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15 de Junho de 2024

Empresa responde por prejuízo causado por sócio aparente

Publicado por Expresso da Notícia
há 17 anos

A mudança de sócio sem o devido arquivamento na junta comercial pode ser oposta aos cotistas se a alteração for usada para lesar terceiros. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por maioria, conheceu do recurso especial interposto pelo Banco Bradesco S/A.

A empresa Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda. tinha como único sócio-gerente Ronaldo Vieira Novaes. Diversas transações bancárias foram efetuadas pelo sócio Lemin Vieira Lemos em nome da empresa, embora a procuração que lhe fora outorgada exigisse a presença de ambos para que as operações pudessem ser realizadas.

O banco executou vários negócios com Vieira Lemos, que contraiu empréstimos por meio de contratos de capital de giro, movimentando a conta-corrente na qual eram creditados os valores. O sócio-gerente Ronaldo Novaes assinou e comprovou como autêntica a comunhão com os interesses e compareceu, inclusive, como devedor solidário e avalista.

Dessa forma, foi gerado o confronto entre a primeira e a segunda procuração outorgada a Lemin Vieira. A declaração anterior lhe conferia poderes para agir especialmente perante instituições bancárias somente em conjunto com o sócio-gerente, Ronaldo Novaes. A primeira alteração contratual, feita após outorgada a procuração, admitia-o como membro da sociedade com a gerência exercida por todos os sócios, em conjunto ou individualmente. O recurso especial busca concluir se tal procedimento tornou os poderes da primeira procuração implicitamente revogados.

O Bradesco opôs embargos de declaração devido à confissão do representante legal da autora, Ronaldo Novaes. Foi considerado que o representante afirmou ser dele a assinatura na primeira alteração do contrato e ter poderes para gerenciar, já que era sócio-gerente da empresa. Entretanto Lemin possuía uma procuração que lhe dava poderes para atuar como gerente apenas se assinasse em conjunto com ele. Os embargos foram rejeitados.

Em segunda instância, o desembargador considerou que, ante os argumentos, seria forçoso reconhecer que o banco agiu de forma descuidada, por mau funcionamento dos seus serviços com evidentes prejuízos à empresa. Assim, o Bradesco se equivocou ao considerar um aditivo contratual sem nenhuma validade quanto à lei especial que rege as sociedades comerciais. Daí o recurso especial interposto pelo banco.

O Bradesco alega que as ações executadas foram legais pelo fato de ter sido feita a alteração contratual na empresa, que o admitiu como sócio, para atuar conjunta ou individualmente em nome e segundo os interesses da sociedade. De posse de tais documentos, o gerente da agência permitiu que, além do sócio- gerente, também o sócio Lemin Vieira realizasse todos os negócios com o banco.

O relator do processo, ministro Ari Pargendler ( foto ) , entendeu que a alteração contratual não legitima as atitudes do censurado sócio junto ao banco, nem autoriza que ele possa receber empréstimos sem consulta aos demais sócios ou que pratique atos unilateralmente em nome da empresa. O ministro recomendou que a sociedade responda pelos atos de seu “aparente” sócio, condição de que Lemin Vieira só pôde apoderar-se com o consentimento do gerente-sócio, Ronaldo Vieira. A empresa foi condenada a pagar as custas e honorários do advogado à base de 15% do valor da causa, corrigidos monetariamente.

Vostos-vista discordaram

Em voto-vista, o ministro Castro Filho discordou do entendimento do relator.Para ele, a mera cópia da alteração social, destituída do regular registro e da assinatura de testemunhas, não deve ser suficiente para autorizar a movimentação financeira de uma sociedade empresária.

Além disso, prosseguiu Meira, ao contrário do que afirmou a instituição financeira, não houve a confissão por parte do depoente, representante da empresa,revelando se o "falso procurador teria poderes para movimentar isoladamente" a conta. O que constou, explicou Meira, é que ele "tinha poderes para gerenciar, já que era sócio-gerente da referida empresa que, entretanto, o Sr. Lenin Vieira Lemos possuía uma procuração que lhe dava poderes para atuar como gerente, assinando em conjunto com o depoente". Por isso, meia acredita que "não se justifica a aparência verificada, o erro cometido, tendo em vista a esterilidade do documento apresentado" ao banco.

A seu ver, em casos como esse, "amplia-se a necessidade e a importância do rigorismo formal a conferir eficácia ao contrato social, como garantia de segurança às partes envolvidas nas transações financeiras, sendo que a aceitação incondicional da documentação apresentada denota falta de dever de cuidado com o patrimônio depositado e, portanto, culpa sob a forma de negligência.

A ministra Nancy Andrighi também discordou do relator. Em sua opinião, bastaria à instituição financeira ter sido" minimamente diligente "para ter evitado o problema." Não o sendo, deve responder pelo valor de recursos movimentado indenividamente por pessoa não autorizada pela titular da conta corrente ", observou.

A ministra salientou que, ao aceitar documento sem autenticação e sem ter conferido a sua validade, o banco produziu uma situação absurda." Interpretar como válida a cópia da alteração não registrada levaria, na prática, a uma conseqüência absurda ", ponderou."Todas as vezes que os sócios de uma limitada deliberarem e assinarem a alteração de um contrato social, e, logo em seguida, desistirem dessa alteração, não lhes bastará destruir o documento. Terão, em vez disso, de levar a registro uma alteração que não reflete sua vontade e, ato contínuo, elaborar e registrar uma nova alteração, que meramente desfará a anterior. Caso assim não façam, estarão correndo o risco de uma instituição financeira aceitar como válida a mera cópia da alteração destruída e não registrada, e passar a atuar como se tal alteração fosse efetivamente válida".

