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27 de Maio de 2024

A evolução do entendimento jurisprudencial acerca do prazo da Medida de Segurança

Publicado por Igor Liechoscki
há 7 anos

Instituto Psiquiátrico Forense - Porto Alegre/ RS


1) Introdução

 Medida de segurança não é pena, mas tal qual a pena, um dos tipos de sanção penal. Tal diferenciação decorre do entendimento de que o Estado não pode aplicar a mesma sanção penal:

1. a quem compreende a ilicitude dos fatos que comete, ou, a ilicitude de sua culpa (de não agir com maior cuidado, maior diligência, evitando afrontar direitos - crimes culposos); a quem pode exercer sobre si controle sobre as coisas que faz, e

2. a quem não conseguia compreender a ilicitude do que fazia, ou não era capaz de exercer controle nem sobre seus próprios atos, evitando prejuízo a outrem;

 Não sendo bom apenas retribuir o mau ao delinquente que por problemas ou doenças mentais cometeu um crime, também não há como não agir de alguma forma, evitando que fato semelhante novamente ocorra, principalmente se há no agente doença, retardo ou condição análoga que o torne pessoa perigosa.

 Esse juízo de periculosidade sobre a pessoa muito nos recorda as teorias criminológicas. Cesare Lombroso (1835 – 1909) tentou caracterizar o indivíduo criminoso por suas características físicas; Enrico Ferri (1856 – 1929) introduziu o entendimento de que as condições sociais também moldariam características propícias à delinquência; Rafael Garofalo (1851 – 1934) desenvolveu o conceito de periculosidade.

 Em tese, indivíduos menos débeis, têm melhor capacidade de compreensão e autodeterminação em relação aos absolutamente incapazes, cometendo, portanto, crimes menos gravosos ou menos ofensivos.

 Consequentemente, os relativamente incapazes estão sujeitos a medidas menos drásticas de segregação do convívio, visto que oferecem menor perigo à sociedade.

 Já os mais incontroláveis e perigosos, tendo demonstrado isso através de conduta criminosa grave, estariam sujeitos a sanções de custódia e tratamento mais severos, e pelo tempo que fosse necessário, sem prazo.

 A aplicação de medida de segurança (em substituição ou não à pena) tem como pressupostos:

1. a prática de fato definido como crime;

2. a periculosidade do agente;

3. a inimputabilidade do agente ou sua semi-imputabilidade penal.

 Trata-se, portanto, do agente que por doença mental (ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado), no momento da ação ou omissão delitiva, por impossibilidade ou dificuldade de determinar-se e/ou compreender a ilicitude do fato, delinquiu.

2) A inimputabilidade e a semi-imputabilidade decorrente de embriaguez

 O mesmo tratamento é dado a casos que envolvam embriaguez patológica e alcoolismo crônico, caso se trate de doença mental:

Quanto ao art. 28 (não exclusão da imputabilidade penal) , deve ser efetuada uma interpretação necessariamente restrita, excluindo-se do âmbito do dispositivo a embriaguez patológica ou crônica. Fala-se em embriaguez patológica como aquela à que estão predispostos os filhos de alcoólatras que, sob efeito de pequenas doses de álcool, podem ficar sujeitos a acessos furiosos. Na embriaguez crônica, há normalmente um estado mental mórbido (demência alcoólica, psicose alcoólica, acessos de delirium tremens etc.), e o agente poderá ser inimputável ou ter a culpabilidade reduzida (art. 26) (MIRABETE apud SANTOS, 2009).”

Importante ressaltar: em relação à semi-imputabilidade, por embriaguez incompleta derivada do uso de psicotrópicos, drogas ilícitas, mesmo sendo o réu dependente crônico e doente por esse motivo, não se admite a substituição da pena por medida de segurança. Aplica-se a pena, como explicamos a seguir.

 A inimputabilidade pela embriaguez patológica completa se faz pela interpretação extensiva do art. 26 do Código Penal quando diz:

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (...)”.

