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1 de Junho de 2024

Multiparentalidade: TJSE decide pela manutenção do liame afetivo materno, mesmo em caso de adoção

aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

Nos termos do artigo 41 do ECA, a partir do momento em que a pessoa é legalmente adotada por outra família deixa de ostentar a condição de filho de seus pais anteriores, afastando, assim, sua condição de descendente.

Assim, a adoção, em regra, atribui o status de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres dos filhos biológicos, inclusive no que tange aos direitos sucessórios, desligando o adotado de qualquer vínculo com pais e parentes biológicos.

Todavia, hodiernamente, a alteração dos arranjos familiares, tanto em número como em diversidade, forçou, mesmo que tardiamente, a doutrina e os precedentes jurisprudenciais a assumirem uma nova roupagem, mais aberta, liberal, voltada para os valores humanitários das pessoas envolvidas no caso concreto.

A multiparentalidade se encaixa nesse cenário. Trata-se da possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico, e/ou genitor afetivo, de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais.

Nessa senda, em outubro de 2019, o Tribunal de Justiça de Sergipe foi chamado a decidir um caso em que a mãe pugnava pela manutenção do vínculo com o seu filho biológico, no âmbito de uma ação que tratava da adoção do mesmo pelos tios.

In casu, informou a mãe biológica que até o dia 14/07/2016 encontrava-se encarcerada, cumprindo pena em regime fechado, e, em razão de tal fato, entregou seu filho, nascido no cárcere, aos cuidados de sua cunhada, tia paterna do menor, para que a mesma tivesse a guarda da criança, nunca a sua adoção. Ressaltou que não abandonou seu filho.

Na sentença proferida nos autos da Ação de Adoção ajuizada pela tia e tio paternos, o Magistrado destituiu a mãe biológica do poder familiar em relação à criança, e, por consequência, concedeu a adoção da criança XXX aos requerentes, XXX, com base no artigo 39 e seguintes do Estatuto da Criança e Adolescente.

Determinou, ainda, o cancelamento do registro civil original da adotada, para inscrição do novo registro civil, passando o infante a se chamar XXX, devendo constar os nomes dos adotantes, bem como dos respectivos avós, tudo como estabelecido no artigo 47 e seus parágrafos do mencionado Diploma Legal.

Irresignada, mãe biológica apelou da referida sentença afirmando que: "não se opõe ao processo adotivo em si, mas apenas pretende que, no registro de nascimento do menor, seu filho, continue a constar o seu nome, juntamente com o da mãe adotiva".

O relator José dos Anjos da 2ª Câmara Cível, de início, deixou claro que a pretensão da apelante não é retirar o menor do convívio atual dos seus tios paternos, o qual já se encontrava totalmente integrado no ambiente familiar, desde a mais tenra idade, como se filho fosse, mas, ao contrário, que seu nome não seja excluído do assento de nascimento do infante.

Diante desse contexto, atento aos novos arranjos familiares, no sentido de permitir que uma criança tenha, sem seu registro de nascimento, o nome de 02 (duas) mães, o Tribunal de Justiça de Sergipe citou o RE de nº 898.060/SC, que firmou a Tese de Repercussão Geral (Tema 662) reconhecendo a multiparentalidade.

Além disso, o relator ressaltou que:

"não me parece que a total exclusão do nome da mãe biológica da vida da criança possa ser considerada a medida que melhor preserva a criança, notadamente quando esse é o entendimento da Corte Suprema.
Não há, ressalte-se, como prever como se dará a formação do vínculo afetivo entre a Sra. Armanda Manuela e seu filho, no entanto, na hipótese inversa, fácil afirmar que mantido o alijamento da apelante da vida criança, dificilmente mãe biológica e filho conseguirão resgatar a relação materno-filial, embasada no relevante vínculo afetivo, de fundamental importância na vida da criança.
Assim, em observância às novas diretrizes do direito de família, e sua constante e consequente evolução, e, mais ainda, segundo a orientação do STF, no RE nº 898.060/SC, reconhecido como repercussão geral, é que entendo que deve ser acolhido o pleito da apelante, afirmado na audiência alhures informada, em concordância com os próprios pais adotivos e o parecer ministerial, sobre a pertinência da manutenção do nome da mãe biológica nos assentos registrais do menor adotado, conjuntamente com o nome dos pais adotivos.
Ressalto, por oportuno, que os efeitos jurídicos da adoção multiparental são os mesmos da adoção regulada pelo Estatuto da Criança e do AdolescenteECA, de forma que a única novidade caracteriza-se pela formação ou manutenção de mais um vínculo, além do habitual. Noutro prisma, inexiste proibição pela Lei de Registros Publicos (nº 6.015/73) quanto à múltipla filiação no assento do adotado.
[...} Por todo o exposto, conheço do presente recurso para lhe dar parcial provimento para manter os termos da sentença de 1º grau, mesmo que por outros fundamentos, no entanto, sem prejuízo e exclusão dos dados referentes à filiação biológica materna já existente, dos assentos registrais do menor, os quais deverão permanecer conjuntamente com o nome dos pais adotivos.

