Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
2 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    A denúncia do processo de impeachment é uma fraude jurídica evidente, mas mascarada

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    A presidenta da República está caindo por ter “dado” pedaladas fiscais e outros delitos. Este texto analisará a denúncia feita por Hélio Pereira Bicudo, Janaina Conceição Paschoal e Miguel Reale Júnior, e abordará não apenas os aspectos técnicos-jurídicos, mas políticos, econômicos e sociais. Será dada ênfase às pedaladas fiscais, sem, contudo, deixar de lado os demais elementos da denúncia.

    Inicialmente, pedalada fiscal é o apelido dado ao atraso nos repasses dos recursos pela União Federal ao Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, quando estes fazem o pagamento dos programas sociais como bolsa família, Minha Casa Minha Vida, crédito agrícola, seguro desemprego, etc [1].

    O que se pergunta é se este tipo de conduta justifica o impedimento de um presidente da República democraticamente eleito.

    Primeiro, o pedido de impedimento havido pelo antes citado pool de juristas e aceito quer pelo presidente da câmara, quer pelo relator, fundamenta crime de responsabilidade da presidenta da república pela inobservância, mais precisamente do artigo 36 da lei de responsabilidade fiscal que, ao juízo deles, vedaria estas práticas.

    Mas será que veda mesmo?

    Em uma análise um pouco mais cuidadosa do que preceitua o artigo 36 da lei de responsabilidade fiscal, pode-se ver que não é bem assim. Não há confundir o que veda a lei de responsabilidade fiscal, artigo 36 [2], operações de crédito vedadas, com pedaladas fiscais. As operações de crédito estão definidas nos artigos 29, III, e parágrafo primeiro, da LRF e 3º, cabeça e parágrafo primeiro, da resolução 43 do senado federal. Ali consta que OPERAÇÃO DE CRÉDITO, é “art 29 (...); III – (...): compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros; (...). § 1o Equipara-se a operação de crédito a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívidas pelo ente da Federação, sem prejuízo do cumprimento das exigências dos arts. 15 e 16”, e “art. 3o (...) os compromissos assumidos com credores situados no País ou no exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros. § 1º Equiparam-se a operações de crédito: I - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação; assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de títulos de crédito; II - assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços”.

    Não há, e isso se pode ver de forma fácil, nenhuma referência à débito gerado pela união para pagamento de benefícios sociais através de bancos públicos, ainda que com prejuízo financeiro à união federal. De outro lado, o artigo 36 da LRF é claro e exige empréstimo. Ora, estas operações, embora não recomendáveis do ponto de vista do direito financeiro e das contas públicas, não são empréstimos. Não são mútuo! Não são, igualmente, valores recebidos antecipadamente, antecipação de receitas ou tributos ou assunção direta de compromissos, confissão de dívida ou algo parecido. São, na verdade, liberação de valores através dos bancos públicos que, em razão da participação da União como acionista, devem honrar, por força de lei, o que a norma legal prevê para fins de cumprimento dos benefícios e programas sociais.

    No que tange ao disposto nos artigos 9o, 3 e 7, 10, 6 a 9 e 11, 3, da lei 1079/50 [3], interessante fazer as seguintes observações:

    1) a presidenta Dilma não interferiu de forma direta (e mesmo indireta) nas investigações quer da operação zelotes quer da operação lava-jato ou mensalão. Antes, pelo contrário, não houve, na história do Brasil, tanta investigação de corrupção e atos de desvio. Sobre a nomeação do presidente Lula, cabe destacar que, embora efetivamente esteja ele sendo investigado, a guinada dele ao cargo de ministro de estado serve como forma de aproximar a presidente do povo em momento de crise. Dilma jamais impediu que se processasse ou investigasse Lula;

    2) não agiu de forma incompatível com o decoro, honra ou dignidade. Pelo contrário. Sempre pautou seu mandato por decisões sérias e severas. Permitiu as investigações necessárias e mesmo acreditando que a Petrobrás foi (e está sendo vítima de golpe), trocou quando necessário, a presidente da entidade;

    3) não abriu ou autorizou a abertura de crédito fora do que consta da lei de diretrizes orçamentárias. O que fez, como consta supra, foi autorizar o pagamento dos benefícios sociais por parte dos bancos públicos. Isso, nem de longe, se confunde com decreto ou norma autorizativa de abertura de créditos, procedimento este que depende de contrato específico;

