STJ decide: No NCPC, o juiz não está obrigado a responder todas as questões suscitadas pelas partes
Veja o entendimento do STJ.
O § 1º do art. 489 do CPC 2015 traz importantes regras sobre a fundamentação da decisão judicial.
Pela sua importância, vale a pena que ler com bastante atenção este dispositivo:
Art. 489 (...)
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Vejamos agora um julgado envolvendo o inciso IV. Imagine a seguinte situação hipotética (diferente do caso concreto apreciado pelo STJ):
João propôs ação de cobrança contra Pedro.
O juiz extinguiu o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC/2015, por reconhecer que a pretensão do autor estava prescrita. Além disso, o magistrado afirmou que estava provado que Pedro já pagou o débito, não havendo, portanto, mais qualquer dívida.
O autor não se conformou e interpôs apelação.
O Tribunal manteve a sentença, mas se manifestou apenas sobre a prescrição, reconhecendo que ela estava presente no caso concreto. O acórdão nada falou sobre o pagamento da dívida que foi reconhecido pelo juiz de 1º grau e questionado por João no recurso.
Diante disso, o autor apresentou embargos de declaração alegando que o acórdão do Tribunal foi omisso porque não se pronunciou sobre o seu argumento de que o débito ainda não foi pago e que, portanto, a dívida ainda existe.
Assim, para o embargante, o acórdão violou o inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015:
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
Os embargos opostos merecem ser acolhidos? Houve omissão do acórdão do Tribunal? O acórdão do Tribunal contrariou a regra do art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015?
NÃO.
O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão.
O julgador possui o dever de enfrentar apenas as questões capazes de infirmar (enfraquecer) a conclusão adotada na decisão recorrida.
Assim, mesmo após a vigência do CPC/2015, não cabem embargos de declaração contra a decisão que não se pronunciou sobre determinado argumento que era incapaz de infirmar a conclusão adotada.
STJ. 1ª Seção. EDcl no MS 21.315-DF, Rel. Min. Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região), julgado em 8/6/2016 (Info 585).
A prescrição é uma causa de extinção do processo que, sendo reconhecida, faz com que o julgador não examine mais se a dívida é ou não devida. Logo, no exemplo hipotético, o Tribunal não tinha razão para se manifestar sobre a discussão se o débito tinha sido ou não pago.
Portanto, no NCPC, o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão.
Fonte: dizer o direito.
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110 Comentários
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Com todo respeito, preciso discordar: o juiz está sim obrigado a se manifestar sobre todas as teses apresentadas pelas partes.
A obrigação é decorrência, muito antes do Código de Processo Civil, da obrigação de fundamentar as decisões, reconhecida no artigo 93, IX e na sagrada regra do contraditório, reconhecida no artigo 5º, LV, ambos da Constituição da República.
E os dispositivos constitucionais são apenas a expressão da norma jurídica existente: o ônus de o juiz fundamentar detalhadamente a decisão é contrapartida do ônus da parte de fundamentar detalhadamente a pretensão.
Mais do que isso, o dever de fundamentar é apenas a aplicação prática do dever de prestar contas ao jurisdicionado. Quando analisa todas as teses das partes o juiz está respondendo um enorme: POR QUÊ? O jurisdicionado tem o direito de saber e o juiz o dever de demonstrar, como foi formado o convencimento motivado. Porque esta ou aquela tese foi acolhida e porque esta ou aquela tese foi rejeitada.
Já o contraditório engloba não apenas o direito de falar no processo, mas essencialmente o direito de ser ouvido. Ao direito da parte falar corresponde o dever do juiz de ouvir e considerar o que a parte está falando.
E o juiz, é bom lembrar, é um servidor da sociedade que, pela natureza do ofício que exerce, precisa justificar em cada decisão a confiança que se lhe deposita por força de lei, provando que respeitou o contraditório. E ele só prova se registrar na decisão a reflexão que fez sobre cada argumento trazido pela parte. Só assim a parte saberá que foi ouvida.
É penoso, eu sei. Mas ser juiz não é para qualquer um.
Para não me alongar muito mais, lembro que o STF, no julgamento do MS 24268, em belo voto do ministro Gilmar Mendes, acolhe integralmente o entendimento de que o juiz deve analisar todas as teses alegadas pelas partes, fundamentando o dever, entre outras coisas, nos direitos da parte à informação, à manifestação e a ver seus argumentos considerados.
Tive a oportunidade de me debruçar sobre o tema ao escrever o livreto O JUIZ TEM QUE TE OUVIR.
Com a publicação do novo Código de Processo Civil, imaginei que o artigo 489 acabaria com a lenda de que o juiz não está obrigado a analisar todas as teses das partes. O recente julgado do STJ que a autora gentilmente nos informou mostra que não. A lenda continua.