Interessante o caso, pois, mesmo no âmbito da adoção, foi possível o reconhecimento da multiparentalidade, pela aplicação do princípio do menor interesse da criança.

Vale transcrever a íntegra do voto:

Adoção. Multiparentalidade. Manutenção do liame afetivo materno. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

Data de publicação: 22/10/2019 Tribunal: TJ-SE

Relator: Des. José dos Anjos

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE ADOÇÃO – SENTENÇA QUE DEFERIU O PLEITO AUTORAL E DESTITUIU O PODER FAMILIAR DOS GENITORES - PLEITO DA GENITORA BIOLÓGICA DE MANTER SEU NOME NO ASSENTO REGISTRAL DO MENOR – POSSIBILIDADE - MULTIPARENTALIDADE RECONHECIDA – TESE DE REPERCUSSÃO GERAL FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL, NO JULGAMENTO DO RE Nº 898.060 – PRESERVAÇÃO DO VÍNCULO BIOLÓGICO MATERNO CONCOMITANTE COM O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO – MANUTENÇÃO DO LIAME AFETIVO MATERNO-FILIAL - OBSERVÂNCIA DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO INTEGRAL - SENTENÇA MANTIDA POR OUTROS FUNDAMENTOS - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE - DECISÃO UNÂNIME. (Apelação Cível nº 201800818610 nº único 0000589-92.2016.8.25.0055 - 2ª CÂMARA CÍVEL, Tribunal de Justiça de Sergipe - Relator (a): José dos Anjos - Julgado em 01/10/2019)

(TJ-SE - AC: 00005899220168250055, Relator: José dos Anjos, Data de Julgamento: 01/10/2019, 2ª CÂMARA CÍVEL)

Jurisprudência na Íntegra

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE ACÓRDÃO: 201927481

RECURSO: Apelação Cível PROCESSO: 201800818610 RELATOR: JOSÉ DOS ANJOS

APELANTE A.M.R.F. Advogado: XXX. Advogado: XXX

APELADO L.D.S. Advogado: XXX D.O.D.S.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE ADOÇÃO – SENTENÇA QUE DEFERIU O PLEITO AUTORAL E DESTITUIU O PODER FAMILIAR DOS GENITORES - PLEITO DA GENITORA BIOLÓGICA DE MANTER SEU NOME NO ASSENTO REGISTRAL DO MENOR – POSSIBILIDADE -MULTIPARENTALIDADE RECONHECIDA – TESE DE REPERCUSSÃO GERAL FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL, NO JULGAMENTO DO RE Nº 898.060 – PRESERVAÇÃO DO VÍNCULO BIOLÓGICO MATERNO CONCOMITANTE COM O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO – MANUTENÇÃO DO LIAME AFETIVO MATERNO-FILIAL - OBSERVÂNCIA DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO INTEGRAL - SENTENÇA MANTIDA POR OUTROS FUNDAMENTOS - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE - DECISÃO UNÂNIME.

ACÓRDÃO

Vistos, examinados e discutidos os autos acima identificados, acordam os Desembargadores do Grupo I da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por unanimidade, em conhecer do recurso em apreço para lhe dar parcial provimento, na conformidade do voto do relator a seguir, que fica fazendo parte integrante deste julgado.

Aracaju/SE, 01 de Outubro de 2019.

DES. JOSÉ DOS ANJOS RELATOR

RELATÓRIO

Tratam-se, os presentes autos, de uma Apelação Cível interposta por XXX, em face da sentença proferida nos autos da Ação de Adoção ajuizada por XXX e XXX, que julgou procedente o pedido autoral, nos termos da parte dispositiva abaixo transcrita:

“Assim sendo, destituo o poder familiar dos requeridos XXX e XXX em relação à criança em tela e, por consequência, Julgo Procedente do pedido inicial, concedendo a adoção da criança XXX aos requerentes, XXX, todos identificados nos autos, tudo com base no artigo 39 e seguintes do Estatuto da Criança e Adolescente.

