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30 de Abril de 2024

Os princípios das nulidades em Processo Penal

há 10 anos

Introdução

Este artigo visa esclarecer e definir o que são os princípios referentes às nulidades, apontando suas características, tipificações e exemplificando na prática, de acordo com julgados dos tribunais superiores do Brasil.

Porém, cabe antes definir as nulidades no ordenamento jurídico-penal brasileiro, dando um breve relato acerca dos seus dois maiores antros, as nulidades relativas e as nulidades absolutas, que passamos a estudar no item a seguir.

1. O que são nulidades

O instituto das nulidades possui fundamento no ordenamento jurídico brasileiro e é obtido na teoria dos atos jurídico em geral. A norma, de modo abstrato, define a forma como alguns atos devem ser praticados, submetendo-os, compulsoriamente, às partes envolvidas no caso concreto.

Para elucidar a questão, estudaremos o artigo 104 do Código Civil brasileiro, Lei 10.406/02: Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Neste caso, atendendo o negócio jurídico os ditames da lei, será um ato jurídico perfeito, do qual resultarão os efeitos pretendidos. Entretanto, a inobservância de algum dos pressupostos ali descritos acarretará em sua imperfeição, gerando uma consequência, com rigor proporcional ao desrespeito legal praticado, e, de acordo com o estudo deste artigo, no descumprimento da ordem processual penal, suscitará uma nulidade. No processo penal brasileiro, a prática de ato processual em desconformidade com a previsão legal poderá resultar em nulidade. Em se tratando de direito penal, em que, via de regra, está em risco a liberdade do indivíduo, tal formalidade não poderia ser menos rigorosa.

Considerando esta causa e efeito, respectivamente a infração da ordem processual e a sansão cabível, leciona Paulo Rangel (1): Quando o ato jurídico, em particular o ato processual, está provido de todos os seus requisitos, é dito que é perfeito. À perfeição do ato, na qual se expressa a presença de todos os seus requisitos, opõe-se sua imperfeição, a qual se resolve, reciprocamente, na ausência de algum de seus requisitos, isto é, na presença de algum vício.

Da perfeição do ato deriva sua eficácia. Da imperfeição do ato pode derivar sua ineficácia. A perfeição é conceito estático; a eficácia é conceito dinâmico; a primeira refere-se ao ser do ato, a segunda a seu operar. Os atos são eficazes ou ineficazes segundo produzam ou não efeitos jurídicos.

O ato processual é espécie do ato jurídico em sentido amplo. Assim para compreender a consequência de um ato processual ilícito, inicialmente tem-se que sedimentar a teoria dos atos jurídicos.

Assim, as nulidades processuais operam no processo penal, quiçá com rigor máximo. Tanto as normas constitucionais, quanto as infraconstitucionais, regulamentam as formas como os atos processuais penais devem ser realizados, visando à paridade formal de condições entre as partes, por meio da ordem preestabelecida dos atos processuais, sendo que sua infração resultará na análise da nulidade.

O julgamento da existência de uma nulidade é norteado pelos princípios a ela inerentes. Estes princípios visam uma análise mais ampla por parte do magistrado, impedindo-o de proceder a um julgamento estritamente literal da norma.

Neste diapasão, passaremos a definir o que são os princípios referentes às nulidades, apontando suas definições teóricas, os exemplos práticos e suas consequências, seguindo a linha dos tribunais superiores pátrios.

Trataremos das nulidades no ordenamento jurídico processual penal brasileiro, em especial acerca de suas principais classificações, as quais sejam nulidades relativas e nulidades absolutas; após, dissertamos sobre o ato inexistente, que, embora, de tão esdrúxulo não seja uma forma de nulidade, guarda semelhança aos efeitos produzidos ou não produzidos, conforme veremos.

