Processo Penal.

Em que pese o art. , inciso II do Código de Processo Penal trazer a previsão de que a autoridade judiciária pode requisitar a instauração de inquérito, tal previsão não se amolda ao sistema acusatório previsto na atual Carta Magna da República, de modo que a norma em questão não possui validade, por afrontar diretamente a Lei Maior, concluindo-se que tal dispositivo processual também não foi recepcionado pela Constituição vigente.

Dessa forma, o inquérito das fake news traz esse grave defeito em seu nascedouro e, assim, se por ocasião do julgamento forem respeitadas as regras processuais penais, a anulação do futuro processo por certo prosperará, não só pela forte questão argumentativa apresentada, mas também pela previsão do art. 3º-A e art. 564, inciso III, a e d, ambos do Código de Processo Penal.

2.1.2 – Da violação à vedação constitucional à designação de juiz ou tribunal de exceção

Outra lamentável violação à Lei Fundamental foi a ausência de sorteio para escolha do relator do inquérito, ferindo o art. 5º, inciso XXXVII e LIII, ambos da Constituição Federal, que veda a criação ou designação de juiz ou tribunal de exceção e que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.

Essa vedação foi inserida na Constituição para evitar que o Estado julgue determinados processos mediante casuísmos, movidos por preferências, paixões, vinganças ou qualquer sentimento de revanchismo, dependência, direcionamento, etc, em um tribunal, em tese, criado de forma repentina, causando surpresa aos atores do processo e à comunidade jurídica, especificamente para julgar um determinado crime ou réu. É saber, o julgamento do caso dar-se-á por um juiz ou tribunal escolhido a dedo, dependente, parcial, por ter sido designado para uma “missão” ou julgamento especial até então de desconhecimento de todos.

O juiz natural, que é o oposto do juiz ou tribunal de exceção, é um direito do cidadão. É o direito de ser julgado por um juízo ou tribunal previamente existente, competente, conhecido, independente e imparcial, de acordo com a Constituição, leis penais, processuais penais e regimentais, vigentes na época dos fatos.

Sobre a vedação a criação ou instituição de juiz ou tribunal de exceção assim leciona o professor e doutrinador Pedro Lenza em sua obra Direito Constitucional Esquematizado: “A Constituição estabelece que não haverá juízo ou tribunal de exceção, não podendo ninguém ser processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.” Ob. 25ª Ed. Pág. 1252.

No atual regramento processual, havendo mais de um juiz na comarca ou no tribunal, a competência para o julgamento será definida por sorteio. É isso que está previsto art. 930 do Código de Processo Civil, assim como em inúmeros regimentos internos de tribunais, como, por exemplo, no art. 66 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), art. 69 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), art. 168, § 1º do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no art. 75 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, dentre outros.

Vejamos o que prevê o Código de Processo Civil sobre a questão do sorteio, cuja redação é semelhante à dos regimentos internos dos demais tribunais:

Art. 930. Far-se-á a distribuição de acordo com o regimento interno do tribunal, observando-se a alternatividade, o sorteio eletrônico e a publicidade.

Apenas pra trazer mais certeza ao leitor colacionaremos também o art. 66 do RISTF, cuja redação deveria impor ao Presidente da Corte a realização do sorteio. Vejamos:

Art. 66. A distribuição será feita por sorteio ou prevenção, mediante sistema informatizado, acionado automaticamente, em cada classe de processo.

§ 1º. O sistema informatizado de distribuição automática e aleatória de processos é público e seus dados são acessíveis aos interessados.

§ 2º. Sorteado o relator, ser-lhe-ão imediatamente conclusos os autos.

No entanto, mesmo o Supremo Tribunal Federal sendo um órgão colegiado e composto por 11 (onze) juízes, não houve prévia distribuição e sorteio para a escolha do relator do inquérito, sendo o Excelentíssimo Senhor Ministro Alexandre de Moraes, designado diretamente para a relatoria pelo então presidente da Suprema Corte, sem a presença de critérios objetivos, em clara violação à Constituição, às leis processuais e ao seu próprio regimento, criando uma competência encomendada, inquisitorial que, como visto, não encontra amparo no Texto Maior, sendo, portanto, justificada as críticas no momento apresentadas diante de flagrante inconstitucionalidade.

