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5 de Maio de 2024

STF Mar23 - Dosimetria Irregular - Receptação fomenta Furto - Consequência do crime genérica

ano passado

Inteiro Teor

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 224.058 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


Decisão:

Trata-se de agravo regimental (eDOC.07) interposto contra decisão monocrática que, forte na hipótese de não conhecimento, por entender que a impetração figura como sucedânea de revisão criminal, negou seguimento ao habeas corpus (eDOC.06).

Nas razões recursais, sustenta-se que a desvaloração das consequências do crime restou fundamentada em "fundamentos genéricos, inerentes ao tipo penal que já encontra-se na forma qualificada".

À vista do exposto, busca-se o decote da mencionada circunstância judicial e, consequentemente, a fixação da pena base no mínimo legal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

É o relatório. Decido.

Tendo em vista a permissão contida no art. 317, § 2º, do RISTF, reconsidero a decisão agravada e passo à reanálise dos autos.

1. Em razão dos argumentos lançados no agravo regimental, verifico hipótese de constrangimento ilegal a autorizar a concessão do habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, contudo em moldes diversos do pugnado pelo recorrente.

2. Análise da possibilidade de concessão da ordem de ofício no caso concreto:

Muito embora a impetração, a rigor, não comporte conhecimento, no

tocante à dosimetria da pena depreendo a existência de ilegalidade aferível de pronto, hábil a autorizar a concessão da ordem de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP.

Quanto à dosimetria da pena, a jurisprudência desta Corte é consolidada no sentido de que "o juízo revisional da dosimetria da pena fica circunscrito à motivação (formalmente idônea) de mérito e à congruência lógico- jurídica entre os motivos declarados e a conclusão" ( HC nº 69.419/MS, Primeira Turma, da relatoria do Ministro Sepúlveda pertence, DJ de 28/8/92).

Não bastasse, merece ponderação o fato de que "é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória" ( HC 97256, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2010).

Diante desse limite cognitivo, a revisão da dosimetria não permite incursão no quadro fático-probatório, tampouco a reconstrução da discricionariedade constitucionalmente atribuída às instâncias ordinárias. Quando o assunto consiste em aplicação da pena, a atividade do Supremo Tribunal Federal, em verdade, circunscreve-se "ao controle da legalidade dos critérios utilizados, com a correção de eventuais arbitrariedades" ( HC 128446, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 15/09/2015).

Efetivamente, como bem pondera o impetrante, a dosimetria operada pelas instâncias ordinárias merece parcial reparo na parte em que é manifestamente contrária à jurisprudência desta Corte.

Na espécie, o Juízo de 1º grau, ao realizar a dosimetria da pena, valorou negativamente as consequências do crime com base na seguinte fundamentação (eDOC.02, p. 23):

"Para o réu FERNANDO:

Pondera-se o que já dito na primeira fase, para o corréu, que o delito de receptação fomenta a prática de delitos patrimoniais e repercute consequências negativas na sociedade, como o aumento de ocorrências desses delitos; assim, fixo a pena base em 3 anos e 6 meses de reclusão, e 11 dias-multa.

Não há agravantes ou atenuantes.

Não há causas de aumento ou de diminuição. Ante o exposto JULGO PROCEDENTE a ação penal para CONDENAR os réus XXXXXXXXXXXXXXX, qualificados nos autos, como incursos no artigo 180, parágrafos 1º e , do Código Penal, respectivamente, à pena de: Fernando - 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 11 (dez) dias- multa; Luiz Eduardo - 4 (quatro) anos de reclusão, mais 13 (treze) dias-multa.

Em face das circunstâncias do caso, fixo o regime aberto para início de cumprimento da pena corporal.

Não obstante, não vislumbro a presença de requisitos que autorizem a substituição de penas, para nenhum dos acusado, em face das circunstâncias judiciais desfavoráveis, considerando-se não recomendável tal benesse a indivíduos que fomentam na sociedade a prática de furtos e roubos."

A Corte de origem, em sede de apelação criminal exclusiva da defesa, manteve o agravamento da pena base, alterando substancialmente a fundamentação exarada pelo Juízo a quo (eDOC.02, p. 38):

"Como se vê, absolutamente pertinentes as considerações feitas, às quais acrescento o fato de que o acusados tomaram providências para melhor disfarçar suas atividades ilícitas, cobrindo as cargas e armazenando os produtos em local distante; vinham praticando o delito com habitualidade, receberam e ocultaram grande quantidade e variedade de mercadoria, de elevado valor comercial, e, ainda, tentaram incutir a culpa em uma das vítimas de seus ilícitos.