2. O que são atos inexistentes

De antemão destaca-se neste estudo o ato inexistente, pois, embora, perante a doutrina majoritária, não seja classificado como uma forma geradora de nulidades, acarreta consequências semelhantes. Enquanto o ato jurídico praticado em desacordo com a formalidade legal, poderá ser declarado nulo, o ato inexistente, sequer gera efeito jurídico, logo, seu defeito foi tão burlesco, que o tornou incapaz de constituir um ato jurídico.

O conceito de ato inexistente, de certa forma, pode confundir o leitor, em razão de que o mencionado ato não existiu ou não gerou efeito no mundo jurídico, ambos sinônimos em per si. A respeito da matéria, leciona Paulo Rangel (2): A própria definição da palavra ato contradiz com a palavra inexistente. Ato é aquilo que se fez, feito, ação. Inexistente é falta de existência, carência. Portanto, falar em ato inexistente é uma contradição de palavras. O correto, pensamos, é falarmos em inexistência jurídica dos efeitos do ato. O ato em si, óbvio, existe e por isso é ato. O que não há é a produção natural dos seus efeitos jurídicos.

Ainda neste tema, acrescenta-se a sabedoria de Guilherme de Souza Nucci (3), que descreve a distinção entre ato inexistente e a nulidade, como sendo: À margem das nulidades, existem atos processuais que, por violarem tão grotescamente a lei, são considerados inexistentes. Nem mesmo de nulidade se trata, uma vez que estão distantes do mínimo aceitável para o preenchimento das formalidades legais. Não podem ser convalidados, nem necessitam de decisão judicial para invalidá-los. Ex.: audiência presidida pelo promotor de justiça ou por advogado. Como partes que são no processo, não possuindo poder jurisdicional, é ato considerado inexistente. Deve, logicamente, ser integralmente renovado.

Portanto, o ato inexistente é resultado da inobservância absurda da norma processual. Pode ser fictamente exemplificado como o promotor de justiça que preside uma audiência judicial, atribuição exclusiva do magistrado; a pessoa sem registro na Ordem dos Advogados do Brasil que exerce o direito postulatório, exercício intrínseco ao advogado; o particular que, per si, efetua a autenticação de documentos, função atribuída aos auxiliares da justiça; o magistrado da Justiça Militar que profere sentença em jurisdição do Trabalho.

3. Princípios das nulidades

Não há uma codificação acerca dos princípios das nulidades, mesmo sendo eles baseados na Constituição brasileira e nos artigos do livro das nulidades, positivado no Código de Processo Penal. O que vemos no nosso sistema jurídico-penal são correntes doutrinárias que, de forma incorporada, e majoritariamente, entendem e definem tais princípios.

Parte da doutrina entende como nulidade o vício processual decorrente da inobservância de exigências legais, capaz de invalidar o processo no todo ou em parte. Outra corrente doutrinária entende por nulidade processual, a sanção imposta ao vício processual praticado, decorrente do descumprimento de alguma formalidade prevista no ordenamento jurídico. Assim, independente do posicionamento, o produto final será o reconhecimento do ato jurídico imperfeito, o qual poderá ser sanado, quando tratar-se de nulidade relativa ou declarado nulo, quando referir-se à nulidade absoluta, conforme o caso.

A nulidade poderá ser de ordem relativa, quanto infringir princípio normativo ou ordenamento infraconstitucional, visando o interesse predominante das partes. Assim, a declaração da nulidade fica condicionada a diversos requisitos, os quais serão avaliados pelo juiz, por ocasião do julgamento.

Fernando Capez (4), didaticamente, descreve as características básicas da nulidade relativa, como sendo:

A) formalidade estabelecida em ordenamento infraconstitucional;

B) finalidade de resguardar um direito da parte;

C) interesse predominante das partes;

D) possibilidade de ocorrência de prejuízo;

E) necessidade de provar a ocorrência do efetivo prejuízo, já que este pode ou não ocorrer;

F) necessidade de arguição oportuno tempore, sob pena de preclusão;

G) necessidade de pronunciamento judicial para o reconhecimento desta espécie de eiva.

