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28 de Maio de 2024

Os Direitos dos Presos

Panorama geral sobre as normas e tratados internacionais

Publicado por Fabio Bottrel
ano passado


Tereza Caldeira, no artigo “Direitos Humanos ou Privilégios de Bandidos?” faz um apanhado desde o momento de que o termo Direitos Humanos começou a ser associado com proteção a criminosos e a distorção de seus valores, em síntese informa que “A partir do início da década de 80, a defesa de direitos humanos de prisioneiros comuns passou a ser associada pela maioria da população paulistana à defesa de "privilégios para bandidos". O artigo discute como foi possível essa associação perversa. Para tanto, analisa os argumentos e ações tanto dos defensores quando dos opositores ao respeito dos direitos humanos de prisioneiros comuns. Essa análise considera as noções de direitos existentes na sociedade brasileira e contrapõe as percepções de direitos sociais e direitos individuais, mostrando que enquanto os primeiros são largamente legitimados, os segundos — que incluem os direitos humanos — são associados a privilégios. Mostra, ainda, como em São Paulo o crime, os criminosos e os direitos humanos a eles associados vêm servindo como excelente campo para a articulação de discursos e práticas de resistência à mudança social, de discriminação social, de apoio ao uso da força e de ênfase na privatização.”

Para analisar os direitos em primeiro lugar temos que olhar o artigo da LEP, 38 do Código Penal e 185 da LEP.

Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.

Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Art. 185. Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.

As normas previstas nos artigos da LEP e 38 do Código Penal revelam que a penalização tem um limite bem claro quanto aos direitos da pessoa presa, implementam o princípio da legalidade no âmbito da execução penal ao informar que não cabem outras violações a não ser as estipuladas em lei, aceitar que haja violações afora o direito de liberdade haveria uma ruptura desse e do Ne Bis in Idem, pois acarretaria diversas punições para o mesmo crime.

Vários países da Europa travam discussões sobre até que ponto a violação da liberdade pode afetar outros direitos - a chamada violação colateral. A exposição de motivos da LEP, em seu artigo 75, informa que “O Projeto indica com clareza e precisão o repertório dos direitos do condenado, a fim de evitar a fluidez e as incertezas resultantes de textos vagos ou omissos: alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; previdência social; constituição de pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, quando compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos; chamamento nominal; igualdade de tratamento; audiência com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade em defesa de direito; contato com o mundo exterior através de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação”

Também no artigo 40 complementa: “Para evitar esse tratamento discriminatório, o Projeto institui no Capítulo II a assistência ao preso e ao internado, concebendo-a como dever do Estado, visando a prevenir o delito e a reincidência e a orientar o retorno ao convívio social. Enumera o artigo 11 as espécies de assistência a que terão direito o preso e o internado - material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa - e a forma de sua prestação pelos estabelecimentos prisionais, cobrindo-se, dessa forma, o vazio legislativo dominante neste setor.”

O artigo 41 da LEP elenca os direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Sobre o direito de visitas o stf já se manifestou no sentido de que esse direito é o desdobramento do próprio direito da liberdade, só pode se falar em direito de visita uma vez que a liberdade da pessoa está cerceada, de modo que a suspensão do direito de visita agravaria o grau de restrição da própria liberdade.

A segunda turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC107701 posicionou-se no sentindo de que o direito de visita estaria assegurado expressamente pela própria lei, art. 41, inciso X, da LEP, sobretudo com o escopo em buscar a almejada ressocialização e educação do apenado que cedo ou tarde voltará ao convívio social, orientando-se pelos seguintes pontos:

“2. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO. A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis ( CF, art. , XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral ( CF, art. , XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social. Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes.”

Importante ressaltar que a autoridade administrativa não pode eleger quem tem mais direito de visitar do que outros, a própria pessoa presa que deve indicar quem ela quer encontrar.