Mas não pode ter nossa aceitação. continuar lendo
Data venia, sou de opiniao que, no caso posto, não há a necessidade de se pronunciar sobre ter havido ou não o pagamento, já que houve o reconhecimento da prescrição. Pode-se até dizer que não há INTERESSE em se decidir se houve ou não um pagamento, pois: a) se houve o pagamento de uma dívida prescrita, não pode haver repetição; e b) mesmo que não tenha havido o pagamento, ela não pode ser exigida, pois prescrita.
Veja-se que a obrigação é de se manifestar sobre alegação que PODERIA "infirmar" o julgado. Reconhecendo-se a prescrição, o pagamento ou o não pagamento não alteraria o julgado: o autor não teria uma sentença a seu favor, determinando o pagamento. continuar lendo
Aguardar uniformidade jurisprudencial ou inconstitucionalidade por Recuso Extraordinário preservando o contraditório. continuar lendo
Perfeito continuar lendo
Muito bom! Comungo com o entendimento esposado continuar lendo
Concordo plenamente com o comentário acima. Não examinar os fundamentos que levam ao pedido da parte é o principal método utilizado pelos juízes, os que mais negam vigência à lei processual, para impor sua vontade pessoal e assim se comportarem como parte.
No meu entender o juiz somente tem liberdade na avaliação das provas conforme estabelecido o código 131 do CPC/73 e norma equivalente no CPC/2015, fora dessa circunstancia os atos do juiz estão todos estabelecidos pelo CPC não havendo espaço para discricionariedade.
Experimentem os colegas advogarem contra a Fazenda Pública na Justiça Federal para sentirem "na carne" a situaçao medieval da justiça brasileira. Estamos na idade das trevas! continuar lendo
A questão não é exatamente essa e está sendo mal interpretado, no meu modo de ver.
Se a divida está prescrita, por exemplo, o juiz não precisa enfrentar a questão do pagamento, pq prescrição é prejudicial do merito.
Portanto, o juiz está obrigado a enfrentar o que for pertinente, e não está o que não é pertinente. continuar lendo
A decisão do STJ apenas trata o processo como o que ele é, um instrumento. O direito material, naquele caso, no pedido do autor, que era o de receber o crédito, não seria mais possível por via judicial, ou, naquele procedimento (que deve ser o único restante, visto que a ação de cobrança somente de propõe quando os mais céleres não são mais possíveis, por experiência prática), a resolução da lide já era evidente. A apreciação apenas seria por simples protocolo, sem nenhum efeito. continuar lendo
Concordo com o entendimento do STJ. Se o fato de reconhecer o prescrição já é suficiente para resolver a lide, não há a necessidade de enfrentar outros pontos.
O entendimento do STJ não viola o dever de fundamentar a decisão e, ainda, prestigia o princípio da celeridade. continuar lendo
Perca de tempo bater pontos que em nada alimentariam os fundamentos de decisão que trata do objeto da demanda. Discordar disso é choro gratuito de quem abraça medida protelatórias para discutir a demanda. Como apresentar embargos de declaração afirmando omissão ou até mesmo o triste "pedido de recuperação" tão usado hoje pelos operadores do Direito que se acham insatisfeitos com a decisão atacada. continuar lendo
Excelente!!! continuar lendo
Esse é um exemplo de "caso fácil", conforme entenderia Dworkin. A análise da presença de prescrição realmente prejudica a análise do mérito da causa. Os problemas começam a surgir quando aparecem os "hard cases", ou até mesmo os que tem uma resposta já enquadrada na legislação. A questão aqui é saber qual é o "motivo suficiente" que o julgador pode ter para não fundamentar. Essa alegação sempre foi e sempre será uma forma dos juízes não fundamentarem suas decisões.
O direito de fundamentação/consideração é constitucional (art. 93, IX), e os julgadores devem atacar todos os pontos trazidos pelas partes. Ou seja, o STJ não tem o direito de mutilar o art. 489 do NCPC - e celebrar isso é um tiro no pé da advocacia. Vide: http://www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-fundamentacao-dever-coerencia-integridade-cpc continuar lendo
Em gênero, número e grau! continuar lendo
Exatamente. continuar lendo
Os magistrados nem leem todo o documento , colocam assessores ou estagiários para fazerem arrazoados resumidos e agora isso! L'Etat, c'est moi! continuar lendo
grande verdade continuar lendo
A ação está prescrita, a dívida remanesce, o devedor sai ileso, o credor é um idiota, e o que realmente importa é não ter que enfrentar todas as questões suscitadas no processo....
Só gostaria de saber o porquê de não terem informado isso pro legislador, ele ao menos não se daria ao luxo de ter que consignar no código letra morta! continuar lendo
isso. muito bom continuar lendo