Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
17 de Junho de 2024

Limites à modificação da jurisprudência consolidada

Publicado por Consultor Jurídico
há 11 anos

Em matéria tributária, a jurisprudência galgou espaço de capital importância na teoria das fontes do direito e, ainda que não seja fonte primária, e equipare-se à legalidade na função de inovar regras para futuro, seus conteúdos são normas individuais e concretas com eficácia inter partes e, como atos jurídicos públicos, concorrem para a formação do direito vivo, naquilo que concerne à orientação das expectativas dos destinatários do sistema tributário e à própria reprodução normativa dos órgãos da administração ou da jurisdição. [1]

Nesse sentido, a jurisprudência constitui uma garantia contra a instabilidade, na forma de certeza do direito e meio de orientação das condutas individuais. Como diz Joseph Raz, o Direito deve ser capaz de guiar o comportamento dos sujeitos, o que vale igualmente para a jurisprudência, pois as pessoas aspiram a segurança quanto ao direito aplicável, para determinar as consequências dos seus atos (efeito de orientação da certeza do direito). [2]

Embora o Brasil não adote o common law, nosso sistema jurídico confere relevância aos precedentes jurisprudenciais e demonstra uma clara tendência a considerá-los vinculantes, a exemplo do que preconizam as Leis 11.418/2006 e 11.672/2008 que inseriram no Código de Processo Civil (CPC) a regulamentação a respeito dos recursos repetitivos e o regime de repercussão geral. As súmulas e os artigos 475, parágrafo 3º; 518, parágrafo 1º; 543-A; 543-B; 557 e 741, parágrafo único, todos do CPC, denotam a importância das decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Contudo, questão de extrema importância é a ausência de regime jurídico para definir as condições para regular a modificação abrupta da jurisprudência, pelo impacto sobre a segurança jurídica, haja vista a mutação das relações jurídicas e afetação à segurança por orientação da jurisprudência.

Tomemos aqui como exemplo possível mudança de jurisprudência do STJ sobre o local do fato jurídico tributário do Imposto Sobre Serviços (ISS) no caso do arrendamento mercantil, ou leasing, o que equivale não apenas a uma afetação aos direitos do contribuinte, mas principalmente a uma mudança do sujeito ativo das obrigações principais do ISS. Esse tema encontra-se ora sob exame no Recurso Especial Repetitivo e pode ter grave impacto sobre a receita tributária dos municípios. Logo, pode ocorrer a retirada daquela exação de um município para transferi-lo e concentrá-lo em um único ou em poucos municípios. Nesse aspecto, em evidente afetação ao financiamento do município prejudicado que detinha como certa a previsibilidade de receitas ao longo de décadas.

Ora, seria extremamente danoso ao federalismo, com amplo favorecimento à guerra fiscal, caso essa fácil manipulação do local do estabelecimento, como o de arrendamento mercantil de bens móveis, pudesse ter sua cobrança vinculada unicamente ao local do estabelecimento da administração dos contratos, em prejuízo do critério do local da prestação, como sempre foi admitido pelo STJ, ao longo de toda a aplicação do artigo 12 do Decreto-lei 406/68, e da LC 116/2003. Ou seja, verteria graves prejuízos aos municípios e à segurança jurídica uma mudança de jurisprudência consolidada do STJ e do STF, eventual alteração do critério de definição do fato jurídico tributário do ISS naquelas referidas operações, em desfavor da arrecadação dos demais municípios.

A prestação de serviço derivada do contrato de leasing conclui-se somente com a tradição do bem arrendado, cuja causa jurídica depende do destino ou do uso do bem. Portanto, será apenas no município em que se concretizam os atos de transferência dos bens onde se aperfeiçoará o fato gerador do ISS nas operações de leasing. E, consequentemente, este será o município competente para cobrança do imposto. No nosso entender, esta é a única proposição normativa que se pode afirmar em consonância com o artigo 156, III da CF e com a autonomia dos municípios. [3]

No STJ, por mais de 20 anos, têm sido examinadas tanto a questão da incidência do ISS sobre as operações de leasing, que se afigurava no alcance material da competência do artigo 156, III, da CF, quanto à identificação do sujeito ativo competente para cobrança do ISS sobre as operações de leasing.

De fato, a jurisprudência do STJ sempre foi firme ao determinar que será competente para cobrar o ISS o município em que ocorre o fato gerador, como pacificado no julgamento dos Embargos de Divergência 130.792/CE, o qual foi ratificado sucessivamente nas decisões subsequentes. Confira-se:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇAO DE SERVIÇO. PRECEDENTES.

I Para fins de incidência do ISS Imposto Sobre Serviços , importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea a do Decreto-Lei n. 406/68.

