Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
2 de Maio de 2024

STJ Jun 22 - Contrato Descumprido não é Apropriação Indébita - Dever Ser tratado na Esfera Cível

há 2 anos

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv


HABEAS CORPUS Nº 735636 - SC (2022/0106642-0) DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de DIONE ULISSES DOS SANTOS STOKMANN contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no julgamento da Apelação Criminal n. 0000605-07.2018.8.24.0022. Depreende-se dos a utos que, em 19/2/2020, o Juízo da Vara Criminal da Comarca de Curitibanos/SC condenou o paciente, pela prática do crime previsto no art. 168, caput, do Código Penal, à pena de 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 12 (doze) dias-multa, fixados individualmente em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, sendo-lhe concedido o direito de recorrer em liberdarde (e-STJ fls. 287/294) Inconformado, o paciente, assistido pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, interpôs recurso de apelação, sustentando sua absolvição sob o argumento da insuficiência probatória em demonstrar o dolo da conduta. No entanto, em sessão de julgamento realizada no dia 10/3/2022, a Quinta Câmara Criminal do TJSC, por unanimidade, negou provimento ao recurso interposto pela defesa, sob a seguinte ementa (e-STJ fl. 366): APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA (ART. 168, 'CAPUT', DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. ACUSADO QUE OBTÉM A POSSE DO BEM MEDIANTE CONTRATO DE LOCAÇÃO E EM DATA COMBINADA NÃO EFETUA O PAGAMENTO E DEVOLUÇÃO, VENDENDO-O À TERCEIROS. DEPOIMENTOS DO OFENDIDA FIRME E COERENTE EM AMBAS AS FASES. 'ANIMUS REM SIBI HABENDI'CONFIGURADO. CRIME MATERIAL. DOLO CARACTERIZADO. ÔNUS DA DEFESA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Daí o presente habeas corpus substitutivo de recurso próprio, no qual a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina sustenta a ilegalidade do acórdão que manteve a condenação do paciente por conduta que caracteriza mero inadimplemento contratual (descumprimento de contrato de locação de um compressor de ar), a ser resolvido na esfera civil, em razão da atipicidade da conduta no âmbito criminal. Alega que a narrativa ministerial revela uma discussão puramente civil, sem a demonstração do dolo de apropriação, uma vez que houve desentendimento entre o paciente e a empresa locadora, cuja solução deverá ser realizada na esfera cível. Assim, entende que o paciente deve ser absolvido da imputação que lhe foi feita, mediante o reconhecimento da atipicidade da conduta, "por não preencher os elementos do ilícito penal e em respeito ao princípio da subsidiariedade, a não devolução do compressor de [ar] à empresa locadora por divergências contratuais não deve ser subsumida ao crime de apropriação indébita, devendo a querela ser resolvida na instância cível" (e-STJ fl. 11). Ao final, pugna, liminarmente, para suspender os efeitos da condenação, até julgamento final deste writ. No mérito, requer seja concedida a ordem para absolver o paciente, tendo em vista a manifesta atipicidade de sua conduta, com fundamento no art. 386, III, do CPP. O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 377/379). Suficientemente instruído o feito, foram dispensadas informações às instâncias ordinárias. O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do presente habeas corpus, em parecer assim ementado (e-STJ fl. 382): HABEAS CORPUS. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. INPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO SEM DEMONSTRAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL IMEDIATO. RÉU QUE RESPONDE AO PROCESSO EM LIBERDADE. ANÁLIDE DO DOLO. INVIABILIDADE EM HABEAS CORPUS. PELO NÃO CONHECIMENTO DA IMPETRAÇÃO. É o relatório. Decido. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe de 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 3/12/2013, DJe de 28/2/2014. Mais recentemente: STF, HC n. 147.210-AgR, Relator Ministro EDSON FACHIN, DJe de 20/2/2020; HC n. 180.365-AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 27/3/2020; HC n. 170.180-AgR, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJe de 3/6/2020; HC n. 169.174-AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 11/11/2019; HC n. 172.308-AgR, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe de 17/9/2019 e HC n. 174.184-AgRg, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe de 25/10/2019. STJ: HC n. 563.063-SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 10/6/2020; HC n. 323.409/RJ, Relator p/ acórdão Ministro FELIX FISCHER, Terceira Seção, julgado em 28/2/2018, DJe de 8/3/2018; HC n. 381.248/MG, Relator p/ acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 22/2/2018, DJe de 3/4/2018. Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. Busca-se, na presente impetração, a absolvição do paciente, ao argumento de que a conduta formalmente lhe imputada caracteriza mero inadimplemento contratual, a ser resolvido na esfera civil. Segundo a inicial, não é adequado, nem mesmo recomendado, que o Estado utilize o direito penal para coibir a prática da conduta de descumprimento de contrato delocação de um compressor de ar. Na hipótese, o Tribunal de origem, no julgamento do recurso de apelação interposto pela defesa do ora paciente, manteve a sua condenação pelo crime de apropriação indébita, em síntese, sob a seguinte fundamentação (e-STJ fls. 369/372): Trata-se de recurso de apelação interposto por Dione Ulisses dos Santos, contra a decisão de primeira instância que o condenou à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime aberto, e no pagamento de 12 (doze) dias-multa no valor unitário mínimo, pela prática do delito tipificado no art. 168, caput, do Código Penal. A materialidade e autoria emergem das provas orais e dos elementos probatórios colhidos ao longo do processo, os quais, diga-se de passagem, estão muito bem analisados pela Dra. Ana Cristina de Oliveira Agustini, Juíza de Direito, e por esta razão, a fim de evitar tautologia e prestigiar o empenho demonstrado, passo a transcrever como integrantes da presente decisão (evento 82): "A materialidade do crime está devidamente demonstrada nos autos pelo inquérito policial de fls. 3-19, em especial pelo boletim de ocorrência de fls. 4-5, contrato de locação de equipamentos de fl. 6 e auto de avaliação indireta de fl. 46, bem como os depoimentos colhidos em ambas as fases processuais. A autoria, por sua vez, restou satisfatoriamente comprovada. Imperioso transcrever o depoimento da vítima, Roseli Teresinha Bott, a qual narrou a situação da seguinte maneira:"(...) ela á minha, sou sócia né. (..) isso, á que assim, a locação a gente, pra pessoas que não tem cadastro ainda, a gente geralmente recebe antecipado, como ele já tinha cadastro e já tinha locado outras vezes, a gente locou a máquina, ele levou a máquina, pra um dia e não devolveu. Aí a gente ligou, renovou a locação, que ele pode ir renovando, não fez o acerto e renovou. Passou o dia, daí ele começou a não atender mais o telefone, uma semana depois, quando ele atendeu o telefone, continuou nessa conversa, assim foi, uma semana, dez dias, quinze dias, até que a gente foi atrás da máquina, do equipamento, aí chegando lá ele disse, acho que foi mais de uma semana, uns quinze, vinte dias depois, aí ele disse que tinha vendido a máquina, que ele tinha negociado a máquina, por dívida. (. .) não, não pagou locação, não devolveu a máquina... não (não ressarciu o custo) mil e trezentos ou mil e quatrocentos, não vou lembrar agora, é um compressor (questionada sobre o valor e tipo de máquina). Ele tinha uma lavação, daí ele usava ela nessa lavação, quando ele locava, não sei se ainda existe, como ele disse, ele deu em dívida. (..) isso, sim, sim, sim, isso (confirmando se era mesmo o Acusado). (..) na verdade a gente procurou por ele, pra saber da máquina nó e aí ele disse isso. (..) sim, depois daí a gente falou, porque às vezes ele atendia, às vezes não, é que como faz bastante tempo, não sei precisamente a data. (..) não, não encontrei como ele na rua, única vez, foi quando foi procurado por ele, meu marido, não sei dizer onde foi que encontrou ele, e meu marido falou que tinha feito um Boletim de Ocorrência. Depois acho que encontrei com ele na Delegacia, não sei se a gente acabou se cruzando ou alguma coisa assim"(fl. 117). Destaquei. Em relação à autoria, o acusado, na fase policial, reconheceu ter realizado o contrato de locação da máquina, contudo, negou a prática delitiva, afirmando que houve um desentendimento na prorrogação do prazo para devolução, a saber:"(...) que fez a locação para usá-lo em uma lavação que possuía; QUE reconhece ter feito o contrato de locação, cuja cópia se encontra anexada neste procedimento; QUE ficou de realizar o pagamento assim que terminasse o prazo da locação de uma semana; QUE diz não ter