A ocorrência da nulidade relativa, portanto, não resultará automaticamente na nulidade do ato ou do processo.

Alguns atos viciados poderão ser saneados a critério do juízo, conforme comprovarem as partes, a natureza do defeito e as consequências que dele resultarem.

A nulidade absoluta (ou objetiva), por sua vez, ocorre quando na prática do ato processual, forem infringidos preceitos constitucionais. Não se trata de prejuízo restrito à parte, mas sim de ofensa à ordem pública, notadamente em razão da prática de infração ao princípio constitucional do devido processo legal, verificado na ampla defesa, no contraditório, na publicidade, na motivação das decisões judiciais, no princípio do juiz natural etc.

Por ter natureza de ordem coletiva, ou ordem pública, são consideradas insanáveis e não precluem. A nulidade pode ser suscitada pela parte ou declarada de ofício pelo magistrado, salvo exceção da Súmula 160 do STF, que proíbe a intervenção do tribunal, para reconhecer ex officio nulidade, absoluta ou relativa, em prejuízo do réu, quando diz: “É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício. ”

Assim, verifica-se que o reconhecimento das nulidades relativas deve ser suscitado pela parte que foi molestada, enquanto as nulidades absolutas podem, em regra, ser reconhecidas de ofício pelo magistrado, não obstante, em ambos os casos, exigir-se a comprovação do prejuízo efetivamente causado a uma das partes, e desde que esta não tenha dado causa.

Quando existentes, as nulidades podem anular atos ou até o processo, de forma parcial ou integral.

As nulidades estão positivadas nos artigos 563 a 573 do Código de Processo Penal, com destaque ao artigo 564 e seus incisos e alíneas, os quais definem os casos em que poderão ocorrer a nulidade.

3.1. Princípio do prejuízo ou transigência: não há nulidade sem prejuízo de quem a alega

Encabeçando o título das nulidades do Código de Processo Penal brasileiro, o artigo 563 prevê que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”, desta forma, o magistrado somente vislumbrara a nulidade quando esta for prejudicial a uma das partes.

O legislador, visando a economia processual e com os gastos financeiros, entre outros desperdícios decorrentes, optou por programar este artigo no código a fim de evitar que, por mera burocracia, ou por artimanhas, tanto da defesa quanto da acusação, um ato tenha que ser refeito em proveito de uma das partes, tão somente com o intuito de prolongar o processo, postergando o julgamento ou até alcançando uma prescrição.

Define Tourinho Filho (5): (...) em matéria de nulidade, e para simplificar o rigorismo formal, foi adotado o princípio do pas de nullité sans grief. Não há nulidade sem prejuízo. Para que o ato seja declarado nulo é preciso haja, entre a sua imperfeição ou atipicidade e o prejuízo às partes, um nexo efetivo e concreto. Se, a despeito de imperfeito, o ato atingiu o seu fim, sem acarretar-lhes prejuízo, não há cuidar-se de nulidade. A não ser que se trate de nulidade absoluta, cujo prejuízo é presumido. O prejuízo, aqui, evidentemente, é o juris et de jure... Inadmitindo prova em contrário.

Minuciosamente, os atos processuais que podem ser alegados como nulos são apenas meio a fim de se obter um produto final. Desta forma, chegando-se a um objetivo alçado por meio dito nulo, sem nenhum prejuízo às partes, este não será acatado, por conta de tratar-se de mera formalidade processual penal, conforme texto do artigo 566 do Código de Processo Penal: “Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.” Igual entendimento tira-se da obra do doutrinador Edilson Mougenot Bonfim (6), que no seu “Curso de Processo Penal” preleciona acerca da matéria astuciosamente: Assim também, não será declarada a nulidade de ato processual inócuo ou irrelevante, isto é, relativa a ato que não influi na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. É o eu estabelece o art. 566 do CPP. Conclui-se, portanto, que somente quando houver prejuízo para as partes ou para o próprio processo deverá ser reconhecida a nulidade do ato processual praticado em desacordo com os preceitos legais. Deste modo, define-se o princípio como regulador dos demais, haja vista sua acuidade.