Princípio da boa-fé

Mas a maioria da Terceira Turma do STJ acompanhou o entendimento do relator. O ministro Carlos Alberto Menezes Direito lembrou que tem ocorrido na" jurisprudência um temperamento, quando se trata das instituições financeiras, a compreender a sua força econômica, não podemos admitir que a boa-fé seja rompida na operação negocial ". Para Direito, do ponto de vista jurídico, o novo Código Civil valoriza o princípio da boa-fé nos contratos de forma muito precisa."Durante muito tempo, a jurisprudência, com o alvorecer do Código de Defesa do Consumidor , inclinou-se muito no seu pêndulo para a proteção dos menos favorecidos, o que foi um ponto extremamente importante da jurisprudência naquele momento, o do Código de Defesa do Consumidor. E, em virtude disso, muitas vezes, ofereceu-se temperamento à questão da boa-fé. Foram os casos reiterados dos empréstimos bancários, por exemplo."

Segundo Direito, o art. 1.366 prevê que havendo prejuízo de terceiro é possível provar de qualquer modo questão relativa aos sócios de uma determinada sociedade."Portanto, entendo como o Senhor Ministro Ari Pargendler, configurada a violação do art. 1.366 do Código Civil de 1916, e daí porque conheço do recurso especial e lhe dou provimento para restabelecer a sentença", concluiu.

Leia, abaixo, a íntegra da decisão:

Processo nº 419.405

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 - ES (2002 ⁄0028693-3)

RELATOR : MINISTRO ARI PARGENDLER

RECORRENTE : BANCO BRADESCO S⁄A

ADVOGADOS : LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTROS

BENTO DE FREITAS CAYRES FILHO

CARLA PATRÍCIA ABRAHÃO DE AGUIAR GARCIA E OUTRO

RECORRIDO : VIEIRA DOIS DERIVADOS DE MADEIRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADO : PAULO ANTÔNIO SILVEIRA E OUTRO

EMENTA

COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS. ALTERAÇÃO SOCIAL. A alteração social sem o respectivo arquivamento na Junta Comercial pode ser oposta aos quotistas da sociedade se ela é usada para lesar terceiros ( CC , arts. 20 , § 2º e 1366 ). Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Votaram vencidos os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Castro Filho.

Brasília, 26 de setembro de 2006 (data do julgamento).

MINISTRO ARI PARGENDLER

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 - ES (2002 ⁄0028693-3)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):

Nos autos de ação de depósito proposta por Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda. contra o Banco Bradesco S⁄A (fls. 02⁄10), o MM. Juiz de Direito Dr. Robson Luiz Albanez julgou improcedente o pedido, destacando-se na sentença os seguintes trechos:

“O ponto controvertido do feito reside no fato de se o Sr. Lemin Vieira Lemos agiu perante o banco réu na qualidade de sócio-gerente da autora ou somente de procurador com poderes gerais de gerência sempre em conjunto com o Sr. Ronaldo Vieira Novaes.

.........................................................

A matéria, entretanto, foi deslindada na audiência de instrução e julgamento, de fls. 94⁄96, onde foi tomado o depoimento pessoal do sócio-gerente Ronaldo Vieira Novaes.

Às fl. 94, no corpo do Termo de Audiência devemos transcrever trecho que soluciona a questão de ser, ou não, sócio da autora o Sr. Lemin, senão vejamos:

'... os Drs. Procuradores das partes, de comum acordo, estabeleceram que será tomado o depoimento pessoal do representante legal do autor que se acha presente, ficando dispensado o depoimento pessoal do outro representante legal da autora, Sr. Lemin Vieira Lemos...'

Já no depoimento pessoal do representante legal da autora, Sr. Ronaldo Vieira Novaes, presente às fls. 96, expressamente afirma que:

'... tem conhecimento do contrato de fls. 55⁄57, inclusive afirma que a assinatura nele contida é de sua lavra...'

O contrato de fls. 55⁄57 dos autos é, exatamente, a alteração contratual da firma Vieira Dois Derivados de Madeiras – Indústria e Comércio Ltda., onde o Sr. Lemin entra na sociedade na qualidade de sócio com poderes de gerência.

Ora, não me resta qualquer dúvida de que a alteração contratual foi formalizada através de instrumento particular presente às fls. 55⁄57 e entregue no banco réu para os procedimentos administrativos normais e que, posteriormente, não foi registrada no órgão pertinente. Só que da modificação dos sócios não foi cientificado o banco.

.........................................................

Quem agiu de forma temerária foi exatamente a autora que forneceu dados incorretos e inverídicos ao 'réu' quanto ao essentialia negotii, ocasionando no erro por parte da instituição financeira” (o sublinhado é do texto original, fls. 155⁄157).

O tribunal a quo, Relator o Desembargador Carlos Simões Fonseca, reformou a sentença (fls. 193⁄198).

Lê-se no julgado:

“De forma que, em caso de contradição entre a situação de fato, real, e a não comprovação do registro, prevalece o efeito da exigência deste, ou seja, não tendo eficácia erga omnes o aditivo de alteração contratual da sociedade comercial não registrado no órgão competente, como é o caso dos autos, tal não legitima as atitudes do censurado sócio junto ao banco apelado, e nem autoriza a que este pudesse conceder-lhes empréstimos sem consulta aos demais sócios da apelante, ou aceitar que praticasse atos, unilateralmente, em nome da empresa que, a rigor, não representava isoladamente, movimentando a conta-corrente desta e efetuando saques em seu favor, considerando que, nesse caso, estava ainda prevalecendo, perante o banco apelado, o instrumento público de mandato originário que não fora expressamente revogado.

Forçoso é reconhecer, ante tais argumentos, que o banco apelado agiu descuidadamente, por mau funcionamento dos seus serviços, dando causa a que os fatos tivessem o desfecho como o narrado nos autos, com evidentes prejuízos para a autora” (fls. 197⁄198).

Banco Bradesco S⁄A opôs embargos de declaração, reclamando pronunciamento “quanto à confissão do representante legal da autora, principal matéria abordada pela r. sentença de primeiro grau e pelas contra-razões de apelação” (fl. 200).

