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3 de Maio de 2024
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    A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras constitui enriquecimento sem causa, consubstanciando-se em prática abusiva contra o consumidor (Info.

    há 14 anos

    Informativo n. 0423

    Período: 15 a 19 de fevereiro de 2010.

    As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Assessoria das Comissões Permanentes de Ministros, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal. Quarta Turma ACP. BOLETO BANCÁRIO.

    Cuida-se de ação civil pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público estadual contra vários bancos, ora recorrentes, ao fundamento de que, não obstante a edição da Res. n. 2.303/1996-Bacen, que disciplina a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras, os bancos continuaram a cobrar tarifa indevida e abusiva pelo recebimento, em suas agências, de boletos bancários ou fichas de compensação, de tal forma que o consumidor, além de pagar a obrigação constante do título, mais encargos moratórios eventualmente existentes, é compelido a pagar, também, aquele valor adicional para que o título possa ser quitado na agência bancária. Ve-se, daí, que, malgrado a controvérsia acerca da natureza jurídica dos interesses em questão, pelas circunstâncias do caso identificadas pelo Tribunal de origem e pela leitura atenta da peça inaugural, parece claro que o autor visa à proteção de interesses individuais homogêneos (art. 81, III, do CDC), sendo indiscutível sua legitimação para intentar a ACP (art. 82, I, do mesmo código). Anote-se, como consabido, estar inclusa, entre as finalidades primordiais do MP, justamente a defesa do consumidor (arts. 127 da CF/1988 e 21 da Lei n. 7.347/1985). No tocante à alegada violação dos arts. e do CDC, conforme decidiu o STF em ADI (que, quanto aos serviços de natureza bancária, confirmou a constitucionalidade do art. 3º, 2º, daquele codex ), a relação jurídica existente entre o contratante ou usuário de serviços bancários e a instituição financeira deve ser disciplinada pelo CDC. Já no que diz respeito à alegada violação do art. 51 também do CDC, visto que os serviços prestados pelos bancos são remunerados pela chamada tarifa interbancária (criada por protocolo assinado pela Febraban e outros entes), tal qual referido pelo tribunal de origem, a cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento mediante boleto ou ficha de compensação constitui enriquecimento sem causa das instituições financeiras, pois há uma dupla remuneração pelo mesmo serviço, o que denota vantagem exagerada dos bancos em detrimento dos consumidores. Assim, cabe ao consumidor apenas o pagamento da prestação que assumiu junto a seu credor, não sendo razoável que seja responsabilizado pela remuneração de serviço com o qual não se obrigou, nem tampouco contratou, mas lhe é imposto como condição para quitar a fatura recebida seja em relação a terceiro seja do próprio banco. Há, também, desequilíbrio entre as partes, decorrente do fato de que ao consumidor não resta senão se submeter à cobrança, pois não lhe é fornecido outro meio para adimplir suas obrigações. Diante disso tudo, conclui-se ser abusiva a cobrança da tarifa pela emissão do boleto bancário nos termos dos arts. 39, V, e 51, 1º, I e III, todos do CDC. Contudo, no tocante à pretensão de devolução em dobro dos valores pagos em razão da cobrança de emissão de boleto bancário, prosperam os recursos dos bancos; pois, como bem referido pelo juízo de primeira instância, o pedido de indenização, seja de forma simples seja em dobro, não é cabível visto que a ACP busca a proteção dos interesses individuais homogêneos de caráter indivisível. O requerimento de devolução dos valores indevidamente cobrados tem caráter subjetivo individual, por isso deve ser postulado por seus próprios titulares em ações próprias. Por fim, a indenização prevista nos arts. 97 a 100 do CDC não se confunde, como querem fazer entender os recorrentes, com a multa cominada pelo não cumprimento da obrigação de não fazer determinada pelo tribunal de origem, consubstanciada na abstenção da cobrança da tarifa de emissão do boleto bancário. A indenização, segundo já dito, deve ser requerida em ação própria, pois passível de liquidação e execução da sentença de modo individual, motivo pelo qual não se fala, na hipótese dos autos, em indenização autônoma, tampouco em destinação dessa indenização ao Fundo de Direitos Difusos. Todavia, a multa cominatória em caso de descumprimento da obrigação de não fazer, por outro lado, será destinada ao fundo indicado pelo MP (art. 13 da Lei n. 7.347/1985), uma vez que não é possível determinar a quantidade de consumidores lesados pela cobrança indevida da tarifa sob a emissão de boleto bancário. Precedentes citados do STF: ADI 2.591-DF , DJ 13/4/2007; do STJ: REsp 168.859-RJ , DJ 23/8/1999; REsp 117.965-PR, DJ 26/5/1997; REsp 1.014.547-DF, DJe 7/12/2009; REsp 537.652-RJ, DJe 21/9/2009; REsp 1.021.161-RS, DJe 5/5/2008; REsp 894.385-RS, DJ 16/4/2007; REsp 799.669-RJ, DJ 18/2/2008; REsp 762.839-SP, DJ 7/11/2005; REsp 727.092-RJ, DJ 14/6/2007, e REsp 706.449-PR , DJe 9/6/2008. REsp 794.752-MA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/2/2010.