Temos como exemplo o julgado do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM AS ALTERAÇÕES DA LEI 11.690/2008. ADOÇÃO DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA. PERGUNTAS INICIADAS E INTERMEDIADAS PELO JUIZ. IRREGULARIDADE. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. ORDEM DENEGADA. O art. 212 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/08, inaugurou nova sistemática para o exame das testemunhas, sendo a inquirição inaugurada pelas partes e complementada pelo juiz, franqueando-se ainda às partes a realização de perguntas diretamente. Do fato de o juiz ter perguntado primeiro e não ao final não decorre prejuízo às partes, ao contrário, da irregularidade, provém vantagem processual para a parte que pergunta por último, o que, em tese, lhe é mais favorável. Do fato de o juiz ter intermediado as perguntas das partes decorre mero prejuízo à dinâmica da audiência. O prejuízo à celeridade não é suficiente para justificar a pronúncia de nulidade. O princípio maior que rege a matéria é de que não se decreta nulidade sem prejuízo, conforme o art. 563 do Código de Processo Penal. Não se prestigia a forma pela forma, com o que se, da irregularidade formal, não deflui prejuízo, o ato deve ser preservado. Habeas corpus denegado (7).

3.2. Princípio do interesse: não há nulidade a quem deu causa para concorrência

O princípio a ser abordado alude à inexistência do direito de arguir nulidade pela parte que, de má-fé, deu causa para o vício. Este princípio tem fundamento no texto do artigo 565 do Código Penal brasileiro que diz: “Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.”

Claramente, este princípio visa o amparo à parte adversa, protegendo-a da maldosa ação da outra parte que faz uso de lacunas, meio ilícitos, ou deixa de praticar algum ato, a fim de posteriormente anular total ou parcialmente o processo, postergando seu andamento a fim de adiar sua eficácia.

A doutrina e a jurisprudência não têm duvida quanto à insurgência do instituto, visto que, em coligação com o princípio da transcendência, anteriormente estudado, são usados a fim de anular sentenças condenatórias, usando de mazelas insignificantes à lide para auferir a existência de nulidade quanto infração de norma constitucional e processual penal.

É como exemplifica o doutrinador Guilherme Souza Nucci (8) em sua obra “Manual de Processo Penal e Execução Penal”, que diz: Nesse cenário, é possível que qualquer das partes, por razões variadas, deseje plantar uma nulidade, durante os debates em plenário do Tribunal do Júri. Para tanto, bastaria fazer menção a qualquer dos assuntos proibidos. Ora, detectada a má-fé ou a estratégia antiética, parece-nos natural que o feito não seja anulado, permanecendo na íntegra o julgamento realizado.

E o Superior Tribunal de Justiça também recusa tal conduta maliciosa da parte que deu causa a nulidade visando beneficiar a si:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ABSOLVIÇÃO. APRECIAÇÃO INVIÁVEL NA VIA ELEITA. INTERROGATÓRIO. NÃO-COMPARECIMENTO DO RÉU AO INTERROGATÓRIO. ATO REALIZADO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. ORDEM DENEGADA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO. 2. Recusando-se o réu a comparecer aos interrogatórios designados, apesar de devidamente intimado, não pode ser aceita sua alegação de nulidade processual, beneficiando-se de sua própria torpeza, em contradição ao art. 565 do Código de Processo Penal. (9)

3.3. Não há nulidade alegada que só interesse à parte adversa

Este princípio visa a recusa da alegação de nulidade que somente interessa seja a parte adversa, ou seja, uma parte não pode alegar uma nulidade não sendo de seu próprio prejuízo.