Também não pode haver perda definitiva do direito de visita, a assistência ao preso é dever do Estado, o cancelamento indefinido do registro de visitante, ainda que seja por entrada de entorpecente na unidade prisional é ilegal.

No Mandado de Segurança 48818, a 6ª Turma do STJ entendeu que a negativa por tempo indefinido do familiar de visitar estaria em descompasso com a constituição que veda penas perpétuas.

Não menos importante lembrar que o contato com o mundo externo é um consectário do direito da não alienação, é importante para que o preso se atualize do que está acontecendo. A experiência na prisão é ontologicamente anormal e o contato com o meio externo é uma forma de suavizar essa anormalidade, bem como para que o preso não se desvincule da sociedade para a qual ele retornará um dia.

No entanto, o inciso XV peca ao prever expressões vagas como que o material não poderia ferir a moral e os bons costumes trazendo insegurança jurídica, essas normas conectam o estado jurídico do preso a pautas de conteúdo moral e violam a humanidade, pois retiram da pessoa presa acesso a direito que pessoas do meio livre teriam normalmente, e da própria intimidade ao legitimar ingerência na esfera particular da pessoa presa.

O artigo 66 da LEP elenca a competência do Juiz da execução:

I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;

II - declarar extinta a punibilidade;

III - decidir sobre:

a) soma ou unificação de penas;

b) progressão ou regressão nos regimes;

c) detração e remição da pena;

d) suspensão condicional da pena;

e) livramento condicional;

f) incidentes da execução.

IV - autorizar saídas temporárias;

V - determinar:

a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução;

b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de liberdade;

c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos;

d) a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de segurança;

e) a revogação da medida de segurança;

f) a desinternação e o restabelecimento da situação anterior;

g) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca;

h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1º, do artigo 86, desta Lei.

i) ( VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança;

VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade;

VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei;

IX - compor e instalar o Conselho da Comunidade.

X – emitir anualmente atestado de pena a cumprir. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)

O atestado de pena é um documento feito anualmente pelo juízo da execução, que tem por função essencial dar ciência ao preso acerca das frações de pena necessárias à fruição de seus direitos – inciso X.

A Resolução n 113/2010, do CNJ, estabelece que a emissão do atestado de pena e a respectiva entrega ao apenado deverá ocorrer no prazo de 60 dias a contar da data do início da execução da pena, no prazo de 60 dias a contar da data do prazo de reinicio do cumprimento da pena ou até o último dia útil do mês de janeiro de cada ano para o apenado que já esteja cumprindo a pena privativa de liberdade.

O art. 41, p.único da LEP, estabelece que poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento os direitos de proporcionalidade na distribuição do tempo para trabalho, descanso e recreação - inciso V; a visita do cônjuge, da companheira de parentes e amigos em dias determinados - inciso X; e o contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, de leitura e de outros meios de informação - inciso XV.

Essa limitação é bastante questionável porque entrega ao arbítrio administrativo o poder de suspender ou restringir direitos, criando um poder de exceção conferido à autoridade administraria, que suplantaria a própria lei - expressão de um Estado de Policia extremamente oposto ao Estado de Direito. Alguns autores rogam que a execução penal deveria somente ser judicializada, no entanto há entendimento no ordenamento jurídico pátrio da sua natureza dúplice: tanto judicial quanto administrativa.

Pela leitura do p. único do artigo 41, chega-se à conclusão de que os demais direitos elencados nesse artigo não podem sofrer suspensão por parte do juiz ou da autoridade penitenciária, uma vez que limitou a restrição aos artigos V, X e XV.

Importante lembrar um direito não tão comentado, que é o do preso contratar médico de confiança pessoal, previsto no artigo 43, da LEP.

As Regras Mínimas para Tratamento do Preso, na sua resolução nº 14/1994, CNPCP, prevê que o preso não pode ser constrangido a participar de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange a sua exposição compulsória a fotografia ou filmagens, também no artigo 47 das Regras Mínimas. Não obstante, o direito do preso não ser exposto a inconveniente notoriedade está previsto no artigo 148 da LEP, e visa tutelar a dignidade humana, bem como os dados pessoais da pessoa presa devem ser preservados e em caso de deslocamento do preso, por qualquer motivo, deve se assegurar a preservação da sua imagem.