II Embargos rejeitados. [4]

Nos julgados posteriores à edição da Lei Complementar 116/2003, o STJ sempre manteve sua posição quanto à cobrança do ISS, inclusive ao julgar casos semelhantes ao presente que envolviam a cobrança do ISS em operações de arrendamento mercantil (leasing). A saber:

TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. SÚMULA 138/STJ. COBRANÇA. LOCAL DA PRESTAÇAO DO SERVIÇO. ART. 12 DO DL N. 406/68. BASE DE CÁLCULO. VALOR DOS SERVIÇOS.

1. O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis. Inteligência da Súmula 138/STJ.

2. O Município competente para a cobrança do ISS é aquele onde ocorreu o fato gerador e a base de cálculo será o valor total dos serviços prestados. Precedentes.

3. Agravo regimental não-provido. [5]

O voto do ministro relator Mauro Campbell Marques, nesta oportunidade, foi contundente ao afirmar que: Em relação à competência para a instituir e cobrar o Imposto Sobre Serviços exigido nas operações de arrendamento mercantil, há entendimento firmado no âmbito do STJ em sentido idêntico ao sufragado pelo tribunal de origem. Ou seja, o município competente para a cobrança da exação é aquele onde ocorreu o fato gerador e a base de cálculo será o valor total dos serviços prestados. [6] Deveras, a competência para exigir o ISS sobre operações de leasing foi examinada em distintas oportunidades, com jurisprudência consolidada pela 1ª e 2ª Turmas em favor do local da prestação.

Entrementes, admitida como pacífica a jurisprudência do STJ no que corresponde ao local da prestação de serviços, como o critério preponderante, nada foi alterado pela Lei Complementar 116/2003, ao revogar o artigo 12 do Decreto-lei 406/68. Nesse diapasão, o acórdão cuja ementa segue transcrita, é assaz oportuno:

EMBARGOS À EXECUÇAO FISCAL. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. SOBRESTAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PERÍCIA. SUBSTRATO PROBATÓRIO SUFICIENTE. SÚMULA N. 7/STJ. FATO GERADOR. MUNICÍPIO COMPETENTE PARA RECOLHIMENTO DA EXAÇAO. LOCAL ONDE OCORRE A PRESTAÇAO DO SERVIÇO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. (...)

III As Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ pacificaram o entendimento de que o ISS deve ser recolhido no local da efetiva prestação de serviços, pois é nesse local que se verifica o fato gerador (AgRg no Ag 763.269/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 12.09.2006). Na mesma linha: AgRg no Ag 762.249/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.09.2006 e REsp 695.500/MT, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 31.05.2006.

IV Esta Corte, em inúmeros julgamentos, tem defendido a orientação de que a controvérsia acerca da incidência do ISS sobre a operação de arrendamento mercantil envolve a interpretação e a eficácia do artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, razão pela qual a competência pertence ao Colendo Supremo Tribunal Federal. Precedentes: AgRg no REsp 876.590/SC, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 31.05.2007; REsp 797.948/SC, Rel. p/acórdão Min. Luiz Fux, DJ 01.03.2007; REsp 919.148/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 28.05.2007 e REsp 886.592/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 26.03.2007.

V Agravo regimental improvido. [7]

A hermenêutica desta decisão sintetiza a história jurisprudencial do STJ quanto à incidência do ISS no caso das operações com leasing.

Trazido para os dias atuais, verifica-se que dois aspectos fundamentais viam-se prefigurados nas razões de decidir do STJ:

I) O ISS deve ser recolhido no local da efetiva prestação de serviços reconhecimento de Jurisprudência consolidada, porquanto as Turmas que compõem a 1ª Seção do STJ pacificaram o entendimento no sentido de que a incidência, no caso do leasing, seria no local onde se verifica o fato gerador.

II) A controvérsia acerca da incidência do ISS sobre a operação de arrendamento mercantil envolveria a interpretação e a eficácia do artigo 156, inciso III, da CF. E só para essa matéria caberia aguardar o pronunciamento do STF.

Como se verifica de ambas as decisões, o STJ manteve incólume seu entendimento, com alcance às operações de arrendamento mercantil, como antecipado na sua Súmula 138 (O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis), segundo o qual o ISS será devido sempre no local da prestação de serviços, em harmonia com sua hipótese de incidência. [8]

Aguardava desfecho unicamente o exame de constitucionalidade da qualificação do arrendamento mercantil como hipótese de incidência do ISS pelo STF. Quanto a esse aspecto, o Pleno do STF, em 2009, julgou o RE 547.245/SC e declarou constitucional a referida incidência, como se verifica da ementa a seguir transcrita. In verbis:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇAO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três modalida...

Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico

  • Sobre o autorPublicação independente sobre direito e justiça
  • Publicações119348
  • Seguidores11018
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações76
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/limites-a-modificacao-da-jurisprudencia-consolidada/100318108

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)