O referido princípio objetiva não só a economia processual, como também evitar a turbulência no processo por ânimo de uma das partes, haja vista que favorecer a parte adversa, na visão da doutrina, seria apenas uma tentativa de prejudicar o processo e prejudicar a si mesmo. Este princípio é extraído da segunda metade do artigo 565 do Código de Processo Penal, que regula que “nenhuma das partes poderá arguir nulidade (...) referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”.

Acerca do instituto, tem-se o parecer de Mougenot (10): Em segundo lugar, exige que a parte tenha interesse na decretação da nulidade, em face da necessidade de evitar um prejuízo ou a perda da uma faculdade processual. Em suma, para invocar nulidade deve a parte possuir interesse em sua decretação, não podendo arguir irregularidade que só à parte contraria interesse.

E a suprema corte da justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal, entende da mesma forma:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. APELAÇÃO CRIMINAL. PRELIMINAR. INDISPENSABILIDADE DO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 2. ACÓRDÃO QUE DESACOLHEU PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO, POR AUSÊNCIA DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DEVIDAMENTE INTIMADO PARA A AUDIÊNCIA. 3. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. E 127, "CAPUT", DA CF/88. 4. A ESSENCIALIDADE DA PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, A TEOR DO ART. 127, DA CARTA MAGNA, NÃO SE PODE TER COMO OFENDIDA QUANDO O ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, REGULARMENTE INTIMADO PARA DETERMINADO ATO PROCESSUAL, DEIXA DE COMPARECER OU DELE NÃO PARTICIPA A SEU CRITÉRIO OU EX SPONTE SUA. 5. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (11)

3.4. Princípio da convalidação: não há nulidade acerca de ato irrelevante ao andamento desfecho da causa

Este princípio encontra-se norteado pelo texto do artigo 566 do Código de Processo Penal, haja vista que, conforme o texto, se algum vicio encontrado não tiver influência na apuração da verdade real, este ato não será, de forma alguma, nulo.

Vislumbra-se assim que o legislador, no artigo acima e logo a doutrina neste principio, visou a economia processual, pois é certo que não há motivos para se repetir algo para obter um fim já tido.

Nucci (12) define e exemplifica: Baseado no principio geral de que, sem prejuízo, não há que se falar em nulidade, é possível haver um ato processual praticado sem as formalidades legais, que, no entanto, foi irrelevante para chegar-se à verdade real no caso julgado. Assim, preserva-se o praticado e mantem-se a regularidade do processo. Exemplo: A testemunha que se pronunciar em idioma estrangeiro deve ter intérprete (art. 223). É a formalidade do ato. Se ela for ouvida sem o interprete, mas seu depoimento foi considerado irrelevante pelo juiz e pelas partes, não se proclama a nulidade.

Reforça o inciso segundo do artigo 572 do Código de Processo Penal ao dispor que, sendo usado outro meio para atingir o mesmo fim, o ato não será nulo.

Por derradeiro, cabe também ressaltar o entendimento do doutrinador Fernando Capez (13), o qual leciona que “o art. 572, II, reforça essa ideia, ao dispor que certas irregularidades serão relevadas, ‘se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim’”.

3.5. Princípio da causalidade: nulidade processual que pode desencadear a dos consequentes

O princípio da causalidade lida notoriamente acerca de atos que, quando anulados, causarão o mesmo efeito em outros que dele dependem.

Este princípio se subdivide de duas formas: as nulidades originárias e as nulidades derivadas.

As nulidades originárias simplesmente tratam-se do vicio inicialmente reconhecido pelo magistrado, e não possuem esse efeito causal anulando outros atos. Em contrapartida, a nulidade derivada será reconhecida em um momento póstumo do processo, após o surgimento de outros atos ao decorrer da lide, logo acarretando em uma nulidade abrangente a todos que dele dependerem.