Muito dessa discussão está envolvido a liberdade de impresa e os direitos da pessoa presa do outro lado. O julgado RE133.4097, da 4º turma do STJ, julgado em 2013 é paradigmático para esse tema.

Importante ressaltar que interesse público não coincide com o interesse do público, que em regra é aquele de execração da pessoa presa. Não somente o preso, mas também a família da pessoa presa fica exposta a essas agruras da publicidade, muito embora a lei estabeleça o princípio da não transcendência da pena. A exposição só pode ser elidida sob fundamentos robustos e contrários, fora isso deve ser observado o princípio de não exposição.

Noutro giro, salienta-se que a gravidade em abstrata do crime não pode servir de fundamento para limitações de direitos fundamentais.

Quanto ao direito de visita íntima, ressalta-se um conceito que poucas pessoas se atentam, trazido pela resolução n 4/11 do Conselho Nacional de Política Penitenciária. O artigo 1º define a visita íntima como a recepção pela pessoa presa de cônjuge ou outro parceiro ou parceira no estabelecimento prisional em que estiver recolhida, em ambiente reservado cuja privacidade e inviolabilidade sejam asseguradas às relações heteroafetivas e homoafetivas.

Então, esse é um direito relativamente novo em discussões de matéria penitenciária, interessante trazer aqui que a Constituição do Rio de Janeiro trouxe a necessidade do Estado respeitar o direito de visita íntima de ambos os sexos. E o Regulamento Penitenciario Federal, o decreto 6049/2007, também dispõe que a visita íntima tem por finalidades fortalecer as relações familiares do preso, sendo proibida a visita íntima na cela de convivência dos presos. Ela é um consectário do exercício da própria sexualidade e é de fato um direito de fundo constitucional.Essa discussão é muito intensa na Espanha e em outros países da europa também, onde tomam o direito da visita íntima pelo viés do consectário da intimidade. Nesse sentido, Fernando Reveliego, Luis Fernando Fortich, Verônica Groer, autores espanhóis e argentinos que falam sobre a liberdade sexual e a visita intima. Outros entendem que seria um consectário do chamado livre desenvolvimento da personalidade, autores como Carlos Losana Bedoia, José Daniel Sezano, seja como for a interpretação que se dê, é inegável que seja consectário direto da dignidade humana e da necessidade de preservação dos laços afetivos e devem ser respeitados, diante o exposto é evidente seu conteúdo constitucional.

O direito da visita intima não pode ser restringido indiscriminadamente, por conta do princípio da instranscendência da pena, pois estaria atingindo também os parceiros, terceiros, de maneira injustificada, naturalmente haveria violação também da própria legalidade e da humanidade.

Seguindo, outro direito muito importante, é o direito ao transporte de maneira digna e segura, sabemos que no dia a dia é muito comum o transporte que causam sofrimento para as pessoas presas. Há pouco presenciamos reportagens sobre um preso que ao ser transportado de maneira inadequada bateu a cabeça com tanta força após uma freada brusca que veio a falecer.

Existe um dispositivo importante nesse sentido, a resolução nº 2/2012 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, essa resolução buscou regulamentar o transporte e custódia de pessoas presas e internadas no Brasil. O art. 1º estabelece que é proibido o transporte de pessoas presas ou internadas em condições ou situações que lhes causem sofrimentos físicos ou morais, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal. A pessoa deve receber alimento e água potável após o transporte.

Além disso, sobre esse assunto surge um tema cuja discussão se mostra bastante interessante: até que ponto a defesa é prejudicada quando a autoridade administrativa ou judicial não fornece alimentação ou água potável antes ou depois do transporte. Sabemos que muitos presos passam horas no veículo, sem água e sem alimentação, sem uso do banheiro. Entendo que a defesa fica completamente comprometida.