Os embargos de declaração foram rejeitados, mas, não obstante isso, o tema foi enfrentado nestes termos:

“... o representante legal apenas afirmou à fl. 96 ser dele a assinatura aposta na 1ª alteração do contrato social de fls. 55⁄57 e que ele 'tinha poderes para gerenciar, já que era sócio-gerente da referida empresa que, entretanto, o Sr. Lemin Vieira Lemos possuía uma procuração que lhe dava poderes para atuar como gerente, assinando em conjunto com o depoente, fato este que não foi observado com o devido cuidado pelo embargante.

Assim, equivocou-se o embargante ao considerar um aditivo contratual sem nenhuma validade quanto à lei especial que rege as sociedades comerciais, ou seja, as regras contidas no Código Comercial . Pela mesma razão, não cabe perquirir nesta ação, em específico, que seja observada a aplicação do art. 20, § 2º, e art. 1.366, ambos do Código Civil” (fls. 208⁄209).

Daí o presente recurso especial, interposto pelo Banco Bradesco S⁄A com base no art. 105 , inc. III , letra a , da Constituição Federal , por violação dos arts. 20, § 2º, e 1.366 do Código Civil de 1916, bem como do art. 348 do Código de Processo Civil (fls. 211⁄217).

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 - ES (2002 ⁄0028693-3)

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):

Os temas emergentes dos arts. 20, § 2º, e 1.366 do Código Civil de 1916 foram prequestionados explicitamente (fl. 209) e, salvo melhor juízo, mal dimensionados pelo tribunal a quo.

A alteração social sem o respectivo arquivamento na Junta Comercial pode ser oposta aos quotistas da sociedade se ela é usada para lesar terceiros.

Aqui isso ocorreu, adredemente preparado ou não.

Num primeiro momento, desde que acolitado pelo sócio-gerente de Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda., Lemin Vieira Lemos estava autorizado por procuração a representar os interesses da aludida sociedade perante o Banco Bradesco S⁄A, in verbis:

“Depreende-se dos autos que a apelante, através do seu sócio-gerente Ronaldo Vieira Novaes, outorgou à procuração de fls. 14⁄15 ao Sr. Lemin Vieira Lemos, amplos e gerais poderes de administração, assinando em conjunto com o mencionado sócio-gerente outorgante, para praticar todos os atos que ali estão pormenorizadamente descritos...” (fl. 194).

Num segundo momento, mediante a alteração contratual de fls. 56⁄57, que investiu Lemin Vieira Lemos na condição de sócio-gerente, este passou a representar aquela sociedade isoladamente, in verbis:

“A empresa apelante exercitou vários negócios com o apelado, contraindo empréstimos através de contratos de capital de giro, mantendo conta-corrente na qual eram creditados os valores, conforme os contratos celebrados.

Para que isso se formalizasse, segundo o que está escrito na própria contestação à fl. 47 que, além do sócio Ronaldo Vieira Novaes, também compareceu, assinando, o sócio Lemin Vieira Lemos, numa comprovação autêntica de comunhão com os interesses da sociedade, eis que compareceu, inclusive, como devedor solidário e avalista, também respondendo, pessoalmente, com seus bens particulares.

Justifica o banco apelado a legalidade de suas atitudes, pelo fato de ter sido feita alteração contratual na empresa apelante, que o admitiu como sócio, para atuar conjunta ou individualmente em nome e nos interesses da sociedade, nos termos da cláusula segunda do instrumento de alteração contratual cuja cópia encontra-se às fls. 55⁄57 e, de posse de tais documentos, o gerente da agência permitiu que, além do sócio Ronaldo Vieira Novaes, também o sócio Lemin Vieira Lemos realizasse todos os negócios com o banco, movimentando a conta-corrente da empresa, em conjunto ou individualmente.

Assim, tem-se o confronto entre a anterior procuração outorgada ao Sr. Lemin Vieira Novaes [sic, o correto seria Lemos], para agir especialmente perante instituições bancárias somente em conjunto com o sócio-gerente Ronaldo Vieira Novaes, e a cláusula segunda do instrumento da primeira alteração contratual feita após outorgada a procuração ao referido procurador, admitindo-o como membro da sociedade, com a gerência sendo exercida por todos os sócios, em conjunto ou individualmente, para se concluir se, com isso, os poderes daquela procuração ficaram implicitamente revogados.

A ação tem por fundamento diversas transações bancárias efetuadas unilateralmente pelo Sr. Lemin Vieira Lemos junto ao banco apelado, em nome da apelante, embora a procuração que lhe fora outorgada pelo único sócio-gerente, Sr. Ronaldo Vieira Novaes, exigisse a presente em conjunto de ambos, para que isso ocorresse” (fls. 194⁄195).

Admitindo a existência da alteração social enquanto documento particular, o tribunal a quo enfrentou assim a questão:

“De forma que, em caso de contradição entre a situação de fato, real, e a não comprovação do registro, prevalece o efeito da exigência deste, ou seja, não tendo eficácia erga omnes o aditivo de alteração contratual da sociedade comercial não registrado no órgão competente, como é o caso dos autos, tal não legitima as atitudes do censurado sócio junto ao banco apelado, e nem autoriza a que este pudesse conceder-lhes empréstimos sem consulta aos demais sócios da apelante, ou aceitar que praticasse atos, unilateralmente, em nome da empresa que, a rigor, não representava isoladamente, movimentando a conta-corrente desta e efetuando saques em seu favor, considerando que, nesse caso, estava ainda prevalecendo, perante o banco apelado, o instrumento público de mandato originário [que] não fora expressamente revogado” (fl. 197).

Data venia, em relação a terceiros, “a situação de fato, real” (fl. 197) prevalece sobre a falta do arquivamento da alteração social, nos termos do art. 1.366 do Código Civil de 1916 :

“Art. 1.366 – Nas questões entre os sócios, a sociedade só se provará por escrito; mas os estranhos poderão prová-la de qualquer modo."