Além disso, o eminente Relator, assim como o próprio tribunal que integra, desde então, passaram a acumular indevidamente poderes e competências investigatórias, sem o aval do Ministério Público, criando uma espécie de competência universal para apurar fatos passados e também futuros, contra tudo e contra todos.

Já o objeto inicial da investigação, em que pese ser genérico, foi sendo distorcido e ampliado com o tempo, o que, data vênia, também merece nossa crítica do ponto de vista jurídico, pois, além de comprometer a imparcialidade do julgador que, no momento, acumula as funções do delegado e do procurador (sem falar que também é vítima e juiz), estando na vanguarda probatória, está fazendo com que o inquérito perca ou desvie de sua finalidade em apurar um fato certo, determinado ou determinável e tipificado na lei penal, permanecendo a investigação, até o presente momento, em aberto, para apurar casos futuros, assim como ocorre lamentavelmente em regimes ditatoriais.

2.1.3 – Da violação ao princípio do juiz natural. Pessoas sem foro por prerrogativa de função sendo investigadas diretamente pela Suprema Corte

Antes de apontar como o inquérito das fake news viola o princípio do juiz natural é preciso lembrar que historicamente, a competência para processar e julgar os crimes cometidos contra funcionário público federal quando relacionado exercício de suas funções é da Justiça Federal da União.

Esse entendimento histórico estava previsto na Súmula nº 98 do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR) e foi reafirmado e sedimentado na jurisprudência da Superior Tribunal de Justiça (STJ) após a CF/88, por ocasião do julgamento do Senhor José Darionízio Pereira da Cruz, que no dia 22/03/1991, na rampa do Palácio do Planalto, foi acusado de se aproximar com uma “faca Tramontina”, do então Presidente da República, Excelentíssimo Senhor Fernando Collor de Mello, com a intenção de “dar um susto” no Mandatário Maior da Nação, sendo contido pela segurança presidencial e, posteriormente, levado a julgamento pelo crime de ameaça contra funcionário público.

Segundo o STJ, conforme entendimento pacificado através da Súmula nº 147, “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”. No histórico caso trazido como exemplo, o autor da ameaça contra o Presidente da República, conforme o entendimento do STJ, deveria ser processado em julgado na 1ª instância da Justiça Federal, pois o autor do crime não possuía foro por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado.

Voltando ao presente, nesse momento, no inquérito nº 4781, pessoas comuns do povo, funcionários públicos de baixo escalão, empresários, sacerdotes, mesmo sem foro por prerrogativa de função, estão sendo investigados e, possivelmente, serão processados e julgados diretamente pelo Supremo Tribunal Federal ao arrepio do art. 5º, inciso LIII da Constituição Federal e súmula nº 147 do STJ. Essa novel competência do STF sequer está prevista no art. 102 da Lei Fundamental que trata, exatamente, da competência desse tribunal.

Nesse sentido, tramitando o inquérito perante a Corte Suprema, sem que os investigados lá tenham “foro” como fica o enunciado da súmula nº 147 do STJ? Haverá uma virada ou inovação jurisprudencial ou uma tentativa do Pretório Excelso de remendar a indevida “avocação” de competência remetendo os autos para o juízo natural (1ª instância da Justiça Federal) no momento do oferecimento da denúncia, mediante desmembramento das ações cujos agentes não possuam foro especial?

E os atos praticados pelo Ministro-Relator que é a um só tempovítima-investigador-acusador-julgador” e incompetente nos termos da lei? As prisões, buscas e apreensões e outras medidas cautelares, além da produção de provas, etc, serão passíveis de convalidação? Entendemos que não.

Mas será que atualmente o direito é aquilo que está escrito na Constituição e nas leis ou o que o Poder Judiciário diz sobre ele? Com a ação enviesada da Corte Suprema no tocante a esse polêmico inquérito a quem os juristas e a sociedade poderão legal e democraticamente recorrer? Ao próprio STF que vem validando todos os atos praticados? Fica o questionamento.

A sociedade civil organizada e os órgãos essenciais à justiça como o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública terão como, diante dos recursos e incidentes processuais, provocarem uma nova discussão e reflexão sobre o caso com a consequente mudança de pensamento nos Ministros do Supremo Tribunal e assim frear esse incômodo ato de autoritarismo ora criticado? O Tribunal Maior vem indicando por ampla maioria, como foi na ADPF 572, que não vai se render à crítica dos juristas.

