Página 218 do Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) de 8 de Maio de 2024

torno de 22h, o denunciado acordou a vítima, dando-lhe tapas e murros. Na sequência, ele apertou o pescoço de A.C., enquanto lhe perguntava quem estava ligando para ela e quem era o "macho" dela. Em meio às agressões, o denunciado ainda jogou ao chão o telefone celular da vítima, vindo a quebrá-lo, tendo também xingado a ex-companheira, chamando-a de "puta", "vadia" e "piranha". Num segundo momento, o denunciado, enfurecido, bradou: "Se você transa com os machos na rua, você pode transar comigo em casa!". Na sequência, o denunciado tirou a calça e a calcinha de A. C. à força, voltou a bater nela e a levou para um quarto, onde continuou a agredi-la e disse que iria "transar com ela". A vítima pediu para que o acusado parasse de agredi-la e para que não a estuprasse. O denunciado, porém, ignorando os apelos da ex-companheira, logrou introduzir seu pênis na vagina da vítima e manter conjunção carnal com ela, valendo-se de força física. Enquanto era estuprada, A. C. chorava e implorava para que o denunciado parasse de violentá-la, mas não foi atendida. Quando a filha menor da vítima e do denunciado chegou em casa, após voltar de uma igreja, o acusado, em meio ao estupro que praticava, apertou o pescoço de A.C. e mandou que ela ficasse calada. Apesar disso, a vítima chamou sua filha, fazendo com que o denunciado parasse de estuprá-la. A filha menor do denunciado e da vítima adentrou o quarto onde a mãe tinha sido estuprada e flagrou o pai e a mãe semidespidos. A. C., então, pediu à filha que lhe tirasse de lá. A menor levou a mãe até um outro quarto, onde A. C. se vestiu. A vítima, então, foi até a casa da nora dela e acionou a Polícia Militar. Uma guarnição da PM foi até o local do ocorrido, mas não localizou acusado. ? grifos nossos. Cumprido o itinerário processual, a pretensão punitiva estatal foi julgada parcialmente procedente, sendo o réu condenado como incurso nas penas dos crimes previstos no art. 129, § 9º, e no art. 213, c/c o art. 226, II, todos do Código Penal, em contexto de violência doméstica contra a mulher, na forma dos arts. e da Lei nº 11.340/2006, sendolhe imputada a reprimenda de 09 anos de reclusão, quanto ao crime de estupro, em regime fechado, e de 03 meses de detenção, em regime aberto, em relação ao delito de lesões corporais. O réu foi, ainda, condenado ao pagamento de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) a título de danos morais. Irresignada, a defesa recorre da r. sentença, suscitando preliminarmente a nulidade por ausência de condição de procedibilidade da ação, nos termos do art. 564, inciso III, alínea a, do Código de Processo Penal, em razão da retratação da vítima. No mérito, entende ser cabível a absolvição do acusado, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, VII, do CPP. Defende, ainda, a excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa; a ausência de culpa, nos moldes do artigo 13, § 1º, do Código Penal; bem como a inexistência de dolo, haja vista que o réu não teve qualquer intenção de cometer o ato ilícito, pois o acusado e a vítima moravam na mesma residência e no dia dos fatos fizeram uso de bebidas alcoólicas, o que teria desencadeado uma discussão e, assim, ocorrido o fato. Assevera que o silêncio do réu não pode ser desfavoravelmente interpretado. Destaca, por fim, que o acusado possui bons antecedentes, endereço certo e emprego fixo. Subsidiariamente, na dosimetria da pena, em sua terceira fase, requer o afastamento da causa de aumento prevista no art. 226, inciso II, do CP. Pleiteia, ainda, a concessão do benefício da gratuidade de justiça, em razão da hipossuficiência. Feitas tais considerações iniciais, passa-se à análise das teses recursais. 1. DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE EM RAZÃO DA REPRESENTAÇÃO RETRATADA PELA VÍTIMA Em suas razões recursais (ID 52401398 - Pág. 1/15), a defesa busca, em sede preliminar, a extinção da punibilidade do apelante, aduzindo a ausência de condição de procedibilidade da ação, nos termos do art. 564, inciso III, alínea a, do Código de Processo Penal. Defende que, na data do suposto fato, não estava vigente a Lei 13.718/2018 e, portanto, o crime de estupro era de ação penal condicionada à representação da ofendida. Desse modo, considerando que a vítima se retratou em juízo (ID 52401276), não há que se falar em representação, o que torna ausente a condição de procedibilidade. Além disso, sustenta a inaplicabilidade da Súmula nº 608 do STF, afirmando que não restou comprovado que o delito ocorreu mediante violência real. Sem razão a Defesa. Inicialmente, cumpre salientar que, de fato, na data da ocorrência do crime (21 de julho de 2018), a Lei nº 12.015/09 ainda se encontrava em vigor, tendo sido revogada apenas com a vigência da Lei nº 13.718, em 24 de setembro de 2018. Sobre o tema, deve-se rememorar que na vigência da Lei 12.015/09, o artigo art. 225 do Código Penal possuía a seguinte redação: Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. Posteriormente, a Lei n. 13.718/18 alterou a redação do art. 225 do Código Penal , revogando seu parágrafo único: Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018) Parágrafo