 A semi-imputabilidade por embriaguez patológica incompleta se faz pela interpretação extensiva do § único do mesmo artigo, quando diz:

“A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz (...)”.

 A substituição da pena pela medida de segurança nesses casos se faz pela aplicação direta do art. 98 do Código Penal que explicita:

“Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial (...)”.

 Em relação aos crimes de drogas, e aqui referimos a excepcionalidade, aplica-se a lei especial, por óbvio.

Em relação à inimputabilidade (embriaguez completa) o Código Penal e a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) legislam da mesma maneira, tanto no caso patológico, quanto no proveniente de caso fortuito ou força maior:

Código Penal
Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a emoção ou a paixão; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Embriaguez
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Lei de Drogas (lei nº 11.343/06):
Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.

 Já em relação à semi-imputabilidade, o mesmo não pode ser dito quanto à possibilidade de substituição da pena por medida de segurança. O Código Penal prevê. Mas a Lei de Drogas, silencia:

Código Penal
art. 26 - (…)
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

e,

Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

Na Lei de Drogas (lei nº 11.343/06):

Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

3) Possibilidades em que a inimputabilidade não sujeita o infrator a medidas de segurança

Fundação de Atendimento Socioeducativo - FASE (Foto: Gabriela Di Bella / Metro)

Cumpre ressaltar que o Código Penal prevê outras possiblidades de inimputabilidade:

  • o menor de 18 anos, que pelo critério puramente etário não está sujeito aos ditames penais, mas às medidas socioeducativas do Estatuto da Criança e do Adolescente (nunca se aplicam medidas de segurança nos termos do Código Penal).
  • aquele que por embriaguez completa, no tempo da ação/ omissão delitiva, e provocada por caso fortuito ou força maior, ou seja, que não bebeu ou drogou-se por vontade própria (teoria da actio libera in causa), de forma livre e consciente. A embriaguez acidental pode isentar o agente de pena ou diminuí-la, conforme, respectivamente, seja completa ou incompleta. Mas, se acidental, não há que se falar em medida de segurança, ou substituição da pena por medida de segurança, posto que a embriaguez se deu numa eventualidade e não por doença que importa em periculosidade do agente. Não se torna inimputável ou semi-imputável, porém, aquele que bebe de forma consciente:

Assim, sendo isso um fato do conhecimento geral, (…) quem se embriaga propositadamente, ou por imprudência, assume riscos calculados e não pode deixar de prever eventuais conseqüências desastrosas daquilo que faz nesse estado. Por outro lado, quem (…) para a comissão de um crime planejado (embriaguez preordenada), age evidentemente com dolo e culpavelmente, tal como aquele que contrata e induz o cúmplice à prática do crime (TOLEDO apud SANTOS, 2009).


Da teoria da actio libera in causa, decorre que o dolo e a culpa são deslocados para a vontade anterior ao estado etílico completo. (SANTOS, 2009)

4) Sobre a inimputabilidade e semi-imputabilidade de doentes mentais, pessoas de desenvolvimento mental retardado ou incompleto, e as medidas de segurança

 Então, o art. 26 do Código Penal prescreve que, nos casos de doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (e por extensão os ébrios e drogados habituais, por doença) será isento de pena (inimputável) o agente que:

  •  ao tempo da ação/ omissão delitiva era inteiramente incapaz de compreender seu caráter ilícito ou de determinar-se de acordo com esse entendimento;
  •  e ainda, que não sendo assim, sendo ele relativamente incapaz de compreender a ilicitude ou determinar-se segundo esta compreensão, sua pena será reduzida de um a dois terços (semi-imputável).

Código Penal - Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”

 Temos que as medidas de segurança podem ser de duas espécies:

  • Internação em hospital de custódia (natureza detentiva), e
  • tratamento ambulatorial (natureza restritiva).