Por consequência, determino, ainda, o cancelamento do registro civil original da adotada, para inscrição do novo registro civil, passando o infante a se chamar XXX, devendo constar os nomes dos adotantes, bem como dos respectivos avós, tudo como estabelecido no artigo 47 e seus parágrafos do mencionado Diploma Legal.

Ressalte-se, por fim, que, embora tenha o assunto sido tratado na última audiência realizada, não houve acordo nos autos acerca de eventual direito de visitas a ser exercido pela requerida, nem pedido formal nesse sentido - nem na exordial, nem em reconvenção -, razão pela qual, em respeito ao princípio da simetria, tal pedido não deve ser analisado nos presentes autos.

Sem custas, nos termos do § 2º do art. 141 do ECA. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, expeça-se o competente mandado, bem como certifique-se e arquivem os autos.

Irresignada com a reportada sentença, a apelante XXX interpôs a presente apelação. Após fazer uma síntese da demanda evidencia, preliminarmente, a nulidade processual, por cerceamento de defesa, em razão do prejuízo sofrido por ter comparecido à audiência de justificação sem ter conhecimento do teor da ação contra si ajuizada.

Como razões do seu próprio recurso, e em apertada síntese, informa que até a data de 14/07/2016, ainda se encontrava encarcerada, cumprindo pena em regime fechado, e em razão de tal fato entregou seu filho, nascido no cárcere, aos cuidados de sua cunhada, tia paterna do menor, para que a mesma tivesse a guarda da criança, nunca a sua adoção, e ao contrário do afirmado na sentença, não abandonou seu filho, nem há prova nos autos neste sentido.

Ao final, pugna pela nulidade processual por cerceamento de defesa e, subsidiariamente, a reforma da decisão a quo julgando improcedentes os pedidos autorais.

Contrarrazões acostadas aos autos refutando os termos do recurso.

Parecer da d. Procuradora de Justiça, oficiante neste feito, pelo conhecimento e parcial provimento do apelo.

Em razão das informações consignadas no Relatório Social datado de 30/08/2017, bem como nos depoimentos pessoais das partes quando ouvidos no juízo de 1º grau, e, principalmente, visando à proteção e interesse do referido infante, fora designado, neste juízo de 2º grau, nos termos do art. 932, I, do CPC/15, audiência para oitiva da mãe biológica e dos pretensos pais adotivos/tios paternos, com a respectiva presença do Ilmo. Procurador de Justiça atuante neste feito, consoante termo juntado aos autos em 21/05/2019.

É, em síntese, o relatório. VOTO

O recurso preencheu todos os requisitos necessários à sua admissibilidade.

A recorrente incialmente ressalta a nulidade processual, por cerceamento de defesa, ante o prejuízo sofrido por ter comparecido à audiência de justificação sem ter conhecimento do teor da ação contra si ajuizada.

Com efeito, como referida preliminar se confunde com o próprio mérito da demanda, com esta será analisada.

Pois bem, cuidam, os presentes autos, de recurso de apelação interposto por XXX, visando a reforma do comando sentencial o qual destituiu o poder familiar da apelante e deferiu, ato contínuo, a adoção do menor, indicado nos autos, aos Srs. XXX e XXX.

A irresignação da apelante reside, em suma, na assertiva de ausência de abandono do seu filho, ao tempo em que justifica que apesar de ter sido “forçada” a entrega-lo aos cuidados dos referidos tios, em razão de sua condição de encarcerada, à época, em nenhum momento foi cogitada a possibilidade de sua destituição materna, e nem existe prova nos autos nesse sentido.

A r. sentença, ao julgar procedente o pleito autoral o fez sob os seguintes argumentos:

“No caso, mediante análise detida dos autos, verifica-se que a criança já se encontra inserida no âmbito familiar desde os seus primeiros meses de vida, em ambiente sadio e equilibrado, no qual é reconhecida e tratada como integrante por todos, sendo inequívoco o vínculo afetivo entre o infante e os requerentes, os quais lhe dão carinho e apoio imprescindíveis para seu desenvolvimento físico, psíquico, emocional/social e intelectual, tais conclusões, vale gizar, são corroborados pelo laudos pericial acostado aos autos e pelos depoimentos prestados em audiência.