Outro ponto dessa questão é que o veículo de transporte deve ser periodicamente vistoriado pelos órgãos de trânsito, que na prática não acontece; e os veículos de transporte devem contar com indicador de capacidade máxima de passageiros, que seria outra norma muito salutar se fosse seguida.

Outro direito é o acesso à água na unidade prisional, o acesso à água nos presídios é alvo de constante reclamação, há muita reclamação quanto a racionamento de água, ausência de água potável, além disso, a própria falta de aquecimento de água, em especial nas regiões mais frias do país.

O art. 18, das Regras Mínimas para Tratamento de Preso impõe a obrigatoriedade de fornecimento de água e artigos de higiene para as pessoas presas. As Regras das Nações Unidas para Tratamento das Mulheres Presas, chamadas Regras de Bangkok, também estabelecem que as instalações das mulheres presas deverão conter instalações e materiais exigidos para as necessidades das mulheres.

Dessa forma, o racionamento irresponsável de água, principalmente em estabelecimento de segregação coletiva, é um claro atentado aos direitos humanos. Entendendo a concepção da água como um bem público, pode se dar mais robustez a tese da violação da própria dignidade humana.

Em relação a não potabilidade da água, o decreto federal nº 5440/05, que define água potável para consumo humano, cujos parâmetros microbiológicos, físico, químicos e radioativos atendam ao padrão de potabilidade e não ofereçam risco a saúde.

As Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, quanto ao nº 22, também estabelece que os presos tenham acesso ao tratamento de água potável.

O princípio n 11, do Princípios das Boas Práticas para Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade das Américas, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, estabelece que toda pessoa privada de liberdade deverá ter acesso permanente a água potável suficiente e adequada para consumo e a suspensão ou limitação a água potável como medida disciplinar deverá ser proibida por lei.

Outro problema grave das penitenciárias é o descarte de lixos, os resíduos são raramente tratados e são acumulados nas áreas internas e externas das unidades, gerando grandes riscos biológicos, químicos e físicos aos presos e aos policiais penais.

A Resolução n 5/12 do CNPCP que trata do descarte de lixos dos estabelecimentos penais, recomenda ao DEPEN a criação de programas específicos sobre a destinação do lixo buscando a melhoria da qualidade de vida, da saúde e da sustentabilidade no âmbito do sistema prisional. Algumas orientações importantes, é que todo o lixo produzido deve ser separado de maneira adequada, a armazenagem deve ser feita em local próprio e restrito, sabemos que não é assim que acontece, que os presos circulam em contato com o lixo. Outro, de que os estabelecimentos devem adotar a uniformização da coleta seletiva de lixeiras laváveis, de preferência sobre rodizio e de que as coletas devem ser diárias ou de no mínimo 3 vezes por semana.

Além desses direitos já elencados é importante notar que o art. da Constituição Federal orienta por uma interpretação bastante clara que devemos ter de que os direitos e garantias previstos na Carta Magna foram destinados a todas as pessoas. O artigo não faz distinção de quem mereça ou não os direitos ali previstos, concluímos então que a CRFB/88 resguardou também as pessoas segregadas dos direitos ali previstos: direito a vida, liberdade, segurança, propriedade, igualdade de gênero, inexigibilidade de ação ou omissão senão em virtude de lei, não submissão a tortura, inviolabilidade de liberdade da consciência e crença, livre manifestação do pensamento, direito de resposta proporcional ao agravo, livre expressão da atividade intelectual artística cientifica, inviolabilidade da honra e da imagem com direito a indenização naturalmente – nesse ponto existe uma discussão a inviolabilidade relativa da cela da pessoa presa relativa a inviolabilidade de domicilio da pessoa livre. Os direitos também de livre associação, de obtenção de certidões junto a repartições, direito de petição aos poderes públicos, individualização da pena, devido processo legal, cumprimento da pena em estabelecimentos distintos de acordo com a idade, sexo e a natureza do crime, inadmissibilidade de provas obtidas por meio ilícitos, assistência a família, direito a saúde, presunção de inocência, relaxamento de prisão em caso de prisão ilegal, assistência jurídica integral e gratuita, a possibilidade de reparação por via dos remédios constitucionais, mandado de segurança, habeas corpus enfim, direito de indenização por erro judiciário, razoável duração do processo, durabilidade dos direitos de garantias oriundos de tratados e convenções internacionais dentre outros.