conseguido devolver o compressor no prazo acordado, pelo fato de ter ido viajar para a cidade de Biguaçu, diante do falecimento de uma tia sua que morava naquele município; QUE chegado o dia acordado para a devolução, os proprietários daquela empresa de locação de equipamentos entraram em contato telefônico consigo, quando o interrogando solicitou a prorrogação do contrato para mais uma semana; QUE nem chegou a passar este novo prazo acordado, quando foi encontrado na rua de Curitibanos pelo marido de ROSELI, o qual lhe disse que "não tinha mais nada para acertarem diretamente, pois o que tinham seria acertado com a polícia"; QUE diante disso, não fez o pagamento da locação realizada, nem a devolução do compressor à empresa proprietária; QUE o respectivo equipamento se encontra em sua casa guardado (..)". Interrogatório de fl. 12. Destaquei. Em juízo, foi decretada sua revelia (fl. 117). Em que pese a versão apresentada pelo acusado na fase policial, entende o juízo que a palavra da vítima foi firme e coerente em ambas as fases do processo, a qual restou corroborada pelo contrato de locação firmado entre as partes à fl. 6. Como se vê, encontra-se devidamente comprovada a apropriação no que toca ao compressor de ar locado pelo acusado, sobretudo porque não foram ouvidas outras testemunhas que viessem a corroborar da sua versão apresentada perante a Autoridade Policial, sendo a vítima a única pessoa ouvida sobre os fatos. Vale lembrar que, em se tratando de crimes patrimoniais, a palavra da vítima reveste-se de fundamental importância, mormente quando corroborada pelos demais elementos de provas contidos nos autos, bem como revestidas de riqueza de detalhes, como ora se vislumbra. [...] Vale salientar que, em momento algum da instrução processual, o acusado trouxe aos autos provas de suas alegações, ônus que lhe incumbia, consoante delineado no art. 156, do Código de Processo Penal. Nesse contexto, mostra-se cristalina a conduta delitiva, ao passo que o acusado se recusou a devolver a máquina, retendo ou mesmo transmitindo a posse do bem a terceiros, tampouco pagou à vítima o valor contratado, não podendo ser interpretada tal conduta como mero ilícito civil, como alega a defesa. Aliás, segundo a vítima, o próprio acusado teria afirmado que vendeu o compressor para quitar dívidas, o que demonstra que agiu com ânimo de dono e lesou duplamente a proprietária do bem, posto que não recebeu o aluguel do equipamento, tampouco conseguiu tomar de volta o objeto alugado. Ademais, sabe-se que o delito de apropriação indébita consuma-se com a transformação da posse em propriedade da coisa, o que de fato ocorreu nos autos. [...] Desta feita, a condenação do acusado pela prática do crime disposto no art. 168, do Código Penal, á medida que se impõe. No mais, ausentes causas que excluam a ilicitude da conduta imputada ao acusado, o fato mostra -se típico e antijurídico e deve, por isso, ser apenado. O acusado é maior e capaz, e tinha plena consciência da ilicitude de sua conduta, bem como podia e deveria ter agido de modo diverso. Encontram-se, dessa forma, reunidos os requisitos da culpabilidade, analisada como condição para a aplicação da pena, devendo o réu responder pelo delito praticado. Passo à aplicação da pena". Dispõe o art. 168, caput, do Código Penal: "Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa". Acerca da análise do núcleo do tipo apropriar, "significa apossar-se ou tomar como sua coisa que pertence a outra pessoa. Cremos que a intenção é proteger tanto a propriedade, quanto a posse, conforme o caso. Num primeiro momento, há a confiança do proprietário ou possuidor, entregando algo para a guarda ou uso do agente; no exato momento em que este é chamado a devolver o bem confiado, negando-se, provoca a inversão da posse e a consumação do delito" (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 981). No que tange a consumação do delito, tem-se que: "por tratar-se de crime material, consuma-se com a exteriorização da inversão do animus da posse, transformando-a em domínio, ou seja, quando o agente pratica atos incompatíveis com a possibilidade de posterior restituição da coisa. Noronha, citando jurisprudência pátria, assim exemplifica: 'O momento consumativo do crime de apropriação indébita se fixa no ato de conversão da coisa alheia em uso próprio ou de terceiro e isto se verifica desde que se patenteia o ânimo deliberado por parte do agente criminoso, de transformar-se de mero detentor da coisa alheia em seu proprietário ( Código Penal Brasileiro, ob. Cit. vol. 5, 2 2 parte, p. 36)' (CUNHA, Rogério Sanchez. Código penal para concursos. 