E ao referir-se aos genitores biológicos assim ressaltou:

“Assim, ao abandonar o seu filho, mesmo diante de circunstâncias possivelmente justificáveis, os requeridos deixaram se consolidar uma situação que aponta de forma clara não ser interessante para a criança continuar os tendo, juridicamente, na condição de pais.”

E prossegue: “O argumento que fizeram a entrega aos requerentes com a intenção de que fosse somente para o exercício da guarda não é suficiente para inviabilizar o pedido de adoção. Primeiro porque a requerida ao início do processo já mostrava a sua concordância com o pedido. Segundo porque, passados aproximadamente nove anos, a situação se mantem. Nenhum atitude material foi realizada pelo requeridos para alterar esta situação e desta forma reaver a guarda do filho.”

Por tais considerações destituiu do poder familiar os pais biológicos XXX e XXX, e concedeu, ato contínuo, a adoção do menor XXX aos requerentes, a seus tios paternos XXX e XXX.

Pois bem, consoante informado, a irresignação da genitora biológica cinge-se na ausência de abandono do menor, posto que, apesar de circunstâncias adversas que lhe obrigaram a entregar seu filho aos tios paternos, em nenhum momento pretendeu ser destituída do poder familiar materno.

Ora, é cediço que a adoção é o ato pelo qual a pessoa passa a receber a outra como se seu filho fosse, independentemente de qualquer relação de parentesco. Tal situação acaba por gerar vários efeitos pessoais, patrimoniais, extrapatrimoniais e sucessórios, sendo que a pessoa que é adotada passa a fazer parte da nova família.

Entretanto, no caso em apreço, analisando toda a prova produzida, verifico que a apelante/mãe biológica não se opõe ao processo adotivo em si, mas apenas pretende que no registro de nascimento do menor, seu filho, continue a constar o seu nome, juntamente com o da mãe adotiva.

Referida conclusão adveio com a informação trazida na audiência extrajudicial, realizada aos dias 17/05/2019, neste juízo ad quem, que apesar de a mãe biológica não se encontrar presente à referida assentada, sua causídica, instada a se manifestar, assim aduziu “que não sabe do paradeiro da D. Armanda, entretanto, afirma que a mesma não se opõe a que o menor continue sobre a guarda e responsabilidade da requerente, e que no processo de adoção não se exclua o seu nome como mãe biológica, bem assim o direito de visitar o seu filho.” grifei

A Procuradoria de Justiça, por seu representante Ernesto Anízio Azevedo Melo, também se manifestou nos seguintes termos:

“considerando que o interesse do menor é, na verdade, o bem maior da presente questão, e, obviamente, tendo em vista que ficou constatado, através de manifestação das partes, de que no registro civil do menor não terá nenhum decréscimo acerca de sua filiação, mas sim, em face do novo posicionamento jurisprudencial acerca da matéria, o acréscimo com os nomes dos apelados, o órgão Promotorial nada tem a obstacularizar acerca do que foi apurado nesta audiência, mesmo porque, foi, inclusive, assegurado aos pais biológicos a permanência dos seus nomes no citado registro, inclusive assegurado o direito de visitas ao mencionado menor, observando-se, na sua essência, o clima de urbanidade entre os interessados”.

Do mesmo modo, assim se manifestou os pretensos adotantes, a respeito da manutenção do nome materno, no registro de nascimento do menor:

“que seja mantida a decisão de 1º piso, e não se opõe aos demais termos aqui anunciados desde que a mãe biológica, respeite, na sua integralidade, os trâmites familiares dos requerentes/apelados.”

Diante de tais depoimentos, entendo que a solução da presente demanda merece um tratamento diferenciado assim como vem decidindo os Tribunais Superiores e demais tribunais pátrios.

Por óbvio, as variações sociais indiscutivelmente refletem nas normas que disciplinam o direito de família. Assim, cada vez mais devem os aplicadores do Direito atender mais à constituição real da família, que os vínculos formais ou de sangue.

Modernamente, os arranjos familiares são tantos, em número e diversidade, que forçou, mesmo que timidamente, a doutrina, os precedentes jurisprudenciais, e até mesmo o ordenamento jurídico como um todo, a assumirem uma outra roupagem, mais aberta, liberal, voltada para os valores humanitários das pessoas envolvidas na trama.

Nesta seara, muito se ouve falar da multiparentalidade que nada mais é do que a possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico, e/ou genitor afetivo, de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais.