Trata-se de corolário do princípio estabelecido no art. 20, § 2º, do mesmo Código , segundo o qual as sociedades de fato não podem acionar terceiros, “mas estes poderão responsabilizá-las por todos os seus atos”.

Fosse um episódio isolado, até seria o caso de temperar a aplicação das aludidas normas legais.

Mas o acórdão se refere “a diversas transações bancárias” (fl. 195), um quase eufemismo para indicar as mais de trinta operações bancárias arroladas na peça que instruiu a petição inicial, realizadas entre 05 de agosto de 1992 e 18 de maio de 1993 (fl. 25).

Tudo, salvo melhor juízo, a recomendar que a sociedade responda pelos atos de seu “aparente” sócio, condição que Lemin Vieira Lemos só pôde arrogar-se com o concurso de Ronaldo Vieira Novaes, sócio-gerente de Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda., que assinou a respectiva alteração social e permitiu que uma de suas cópias circulasse, enganando terceiros.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial para julgar improcedente a ação de depósito, condenando Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda. ao pagamento das custas e honorários de advogado à base de 15% do valor da causa, corrigido monetariamente.

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 - ES (2002 ⁄0028693-3)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:

Senhora Presidente, estou fazendo a mesma linha pela seguinte razão: sem adentrar aos fatos que estão postos nas instâncias ordinárias, a realidade é que se tratou de uma operação continuada. O que houve entre o banco e a sociedade foi uma operação continuada. Não houve uma operação episódica. O banco negociou com uma empresa que se apresentou com a titularidade de um dos sócios, que não era sócio, mas que constava de um contrato que foi apresentado, e o banco acreditou nisso. Depois dessas operações inaugurais, ainda mais este sócio, entre aspas, passou a operar como se sócio fosse, porque avalizava também as operações que foram realizadas.

Ora, temos sempre tido na jurisprudência um temperamento, quando se trata das instituições financeiras, a compreender a sua força econômica, não podemos admitir que a boa-fé seja rompida na operação negocial. Aliás, do ponto de vista jurídico, temos de resgatar essa idéia da boa-fé nos contratos, que, diga-se de passagem, o novo Código Civil exalta de forma muito precisa. Durante muito tempo, a jurisprudência, com o alvorecer do Código de Defesa do Consumidor , inclinou-se muito no seu pêndulo para a proteção dos menos favorecidos, o que foi um ponto extremamente importante da jurisprudência naquele momento, o do Código de Defesa do Consumidor . E, em virtude disso, muitas vezes, ofereceu-se temperamento à questão da boa-fé. Foram os casos reiterados dos empréstimos bancários, por exemplo.

Tenho a sensação de que, no caso, mesmo que se pudesse cogitar da influência do Código de Defesa do Consumidor , o que não se cogita, porque a matéria não está posta, e ao mesmo tempo seria muito difícil qualquer tipo de configuração a essa altura, o fato básico relevante, importante, que deve merecer a atenção do julgador, é que houve uma aparência que deu realidade às operações que foram desenvolvidas. Nessa medida, como é que se vai encontrar a solução? No dispositivo que foi prequestionado.

Como é que está posto o prequestionamento nesse caso? Está posto porque o Juiz afastou a possibilidade de dar relevância à questão do registro na junta comercial, e o banco explicitamente entendeu que não, ou seja, que se não houvesse o registro, não valeria perante a instituição financeira. Ora, o art. 1.366 diz exatamente o contrário; diz que havendo prejuízo de terceiro é possível provar de qualquer modo questão relativa aos sócios de uma determinada sociedade.

Portanto, entendo como o Senhor Ministro Ari Pargendler, configurada a violação do art. 1.366 do Código Civil de 1916 , e daí porque conheço do recurso especial e lhe dou provimento para restabelecer a sentença, que é o que estamos fazendo.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2002⁄0028693-3 REsp 419405 ⁄ ES

PAUTA: 14⁄03⁄2006 JULGADO: 14⁄03⁄2006

Relator

Exmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER

Presidenta da Sessão

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO

Secretária

Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : BANCO BRADESCO S⁄A

ADVOGADOS : LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTROS

CARLA PATRÍCIA ABRAHÃO DE AGUIAR GARCIA E OUTRO

RECORRIDO : VIEIRA DOIS DERIVADOS DE MADEIRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADO : PAULO ANTÔNIO SILVEIRA E OUTRO

ASSUNTO: Ação de Depósito

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr. Bento de Freitas Cayres Filho, pelo recorrente e, a Dra. Simone Silveira, pela recorrida.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após os votos dos Srs. Ministros Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, pediu vista a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Aguardam os Srs. Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 14 de março de 2006

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 - ES (2002 ⁄0028693-3)

RELATOR : MINISTRO ARI PARGENDLER

RECORRENTE : BANCO BRADESCO S⁄A

ADVOGADOS : LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTROS

BENTO DE FREITAS CAYRES FILHO

CARLA PATRÍCIA ABRAHÃO DE AGUIAR GARCIA E OUTRO

RECORRIDO : VIEIRA DOIS DERIVADOS DE MADEIRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADO : PAULO ANTÔNIO SILVEIRA E OUTRO

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Trata-se de recurso especial interposto por BANCO BRADESCO S.A., com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, visando à impugnação de acórdão exarado pelo TJ⁄ES.

Ação: de depósito proposta por VIEIRA DOIS DERIVADOS DE MADEIRA - INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. Alega a autora que outorgou procuração autorizando a movimentação das contas correntes que mantinha perante o BRADESCO por dois procuradores em conjunto, sendo um deles, necessariamente, o sócio gerente Ronaldo Vieira Noaves. Argumenta que, apesar de tal circunstância estar expressa no instrumento de mandato, a ré autorizou a movimentação das contas pelo outorgado LEMIN VIEIRA LEMOS, individualmente. Ao fundamento de que esse outorgado promoveu movimentações irregulares, pleiteia o ressarcimento do prejuízo disso decorrente.