7 2 ed. rev. ampl e atual. Salvador: Juspodvm, 2014, p. 531). Menciona-se que, o"[...] dolo do delito é a vontade de se apropriar da coisa alheia móvel. A ausência do animus rem sibi habendi exclui, subjetivamente, a apropriação indébita. Exige-se, para a apropriação indébita, o elemento subjetivo do tipo (dolo específico), ou seja, a vontade de ter, como proprietário, a coisa para si ou para outrem. O dolo revela-se pela disposição do agente, que inverte o título da posse"(MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 6 ed., São Paulo: Atlas, 1992, p. 259). Dito isso, em que pese a defesa alegar que as provas dos autos não foram suficientes em demonstrar o dolo na conduta do apelante, haja vista" que se trata de um bem utilizado para o trabalho, cuja posse foi adquirida pelo acusado mediante prévio contrato de locação que foi objeto de desacordo entre as partes "entendo que tais ilações não possuem o condão de desconstituir o ilícito imputado ao réu. Com efeito, através do depoimento prestado pela vítima Roseli, é possível perceber que o acusado se apropriou ilicitamente e em proveito próprio de um" compressor de ar ", isso porque, ao obter a posse lícita do equipamento através de um contrato de locação com posterior promessa da entrega do bem, não o devolveu na data ajustada prevista no contrato e naquela acordada, posteriormente, de forma verbal, o que o fez incidir no crime em comento. De tato, nota-se que a vitima cordialmente, após verificar que o acusado não iria entregar o bem na data prevista no contrato, prorrogou verbalmente a entrega, no entanto, averiguada a inadimplência, após inúmeras tentativas de contato, veio a saber pelo próprio apelante, após decorridos quinze dias, que o objeto locado tinha sido por ele vendido por ocasião de dívidas. Já o acusado reconhece a locação do" compressor de ar ", cuja devolução não fora cidade de Biguaçu (falecimento de sua tia); e diante da prorrogação do contrato sem prazo de término previsto e na indicação do esposo da vítima de que o contratado" seria acertado na polícia ", não efetuou o pagamento e nem a devolução do compressor à vítima. Ora, percebesse que a entrega do compressor não ocorreu. Portanto, não é crível adotar como substrato a ausência do provas em demonstrar o dolo na conduta do requerente, já que ao tentar se livrar da acusação trouxe substratos que vão de encontro com as palavras da vítima. Observa-se, que o acusado vendeu o bem locado para uma terceira pessoa, e no intuito de afastar o dolo da sua conduta se protege atrás de uma prorrogação do contrato e de provável acerto em delegacia, que ao meu ver não adiantam de nada! Para piorar, alega que o bem se encontra em sua posse, mas em nenhum momento há provas da sua existência nos autos; e muito menos indicativos de pagamento do contratado, o que confirma sem sombra de dúvidas, diante do todo apanhado, o elemento subjetivo do crime de apropriação indébita - animus rem sibi habendi. E, como é sabido,"a comprovação de álibi para fulcrar a tese de negativa de autoria é ônus da defesa, nos moldes do art. 156 do CPP, de modo que, se esta não fundamenta sua assertiva por meio de quaisquer elementos, limitando-se a meras alegações, faz derruir a versão apresentada"(Apelação Criminal n. 2008.059411-6, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 06-12-2011) (Apelação n. 0001051-41.2005.8.24.0062, rela. Desa. Marli Mosimann Vargas, j. 26-07-2016). Demais a mais, importante salientar que, tratando-se de crimes contra o patrimônio, geralmente praticados na clandestinidade, nem sempre há testemunhas presenciais além da própria vítima, de forma que a palavra desta, como meio de prova, detém fundamental importância. Portanto, configurado o ânimo de assenhoramento definitivo por Dione Ulisses dos Santos, recai a conduta dolosa sobre ele, devendo arcar sua responsabilidade no ilícito penal cometido com a manutenção da sentença condenatória. Neste sentido: [...] Aliás, cumpre destacar que" vigora no sistema processual penal brasileiro, o princípio do livre convencimento motivado, em que o magistrado pode formar sua convicção ponderando as provas que desejar "(HC 68.840/BA, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 28-4-2015). Voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento. - negritei.

