Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Maio de 2024

Pai pode VENDER bem a um dos filhos sem anuência dos demais?

Fraude a herdeiros

Publicado por Natália Buschieri
há 3 anos

Já vimos que a doação de pai para filho não exige anuência dos demais herdeiros.

No entanto, se o objetivo for a VENDA do bem, é necessário o consentimento dos demais descendentes, nos termos do art. 496 do Código Civil. Vejamos.

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Citamos, ainda, recente decisão oriunda da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça sobre a invalidade do negócio:

[...] Aplicação ao caso concreto do preceituado no artigo 179 do CC. Ação ajuizada dentro do prazo decadencial de dois anos. Restando comprovada nos autos a existência do negócio de compra e venda entre ascendente e descendente, sem a anuência dos demais herdeiros, patente que o bem deve ser reintegrado ao patrimônio da ascendente. Aplicação do art. 496 do CCInvalidade do negócio ante a ausência de formalidade essencial para convalidar a venda [...] STJ, REsp 725.032/RS, Quarta Turma, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, j. em 21-09-2006, DJ 13-11-2006.

É assim porque no caso de venda não estará caracterizada antecipação de herança, tal como ocorre na doação, cujo controle da liberalidade ocorrerá somente após a morte do doador, por meio da colação.

Imagine que no caso de doação o pai poderia dispor de apenas o equivalente a 50% (metade) do seu patrimônio, ao passo que no caso da venda, em tese, ele poderia dispor de 70%, 80% ou até 100% de seu patrimônio.

O tratamento diferenciado se dá porque na doação o doador está verdadeiramente se desfazendo do patrimônio. A limitação visa evitar prejuízo aos herdeiros necessários.

Já na hipótese de venda, não há limitação. O pai não está se desfazendo de seu patrimônio, já que a venda consiste na troca da coisa por dinheiro.

Previu o legislador que esta poderia ser uma oportunidade de o genitor realizar uma doação com aparência de venda, burlando lei em flagrante prejuízo aos demais descendentes. Afinal, sendo valor do negócio de atribuição exclusiva das partes, poder-se-ia estabelecer um preço irrisório, visando descaracterizar o real intuito de doação.

Caso o ato seja realizado sem anuência dos outros filhos, estes poderão requerer a anulação do negócio, desde que comprovem a ocorrência de prejuízo, isto é, a doação com aparência de venda.

Prevalece que o prazo para anulação (decadencial) é de 2 (dois) anos, contados da conclusão do ato, nos termos do art. 179 do CC, segundo o qual, quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

Citamos a seguir recente decisão oriunda da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDENCIA. RECONSIDERAÇÃO. DIREITO DAS SUCESSÕES. COMPRA E VENDA ENTRE ASCENDENTE E DESCENDENTE SEM CONSENTIMENTO DOS DEMAIS HERDEIROS. PRAZO DECADENCIAL DE DOIS ANOS. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Agravo interno contra decisão da Presidência que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, em razão da falta de impugnação específica de fundamento decisório. Reconsideração. 2. A decisão de origem está em consonância com o entendimento desta Corte Superior no sentido de que ocorre a decadência para anulação de venda de descendentes para ascendentes, sem consentimento dos demais herdeiros, em dois anos após a conclusão do ato. Precedentes. 3. Agravo interno provido para, reconsiderando a decisão agravada, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial (STJ – AgInt no AREsp: 1794273 PR 2020/0314797-8, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 10/05/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de publicação: DJe 09/06/2021).

Por outro lado, a recusa imotivada da outorga poderá caracterizar abuso de direito (ato ilícito objetivo), nos termos do (CC, art. 187). A solução possível é o suprimento judicial do consentimento, através de procedimento de jurisdição voluntária, pelo qual será demonstrado que não havendo prejuízo a terceiros, a recusa injustificada esta afrontando a função social do contrato (terceiro ofensor).

Por tais razões, antes de comprar um imóvel é importante verificar na certidão imobiliária se houve anteriormente venda de pai para filho. Em seguida, verificar na escritura de compra e venda se houve consentimento. Caso contrário, a venda será passível de anulação, de modo que aquisição do imóvel nestas condições se torna juridicamente arriscada.

A regra alcança não apenas pais e filhos, limitando de igual maneira a compra e venda entre avós e netos, bisavós etc. A venda de ascendente a descendente, independentemente do grau de parentesco, dependerá de anuência dos demais ascendentes. Ressalta-se apenas que estes somente serão chamados se tiverem interesse direito na sucessão, isto é, se representarem parente mais próximo (o pai falecido), já que os parentes mais próximos excluem os mais remotos.

Por fim, a anuência do cônjuge ou companheiro também será necessária, a depender do regime de casamento. Trataremos em outra oportunidade.

Leia também sobre a necessidade de anuência dos demais descendentes em caso de doação de pai para filho: https://nataliabuschieri.jusbrasil.com.br/noticias/1251862814/pai-pode-doar-bemaum-dos-filhos-sem-anuencia-dos-demais


  • Sobre o autorAjudo pessoas a regularizarem imóveis, contratos, divórcios e inventários.
  • Publicações25
  • Seguidores35
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações2280
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/pai-pode-vender-bem-a-um-dos-filhos-sem-anuencia-dos-demais/1259963891

Informações relacionadas

Guilherme Nascimento Neto, Advogado
Modeloshá 4 anos

[Modelo] Contrato Particular de Compra e Venda de Imóvel

Natália Buschieri, Advogado
Notíciashá 3 anos

Pai pode doar bem a um dos filhos sem anuência dos demais?

99Contratos, Estudante de Direito
Artigoshá 2 anos

Pode um filho comprar um imóvel do pai ou da mãe?

Doação de bens de pai/mãe para filho(a) e suas consequências jurídicas

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 4 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX GO XXXX/XXXXX-7

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)