Sentença: julgou improcedente o pedido, considerando que a ré foi induzida a erro pela autora. Isso porque foi apresentada, pelo Sr. Lemin Vieira Lemos, uma alteração do contrato social não registrada da autora, pela qual ele ingressava na sociedade como sócio com poderes de administração.

Acórdão: deu provimento à apelação da autora. Eis a ementa:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DEPÓSITO - SOCIEDADE COMERCIAL - PROCURADOR ADMITIDO COMO SÓCIO POR ALTERAÇÃO CONTRATUAL - ADITIVO CONTRATUAL NÃO REGISTRADO - INEFICÁCIA - RECURSO PROVIDO.

1) Se não há comprovação do arquivamento do aditivo comercial, nem assinatura de testemunhas ou datas de carimbo oficial da Junta Comercial deste Estado, não se admite eficácia erga omnes da alteração contratual da sociedade, em respeito ao art. 301 do Código Comercial Brasileiro, de forma que em contradição entre situação de fato e a não comprovação de registro, prevalece o efeito da exigência deste.

2) Aquele que era apenas procurador da apelante e dela se tornou sócio através de alteração contratual não registrada, não é legítimo para praticar atos unilateralmente em nome da empresa, junto ao banco apelado.

3) Recurso provido, para reformar a sentença de piso e julgar procedente o pedido inicial, com a inversão do ônus da sucumbência."

Embargos de declaração: opostos por BRADESCO, foram rejeitados pelo TJ⁄ES.

Recurso especial: interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional. Alega-se violação aos arts. 20, § 2º e 1.366 do CC⁄16 , além do art. 348 , do CPC .

O recurso foi admitido na origem.

Posteriormente, a recorrida pleiteou fosse reconhecida a perda do objeto do recurso especial pelo reconhecimento do direito, promovido pelo recorrente. Sustenta isso com base em que:

(i) ao opor embargos à execução provisória iniciada por carta de sentença, o Banco-executado argüiu compensação, o que implica reconhecimento do crédito;

(ii) o mesmo Banco-executado também teria reconhecido a existência do crédito ao solicitar sua penhora no rosto dos autos para garantia de outra dívida.

Voto do i. Min. Relator: conheceu e deu provimento ao recurso, para o fim de "julgar improcedente a ação de depósito, condenando Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda. ao pagamento das custas e honorários de advogado à base de 15% do valor da causa, corrigido monetariamente"

Revisados os fatos, decido.

I - Questão de ordem.

Antes de ingressar no julgamento deste recurso, é necessário abordar a questão de ordem levantada pela recorrida a fls. 255 a 261, e respondida pela recorrente a fls. 357 a 374. Trata-se da alegada perda superveniente do objeto deste recurso especial fundamentada na aceitação tácita do acórdão recorrido ( art. 503 do CPC ).

Tal alegação é feita pela recorrida por dois motivos.

Em primeiro lugar, porque nos autos da execução provisória do julgado, a recorrente apresentou embargos nos quais, entre outras matérias de defesa, opõe a compensação do crédito. Para a recorrida, o requerimento de compensação implica o reconhecimento, pelo Bradesco, de que "a VIEIRA DOIS tem contra si crédito líquido certo passível de compensação". Do reconhecimento desse crédito decorreria a aceitação tácita do julgado ora impugnado.

Em segundo lugar, o Bradesco teria requerido penhora no rosto dos autos da execução provisória ora discutida. Para a recorrida, tendo em vista que o art. 674 determina que a penhora no rosto dos autos se faz "quando o direito estiver sendo pleiteado em juízo", tal ato processual também implicaria o reconhecimento de seu direito por parte da recorrente.

Nenhum dos dois argumentos prospera. A execução provisória é o meio processual à disposição do credor para promover a cobrança de crédito ainda não reconhecido, de maneira definitiva. Assim, a matéria de defesa apresentada pelo executado sempre tem essa circunstância em sua base. É a defesa para a hipótese de não ser reformado o julgado. Tendo em vista o princípio da eventualidade e da concentração de atos, não se pode penalizar o devedor por apresentar matéria de defesa que toma como pressuposto a existência do crédito. O próprio sistema processual obriga a fazê-lo.

A penhora no rosto dos autos, por sua vez, tem em sua base o mesmo pressuposto da execução provisória: a hipotética existência do direito. Conforme aponta ARAKEN DE ASSIS, "trata-se de direito incerto, em constante devir, à espera de inexorável superação pela sentença" (Comentários ao Código de Processo Civil , v. 9 : São Paulo, RT, 2000, pág. 233). O direito não deixa de ser controverso só porque penhorado, e argumentar que esse procedimento implica qualquer reconhecimento desse direito é negar a própria natureza do instituto.

Fica, portanto, rejeitada a preliminar de perda superveniente do objeto do recurso especial. II - Da análise do recurso especial II.a) Prequestionamento

Os arts. 20, § 2º e 1.366, do CC⁄16 , foram prequestionados de maneira expressa pelo acórdão recorrido, por ocasião da decisão dos embargos de declaração. Já o art. 348 do CPC não foi citado textualmente, mas a circunstância de ter ocorrido a suposta confissão por parte do representante legal da ré foi abordada suficientemente, havendo, portanto, prequestionamento implícito. Disso decorre que não se apresenta, neste processo, o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. II.b) Das alegações veiculadas no recurso especial. II.b.1) Ausência de impugnação do dispositivo aplicável à espécie

As principais normas alegadamente violadas seriam, em conjunto, as do art. 20, § 2º, e art. 1.366 , ambos do CC⁄16. O art. 348 , do CPC , que trata da confissão, representa apenas o modo pelo qual tal violação teria sido perpetrada. Vale dizer: tendo em vista que o representante legal da recorrida admitiu ser verdadeira a assinatura introduzida na alteração de contrato social não registrada que está a fls. 55 a 57, a conseqüência seria a aplicabilidade, à espécie, das normas que possibilitam a prova da sociedade por meio dessa alteração. O resultado deste recurso, portanto, depende, de maneira direta, da análise das duas disposições acima referidas, e apenas indiretamente da matéria atinente à confissão.

