Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
4 de Maio de 2024

STF Out22 - Dosimetria Irregular - Personalidade Voltada para o Crime - Ilegalidade

ano passado

Inteiro Teor

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 221.538 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

RECTE.(S) : CARINA DE FATIMA GOMES DE SOUZA

ADV.(A/S) : MARIA CRISTINA HERRADOR RAITZ

RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Decisão: Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra decisão monocrática, proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que, no HC 743.779/SP, deixou de conhecer da impetração (eDOC 32).

Nas razões recursais (eDOC 35), busca-se a alteração da dosimetria da pena da paciente, condenada à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, além de 30 (trinta) dias-multa, pela prática da conduta prevista no art. 171 do Código Penal, ao argumento de que houve exorbitância no aumento da pena-base e desproporcionalidade na fixação do regime.

É o relatório. Decido.

1. Cabimento do recurso ordinário em habeas corpus:

Inicialmente, destaco que esta Corte tem posição firme pela impossibilidade de admissão de recurso ordinário em habeas corpus impetrado contra decisão proferida por membro de Tribunal Superior, visto que, a teor do art. 102, II, a , da Constituição da Republica, sob o prisma da autoridade coatora, a competência originária do Supremo Tribunal Federal somente se perfectibiliza na hipótese em que Tribunal Superior, por meio de órgão colegiado, atue em tal condição. Nessa linha, cito o seguinte precedente:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL E DIREITO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA. NÃO CABIMENTO. CRIMES DE ESTELIONATO E DE QUADRILHA OU BANDO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. 1. Conforme a jurisprudência majoritária da Primeira Turma desta Suprema Corte, "não se conhece de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão monocrática proferida no Superior Tribunal de Justiça" ( RHC 108.877/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 19.10.2011; RHC 114.961/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 08.8.2013; RHC 115492-EDcl/PE, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 28.8.2013; e RHC 111.935/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 30.9.2013).

2. A pretensão punitiva estatal não foi atingida pelo prazo prescricional de quatro anos (art. 109, V, do Código Penal), considerada a interrupção do prazo pertinente provocada pelo recebimento da denúncia e pela publicação da sentença condenatória. 3.

Recurso ordinário em habeas corpus não conhecido. ( RHC 123846, Relatora Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 06.11.2014)

Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Condenação por tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06). Recurso manejado contra decisão monocrática proferida em sede de habeas corpus impetrado ao Superior Tribunal de Justiça. Não cabimento. Precedentes. Inexistência de ilegalidade flagrante a amparar a concessão de ordem ex officio. Absolvição. Fragilidade probatória. Imprestabilidade do habeas corpus para revolver fatos e provas. Precedentes. Aplicação do § 4º do 33 da Lei nº 11.343/06 como tese alternativa. Conclusão pelas instâncias ordinárias de que o recorrente se dedicava à atividade criminosa. Impropriedade da via eleita para glosar elementos de prova que ampararam essa conclusão. Precedentes. Não reconhecimento do recurso. 1. É firme a orientação da Corte no sentido de que "não se conhece de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão monocrática proferida no Superior Tribunal de Justiça" ( RHC nº 108.877/SP, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 19/10/11). 2. Como se não bastasse, o não exaurimento da instância antecedente com a não interposição de agravo regimental e, portanto, a ausência da análise da decisão monocrática pelo colegiado, impede o conhecimento do recurso como habeas corpus substitutivo, na linha de precedentes. 3. As circunstâncias expostas nos autos também não encerram situação de constrangimento ilegal para justificar uma concessão de ordem ex officio. 4. Conclusões a respeito da suficiência probatória para a condenação do recorrente pelo crime de tráfico de drogas implicariam indispensável reexame aprofundado do acervo fático-probatório intimamente ligado ao mérito da própria ação penal, o qual é inviável na via eleita.