Bem fixadas, pois, as reprimendas.

O regime inicial eleito foi o aberto, deveras brando para o delito tal como praticado, mas que fica mantido em razão de ausência de recurso ministerial em relação ao ponto.

Pelos motivos expostos ao longo da dosimetria, totalmente descabida a concessão de penas alternativas."

Verifico que tais fundamentos, por sua generalidade, não satisfazem a necessidade de motivação das decisões judiciais, razão pela qual merecem reparo.

A fundamentação do Juízo sentenciante decorre da conclusão de que a conduta do paciente apresenta elevado grau de reprovabilidade, na medida em que o delito de receptação "fomenta a prática de delitos patrimoniais e repercute consequências negativas na sociedade, como o aumento de ocorrências desses delitos".

Como se vê, a valoração das consequências do crime assenta-se em aspectos ínsitos a própria tipologia do art. 180, ao qual o paciente restou condenado, do que decorre a ilegalidade da motivação que agrava a pena no caso concreto, nesse particular.

Com efeito, a jurisprudência desta Corte compreende que a opinião do Magistrado a respeito do crime cometido e gravidade abstrata do delito não são fundamentos aptos agravar, de qualquer modo, a pena fixada. Nesse sentido:

"Individualização da pena: motivação: inidoneidade. Não se prestam a motivar a exacerbação da pena-base nem circunstâncias elementares do tipo, nem a opinião do Juiz sobre o desvalor em abstrato da figura penal." ( HC 79949, Rel. Sepúlveda Pertence,

DJe 04.08.2000)

"HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. EXASPERAÇÃO DE PENA-BASE. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE POR CONSTITUÍREM ELEMENTARES DO TIPO. SANÇÃO CORPORAL MITIGADA. REGIME INICIAL ABERTO, FIXADO COM BASE NO ART. 33, § 2º, C. ORDEM CONCEDIDA. I - A gravidade abstrata do delito já foi levada em consideração pelo legislador para a cominação das penas mínimina e máxima. II - Nos delitos materiais contra a ordem tributária, a lesão ao erário público é elementar do tipo. III - Imprestáveis ambas as circunstâncias, portanto, para exasperação da pena-base, que deve ser fixada no mínimo legal. IV - O regime inicial, à falta de qualquer consideração desfavorável na sentença, é o aberto, com fundamento no art. 33, § 2º, c, do CP. V - Ordem concedida."( HC 92274, Rel. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 07.03.2008)

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PENA. QUANTUM. REGIME DE CUMPRIMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. GRAVIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. Fixada a pena para o crime de roubo duplamente qualificado em patamar que permite a imposição do regime semi-aberto, o juiz não pode determinar regime fechado com base apenas na opinião pessoal sobre a gravidade do crime e as conseqüências patrimoniais suportada pela vítima, por serem ínsitas ao tipo penal em apreço." ( RHC 84822, Rel. Eros Grau, Primeira Turma, DJe 18.02.2005)

Ademais, observo que o TJSP, ao analisar recurso interposto exclusivamente pela defesa, acresceu fundamentação para manter a desvaloração das consequências do crime - "o fato de que o acusados tomaram providências para melhor disfarçar suas atividades ilícitas, cobrindo as cargas e armazenando os produtos em local distante; vinham praticando o delito com habitualidade, receberam e ocultaram grande quantidade e variedade de mercadoria, de elevado valor comercial, e, ainda, tentaram incutir a culpa em uma das vítimas de seus ilícitos" -, em evidente violação ao princípio da non reformatio in pejus . Nessa linha:

"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA SENTENÇA. PROCEDÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Na terceira fase de aplicação da pena, o juízo de primeiro grau reduziu a reprimenda em seu patamar intermediário, um meio, sem qualquer fundamentação, razão pela qual se deve aplicar a causa de diminuição em seu patamar máximo, ou seja, dois terços. 2. Não competia ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em recurso exclusivo da defesa, complementar a sentença para acrescentar fundamento novo, não utilizado pelo juízo de primeiro grau, a fim de justificar a menor diminuição da pena. Essa decisão acabou por gerar reformatio in pejus. 3. O Supremo Tribunal Federal assentou serem inconstitucionais os arts. 33, § 4º, e 44, caput, da Lei n. 11.343/2006, na parte em que vedavam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo crime de tráfico de entorpecentes ( HC 97.256, Rel. Min. Ayres Britto, sessão de julgamento de 1º.9.2010, Informativo/STF 598). 4. Ordem concedida." ( HC 105768, Rel. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 01.06.2011).

"HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CP. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. INVIABILIDADE.

APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS NA FRAÇÃO DE 1/6. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REGIME PRISIONAL A SER EXAMINADO COM A FIXAÇÃO DA NOVA REPRIMENDA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência desta Corte já afirmou, reiteradas vezes, a inviabilidade jurídica de se proceder, na via estreita do habeas corpus, ao reexame dos elementos de convicção considerados pelo magistrado sentenciante na avaliação das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, sendo autorizada"apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes e arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores"( HC 105802, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 04-12-2012). Precedentes. 2. No caso, o magistrado sentenciante, ao estabelecer a pena-base acima do mínimo legal, considerou desfavoráveis ao paciente três das oito circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, sem fundamentação adequada. 3. Esta Corte possui entendimento consagrado no sentido de que configura constrangimento ilegal a imposição da fração mínima de redução ( § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006) sem a devida motivação, não sendo permitido ao Tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, o acréscimo de fundamentos não utilizados na sentença condenatória, sob pena de incorrer-se em reformatio in pejus. Precedentes. 4. O regime prisional deverá ser estabelecido depois de fixada nova reprimenda ao paciente, à luz do art. 33 do CP. 5. Ordem concedida para determinar ao juízo competente que proceda à nova fixação da pena imposta ao paciente, com o estabelecimento do novo regime prisional, à luz do art. 33 do Código Penal."( HC 110356, Rel. Teori Zavaski, Segunda Turma, DJe 27.11.2013, grifei).

Em que pese a alteração empreendida pelo Tribunal de Origem não tenha repercutido negativamente ao réu de forma quantitativa, - tanto é que a sua pena se manteve incólume - o fez de forma qualitativa , pois substitui argumento reconhecidamente considerado ilegal (gravidade abstrata do delito) por fundamento não constante na decisão de 1º grau e que não foi objeto de recurso pela defesa (o modus operandi da empreitada criminosa).

Destarte, à vista de tais considerações, resta claro que a fundamentação exarada para o agravamento da pena base , especificamente quanto às consequências do crime, deve ser afastada por lastrear-se em circunstâncias abstratas, as quais já foram devidamente consideradas pelo legislador ao cominar a pena do delito previsto no art. 180, §§ 1º e , do Código Penal.

3. À luz das modificações realizadas na dosimetria da pena, o regime prisional imposto ao paciente deve ser o aberto, pois a pena- base restou fixada no mínimo legal, e o quantum de pena aplicado e a circunstâncias do caso concreto não recomendam regime mais gravoso (art. 33, § 2º, c e art. 33, § 3º, ambos do CP).

4. Do mesmo modo, presentes os requisitos legais para tanto, nos termos do art. 44, III, CP, a pena privativa de liberdade deve ser substituída por restritivas de direitos.

5. Diante do exposto, com fulcro no art. 317, § 2º, do RISTF, reconsidero a decisão agravada e concedo a ordem, de ofício, a fim de afastar a valoração negativa das consequências do crime, tornando definitiva a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos, em regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §§ 2º, b, e 3º, do CP, bem como determinar a substituição da pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos ou por 01 (uma) restritiva de direito e 01 (uma) de multa, nos moldes do art. 44, § 2º, do CP, a serem definidas pelo Juízo da Execução.

Diante da identidade de situações, nos termos do artigo 580 do CPP, estendo a ordem ao corréu XXXXXXXXXXX somente no que tange ao decote das "consequências do crime" , tornando definitiva a pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 08 (oito) meses, em regime inicial aberto. Mantenho incólume, para o corréu Luiz Eduardo, a negativa de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos em razão do não preenchimento dos requisitos do art. 44, III, do CP, ante a presença de circunstância judicial desfavorável.

Comunique-se, com urgência, ao Juízo da condenação, a quem incumbirá notificar a decisão ao Juízo da Execução Penal, que deverá adequar a pena imposta e proceder eventuais ajustes decorrentes da nova reprimenda.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 8 de março de 2023.

Ministro EDSON FACHIN

Relator

Documento assinado digitalmente

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(STF - HC: 224058 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 08/03/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 09/03/2023 PUBLIC 10/03/2023)

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