Neste ponto, é necessário fazer uma observação inicial. A sociedade-autora tem como objeto, pelo que se depreende de seu contrato social, "o comércio e indústria de portas móveis, esquadrias e derivados de madeira". Isso significa que se trata de uma sociedade comercial (conforme nomenclatura adotada à época em que vigente o CC⁄16 e a parte geral do Código Comercial ). Tanto que seus atos constitutivos estão registrados, não perante o registro civil, mas perante a Junta Comercial do Espírito Santo.

Dessa constatação decorre, inicialmente, que as normas dos arts. 1.363 a 1.409 do CC⁄16 não se aplicam à espécie. Trata-se de normas direcionadas à regulação das sociedades civis, e não das sociedades comerciais. O art. 16, §§ 1º e 2º desse mesmo diploma legal, deixa isso claro, ao dispor:

Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado: § 1º.. As sociedades mencionadas no inciso I só se poderão constituir por escrito, lançado no registro geral (art. 20, § 2º), e reger-se-ão pelo disposto a seu respeito neste Código, Parte Especial.§ 2ºº As sociedades mercantis continuarão a reger-se pelo estatuído nas leis comerciais.

Assim, as sociedades comerciais (ou mercantis), antes da aprovação do CC⁄02, eram integralmente regidas peloCódigo Comerciall e legislação esparsa (quanto às limitadas, pelo Decreto nº 3.078 ⁄19 , e quanto às sociedades por ações, a Lei nº 6.404 ⁄76 ), com seus atos constitutivos e alterações contratuais registrados perante as Juntas Comerciais. As sociedades civis, por sua vez, eram regidas pelo Código Civil , com seus atos constitutivos e alterações registrados perante os cartórios de registro civil.

Destarte, as disposições aplicáveis à hipótese dos autos não seriam os dispositivos indicados pelo recorrente, mas os arts. 300 e seguintes do Código Comercial . Mais precisamente, a pretensão veiculada pelo recorrente teria de ser respaldada no art. 304 desse diploma legal, que dispõe:

"Art. 304. São, porém, admissíveis, sem dependência da apresentação do dito instrumento, as ações que terceiros possam intentar contra a sociedade em comum ou contra qualquer dos sócios em particular. A existência da sociedade, por parte dos sócios se não apresenta instrumento, pode provar-se por todos os gêneros de prova admitidos em comércio (art. 122), e até por presunções fundadas em fatos de que existe ou existiu sociedade."

A violação desse dispositivo teria de ser articuladamente demonstrada pelo recorrente em seu recurso (especialmente porque a ele a Lei das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada - Decreto nº 3.708 ⁄16 - não faz referência expressa). Também poderia, o recorrente, cogitar da violação dos arts. 13 ou 14 do Decreto nº 3.708 ⁄16, demonstrando, na hipótese, como teria se dado tal violação. O que não poderia ter feito, todavia, é invocar a violação de uma norma que regula apenas as sociedades civis. Nesse sentido, vale relembrar a advertência já há muito tempo feita por J. X. Carvalho de Mendonça:

"Na parte relativa às sociedades refletem-se intensamente as transformações do Direito Comercial, provenientes do desenvolvimento da indústria e do comércio. O rigor imutável do Direito Civil ser-lhes-ia tropeço. Eis porque a lei civil, no sistema do Código, é a última a ser consultada; somente na falta de convenção, de lei comercial e de uso mercantil, invocam-se as suas regras."

(Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Volume III, Livro II, Parte III: Livraria Editora Freitas Bastos, 1945, pág. 9)

Destarte, preliminarmente, não conheço do recurso especial por ausência de impugnação dos dispositivos aplicáveis à espécie.

II.b.2) A inoponibilidade da alteração contratual não registrada

Ainda que se supere esta preliminar, a pretensão da recorrente não poderá ser acolhida, pelos seguintes motivos.

Na hipótese dos autos, não estamos diante de uma questão de se apurar a existência de uma sociedade. A recorrente, na qualidade de instituição financeira responsável pela guarda e movimentação do numerário depositado pela recorrida em conta corrente, sabia, não apenas da existência da sociedade recorrida, mas, sobretudo, conhecia seu contrato social. Tanto que recebeu, inicialmente, uma procuração - regularmente outorgada, por instrumento público - descrevendo as garantias que deveriam revestir a autorização de qualquer movimentação financeira na conta corrente da sociedade.

Ora, ciente do conteúdo do contrato social, das limitações decorrentes da procuração e responsável pelo depósito dos recursos da empresa, competiria à instituição zelar para que somente mediante nova autorização, formal e eficaz, se modificassem essas regras. Ao receber uma simples cópia da alteração do contrato social da empresa, cópia essa que, não apenas veio desacompanhada do respectivo registro, mas sequer contém assinaturas de testemunhas (ou seja, não era nem mesmo registrável), a instituição financeira foi obviamente imprudente.

Ora, nada impediria, em princípio, que os sócios da recorrida tivessem deliberado a referida alteração do contrato social, assinando o respectivo instrumento, mas, decidindo posteriormente não pô-la em efeito, por qualquer motivo que seja, tivessem recolhido o documento, não o levando a registro. Aliás, nada impede que, após a deliberação contrária ao que estava contido naquele documento, os sócios, por segurança, tenham destruído todos os seus originais, para que não fossem levados a registro. Lembre-se: o que o banco recebeu foi meramente uma cópia da alteração. Não se pode corroborar a validade de um documento de tal forma frágil.