Portanto, caso venha a ser confirmado que essas pessoas sem foro privilegiado sejam processadas e julgadas perante o Supremo Tribunal Federal, estaremos diante de clara violação do princípio do juiz natural, o que viria a ser mais uma nulidade processual, dessa vez, por incompetência do juízo, mediante o desrespeito ao art. 5º, inciso LIII e art. 102, ambos da Constituição Federal, art. 564, inciso I do Código de Processo Penal e da Súmula nº 147 do STJ.

2.1.4 – Da violação ao princípio constitucional da razoável duração do processo

De acordo com o Código de Processo Penal o inquérito policial deve ser concluído em 10 (dez) dias se o investigado estiver preso em flagrante e em 30 (trinta) dias se estiver solto. Nos casos em que o investigado estiver preso o prazo passa a ser de observância obrigatória (próprio) e quando solto passa ser um prazo passível de prorrogação (impróprio). Porém, por mais que se admita a prorrogação do prazo, o inquérito 4781 já conta com aproximadamente 05 (cinco) anos de duração, fugindo a qualquer indicativo de razoabilidade e proporcionalidade.

O princípio constitucional da razoável duração do processo também se aplica aos inquéritos policiais, tendo em vista que a simples condição de investigado já tem o condão de tirar a paz, a tranquilidade e normalidade da vida do cidadão contra quem se procede a investigação. Ninguém está acima da lei, todavia, ninguém pode ser eternamente processado ou investigado.

Mais uma vez, no mesmo sentido do que aqui se sustenta está a abalizada doutrina do professor Renato Brasileiro de Lima que assim pontuou: “A nosso ver, diante da inserção do direito à razoável duração do processo (art. 5º LXXVIII), já não há mais dúvidas de que um inquérito policial não pode ter ser prazo de conclusão prorrogado indefinidamente. (…) Essa natureza temporária da investigação preliminar ganha reforço com a entrada em vigor da nova lei de abuso de autoridade (…)”. Ob. 8ª Ed. 2020. Pág.196.

Com o excesso de prazo das investigações está caracterizado o constrangimento ilegal tanto na seara moral, como na esfera social, econômica e financeira, ferindo também a dignidade da pessoa humana e, assim, o inquérito passa a incorrer em ilegalidade, ante a latente ineficiência estatal, causando inúmeros prejuízos aos investigados, como é o caso ora analisado. Sobre o trancamento de inquéritos por excesso de prazo já existem inúmeros precedentes não só no STJ ( RHC 82599/RJ; RHC 135299/CE; HC 624619/CE; HC 482141/SP; HC 96.666/MA), mas também no próprio STF ( Inq 4444 AgR; Inq 4660; Pet 8166, AgRg 222197).

Diante dessas considerações, é forçoso concluir, nos termos da doutrina e jurisprudência pátria, que o inquérito 4781 já ultrapassou e muito os prazos considerados razoáveis e proporcionais para a sua conclusão, devendo o mesmo ser encerrado com a máxima brevidade, sem deixar de lado os outros pontos que, diante do exposto, caracterizam flagrante ilicitude e tornam a investigação analisada nula de pleno direito.

2.2 – DAS NULIDADES DOS ELEMENTOS INFORMATIVOS E PROVAS PORVENTURA ENCONTRADAS E AS QUE DELES DEPENDAM

Considerando, conforme já citado, que o inquérito foi instaurado diretamente pela autoridade judiciária sem o aval do Ministério Público, o que é vedado por ferir o sistema acusatório; que o relator foi diretamente designado violando a vedação constitucional de criação ou instalação de juízo ou tribunal de exceção e também violando a regra processual e regimental do sorteio; que pessoas sem foro por prerrogativa de função estão sendo investigadas e sofrendo com buscas, apreensões, prisões cautelares e outras medidas constritivas em seu desfavor praticadas por juízo incompetente; que o inquérito tem objeto e destinatário incerto, indeterminado e que seu prazo de duração já se arrasta para além do proporcional e razoável, causando constrangimento ilegal e ferindo a dignidade dos investigados, é forçoso concluir que os elementos informativos e as provas porventura encontradas estão, ab initio, eivados de ilicitude e consequente nulidade.