5. Não se admite a utilização do habeas corpus para glosar elementos probatórios que amparam conclusão das instâncias ordinárias, soberanas na análise da prova, a respeito da dedicação do condenado à atividade criminosa. 6. Recurso

ordinário do qual não se conhece. ( RHC 144668, Relator Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 18.09.2017)

Com efeito, não se inaugura a competência deste Supremo nas hipóteses em que não esgotada a jurisdição antecedente, visto que tal proceder acarretaria indevida supressão de instância, dado o cabimento de agravo regimental. Nessa linha:

"1. [...] O exaurimento da jurisdição e o atendimento ao princípio da colegialidade, pelo tribunal prolator, se dá justamente mediante o recurso de agravo interno, previsto em lei, que não pode simplesmente ser substituído por outra ação de habeas corpus, de competência de outro tribunal . 2. A se admitir essa possibilidade estar-se-á atribuindo ao impetrante a faculdade de eleger, segundo conveniências próprias, qual tribunal irá exercer o juízo de revisão da decisão monocrática: se o STJ, juízo natural indicado pelo art. 39 da Lei 8.038/1990, ou o STF, por via de habeas corpus substitutivo. O recurso interno para o órgão colegiado é medida indispensável não só para dar adequada atenção ao princípio do juiz natural, como para exaurir a instância recorrida, pressuposto para inaugurar a competência do STF . ( HC 130.719 AgR, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 03.11.2015, grifei)

Ademais, a Corte compreende que, ordinariamente, o recurso ordinário em habeas corpus não se presta a rescindir provimento condenatório acobertado pelo manto da coisa julgada, daí a impossibilidade de figurar como sucedâneo de revisão criminal. Acerca do tema:

" O Supremo Tribunal Federal não admite a utilização do habeas corpus em substituição à ação de revisão criminal . "( HC 128693 AgR, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, grifei)

" O habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal . "( HC 123430, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 14/10/2014, grifei)

"(...) habeas corpus não pode ser utilizado, em regra, como sucedâneo de revisão criminal, a menos que haja manifesta ilegalidade ou abuso no ato praticado pelo tribunal superior."( HC 86367, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 30/09/2008, grifei)

No caso concreto, por contrariar frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o recurso ordinário em habeas corpus não merece conhecimento , na medida em que ataca decisão monocrática proferida no âmbito do STJ, sem ter manejado irresignação regimental, e funciona como sucedâneo de revisão criminal.

2. Análise da possibilidade de concessão da ordem de ofício no caso concreto:

Devido ao caráter excepcional da superação da jurisprudência da Corte, a concessão da ordem de ofício configura providência a ser tomada tão somente em casos absolutamente aberrantes e teratológicos, em que a ilegalidade deve ser cognoscível de plano, sem a necessidade de produção de quaisquer provas ou colheita de informações, o que, no caso concreto, se verifica.

3. Análise da possibilidade de concessão da ordem de ofício no caso concreto:

Muito embora a impetração, a rigor, não comporte conhecimento, no tocante à valoração da personalidade, na primeira fase da dosimetria da pena, depreendo a existência de ilegalidade aferível de pronto, hábil a autorizar a concessão da ordem de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP.

Efetivamente, como bem pondera a recorrente, a dosimetria operada pelas instâncias ordinárias merece parcial reparo, por manifesto descompasso com a jurisprudência desta Corte.

3.1. No caso, o Juízo singular realizou a dosagem da pena da recorrente nos seguintes termos (eDOC 3, p. 4):

Os documentos de fls. 157/172, 185/187, 191, 193, 196/197, 201, 203/204, 206, 208 e 225 demonstram que a acusada possui um vasto envolvimento criminal, demonstrando uma personalidade voltada para a prática delitiva, além de maus antecedentes (fls. 199). As demais circunstâncias judicais se situaram dentro do padrão da normalidade para a espécie de delito ou não vieram à tona para serem aferidas.

Assim, visando às funções preventivas e repressivas da sanção penal, em relação ao delito previsto pelo artigo 171," caput ", fixo a pena-base em 03 (três) anos de reclusão em 30 (trinta) dias-multa, no valor mínimo legal, considerando a situação econômica da ré, tornando-a definitiva.

Nos termos do artigo 33 e seguintes do Código Penal, fixo o regime fechado para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade.

Ante o exposto, julgo procedente a denúncia para o fim de CONDENAR Carina Fátima Gomes de Souza, qualificada nos autos, a pena de 3 (três) anos de reclusão, a se iniciar em regime fechado, e 30 (trinta) dias-multa, no valor mínimo legal, pela prática do delito previsto pelo artigo 171,"caput", Código Penal.

Considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis, deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou conceder sursis.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento de apelação, manteve a valoração negativa da personalidade da recorrente (eDOC 7, p. 8):

Já no concernente à individualização da medida repressiva, o julgador singular, de forma acertada, fixou a pena- base acima do mínimo legal em face de antecedente desabonador decorrente de condenação definitiva noticiada a fls. 199 por delito idêntico, bem como de personalidade voltada à prática de crimes, algo comprovado por certidões juntadas a fls. 185, 186, 187, 189, 191, 193, 195 e 196, tudo demonstrando ser a denunciada useira e vezeira no cometimento de estelionatos, daí a exasperação imposta.