Interpretar como válida a cópia da alteração não registrada levaria, na prática, a uma conseqüência absurda. Todas as vezes que os sócios de uma limitada deliberarem e assinarem a alteração de um contrato social, e, logo em seguida, desistirem dessa alteração, não lhes bastará destruir o documento. Terão, em vez disso, de levar a registro uma alteração que não reflete sua vontade e, ato contínuo, elaborar e registrar uma nova alteração, que meramente desfará a anterior. Caso assim não façam, estarão correndo o risco de uma instituição financeira aceitar como válida a mera cópia da alteração destruída e não registrada, e passar a atuar como se tal alteração fosse efetivamente válida.

Com a devida vênia, seria muito mais simples respeitar o sistema fixado pela lei e somente dar validade à alteração do contrato social caso ela tenha sido levada a registro. A instituição financeira, na qualidade de depositária dos valores que lhe foram confiados pela empresa, tem de atuar de maneira cautelosa e conservadora. Ela tem condições de saber que a alteração de um contrato social somente é válida após seu registro.

A Lei nº 8.934 ⁄94 , que "dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências", prevê, em seu art. :

Art. 1º. O Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, subordinado às normas gerais prescritas nesta lei, será exercido em todo o território nacional, de forma sistêmica, por órgãos federais e estaduais, com as seguintes finalidades: I - dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetidos a registro na forma desta lei;

(...)

E, mais adiante, no art. 366, estabelece:

Art. 36. Os documentos referidos no inciso II do art. 32 deverão ser apresentados a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá eficácia a partir do despacho que o conceder.

Vale dizer: a eficácia da alteração contratual está invariavelmente subordinada a seu registro. Isso é por todos conhecido e, ainda que não decorresse da lei, decorre seguramente dos usos e costumes comerciais. Todos os que habitualmente lidam com empresas, sabem da necessidade de registro de alterações societárias como requisito para a respectiva eficácia. A instituição financeira recorrente, melhor que ninguém, deveria conhecer esse fato.

Mais que isso: não era possível a ela alegar desconhecimento da falta de registro da alteração contratual que recebeu. O art. 29 da Lei nº 8.934 ⁄94 dispõe:

Art. 29. Qualquer pessoa, sem necessidade de provar interesse, poderá consultar os assentamentos existentes nas juntas comerciais e obter certidões, mediante pagamento do preço devido.

Ou seja, bastaria à instituição financeira ter sido minimamente diligente para ter evitado toda a controvérsia sub judice. Não o sendo, deve responder pelo valor de recursos movimentado indenividamente por pessoa não autorizada pela titular da conta corrente.

Forte em tais razões, não conheço do recurso especial, divergindo, na espécie, do voto proferido pelo ministro relator.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2002⁄0028693-3 REsp 419405 ⁄ ES

Números Origem: 024930142658 024969000710

PAUTA: 14⁄03⁄2006 JULGADO: 04⁄04⁄2006

Relator

Exmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER

Presidenta da Sessão

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Subprocurador-Geral da República

(AUSENTE)

Secretária

Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : BANCO BRADESCO S⁄A

ADVOGADOS : LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTROS

BENTO DE FREITAS CAYRES FILHO

CARLA PATRÍCIA ABRAHÃO DE AGUIAR GARCIA E OUTRO

RECORRIDO : VIEIRA DOIS DERIVADOS DE MADEIRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADO : PAULO ANTÔNIO SILVEIRA E OUTRO

ASSUNTO: Ação de Depósito

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, não conhecendo do recurso especial pediu vista o Sr. Ministro Castro Filho. Aguarda o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 04 de abril de 2006

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 - ES (2002 ⁄0028693-3)

RELATOR : MINISTRO ARI PARGENDLER

RECORRENTE : BANCO BRADESCO S⁄A

ADVOGADOS : LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTROS

BENTO DE FREITAS CAYRES FILHO

CARLA PATRÍCIA ABRAHÃO DE AGUIAR GARCIA E OUTRO

RECORRIDO : VIEIRA DOIS DERIVADOS DE MADEIRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADO : PAULO ANTÔNIO SILVEIRA E OUTRO

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO: Cuida-se de recurso especial em que se discute a responsabilização por movimentações indevidas, realizadas por pessoa sem a regular autorização, em conta corrente mantida pela recorrida junto ao Banco Bradesco S⁄A.

Para o relator do processo, o ilustre ministro Ari Pargendler, a sociedade recorrida, com apoio no que dispõem os artigos 20 , § 2º e 1.366 do Código Civil de 1916 , seria a responsável pelas movimentações financeiras realizadas por seu "aparente" sócio, eis que fora apresentada ao Banco uma cópia não registrada de alteração social, a ele conferindo os poderes necessários à movimentação financeira da sociedade, sendo esta apta à indução a erro.

Na tese divergente, inaugurada pela insigne ministra Nancy Andrighi, a responsabilidade deveria ser atribuída à instituição financeira, primeiro porque os dispositivos arrolados como violados seriam inaplicáveis à espécie, eis que dirigidos às sociedades civis, e não às comerciais, e, depois, porque a alteração societária apresentada não deveria ter sido recebida como válida pelo Banco, porquanto destituída do registro, sendo, por isso, incapaz de autorizar as movimentações financeiras anotadas, motivo que evidenciaria a negligência do recorrente no trato do numerário sob sua cautela.

Em que pese o acatamento aos doutos fundamentos apresentados pelo eminente relator, tenho que a tese divergente merece prevalecer.

Com efeito, a mera cópia da alteração social, destituída do regular registro e da assinatura de testemunhas, não deve ser suficiente a autorizar a movimentação financeira de uma sociedade empresária.

Além disso, ao contrário do que afirmam as razões recursais, não se observa a confissão por parte do depoente, representante da recorrida, no sentido de que o falso procurador teria poderes para movimentar isoladamente a aludida conta, mas que este, nos dizeres do acórdão recorrido, apenas "tinha poderes para gerenciar, já que era sócio-gerente da referida empresa que, entretanto, o Sr. Lenin Vieira Lemos possuía uma procuração que lhe dava poderes para atuar como gerente, assinando em conjunto com o depoente" (fl. 208).