Art. 96. As medidas de segurança são:
I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;
II - sujeição a tratamento ambulatorial.
Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

5) Imposição da medida de segurança a inimputável

 Caso o agente seja, então, inimputável, não se lhe aplicará pena (posto que é isento), mas como e quando se lhe reputa perigoso, aplica-se medida de segurança para que evite-se o risco aos demais componentes da sociedade. Se o fato delitivo é, em tese, punível com reclusão, aplica-se a internação. Se, de outro lado, a pena seria de detenção, impõe-se-lhe o tratamento ambulatorial.

 Tudo visa reduzir o risco/ perigo à sociedade, seja pelo isolamento do indivíduo perigoso, seja pela negativa do poder público em negligenciar um tratamento, tido como necessário no sentido de reduzir esse risco. Assim dispõe o art. 97 do Código Penal:

Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

Como se observa, menos ou mais gravosa será a medida de segurança de acordo com a necessidade, medida pela ofensividade das condutas delitivas que o inimputável demonstrou estar propenso a praticar.

6) Substituição da pena por medida de segurança para o semi-imputável

 Ao semi-imputável – aquele que não era inteiramente capaz de determinar-se e compreender a ilicitude da conduta que praticou – a lei não veda a aplicação de pena, mas prevê a possibilidade de sua redução ou a substituição da pena por medida de segurança.

 Em certos casos, a substituição se dá porque o simples encarceramento não faria a sanção penal alcançar sua função, a não ser a meramente retributiva, quase uma vingança estatal.

 Se o apenado, plenamente capaz de determinar-se e de compreender a ilicitude de certas condutas, muitas vezes não se sensibiliza, não evita delinquir novamente; Se a prevenção pelo medo da pena, ou o caráter ressocializador da pena não surte efeito nesses que são capazes, que se dirá de outro que nem sequer tem tais capacidades?

 O legislador reputou mais razoável intentar a prevenção.

 Mais especificamente, há a prevenção especial negativa quando se submete alguém a tratamento ambulatorial. E há a prevenção especial positiva quando se mantém alguém internado, distante de “novas vítimas de sua conhecida periculosidade”.

 Como se vê, a substituição ou a redução da pena e em que parcela, se deve ao princípio geral da individualização da sanção penal. O caput do art. 98 do Código Penal estriba a possibilidade de substituição da pena justamente na necessidade de especial tratamento curativo:

Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

7) O prazo de imposição de medidas de segurança como sanção penal

 O tempo de duração de uma medida de segurança estaria intimamente ligado à prevenção especial, positiva e negativa.

 Positiva, quando busca tornar possível novamente o seu convívio social, pela diminuição de sua periculosidade através do tratamento. É o que estabelece o Código Penal, no art. 99:

Direitos do internado
Art. 99 - O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento.

 A prevenção especial negativa busca a segregação do delinqüente, para evitar novos crimes. No entanto, isto sempre foi alvo de críticas, pois entende-se que a possibilidade de medida de segurança sem limite de tempo abre precedente para o punitivismo exacerbado. A crítica viu surgir nova Carta Magna, que fez evoluir a jurisprudência, surgirem as súmulas, para limitar o poder estatal:

Críticas foram tecidas a essa teoria, uma vez que ela fere o estado Democrático de Direito idealizado na Constituição Federal e os ideais garantistas do direito penal. Além disso, permite-se a obtenção de penas indefinidas e indeterminadas, abrindo-se portas para as penas perpétuas e de morte. (BALDISSARELLA, 2011)

 Justamente Pelo motivo da segregação, o Código Penal prevê prazo indeterminado para a medida de segurança, ao menos enquanto subsistir a tal “periculosidade”.

 Antes da Constituição, pela reforma do Código Penal de 1984, passou-se a admitir, em nosso ordenamento jurídico, o sistema vicariante, livrando do nosso ordenamento o sistema do duplo binário. Pelo primeiro, ora vigente, substitui-se uma sanção por outra. O último, autoriza a cumulação de sanções.

