Página 2002 do Diário de Justiça do Estado de Pernambuco (DJPE) de 16 de Junho de 2016

é de incapacidade relativa. Verificadas as alterações, parece-nos que o sistema de incapacidades deixou de ter um modelo rígido, passando a ser mais maleável, pensado a partir das circunstâncias do caso concreto e em prol da inclusão das pessoas com deficiência, tutelando a sua dignidade e a sua interação social. Isso já tinha ocorrido na comparação das redações do Código Civil de 2002 e do seu antecessor. Como é notório, a codificação material de 1916 mencionava os surdos-mudos que não pudessem se expressar como absolutamente incapazes (art. , III , do CC/1916). A norma então em vigor, antes das recentes alterações ora comentadas, tratava das pessoas que, por causa transitória ou definitiva, não pudessem exprimir sua vontade, agora tidas como relativamente incapazes, reafirme-se. Todavia, pode ser feita uma crítica inicial em relação à mudança do sistema. Ela foi pensada para a inclusão das pessoas com deficiência, o que é um justo motivo, sem dúvidas. Porém, acabou por desconsiderar muitas outras situações concretas, como a dos psicopatas, que não serão mais enquadrados como absolutamente incapazes no sistema civil. Será necessário um grande esforço doutrinário e jurisprudencial para conseguir situá-los no inciso III do art. do Código Civil , tratando-os como relativamente incapazes. Não sendo isso possível, os psicopatas serão considerados plenamente capazes para o Direito Civil. Em matéria de casamento também podem ser notadas alterações importantes engendradas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. De início, o art. 1.518 do Código Civil teve sua redação modificada, passando a prever que, até a celebração do casamento, podem os pais ou tutores revogar a autorização para o matrimônio. Não há mais menção aos curadores, pois não se decreta mais a nulidade do casamento das pessoas que estavam mencionadas no antigo art. 1.548, inciso I, ora revogado. Enunciava o último diploma que seria nulo o casamento do enfermo mental, sem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, o que equivalia ao antigo art. , inciso II , do Código Civil , que também foi revogado, como visto. Desse modo, perdeu sustentáculo legal a possibilidade de se decretar a nulidade do casamento em situação tal. Em resumo, o casamento do enfermo mental, sem discernimento, passa a ser válido. Filia-se totalmente à alteração, pois o sistema anterior presumia que o casamento seria ruim para o então incapaz, vedando-o com a mais dura das invalidades. Em verdade, muito ao contrário, o casamento é via de regra salutar à pessoa que apresente alguma deficiência, visando a sua plena inclusão social. Seguindo no estudo das modificações do sistema de incapacidades, o art. 1.550 do Código Civil , que trata da nulidade relativa do casamento, ganhou um novo parágrafo, preceituando que a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbil poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador (§ 2º). Trata-se de um complemento ao inciso IV da norma, que prevê a anulação do casamento do incapaz de consentir e de manifestar de forma inequívoca a sua vontade. Advirta-se, contudo, que este último diploma somente gerará a anulação do casamento dos ébrios habituais, dos viciados em tóxicos e das pessoas que, por causa transitória ou definitiva, não puderem exprimir sua vontade, na linha das novas redações dos incisos II e III do art. 4º da codificação material. Como decorrência natural da possibilidade de a pessoa com deficiência mental ou intelectual se casar, foram alterados dois incisos do art. 1.557, dispositivo que consagra as hipóteses de anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa. O seu inciso III passou a ter uma ressalva, eis que é anulável o casamento por erro no caso de ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência (destacamos a inovação). Em continuidade, foi revogado o antigo inciso IV do art. 1.557 do CC/2002 que possibilitava a anulação do casamento em caso de desconhecimento de doença mental grave, o que era tido como ato distante da solidariedade (“a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado”). Essas foram as modificações percebidas na teoria das incapacidades, que foi revolucionada, e em sede de casamento. No nosso próximo artigo, a ser publicado neste canal, demonstraremos as alterações geradas pela Lei 13.146 /2015 quanto à interdição e à curatela e os atropelamentos legislativos frente ao Novo CPC .” (http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/ noticias/213830256/alteracoes-do-código-civil-pela-lei-13146-2015 > Acesso em 25/04/2016, às 13:08 horas). Sendo assim, a partir dessa lei, a pessoa com deficiência tem capacidade plena para prática de todos os atos da vida civil, especialmente os chamados atos existenciais, que estão assim elencados nos arts 6º e 85 do Estatuto. No entanto, excepcionalmente, uma