Sobre o direito de inviolabilidade da correspondência prevalece o entendimento majoritário que é possível a restrição, oriundo do HC. 70184, no STF, julgado em 1994. No entanto, a partir de uma ótica redutora de dano esse dispositivo merece uma análise mais apurada, primeiro que a violação do direito a correspondência aprofunda a distancia existente entre o preso e o meio social, gerando uma grave dessocialização, em segundo não existe um fundamento empírico capaz de assegurar que a violação da correspondência da pessoa presa proporciona maior segurança pública ou disciplina prisional ou preservação da ordem jurídica. Restringir e violar correspondência com mera probabilidade de práticas ilícitas é dizer que todas as pessoas presas são suspeitas de dirigir organização criminosas, planejar fugas e praticar crimes, isso viola o princípio da presunção da inocência e traz uma espécie de controle penal atuarial - analise de risco das pessoas presas.

Além disso, a CRFB/88 ao estabelecer a inviolabilidade e o sigilo da correspondência, não excluiu as pessoas presas desse direito. Não caberia criar vedações ao interpretar ou lei infraconstitucional fazer.

As Regras Mínimas para o Tratamento de Presos da ONU também não estabeleceram restrições de comunicação das correspondências das pessoas presas.

O conjunto de princípios da ONU para a proteção das pessoas sob qualquer forma de detenção ou prisão estabelece em seu princípio 19 que “A pessoa detida ou presa tem o direito de receber visitas nomeadamente dos membros da sua família, e de se corresponder, nomeadamente com eles, e deve dispor de oportunidades adequadas para comunicar com o mundo exterior sem prejuízo das condições e restrições razoáveis, previstas por lei ou por regulamentos adoptados nos termos da lei.”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 12 estabelece que “ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.”

Observe que em nenhuma delas há limitação a pessoas presas.

Em matéria de proteção de direitos é importante e deve vigorar o Princípio Pro Personem, chamado de Pro Homini, estabelece que a interpretação que devemos ter de normas protetivas de direitos fundamentais devem ser sempre no sentido de maior fruição ou gozo desses direitos

A interpretação toda da LEP e da CRFB/88 deve ser feita com base no Princípio Pro Personem. Mesmo se entendendo possível a limitação, deveria existir, no mínimo, uma lei que especificasse em quais hipóteses e com quais fundamentos essa restrição poderia ser realizada. A Suprema Corte da Argentina, no julgamento do caso Dessy, originou esse entendimento ao definir que para a vedação ser válida é preciso que haja uma lei sobre que caso e quais justificativas seria possível a limitação do direito a correspondência – o que não ocorre no Brasil.

Ainda que admitida a faculdade de suspensão do direito a correspondência, a limitação deveria incidir sobre o fluxo da correspondência e não sobre o conteúdo, uma vez que já existe tecnologia suficiente para possibilitar a fiscalização sem que se saiba o conteúdo.

O pacote anticrime passou a prever a fiscalização do conteúdo da correspondência dos presos em regime disciplinar diferenciado, descrito no art. 52, VI, LEP. Há previsão de monitoramento de todos os meios de comunicação dos presos incluídos nos estabelecimentos penais de segurança máxima e, considerando que a fiscalização do conteúdo da correspondência é uma medida restritiva de direito, deve receber uma interpretação restritiva, ou seja, fora dos casos de RDD não pode haver fiscalização do conteúdo da correspondência.

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