 Vejamos, do Código Penal:

Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Prazo
§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
Perícia médica
§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
Desinternação ou liberação condicional
§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.
§ 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

Em função das críticas e, principalmente da Constituição cidadã de 1988, o instituto e a interpretação da lei foram mudando pela jurisprudência e pela edição de súmulas dos tribunais superiores, o que demonstraremos.

8) A evolução do entendimento jurisprudencial acerca do prazo da medida de segurança

 Como até agora demonstrado, a evolução na aplicação da sanção penal de medida de segurança evoluiu de diversas formas, não apenas pelo entendimento jurisprudencial, desde a entrada em vigor do Código Penal vigente.

 A reforma do Código Penal de 1984, que substituiu toda a Parte Geral (art 1º ao 120), excluiu o duplo binário, instituiu o sistema vicariante. Isto fez com que se passasse a aplicar apenas uma sanção penal: ou pena, ou medida de segurança.

 No entanto, esta modificação apenas impossibilitou a dupla sanção; não retirou o “quase caráter perpétuo” da medida de segurança, ou, o caráter indefinido da sua duração, condicionada à duração da periculosidade do agente, independente de prazo.

 Em momento anterior à citada reforma, a aplicação cumulativa de sanções era tão plenamente possível que tinha-se:

Súmula 422 – STF: A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade.

 Hoje, esta súmula não está superada porque, e somente porque, considera-se a absolvição como sendo a absolvição imprópria, que é justamente a aplicação de medida de segurança pela impossibilidade de aplicação de pena.

 Em momento anterior à citada reforma, e também, anterior à edição da Súmula 525 – STF, nem mesmo a proibição da reformatio in pejus (quando da sentença penal condenatória houvesse recorrido apenas o réu) impedia que em instância superior se aplicasse a cumulação de uma medida de segurança à pena imposta pela sentença recorrida, desde que o réu tivesse periculosidade presumida (pela reincidência específica, por exemplo). 

Súmula 525 - STF: A medida de segurança não será aplicada em segunda instância, quando só o réu tenha recorrido.
Em sessão plenária de 03 de dezembro de 1969, tendo como precedentes:
RE 63207, do Estado da Guanabara Publicações: DJ de 18/11/1968 RTJ 47/621EMENTA: Equipara-se o reformatio in pejus à sua aplicação pelo acórdão que julgou a apelação tão só do réu, sem nenhum recurso do MP.” RE 63092 Publicação: DJ de 17/05/1968 HC 44028 Publicações: DJ de 09/02/1968 RTJ 44/745 HC 43969 Publicações: DJ de 24/11/1967 RTJ 43/601 RE 55329 Publicação: DJ de 24/09/1964

 Entendia-se que esta súmula também estaria superada pela extinção do duplo binário. Ora, não seria mais possível a cumulação em segunda instância (porque em nenhuma outra) de uma medida de segurança com uma pena recorrida. Nem mesmo havendo recurso do MP, seria possível cumular as sanções. Ele não poderia mais recorrer neste sentido.

 No entanto, em 2012, houve aplicação da súmula pelo STF. No caso, o Tribunal, em segunda instância, de ofício determinou o exame de sanidade mental em recurso exclusivo do réu.

 Além da decisão ultra petita, considerou o STF, no HC 111.769 relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, julgado pela 2ª Turma em 26/06/2012, tratar-se de reformatio in pejus, mesmo não havendo a possibilidade de cumulação de sanções:

EMENTA: AÇÃO PENAL. Condenação. Sentença condenatória. Pena restritiva de liberdade. Substituição por medida de segurança. Determinação de exame de sanidade mental, determinada de ofício em recurso exclusivo do réu, que a não requereu. Inadmissibilidade. Coisa julgada sobre aplicação da pena. Decisão, ademais, viciada por disposição ultra petita e reformatio in peius. HC concedido. Aplicação da súmula 525 do Supremo. Votos vencidos. Não é lícito aplicar medida de segurança em grau de recurso, quando só o réu tenha recorrido sem requerê-la.