Como analisado, a pretensão maior da apelante não é retirar o menor do convívio atual dos seus tios paternos, o qual já se encontra totalmente integrado no ambiente familiar, desde a mais tenra idade, como se filho fosse, mas, ao contrário, que seu nome não seja excluído do assento de nascimento do infante. Só isso.

E atento aos novos arranjos familiares, no sentido de permitir que uma criança tenha, sem seu registro de nascimento, o nome de 02 (duas) mães, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE de nº 898.060/SC, firmou a Tese de Repercussão Geral (Tema 662) reconhecendo a multiparentalidade nos seguintes termos, in verbis:

“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.”

E o julgamento do citado Recurso Extraordinário restou assim ementado:

“Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica. Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional. Sobreprincípio da dignidade humana (art. , III, da CRFB). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a modelos pré- concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares. União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família monoparental (art. 226, § 4º, 516ª Procuradoria de Justiça Processo n. 0187620.27.2013 Parecer n. 4569 CRFB). Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla. Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CRFB). Recurso a que se nega provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. [...].” (RE 898060, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito Dje-187 Divulg 23-08- 2017 PUBLIC 24-08-2017).

O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou nos seguintes termos, in verbis:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. FILHO HAVIDO DE RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE QUANDO ATENDER AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APLICAÇÃO DA RATIO ESSENDI DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGADO COM REPERCUSSÃO GERAL. SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE DA GENITORA SOBRE O DA MENOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. O propósito recursal diz respeito à possibilidade de concomitância das paternidades socioafetiva e biológica (multiparentalidade). 2. O reconhecimento dos mais variados modelos de família veda a hierarquia ou a diferença de qualidade jurídica entre as formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico (ADI n. 4.277/DF). 3. Da interpretação não reducionista do conceito de família surge o debate relacionada à multiparentalidade, rompendo com o modelo binário de família, haja vista a complexidade da vida moderna, sobre a qual o Direito ainda não conseguiu lidar satisfatoriamente. 4. Apreciando o tema e reconhecendo a repercussão geral, o Plenário do STF, no julgamento do RE n. 898.060/SC, Relator Ministro Luiz Fux, publicado no DJe de 24/8/2017, fixou a seguinte tese: ?a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais.? 5. O reconhecimento de vínculos concomitante de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho. 6 (...) 8. Recurso especial desprovido.” (REsp 1674849/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 17/04/2018, DJe 23/04/2018). grifei

Nesta planura, diante do delicado quadro que se apresenta, não me parece que a total exclusão do nome da mãe biológica da vida da criança possa ser considerada a medida que melhor preserva a criança, notadamente quando esse é o entendimento da Corte Suprema.

Não há, ressalte-se, como prever como se dará a formação do vínculo afetivo entre a Sra. XXX e seu filho, no entanto, na hipótese inversa, fácil afirmar que mantido o alijamento da apelante da vida criança, dificilmente mãe biológica e filho conseguirão resgatar a relação materno-filial, embasada no relevante vínculo afetivo, de fundamental importância na vida da criança.

Assim, em observância às novas diretrizes do direito de família, e sua constante e consequente evolução, e, mais ainda, segundo a orientação do STF, no RE nº 898.060/SC, reconhecido como repercussão geral, é que entendo que deve ser acolhido o pleito da apelante, afirmado na audiência alhures informada, em concordância com os próprios pais adotivos e o parecer ministerial, sobre a pertinência da manutenção do nome da mãe biológica nos assentos registrais do menor adotado, conjuntamente com o nome dos pais adotivos.

Ressalto, por oportuno, que os efeitos jurídicos da adoção multiparental são os mesmos da adoção regulada pelo Estatuto da Criança e do AdolescenteECA, de forma que a única novidade caracteriza-se pela formação ou manutenção de mais um vínculo, além do habitual. Noutro prisma, inexiste proibição pela Lei de Registros Publicos (nº 6.015/73) quanto à múltipla filiação no assento do adotado.

Em razão dos novos rumos que foram dados com o presente julgamento, deixo de analisar a preliminar de nulidade processual por cerceamento de defesa.

Por todo o exposto, conheço do presente recurso para lhe dar parcial provimento para manter os termos da sentença de 1º grau, mesmo que por outros fundamentos, no entanto, sem prejuízo e exclusão dos dados referentes à filiação biológica materna já existente, dos assentos registrais do menor, os quais deverão permanecer conjuntamente com o nome dos pais adotivos.

É como voto.

Aracaju/SE, 01 de Outubro de 2019.

DES. JOSÉ DOS ANJOS RELATOR

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