Acerca deste princípio, Nucci (14) exemplifica: O interrogatório do réu é feito com base na denuncia. Se esta é anulada, naturalmente o interrogatório também precisa ser feito. Entretanto, se uma testemunha é ouvida sem a presença do réu, não intimado, provocando a impossibilidade do reconhecimento, por exemplo, anula-se o ato, o que não prejudica outra audiência que se tenha seguido aquela, cujas partes compareceram regularmente.

Este princípio é decorrente do texto do artigo 573, § 1º, do Código de Processo Penal, que diz que “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos aos que dele diretamente dependam ou sejam consequência”, porém, ressalva-se que este principio fica, de certa forma, subordinado ao princípio da convalidação, pois, se um ato “nulo” alcançou seu objetivo, sem prejudicar nenhuma das partes, não há o que se falar em nulidade do mesmo.

Cabe mostrar caso real, onde o Superior Tribunal de Justiça prolata seu entendimento:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. SENTENÇA CONDENATÓRIA ANULADA DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL A QUO. INVERSÃO DA ORDEM DE APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS PELAS PARTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. TESE DEFENSIVA DE QUE A NULIDADE SE ESTENDERIA INCLUSIVE AOS ATOS PRATICADOS ANTERIORMENTE ÀQUELE DECLARADO NULO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 52 DO STJ. PRECEDENTES. 1. Não é possível estender os efeitos nulificantes aos atos processuais praticados anteriormente àquele declarado nulo pela Corte de origem, porquanto, a teor do disposto no art. 573, § 2.º, do Código de Processo Penal, a extensão da nulidade deverá ser declarada pelo órgão julgador e tão-somente poderá atingir os atos que dele dependem (princípio da causalidade). 2. Inexiste o alegado constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação de culpa, pois a anulação da sentença condenatória não enseja, per si, a revogação da custódia cautelar de réu que já se encontrava preso durante toda a instrução, mormente se o feito, consoante se verifica das informações contidas nos autos, encontra-se na fase das alegações finais. Aplicação, in casu, do enunciado da Súmula n. 52 do STJ. Precedentes 3. Ordem denegada. (15)

3.6. Princípio da conservação dos atos processuais: mesmo nulo, o ato pode ser aproveitado

Este princípio é oriundo do entendimento utile per inutile non vitiatur, no português, “o útil pelo inútil não é viciado”, desta forma, mesmo que o princípio da causalidade assombre o processo, alguns atos, que por esse ato nulo não foram prejudicados, influenciados, ou mesmo descendendo dele, se de outra maneira fosse, teriam o mesmo fim, serão reaproveitados, respeitando também o princípio da economia e celeridade processual.

O princípio da conservação tem embasamento na primeira metade do texto do artigo 567 do Código de Processo Penal, o qual diz que “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”.

Este princípio não é muito abordado pela gama de doutrinadores mais populares no Brasil, haja vista sua obviedade e estar subentendido no principio da causalidade e da convalidação, pois, conforme abordado no item anterior, por ordem de economia e celeridade processual, atos não influenciados pela nulidade de outros são mantidos.

Mougenot (16) leciona acerca da matéria: Mesmo reconhecida a nulidade de determinado ato irregularmente praticado, serão aproveitados os demais atos processuais que com ele não guardem relação de dependência ou de consequência.

E o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou em longínquo julgado que, nos dias de hoje, ainda é muito utilizado pelas cortes nacionais:

HABEAS CORPUS. NULIDADES DE ATOS PROCESSUAIS. INOCORRENCIA. O ARTIGO 567 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CONSAGRA O PRINCÍPIO DE CONSERVAÇÃO DOS ATOS QUE, EMBORA CONTENHAM CERTA CARGA DECISORIA, NÃO SÃO TERMINATIVOS DO PROCESSO E NEM CONSTITUEM ENTREGA DE PRESTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. O ATO DE RECEBIMENTO DA DENUNCIA ESTA SUJEITO AO PRINCÍPIO DE CONSERVAÇÃO. (17)

Considerações finais

Conclui-se que os princípios das nulidades visam, objetivamente, a proteção das partes e da celeridade processual, defendendo-as das mazelas e brechas da lei para obter vantagens indevidas.