A Constituição Federal (art. 5º, inciso LVI) e o Código de Processo Penal (art. 157) vedam expressamente a utilização no processo de provas obtidas por meios ilícitos. No caso concreto ora analisado está claro que a investigação vem sendo promovida mediante inúmeras ilicitudes desde a sua instauração. Com efeito, lá na frente, o processo poderá ser anulado por inteiro, prejudicando a própria persecução penal e a responsabilização daqueles agentes que porventura tenham cometido crimes.

Por mais grave e repugnante que seja o fato o Estado deve investigar, processar e punir dentro das regras constitucionais, pois é isso que nos impõe a convivência em um Estado de Direito regido por leis democráticas. Não pode o Poder Judiciário sob a justificativa de combate ao crime agir fora dos ditames legais.

Vejamos a lição do professor Renato Brasileiro de Lima sobre esse ponto:

Aos olhos do leigo, soa desarrazoado permitir-se a absolvição de um culpado pelo fato de a prova ter sido obtida por meios ilícitos. Para ele, os fins justificam os meios. Ora, não podemos perder de vista, jamais, que vivemos em um Estado Democrático de Direito, e que neste a descoberta da verdade não pode ser feita a qualquer preço. Mesmo que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, não se pode admitir a utilização em um processo de provas obtidas por meios ilícitos. (…) Portanto, pode-se dizer que, no ordenamento pátrio, por mais relevantes que sejam os fatos apurados por meio de provas obtidas por meios ilícitos, estas não podem ser admitidas no processo. Se, mesmo assim, uma prova ilícita for juntada ao processo, surge o direito de exclusão, a ser materializado através do desentranhamento da referida prova dos autos.” Ob. 8ª Ed. 2020. Pág.684 e 688.

No caso da lei processual, consagrando o entendimento doutrinário e jurisprudencial, além de ser vedado a utilização no processo de provas obtidas por meios ilícitos, também é vedado a utilização das provas que sejam derivadas da prova ilícita, nos termos do art. 157, § 1º do Código de Processo Penal. Essas provas não podem ser incluídas no processo, mas, se forem, surge o direito a desentranhá-las.

Registra-se, nessa mesma linha argumentativa, a lição do ilustre professor Pedro Lenza, em sua obra Direito Constitucional Esquematizado:

As provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo. Desse princípio decorre também o de que as provas derivadas de provas obtidas por meios ilícitos também estarão maculadas pelo vício da ilicitude, sendo, portanto, inadimissíveis (teoria dos frutos da árvore envenenada)”.Ob. 25ª Ed. 2021. Pág. 1287.

Por fim, para sedimentar o entendimento trazemos à baila importante doutrina dos eminentes professores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, em seu Curso de Direito Processual Penal:

Em um juízo de causa e efeito, tudo o que é originário de uma prova ilícita seria imprestável, devendo ser desentranhado dos autos. A teoria dos frutos da árvore envenenada, também conhecida como teoria da ilicitude derivada, ou ainda, teoria da mácula (taint doctrine). (…) Existindo prova ilícita, as demais provas dela derivadas, mesmo que formalmente perfeitas, estarão maculadas no seu nascedouro, Este é o entendimento, inclusive, do Supremo Tribunal Federal”. Ob. 14ª Ed. 2019. Pág. 645.

Ante o exposto, infere-se que os elementos informativos e as provas por acaso encontradas nas diligências realizadas no bojo do inquérito 4781, nos termos da teoria dos frutos da árvore envenenada, serão consideradas ilícitas, assim como as novas provas que delas provierem, visto que foram produzidas sem a observância e em prejuízo dos direitos e garantias fundamentais, do princípio do juiz natural, princípio acusatório e do devido processo legal.

3. CONCLUSÃO

Diante dessas considerações, o operador do direito, seja advogado, delegado, juiz ou promotor, deve ter em mente que não há justiça fora da Constituição Federal e à margem do devido processo legal. Esse entendimento se aplica a toda persecução penal, seja na fase pré processual, processual ou de execução penal.

O estado-juiz não pode, de forma contraditória, praticar ilegalidades sob o pretexto de combater as supostas ilegalidades dos réus, pois, além de macular a imagem e a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade, o sistema de justiça estaria se equiparando aos próprios criminosos.

Nesse diapasão, diante das inúmeras ilegalidades e arbitrariedades apontadas na investigação, entendemos que o inquérito 4781 (inquérito das fake news) é inconstitucional e que as suas nulidades possuem caráter absoluto, desde o nascedouro, sem possibilidade de convalidação ou aproveitamento dos atos já praticados, o que, certamente, em breve, ensejará a anulação não só das provas produzidas como de toda a ação penal.