    NOTAS DA REDAÇAO

    A Constituição Federal prevê a defesa do consumidor nos seguintes dispositivos:

    Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

    (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

    Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

    (...)

    V - defesa do consumidor;

    O fato de a Carta Política prever a defesa do consumidor no rol dos direitos fundamentais se deve à adesão ao movimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que significa a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, ou seja, os direitos fundamentais devem também ser respeitados no âmbito das relações privadas, daí a razão de existir dos artigos e do CDC que dão atenção especial ao respeito à dignidade, à vida, à saúde, à segurança do consumidor.

    Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

    (...)

    Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

    I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

    (...)

    O presente informativo reafirmou entendimento de que é legítimo o Ministério Público, por meio de ação civil pública, a defender interesses dos consumidores. Na hipótese em apreço, entendeu-se que o fato de agências bancárias cobrarem tarifa indevida e abusiva pelo recebimento, em suas agências, de boletos bancários ou fichas de compensação, de tal forma que o consumidor, além de pagar a obrigação constante do título, mais encargos moratórios eventualmente existentes, é compelido a pagar, também, aquele valor adicional para que o título possa ser quitado na agência bancária, faz com que esses consumidores possam ser defendidos de maneira coletiva, nos moldes previstos no artigo 81, parágrafo único, III, do CDC, ou seja, a hipótese retrata direito individual homogêneo.

    Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

    Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

    (...)

    III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

    A este respeito, vale relembrar que os interesses metaindividuais também são denominados transindividuais (termo utilizado pelo Código de Defesa do Consumidor) e, seguindo uma orientação tradicional de Barbosa Moreira, temos que esses direitos podem ser classificados da seguinte forma:

    1. Interesses naturalmente coletivos, cuja característica é a indivisibilidade do objeto e

    2. Interesses acidentalmente coletivos, que se caracterizam pela divisibilidade do objeto.

    Os interesses naturalmente coletivos subdividem-se em interesses difusose em interesses coletivos, sendo certo que eles distinguem-se entre si porque, enquanto o interesse difuso se qualifica pela existência de sujeitos indetermináveis, que estão ligados entre si por circunstâncias de fatos mutáveis, o interesse coletivo tem como característica a existência de sujeitos determinados ligados por uma relação jurídica base.

    Os interesses acidentalmente coletivos, entretanto, possuem a característica de apresentarem um direito divisível, ou seja, que pode ser postulado individualmente pelos seus titulares em ações individuais; são os chamados interesses individuais homogêneos . Embora representem interesse de caráter individual, são incluídos na tutela coletiva porque na prática o dano se difunde de certa forma que é, nas palavras de Fernando Gajardoni, homogêneo na sociedade. Eles são interesses individuais, mas em razão de política legislativa lhe foi dado tratamento coletivo.

    É o que se verificou nesta hipótese da cobrança pelos bancos de tarifa pelo recebimento de boletos em suas agências. Note-se que, embora impossível nos autos, determinar-se cada consumidor lesado com essa prática, em tese, eles são identificáveis um a um, pois a prática do banco lesou aqueles que individualmente necessitaram dos serviços por ele prestados e, devido à grandiosidade da prática abusiva, por questões políticas, o legislativo decidiu incluir esta situação dentre aquelas que podem ter tutela coletiva, o que legitimou o Ministério Público a pugnar pela declaração da abusiva prática.

    Entretanto, como determinou a decisão, o Parquet não é legitimado ao pedido de indenização. Em outras palavras, o requerimento de devolução dos valores indevidamente cobrados tem caráter subjetivo individual, por isso deve ser postulado por seus próprios titulares em ações próprias.

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