Com efeito, observa-se que o entendimento contido no acórdão ora impugando destoa do entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, tendo em vista que, há muito, entende-se que o mero inadimplemento de eventual contrato de locação, assim como na hipótese dos autos, é questão a ser resolvida na esfera cível, em razão da atipicidade da conduta no âmbito criminal. O posterior descumprimento do contrato, quer pela não restituição do compressor de ar locado, quer pelo não pagamento dos aluguéis, quer por ambos, permitia que a vítima tomasse diversas providências na esfera cível, inclusive com a busca e apreensão do bem, ação de indenização por perdas e danos, dentre outras providências.

Em situações semelhantes à hipótese dos autos, destaco os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. VIA INADEQUADA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. NÃO DEVOLUÇÃO DOS OBJETOS LOCADOS - FITAS DE VÍDEO. FATO ATÍPICO. ILÍCITO CIVIL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. O paciente, mediante contrato prévio de locação com a vítima, alugou várias fitas de vídeo, avaliadas em R$ 155,00, não procedendo à devolução dos bens no prazo avençado, vindo a ser condenado pela prática do crime previsto no art. 168 do Código Penal. 3. A conduta apontada como criminosa não extrapola os limites do ilícito civil, visto que a simples mora na devolução dos bens pelo locatário ou eventual desídia de sua parte em informar o novo endereço, não passa de mera inadimplência contratual. 4. De acordo com o princípio da intervenção mínima, o direito penal não deve interferir em demasia na vida em sociedade, devendo ser utilizado somente quando os demais ramos do direito não forem suficientes para proteger os bens de maior importância. 5. No caso, o descumprimento de contrato, por si só, mostra-se insuficiente para caracterizar crime de apropriação indébita, devendo a questão ser resolvida na esfera civil, em razão da atipicidade da conduta no âmbito criminal. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, ficando prejudicadas as demais alegações. (HC n. 215.522/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 20/10/2015, DJe de 10/11/2015.) - negritei. HABEAS CORPUS. HIPÓTESES DE CABIMENTO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MATÉRIA CIRCUNSCRITA AO ÂMBITO CÍVEL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. 1. A existência de recurso próprio inviabilizaria a utilização do habeas corpus substitutivo, conforme entendimento jurisprudencial. Entretanto, esse mesmo entendimento tem sido mitigado nos casos em que há ilegalidade ou constrangimento ilegal manifestos. 2. O entendimento deste Superior Tribunal firmou-se no sentido de que o descumprimento de contrato de prestação de serviços, sem elementos de ilícito penal, não pode ensejar a deflagração de persecução penal. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal. (HC n. 174.013/RJ, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 20/6/2013, DJe de 1/7/2013.) HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. NÃO DEVOLUÇÃO DE 4 DVDs LOCADOS. ILÍCITO CIVIL. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. PACIENTE REINCIDENTE E PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO TRANSFORMAM O DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL EM CRIME. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal. 2. No caso, constata-se o reduzido grau de reprovabilidade e a mínima ofensividade da conduta, além da reduzidíssima periculosidade social, pois a não devolução de 4 DVDs, retirados mediante contrato de locação entre o associado e a locadora de vídeo, caracteriza um ilícito civil e está longe de configurar conduta que autorize a intervenção do direito penal, que deve ser reservado para as situações em que os outros ramos do direito não forem suficientes à tutela do bem jurídico protegido. 3. O fato de o paciente ser reincidente ou possuir anotações em sua folha de antecedentes criminais por crimes contra o patrimônio não transforma o descumprimento contratual em ilícito penal. 4. Habeas corpus concedido para restabelecer a sentença de primeiro grau que absolveu o paciente. (HC n. 189.392/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 21/6/2012, DJe de 28/6/2012.) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE QUATRO LIVROS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CÍVEL ENTRE PARENTES. CONTROVÉRSIA QUE DEVE SER DIRIMIDA NA ESFERA CÍVEL. RECURSO PROVIDO. 1. O trancamento da ação penal, por ser medida de exceção, somente é cabível quando se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano, suficientes para o prematuro encerramento da persecução penal. 