4. REFERÊNCIAS

BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal, Volume Único, 8ª Edição. Editora Juspodium. Salvador. 2020.

LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo. 2021.

TÁVORA. Nestor; RODRIGUES ALENCAR, Romeu. Curso de Direito Processual Penal. 14ª Edição. Editora Juspodium. Salvador. 2019.

PASSOS DE FREITAS. Vladimir. O inquérito das fake news no STF e sua relação com o sistema de Justiça. Conjur. 2022. acesso em 19/02/2023, às 13h55, através do link: https://www.conjur.com.br/2022-nov-27/inquerito-fake-news-stf-relacao-justica/

Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. PLANALTO. 2024.

Decreto Lei nº 3689/1941 ( Código de Processo Penal). PLANALTO. 2024.

Lei nº 13.105/2015 ( Código de Processo Civil). PLANALTO. 2024.

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Sobre o autor: Diego Augusto de Oliveira Melo é advogado, pesquisador e professor de direito.

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5 Comentários

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Parabéns pelo texto preciso e esclarecedor. continuar lendo

Miguel Vitta
3 meses atrás

Parabéns pelo artigo, ficou bem explicado. continuar lendo

Luana Lima
3 meses atrás

Excelente artigo! Excelentes referências: Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar. continuar lendo

M L
3 meses atrás

Amigo, uma forma de entender melhor, aos olhos da justiça, um processo é como um Lindo Castelo de Areia, isto é ao olhar pode ser robusto, porem sua solidez só será evidenciada quando o vento, a onda e a chuva chegar!

A própria Constituição estipula a criação dos "REGIMENTO INTERNO" e ele tem valor infraconstitucional, sua decadência só seria mediante prova de inconstitucionalidade, ou por conflito dentro das hierarquias dos níveis das leis, e ainda assim ao final ainda ira depender do entendimento para mediar o conflito de caso concreto. Quase todos os Regimentos Interno dos mais diversos sistemas organizacionais publico criam diretrizes de processamentos que evidentemente conflitam entre seus Princípios familiares e os Princípios distantes. A CF diz que todos somos iguais em direitos, o regimento diz que que você só pode cantar a dança da chuva quando for lua cheia e estiver chovendo! (sic) uma sátira pois no judiciário, o processo recursal corriqueiramente morre no próprio procedimento, nãos e julga o caso, mas se o adv. movimentou seu processo pelo remédio correto, no tempo correto!

A duvida é como provar inconstitucionalidade de uma casa que ela mesma julga, melhor, a própria turma seria responsável? Infelizmente nossa CF não previu muitas coisas, e entre elas este é um belo exemplo, contudo existem meios legais de modificar o entendimento, um belo exemplo é o congresso nacional por força de Lei regulamentar, criar diretrizes para a atividade, vale destacar que acima* de nossa constituição esta as convenções internacionais, pois quando acordado e o congresso aprovado, tem força de EMC, e não fica passivo pelo controle de constitucionalidade*.

Agora brincando um pouco, O que é realmente uma democracia? O que significa a maioria representativa?

Um estudo mais aprofundado, deveria redistribuir os processos, inclusive delimitar os campos de abrangência: como diz, cada um no seu quadrado, porem certos detalhes não existem na legislação... bom basta questionar sobre alguns temas um tanto polemico como Democracia, Liberdade, Estado, Terrorismo... por não serem tipificados de forma clara com objetivo de neutralizar os potenciais objetos, a justiça ira andar pela estrada do "eu acho... porque a doutrina de outro lugar do mundo diz que é assim..."

Uma coisa é certo, o inquérito das fake news, mostra sobre um tema bem importante, se chama "ENGENHARIA SOCIAL", muito provável, isto no futuro venha a se tornar um código completo, e é algo bem alinhado com os paradigmas comportamentais de nossa sociedade, principalmente com a forte exploração dos recursos tecnológicos.
Mas será um cansativo debate, pois seu escopo para condição atual violaria varias linhas da legislação que trata do devido processo legal e da justiça, por questões obvias manipular o próprio comportamento de terceiros ao ponto de induzir ações futuras. continuar lendo

Obrigado por sua participação. continuar lendo