Portanto, na hipótese considerada, não se justifica a aparência verificada, o erro cometido, tendo em vista a esterilidade do documento apresentado.

Em casos como o presente, amplia-se a necessidade e a importância do rigorismo formal a conferir eficácia ao contrato social, como garantia de segurança às partes envolvidas nas transações financeiras, sendo que a aceitação incondicional da documentação apresentada denota falta de dever de cuidado com o patrimônio depositado e, portanto, culpa sob a forma de negligência.

Por isso, rogo vênia ao eminente relator para acompanhar a divergência no sentido do não conhecimento do recurso especial, sempre ressalvada a questão terminológica.

MINISTRO CASTRO FILHO

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2002⁄0028693-3 REsp 419405 ⁄ ES

Números Origem: 024930142658 024969000710

PAUTA: 14⁄03⁄2006 JULGADO: 17⁄08⁄2006

Relator

Exmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS

Secretária

Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : BANCO BRADESCO S⁄A

ADVOGADOS : LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTROS

BENTO DE FREITAS CAYRES FILHO

CARLA PATRÍCIA ABRAHÃO DE AGUIAR GARCIA E OUTRO

RECORRIDO : VIEIRA DOIS DERIVADOS DE MADEIRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADO : PAULO ANTÔNIO SILVEIRA E OUTRO

ASSUNTO: Ação de Depósito

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Filho, não conhecendo do recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 17 de agosto de 2006

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 - ES (2002 ⁄0028693-3)

VOTO-VISTA

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS : A controvérsia foi bem detalhada nos votos precedentes.

A empresa recorrida outorgou sua gerência a Lemin Vieira Lemos e Ronaldo Vieira Novaes. Fez assim, na forma do contrato social, devidamente registrado.

Posteriormente, nova alteração contratual consolidou a gerência na pessoa de Lemin, que passou a exercê-la isoladamente. A modificação efetivou-se mediante alteração contratual que, embora entregue ao banco recorrente, nunca foi registrado.

O banco recorrente, prestigiou a alteração do contrato social não registrada, aceitando como boa a assinatura isolada do nome da empresa recorrida.

O Acórdão recorrido decidiu a pendência, dizendo:

"(...) 1) Se não há comprovação do arquivamento do aditivo comercial, nem assinatura de testemunhas ou datas e carimbo oficial da Junta Comercial deste Estado, não se admite a eficácia erga omnes da alteração contratual da sociedade, em respeito ao art. 301 do Código Comercial Brasileiro, de forma que em contradição entre a situação de fato e a não comprovação do registro, prevalece o efeito da exigência deste.

2) Aquele que era apenas procurador da apelante e dela se tornou sócio através de alteração contratual não registrada, não é legítimo para praticar atos unilateralmente em nome da empresa, junto ao banco apelado.

3) Recurso provido, para reformar a sentença de piso e julgar procedente o pedido inicial, com a inversão dos ônus de sucumbência." (fls. 193⁄198)

Embargos de declaração opostos e rejeitados, com esclarecimentos.

O banco recorrente queixa-se de ofensa aos Arts. 20, § 2º, e 1.366 do Código Beviláqua e 348 do CPC . Diz que o instrumento particular de alteração contratual, assinado pelos sócios da recorrida, outorgava poderes de gestão negocial a Lemin Vieira Novaes. Tal situação foi, inclusive, confessada em audiência.

O eminente Ministro Ari Pargendler, Relator, acompanhado pelo eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, deu provimento ao recurso especial, para julgar improcedente o pedido.

Os eminentes Ministros Nancy Andrighi e Castro Filho, mantiveram o acórdão.

Pedi vista dos autos.

Contrapõem-se, em delicado equilíbrio, os interesses da sociedade e de terceiro lesado.

A sociedade pretende seja observado à risca o Art. 301 do Código Comercial , que condicionava a eficácia e validade dos instrumentos de alteração contratual ao registro na Junta Comercial.

O banco, terceiro lesado, pretende se reconheça a validade e eficácia do instrumento particular perante aqueles que nele intervieram.

Foram vários os negócios travados em nome da sociedade por Lemin Vieira Lemos (conforme o voto do eminente Ministro Relator, mais de trinta, num intervalo de cerca de dez meses).

O sócio Ronaldo Vieira Novaes reconheceu ter assinado a alteração contratual, outorgando a gerência isolada a Lemin Vieira Lemos.

A empresa defende-se, apenas, com a falta de registro. A mim, parece pouco.

Primeiro, porque o registro tem o escopo de estender a terceiros a eficácia do estatuto social. Sua falta em nada afeta a situação particular dos que entabularam o negócio.

Depois, porque o descuido da sociedade, em permitir a circulação de documento com tal conteúdo, foi causa determinante para a questionada atuação de Lemin Vieira Lemos.

Tal negligência não pode beneficiar quem a cometeu.

Acompanho o eminente Relator. Provejo o recurso especial, para restabelecer a sentença.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2002⁄0028693-3 REsp 419405 ⁄ ES

Números Origem: 024930142658 024969000710

PAUTA: 14⁄03⁄2006 JULGADO: 26⁄09⁄2006

Relator

Exmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. BENEDITO IZIDRO DA SILVA

Secretária

Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : BANCO BRADESCO S⁄A

ADVOGADOS : LINO ALBERTO DE CASTRO E OUTROS

BENTO DE FREITAS CAYRES FILHO

CARLA PATRÍCIA ABRAHÃO DE AGUIAR GARCIA E OUTRO

RECORRIDO : VIEIRA DOIS DERIVADOS DE MADEIRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADO : PAULO ANTÔNIO SILVEIRA E OUTRO

ASSUNTO: Ação de Depósito

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, a Turma, por maioria, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Votaram vencidos os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Castro Filho.

Brasília, 26 de setembro de 2006

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

Secretária"

Documento: 612338 - DJ: 04/12/2006

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