Em relação ainda ao tema da Súmula 525 – STF, há uma relativa divergência entre a Corte Suprema e o STJ, como se extrai do HC 187.051/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2011.

Afirma-se no julgado que:

"não constitui reformatio in pejus o fato de o Tribunal substituir a pena privativa de liberdade por medida de segurança, com base em laudo psiquiátrico que considerou o acusado inimputável, vez que a medida de segurança é mais benéfica do que a pena, vez que objetiva a proteção da saúde do acusado. Não se aplica a Súmula 525/STF ao caso, vez que a referida súmula foi editada quando vigia o sistema duplo binário, isto é, quando havia possibilidade de aplicação simultânea de pena privativa de liberdade e de medida de segurança. A reforma penal de 1984, autoriza a substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança ao condenado semi-imputável que necessitar de especial tratamento curativo, aplicando-se o mesmo regramento da medida de segurança para inimputáveis (art. 97 e 98)"

 Com a Constituição Federal de 1988, o entendimento do STF, pela aplicação do preceito constitucional de vedação da pena de caráter perpétuo, passou a ser de que a aplicação da medida de segurança por prazo indeterminado, conforme previsto na reforma de 1984, era incompatível com a nova ordem constitucional.

 À época da discussão que firmou este entendimento, o ponto de divergência centrava-se no alcance do texto constitucional, que diz não poder haver “penas de caráter perpétuo” (art. 5º, XLVII).

 Se medida de segurança não era pena, mas sanção penal, estaria restringida pela vedação constitucional?

 Entendeu-se que sim, pois o termo pena deveria ser considerado em seu sentido amplo, e, como sanção penal é de caráter punitivo, deveria haver a limitação temporal de sua aplicação.

 Segundo o STF, a medida de segurança, então, não poderia ultrapassar o limite máximo temporal das penas privativas de liberdade, qual seja, 30 anos:

“(…) Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos. (…) (STF. 1ª Turma. HC 107432, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/05/2011)”

 Já o STJ, tem entendimento diverso, de que o limite temporal da aplicação de medidas de segurança está determinado pela pena máxima em abstrato cominada ao tipo penal.

 Baseado no citado entendimento, editou a Súmula 527 – STJ:

Súmula 527 – STJ: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.
Tendo como Órgão Julgador a Terceira Seção, em 13 de maio de 2015, e tendo como precedentes:
AgRg no AREsp 357508 DF 2013/0219388-5 Decisão:16/12/2014
HC 286733 RS 2014/0007843-5 Decisão:25/11/2014
HC 269377 AL 2013/0124571-2 Decisão:02/10/2014
HC 285953 RS 2013/0422383-2 Decisão:10/06/2014
HC 251296 SP 2012/0168743-0 Decisão:25/03/2014
AgRg no HC 160734 SP 2010/0015753-5 Decisao:01/10/2013
HC 167136 DF 2010/0055136-5 Decisao:02/05/2013
HC 91602 SP 2007/0232120-2 Decisao:20/09/2012
HC 156916 RS 2009/0242735-5 Decisao:19/06/2012
HC 174342 RS 2010/0096838-9 Decisao:11/10/2011
HC 143315 RS 2009/0145895-5 Decisão:05/08/2010

 O entendimento do Superior Tribunal de Justiça baseia-se nos princípios de proporcionalidade e de proibição do excesso, pois não se pode tratar de forma mais gravosa o inimputável, quando comparado ao imputável.

 Se o limite para o imputável, no cumprimento da pena é a pena máxima em abstrato, para um mesmo crime, somente seria justo considerar como limite máximo para a medida de segurança, o tempo do limite máximo da pena em abstrato.

9) A solução para o internado ainda perigoso que alcance o prazo de medida de segurança

 Quando determinado agente, cumprindo medida de segurança, alcance o prazo máximo da sanção penal, não há nada que se possa fazer caso perícia médica ainda confirme seu alto grau de periculosidade?