único. (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018) Conforme exposto, a Lei 12.015/09, vigente ao tempo dos fatos, previa que a instauração da ação penal em relação ao crime de estupro ficaria condicionada à representação, salvo quando se tratasse de menor de 18 (dezoito) anos e de pessoa vulnerável, ocasiões em que a ação seria pública incondicionada. Em que pese a referida previsão legal, não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal já havia aprovado o enunciado da Súmula nº 608, que dispõe acerca da instauração da ação penal em caso de estupro praticado mediante violência real, como no caso dos autos. Confira-se: Súmula n. 608 do STF Enunciado: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada. Observa-se que - ao contrário do que alegado pela defesa - para a ocorrência da violência real não se faz necessária a existência de lesões corporais na vítima, bastando que fique caracterizado o emprego de força física contra a ofendida, cerceando-lhe a liberdade de agir, segundo a sua vontade. No presente caso, o delito em análise foi praticado com violência real, uma vez que, conforme consta da denúncia, a vítima foi pega de surpresa ao ser acordada pelo ex-companheiro com atos de violência que impossibilitaram a sua defesa. Confiram-se trechos extraídos da denúncia que melhor elucidam a questão: (...) em torno de 22h, o denunciado acordou a vítima, dando-lhe tapas e murros. Na sequência, ele apertou o pescoço de A.C., (...) o denunciado tirou a calça e a calcinha de A. C. à força, voltou a bater nela e a levou para um quarto, onde continuou a agredi-la e disse que iria "transar com ela". A vítima pediu para que o acusado parasse de agredi-la e para que não a estuprasse. O denunciado, porém, ignorando os apelos da ex-companheira, logrou introduzir seu pênis na vagina da vítima e manter conjunção carnal com ela, valendo-se de força física. Enquanto era estuprada, A. C. chorava e implorava para que o denunciado parasse de violentá-la, mas não foi atendida. (...) o acusado, em meio ao estupro que praticava, apertou o pescoço de A.C. e mandou que ela ficasse calada. Tal fato pode ser corroborado com as declarações da ofendida prestadas na Delegacia (ID 52401262 - Pág. 8/9) e também em juízo (ID 52401373 - Pág. 3/4), porquanto - nas duas ocasiões em que fora ouvida - a vítima contou com riqueza de detalhes como o ato de violência ocorreu, consignando que, no dia dos fatos, estava dormindo quando foi acordada pelo ex-companheiro com tapas e murros, o qual dizia que queria transar com ela. Na ocasião, sem a anuência da vítima, o réu tirou-lhe a calça e a calcinha, deixando-a somente com a camiseta, vindo a estuprá-la mediante conjunção carnal. Todo ato foi executado contra resistência da vítima, a qual pedia para que o réu parasse, mas ele não atendeu o seu pedido. A violência empregada pelo acusado, além de ter sido demonstrada através da narrativa da vítima, cujos depoimentos serão transcritos na íntegra por ocasião do mérito, também deixaram vestígios na calcinha que ela vestia no dia dos fatos, pois, conforme se extrai do laudo de perícia criminal ? exame de constatação de vestígios biológicos - foram detectados indícios químicos sugerindo a presença de sangue; bem como a presença de proteína PSA, compatível com fluido seminal (ID 52401266 - Pág. 2). Não há dúvidas de que o crime de estupro ocorreu mediante violência real, o que permite afirmar que, ao tempo do fato, houve a transmutação da natureza da ação penal, passando de pública condicionada para incondicionada, o que dispensa a representação da ofendida. Desse modo, uma vez caracterizada a violência real, resta autorizada a atuação do Ministério Público como dominus litis, nos termos da Súmula nº 608 do Supremo Tribunal Federal. Ressalte-se, ainda, que o tipo penal em testilha não exige a ocorrência de lesão corporal na vítima para a sua configuração, de modo que, o fato de a ofendida ter sofrido lesões corporais leves, por si só, não descaracteriza a conduta violenta do acusado na prática do estupro. Não se desconhece o entendimento exarado pelo Ministro Relator Dias Toffoli no julgamento do Inq 4108 AgR, Segunda Turma, proferido em 06/03/2018, que afastou a aplicação da Súmula nº 608 do Supremo Tribunal Federal, após reconhecer que a violência supostamente empregada pelo investigado para a prática do estupro resultaram apenas lesões corporais leves na vítima. Todavia, registra-se que, no julgamento do RHC 117978, publicado em 05/06/2018, o Ministro Relator Dias Tofolli entendeu ser dispensável a ocorrência de lesões corporais para a caracterização da violência real nos crimes de estupro. Confira-se: Recurso ordinário em habeas corpus. Processual penal. Crimes de estupro praticado mediante violência real. Condenação. Pretendido trancamento da ação penal na origem. Alegada ocorrência de decadência do direito de queixa à exceção de uma das vítimas. Impossibilidade. Crimes que se processam mediante ação penal pública incondicionada. Inteligência do enunciado da Súmula nº 608 da Corte. Precedentes. Recurso ao qual se nega provimento. 1. Nos termos da Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada. 2. O

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