Assevere-se que a situação declinada, em especial a condenação pretérita e imutável antes especificada, indica não ter a acusada notado as consequências de seus atos, tanto que, sistematicamente, voltou a delinquir, resultando as circunstâncias judicais desfavoráveis na imposição da reprimenda definitiva de três (3) anos de reclusão, com multa no importe de trinta (30) diárias, unidade no piso.

Pelo mesmo motivo, inafastável o regime fechado para início de cumprimento da corporal, único adequado à situação declinada, necessária à imposição da adequada reprovação do crime.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, chancelou os fundamentos apresentados pelas instâncias que o antecederam.

De plano, no tocante à valoração negativa da personalidade da recorrente, observo que não há como reputar válida a fundamentação do Juízo sentenciante.

Com efeito, noto evidente desconexão da motivação com o vetor especificado. Ausente menção a laudo técnico ou outro instrumento hábil para aferir a personalidade, em homenagem ao princípio da presunção de inocência, não há como se reputar negativamente tal circunstância.

Nesse sentido é a consolidada jurisprudência da Corte:

"A adjetivação negativa acerca da personalidade do infrator reclama criteriosa pesquisa dos elementos probatórios concretos a referendá-la, devendo o julgador se ater à análise do meio social e das condições de vida do sentenciando . 6 . O valor conferido à agravante da reincidência não é fixado pela legislação penal, mas o seu quantum deve guardar proporcionalidade relativamente à pena-base, evitando-se o direito penal do autor. 7 . Recurso parcialmente provido."( RHC 107213/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1a Turma, DJ de 21/6/2011, grifei).

"Ausente motivação idônea para valoração negativa da culpabilidade, da conduta social e da personalidade do agente impõe-se seu decotamento da pena-base. 5. O recurso à expressão genérica os elementos demonstram para a majoração da pena-base, sem sua concreta indicação, é incompatível com o dever de motivação expressa. 6. Embora desfavoráveis, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime, na espécie, não conduzem, por si sós, ao regime prisional mais gravoso, haja vista que o recorrente é primário, tem bons antecedentes e a quantidade de pena imposta autoriza o regime aberto. 7. Recurso não provido. Concessão, de ofício, de ordem de habeas corpus, para o fim de reduzir a pena imposta ao recorrente e fixar o regime inicial aberto."( RHC 123529, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 30/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 14-11- 2014 PUBLIC 17-11- 2014)

4. Diante do exposto, com fulcro nos arts. 192 e 312 do do RISTF, não conheço do recurso, mas concedo a ordem, de ofício, para decotar da dosimetria da pena de Carina Fatima Gomes de Souza, relativa à condenação no processo criminal 0004896-72.2006.8.26.0456, a valoração negativa de sua personalidade.

Comunique-se, com urgência, ao Juízo da condenação, ao qual incumbirá notificar a decisão ao Juízo da Execução Penal, que deverá adequar a pena imposta e proceder eventuais ajustes decorrentes da nova reprimenda, bem como, para ciência, ao STJ e ao TJSP.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 25 de outubro de 2022.

Ministro EDSON FACHIN

Relator

Documento assinado digitalmente

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

(STF - RHC: 221538 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 25/10/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 26/10/2022 PUBLIC 27/10/2022)

  • Publicações1084
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações35
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stf-out22-dosimetria-irregular-personalidade-voltada-para-o-crime-ilegalidade/1688935597

Informações relacionadas

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciasano passado

STJ Nov22 - Dosimetria Irregular - Dolo Intenso

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 2 anos

STJ Set22 - Dosimetria Irregular - Furto - Ausência de Residência e Trabalho Lícito Decotados - Antecedentes Irregularmente aplicado

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 2 anos

STJ Ago22 - Dosimetria da Pena Inidônea para Personalidade e Conduta Social

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciasano passado

STF Mar23 - Dosimetria Irregular - Receptação fomenta Furto - Consequência do crime genérica

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 9 meses

STJ 2023 - Dosimetria Desproporcional para Crime de Peculato - 1/6 (um sexto) para vetores desfavoráveis

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)