pessoa com deficiência pode ser considerada relativamente incapaz, tão somente, para a prática dos atos patrimoniais ou negociais, ficando sujeita à curatela específica neste último caso. Em suma, podemos ter numa só pessoa com deficiência a capacidade plena para prática dos atos existenciais e a capacidade ou incapacidade relativa para o exercício dos atos patrimoniais ou negociais. No caso sob exame, a interdição foi requerida de forma a declarar a interdição da promovida, por apresentar doença mental que o torna incapaz para todos os atos da vida civil, o que não é mais possível diante da alteração legislativa, a não ser sob sua forma de incapacidade relativa, que se resumirá a limitações quanto a prática de atos negociais e patrimoniais, conforme dito acima. E assim, o art. 1.767, do Código Civil, elenca as pessoas sujeitas à curatela, entre elas, no inciso I, estabelece “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”. Nesse sentido, do TJRS: “APELAÇÃO CÍVEL. CURATELA. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. INTERDITANDA COM DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO ESQUIZOFRÊNICO, COM SINTOMAS DEPRESSIVOS. LAUDOS PERICIAIS PSIQUIÁTRICO E PSICOLÓGICO QUE CONCLUEM PELA INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O EXERCÍCIO DOS ATOS DA VIDA CIVIL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Sopesados todos os elementos de provas constantes dos autos, em especial a perícia médica psiquiátrica e a perícia psicológica realizadas pelo Departamento Médico Judiciário deste Tribunal, resta cabalmente comprovada a incapacidade definitiva da interditanda para os atos da vida civil, em decorrência do transtorno esquizofrênico, com sintomas depressivos, que a acomete, pois de todas as provas constantes do feito, apenas um único laudo psicológico concluiu pela capacidade da interditanda. 2. Nesse contexto, considerando que o inciso I do art. 1.767 do Código Civil dispõe que estão sujeitos à curatela "aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil", não merece reparos a sentença que decretou a interdição da requerida. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70054088208, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 04/07/2013). No caso dos autos, a parte promovente possui legitimidade para propor esta ação nos termos do ar. 1.768 do Código Civil, pois é parente da Curatelada, in casu, irmã. Em conformidade com a prova aqui colhida, verifica-se que de fato a interditanda não possui nenhuma capacidade de exprimir sua vontade, tanto que na audiência de interrogatório de fl. 18/18v, quando indaga sobre aspectos de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências, e família, ela se expressou com uma linguagem desconexa com a realidade e de forma incompreensível, sendo constatado pelo juízo que a mesma apresenta indícios de ser portadora de retardo mental grave. Do ponto de vista da legitimidade ativa, verifico que a promovente é irmã da curatelado, fato este que atrai a incidência da norma colacionada, legitimando-a a propor a ação em tela, ressaltando que não há provas de qualquer fato que o impeça de exercer tal mister (parágrafo único do art. 1.772, do CC). Por outro lado, observo restar suficientemente demonstrada a incapacidade relativa da Curatelada para, por si, praticar atos de natureza patrimonial e negocial. Neste sentido, destaco o conteúdo da ata de audiência de fl. 18/18v, relatório psicossocial de fl. 30/30v. Ademais, emana dos autos que a requerente é a responsável pelos cuidados necessários à manutenção da vida da interditanda. Outrossim, o laudo médico de fls. 44/44v é claro ao apontar que a parte interditanda é portadora de deficiência mental grave, com capacidade de discernimento prejudicada, classificada pelo CID F72.1, a qual a incapacita relativamente para os atos da vida civil. Por fim, o Ministério Público pugnado pela procedência do feito. Ante o exposto, observado o disposto no art. 755 do NCPC e disposições da Lei nº 13.146/2015, ao tempo em que JULGO PROCEDENTE o pedido inicial: a) decreto a interdição de MARIA DE JESUS DE LIMA, declarando-a, como corolário, relativamente incapaz de exercer os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançado, contudo, o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, garantido à mesma, ainda, todos os direitos previstos na Lei nº 13.146/2015; e b) nomeio à mesma curadora na pessoa de MARIA APARECIDA DE LIMA, ora requerente, a qual deverá ser intimada para prestar o compromisso legal no prazo de cinco dias. Face à inexistência de bens, dispenso a especialização em hipoteca e a prestação anual de contas. Nos moldes do art. 756 do NCPC, a presente medida poderá ser revista quando cessar a causa que a determinou, sendo que persistirá até então. Conforme art. 755, § 3º, do NCPC, “A sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente.”

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