2. A lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal. 3. Recurso interposto com o objetivo de trancar ação penal onde se investiga delito cometido contra o patrimônio, de pequeno valor, praticado sem violência ou grave ameaça. Questão entre ex-familiares em que houve a suposta apropriação de quatro livros cedidos a título de empréstimo e que não foram devolvidos. 4. O descumprimento de obrigação de natureza estritamente cível não enseja intervenção do direito penal. Diante do caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal, deve o litígio limitar-se ao campo obrigacional, devendo ser reservada a utilização do poder punitivo estatal aos casos em que sua aplicação mostrar-se realmente necessária. 5. Recurso provido para, aplicado o princípio da insignificância, reconhecer a atipicidade material da conduta, em tese, praticada pela paciente, e trancar a ação penal de que aqui se cuida. (RHC n. 24.679/RN, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 14/2/2012, DJe de 12/3/2012.) - negritei. Nessa linha de intelecção, destaca-se que a utilização do direito penal quando existem outras soluções a serem buscadas em outra esfera do direito, mesmo porque é confiado ao direito penal o papel de ultima ratio, fere, flagrantemente, o princípio da intervenção mínima. No ponto, destaca-se da lição doutrinária de Eugênio Pacelli e André Callegaria que: Para nós, a intervenção mínima surge como a alternativa efetivamente acolhida pela ordem jurídica nacional para a configuração de seu Direito Penal, e, maisespecificamente, no âmbito da hermenêutica penal. Constitui, sim, matéria deobservância necessária no âmbito da política criminal, mas, também, instrumental apto e suficiente a exercer controle do excessoincriminador no interior dos tipos penais, ocupando papel relevante no campo da prática do direito, quando nada para diminuir o alcance da respectiva incidência (dos tipos), quando desconectada com o sistemageral de reprovações e de condutas proibidas. Em um Estado de Direito,o máximo que se concede em matéria penal é a intervenção mínima. E, como desdobramento necessário da proibição do excesso, e diante de uma ausência - óbvia - de sua explicitação em texto positivo, entendemos ominimalismo penal também como pauta de interpretação. Postulado, então. Masque o leitor não se inquiete: essa é uma questão meramente conceitual (sepostulado ou se princípio), dependente, sempre, da preferência teórica dointérprete. E é exatamente do postulado da intervenção mínima que sepode também deduzir o caráter fragmentário do Direito Penal. Ora, se a intervenção penal deve ser mínima, segundo uma valoração racional quanto à importância e à necessidade de tutela penal de determinadosbens jurídicos, é preciso, então, que o universo das incriminações somente incida de modo fragmentário, isto é, sobre apenas alguns daqueles bens (jurídicos). E não só. Que incida apenas quando se tratar de danos de maior gravidade, na medida em que a própria intervenção penal é também, por ela mesma, igualmente grave. O que nem de longe implicaráqualquer recusa à sua necessidade, quando destinada à proteção de bens jurídicos essenciais à coexistência - tutela penal dos direitos fundamentais -contra ações e condutas tendentes à produção de danos mais graves e relevantes. Tem-se, portanto, junto ao aspecto fragmentário do Direito Penal, a sua subsidiariedade - também arrolada entre os princípios fundamentais - que implica dizer que a intervenção mínima significa não só a eleição de determinados bens e interesses para a sua proteção, mas também a exigência qualificada de sua incidência, reservada sempre como ultima ratio, a dar preferência para outras formas de intervenção menos gravosa e mais adequada. Naturalmente, não é tarefa das mais simples recusar a validade ou a aplicação de determinado tipo penal ao argumento de sua manifesta desnecessidade. Haverá sempre o risco de excessiva subjetividade da interpretação constitucional ou constitucionalizante (repita-se: nem tudo é uma questão constitucional!). Mas, quando nada, a compreensão da subsidiariedade do Direito Penal poderá autorizar a leitura restritiva de determinadas normas proibitivas, sobretudo quando insuficiente a definição típica. (PACELLI, Eugênio. Manual de direito penal: parte geral / Eugênio Pacelli, André Callegari. - 2. ed. rev. e atual. - São Paulo: Atlas, 2015, p. 88) - negritei. Portanto, conforme o alegado, destaco que o descumprimento de contrato de locação de um compressor de ar não caracteriza crime de apropriação indébita, devendo a questão ser resolvida na esfera cível, motivo pelo qual o paciente deve ser absolvido do crime tipificado no art. 168, caput, do Código Penal.

Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício, para, reconhecendo a atipicidade material da conduta praticada pelo paciente DIONE ULISSES DOS SANTOS STOKMANN, nos autos da ação penal n. 0000605-07.2018.8.24.0022, absolvê-lo do crime previsto no art. 168, caput, do Código Penal, com fulcro no art. 386, III, do CPP. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal impetrado e ao Juízo da Vara Criminal da Comarca de Curitibanos/SC, encaminhando-lhes o inteiro teor deste decisum. Cientifique-se o Ministério Público Federal. Intimem-se. Brasília, 07 de junho de 2022. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator

(STJ - HC: 735636 SC 2022/0106642-0, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: DJ 08/06/2022)

  • Publicações1082
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações551
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-jun-22-contrato-descumprido-nao-e-apropriacao-indebita-dever-ser-tratado-na-esfera-civel/1550478430

Informações relacionadas

Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC XXXXX SC XXXX/XXXXX-0

Jurisprudênciahá 5 anos

Tribunal de Justiça do Amapá TJ-AP - APELAÇÃO: APL XXXXX-11.2016.8.03.0002 AP

Tribunal de Justiça do Paraná
Jurisprudênciahá 6 anos

Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR - Apelação: APL XXXXX PR XXXXX-4 (Acórdão)

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 6 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AREsp XXXXX GO XXXX/XXXXX-5

Artigoshá 7 anos

Apropriação indébita X Distrato de contrato de promessa de compra na planta

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)