Apontando um caminho coeso e certo, os princípios visam regular imprevistos processuais, amparando o julgador e as partes acerca do uso das alegações das nulidades positivadas, tanto no Código de Processo Penal, quanto na Constituição.

Ao passo que se obtém a celeridade e segurança jurídica acerca da matéria processual, notadamente presentes no texto constitucional e infraconstitucional, os princípios agem como uma espécie de freios e contrapesos, evitando com que o meio, representado pela matéria processual, prejudique o fim, ou seja, a aplicação da lei penal.

Ademais, os princípios aqui elencados atuam conjunta e harmonicamente entre si, complementando-se no objetivo de único de aplicar, ordineiramente, o instituto da nulidade processual.

Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 328969/MG. Relator Ministra Laurita Vaz, DJO 17/05/2004, Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ATC&sequencial=1190294&.... Acesso em 27 de novembro de 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 87997/SP, Relator ministro Arnaldo Esteves Lima, DJO 16/06/2008, Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ATC&sequencial=3973770&.... Acesso em 27 de novembro de 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 112446/SP. Relatora ministra Rosa Weber, DJO 01/06/2012, Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2122095. Acesso em 22 de novembro de 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 63580/RJ. Relator ministro Carlos Madeira, DJO 11/04/1986, Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=68742. Acesso em 27 de novembro de 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 179272/RS, Relator Ministro Néri da Silveira, DJO 02/10/2001, Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3973770&sReg=2007.... Acesso em 27 de novembro de 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GRINOVER, Ada Pellegrini; MAGALHÃES FILHO, Antonio Carlos; FERNANDES, Antonio Scarence. As nulidades no processo penal. 11. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

MOUGENOT, Edilson Bonfin. Curso de processo penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 19 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 3 vol. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

Citações

(1) RANGEL, Paulo. Direito processual penal, p.893.

(2) RANGEL, Paulo. Direito processual penal, p.895.

(3) NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 824.

(4) CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 694.

(5) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 115.

(6) MOUGENOT, Edilson Bonfin. Curso de processo penal, p. 593.

(7) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 112446/SP. Relatora ministra Rosa Weber, DJO 01/06/2012, Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2122095. Acesso em 22 de novembro de 2012.

(8) NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 826.

(9) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 87997/SP, Relator ministro Arnaldo Esteves Lima, DJO 16/06/2008, Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ATC&sequencial=3973770&.... Acesso em 27 de novembro de 2012.

(10) MOUGENOT, Edilson Bonfin. Curso de processo penal, p. 594.

(11) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RExt. 179272/RS, Relator ministro Néri da Silveira, DJO 02/10/2001, Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3973770&sReg=2007.... Acesso em 27 de novembro de 2012.

(12) NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 827.

(13) CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 701.

(14) NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 827.

(15) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 328969/MG. Relator ministra Laurita Vaz, DJO 17/05/2004, Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ATC&sequencial=1190294&.... Acesso em 27 de novembro de 2012.

(16) MOUGENOT, Edilson Bonfin. Curso de processo penal, p. 595.

(17) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 63580/RJ. Relator ministro Carlos Madeira, DJO 11/04/1986, Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=68742. Acesso em 27 de novembro de 2012.

Autores

Aphonso Vinicius Garbin Acadêmico do 6º período do curso de Direito (Universidade do Vale do Itajaí) aphonso@tjsc.jus.br.

Marcelo Vieira Ramos Acadêmico do 6º período do curso de Direito (Universidade do Vale do Itajaí) sgtvr@hotmail.com.

Luiz Eduardo Cleto Righetto Advogado criminalista Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Estado de Santa Catarina Mestre em Ciências Jurídicas (UNIVALI)

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