    4) não deixou de ordenar cancelamento, amortização, constituição de reserva para anular efeitos de operações de crédito ou a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita. Como dito antes, as operações de crédito são definidas por lei e, por isso, fácil ver que não houve violação a este dispositivo. Ainda, as chamadas pedaladas fiscais não têm qualquer relação com a antecipação de receita, pois que serviram para pagamento por parte dos bancos públicos de parcelas sociais, a serem reembolsadas pela União. No que se refere à autorização ou ordem fora da lei para realização de operação de crédito, mesmo que como novação, refinanciamento ou postergação, fácil ver que as pedaladas fiscais, além de não se caracterizarem como operações de crédito, nada têm a ver com novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;

    5) por fim, a parte que mais chama a atenção, quanto ao artigo 11, 3, da lei 1.075/50: pedaladas fiscais não são empréstimos. Empréstimo pressupõe contrato formal, ainda mais quando elaborado envolvendo entes públicos. De outro lado, como já dito, não são operações de crédito, e sim suporte dado pelos bancos públicos para pagamento de benefícios sociais.

    Nunca é demais lembrar que, crime, no Brasil, é sinônimo de lei. Pelo que preceitua o artigo 5o, XXXIX, da CF/88, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Isso é regra-princípio da constituição, norma esta de direito fundamental de primeira geração, autoaplicável. Se a prática havida pelo governo federal não se encaixa como crime, não há crime. Não se pode esquecer, ainda, que não é possível a analogia em se tratando de delitos penais. No caso da lei de responsabilidade fiscal não é diferente. Não havendo o “colorimento"preciso da norma pelo fato não há crime. Não há maiores arrazoados sobre isso. É princípio básico de direito penal, de direito constitucional penal.

    De outro lado, se bem observadas, as diferenças nos cofres da união se acentuaram em 2013/2014, época da chamada crise. Foram nestes dois anos que houve enorme renúncia fiscal (de receita). Linha branca, veículos, Refis. O monte chega a mais de 250 bilhões de reais, que favoreceram na grande maioria das vezes empresas privadas de grande capital. Ou seja, se houve pedaladas fiscais, sem a possibilidade imediata da devolução, pela União, dos valores pagos pela Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, é também porque grandes conglomerados deixaram, por renúncia do governo, de pagar os devidos tributos [4]. É por isso que o gráfico apresentado pelo TCU dá conta das diferenças das constas com os bancos públicos a partir de 2013 e 2014, conforme se vê abaixo.

    Ao que parece, após leitura atenta à denúncia, aliás fundamentada em grande parte por textos de internet de sítios como globo.com, uol.com, veja.com, entre outros (como se o primeiro ministro inglês fosse processado por notícias do The Sun!), é que os autores buscam atacar o ex-presidente Lula. Dedicam a ele mais de 1/3 da peça de ingresso, tentando relacioná-lo diretamente à Dilma, como se ele jamais tivesse se afastado do governo. O que se pode notar bem desta denúncia é que ela tem nítido caráter partidário e o propósito de eliminar por completo não apenas um partido político do poder, mas eliminar uma ideologia. Isso sim fere a Constituição Federal. Não há República Federativa do Brasil sem pluralismo, diz o artigo 1o, V, da CF/88. E mais: os próprios denunciantes citam suas “competências técnico-jurídicas” [5] como fundamento da denúncia de que são autores, o que fragiliza ainda mais o discurso e ratifica que, sim, a denúncia é golpe. Golpe contra a democracia e pluralismo.

    Assim, encerro esta pequena reflexão mostrando ao leitor que não houve ou há qualquer crime praticado pela presidenta. Há, isto sim, no máximo, prática financeira não recomendável.

    Por fim, chamo a atenção que houve golpe no Paraguai. Há tentativa permanente de golpe na Venezuela e Bolívia. Espero que aqueles que hoje apoiam o golpe - a classe média desinformada (informada apenas pela televisão dominante e sítios de internet pertencentes às empresas curiosamente indicadas como fontes pelos denunciantes) - e classe média alta rentária e predatória não precisem fazer o mesmo que seus pares há quarenta anos: passarem o resto dos seus dias à procura dos ossos de seus filhos, mortos por um regime posto por eles próprios. Ou pior, que não tenha que explicar aos seus filhos porque terminaram com o direito deles de escolher o caminho da igualdade e justiça social.

    Rafael da Silva Marques é juiz do Trabalho da 4ª Região.
    REFERÊNCIAS 1 RIBEIRO, Ricardo Lodi, Pedaladas hermenêuticas no pedido de “impeachment” de Dilma Rousselff”. Em http://www.conjur.com.br/2015-dez-04/ricardo-lodi-pedaladas-hermeneuticas-pedido-impeachment - acesso 20 de abril de 2016, às 11h44min. 2 “Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Parágrafo único. O disposto no caput não proíbe instituição financeira controlada de adquirir, no mercado, títulos da dívida pública para atender investimento de seus clientes, ou títulos da dívida de emissão da União para aplicação de recursos próprios. Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados: I - captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, sem prejuízo do disposto no § 7o do art. 150 da Constituição; II - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação; III - assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de título de crédito, não se aplicando esta vedação a empresas estatais dependentes; IV - assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços”. 3 Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: 1 - omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo; 2 - não prestar ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior; 3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; 4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição; 5 - infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais; 6 - Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagí-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim; 7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo. Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 1- Não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa; 2 - Exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento; 3 - Realizar o estorno de verbas; 4 - Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária. 5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; 6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; 7) deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; 8) deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; 9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; 10) captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; 11) ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; 12) realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 1 - ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observânciadas prescrições legais relativas às mesmas; 2 - Abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais; 3 - Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal; 4 - alienar imóveis nacionais ou empenhar rendas públicas sem autorização legal; 5 - negligenciar a arrecadação das rendas impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional. 4 http://plataformapoliticasocial.com.br/o-que-esta-por-tras-de-renunciaedesoneracao-fiscal/ - acesso 20 de abril de 2016, às 16h12min. 5 A vaidade é um dos sete pecados do capial!
    • Sobre o autorMentes inquietas pensam Direito.
    • Publicações6576
    • Seguidores935
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações561
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-denuncia-do-processo-de-impeachment-e-uma-fraude-juridica-evidente-mas-mascarada/328008486

    1 Comentário

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

    Por quê não é recomendável ? E se é não recomendável, por quê praticá-la ? Não é melhor "andar na linha" para que não haja questionamentos de nenhuma espécie, justamente para que se evite o que agora está a ocorrer no Brasil ?
    A LEI 1079/50 DIZ:
    Art. Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente TENTADOS, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.

    "O desespero do governo era tanto que o Planalto escancarou o balcão de negócios por meio do Decreto 8.367/2014, assinado por Dilma Rousseff em 28 de novembro e que aumenta em R$ 444 milhões a verba liberada para emendas parlamentares e obras e investimentos nos redutos dos congressistas. O artigo 4.º do decreto não poderia ser mais explícito: “A distribuição e a utilização do valor da ampliação a que se referem os arts. 1.º e 2.º deste Decreto ficam condicionadas à publicação da lei resultante da aprovação do PLN n.º 36, de 2014 – CN, em tramitação no Congresso Nacional”. O texto até previa o que ocorreria se a votação não saísse como espera o Planalto: “Não aprovado o PLN de que trata o caput, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministério da Fazenda elaborarão novo relatório de receitas e despesas e encaminharão nova proposta de decreto”. Já não há escrúpulos nem sequer para esconder o toma-lá-dá-cá."

    Dilma também é acusada de ter cometido crime de improbidade administrativa (não seria prevaricação ?) por não ter punido subordinados no escândalo da PETROBRAS, e também por ter aumentado gastos que não estavam no Orçamento, sem autorização do Congresso, quando já sabia que o governo terminaria o ano de 2014 com déficit primário.

    Não é uma pena que ainda não haja um Código de Defesa e Proteção do Cidadão e do Contribuinte embasado nos mesmos princípios da Constituição e da lei 8.078/90 ??

    https://www.facebook.com/josecarlosaleluia/videos/980527925349601/?autoplay_reason=all_page_organic_allowed&video_container_type=0≈p_id=2392950137 continuar lendo