 Neste caso, o juiz da execução terá de desinterná-lo. Caberá ao Ministério Público, representando o interesse social (de ver o agente afastado do convívio social), propor ação civil de interdição para o internamento psiquiátrico compulsório.

 A disposições relativas à interdição foram recentemente modificadas pela lei 13.105/ 2015 (Código de Processo Civil), que deu nova redação a dispositivos do Código Civil e revogou outros.

 A interdição será possível caso, demonstre o Ministério Público (ou terceiro) que em virtude de doença mental grave, há sua necessidade:

Código de Processo Civil
Art. 747. A interdição pode ser promovida:
I - pelo cônjuge ou companheiro;
II - pelos parentes ou tutores;
III - pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando;
IV - pelo Ministério Público.
Parágrafo único. A legitimidade deverá ser comprovada por documentação que acompanhe a petição inicial.
Art. 748. O Ministério Público só promoverá interdição em caso de doença mental grave:
I - se as pessoas designadas nos incisos I, II e III do art. 747 não existirem ou não promoverem a interdição;
II - se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas nos incisos I e II do art. 747.

 Neste caso, extrapola-se a esfera penal, e o caso ganha contorno cível, visto que, a despeito do interesse social, pelo princípio da estrita legalidade, não é mais possível mantê-lo em cumprimento de sanção penal que extinguiu-se pelo decurso do prazo.

 Na mesma ação, postula-se a internação compulsória prevista no art. da lei nº 10.216/ 2001, que dispõe sobre a proteção das pessoas portadoras de transtornos mentais:

Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I — internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II — internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III — internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.”

 Pode-se reforçar o amparo pelo disposto no Código Civil:

Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I, III e IV do art. 1.767 serão recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se adaptarem ao convívio doméstico.”

 Retornando à vedação de aplicação de medidas de segurança à menores por falta de previsão legal, a mesma interdição civil pode-se intentar em relação a jovens que, em virtude da doença mental, retardo, drogadição e alcoolismo, acabaram isentos de medida socioeducativa, recebendo “tratamento individual e especializado” conforme § 3º do art. 112 do Estatuto da Criança e do adolescente.

 Pode ainda, ser aplicado à criança ou adolescente que tendo acabado de cumprir a medida socioeducativa, caso a situação recomende.

 Neste sentido, já há precedentes do Superior Tribunal de Justiça confirmando as possibilidades elencadas:

STJ. 3ª Turma. HC 135.271-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 17/12/2013 (Info 533):
" (...) É admitida, com fundamento na Lei 10.216/01, em processo de interdição, da competência do Juízo Cível, a determinação judicial da internação psiquiátrica compulsória do enfermo mental perigoso à convivência social, assim reconhecido por laudo técnico pericial, que conclui pela necessidade da internação. Legalidade da internação psiquiátrica compulsória. Observância da Lei Federal n. 10.216/01 e do Decreto Estadual n. 53.427/0.8, relativo à aludida internação em Unidade Experimental de Saúde.
2.- A anterior submissão a medida sócio-educativa restritiva da liberdade, devido ao cometimento de infração, correspondente a tipo penal, não obsta a determinação da internação psiquiátrica compulsória após o cumprimento da medida sócio-educativa. Homicídios cometidos com perversidade de agressão e afogamento em poça d'água contra duas crianças, uma menina de 8 anos e seu irmão, de 5 anos, para acobertar ataque sexual contra elas.
3.- Laudos que apontam o paciente como portador de transtorno de personalidade antissocial – TPAS (dissocial - CID. F60.2):"Denota agressividade latente e manifesta, pouca capacidade para tolerar contrariedade e/ou frustrações, colocando suas necessidades e desejos imediatos pessoais acima das normas, regras e da coletividade, descaso aos valores éticos, morais , sociais ou valorização da vida humana, incapacidade de sentir e demonstrar culpa ou arrependimento. Características compatíveis com transtorno de personalidade sociopática aliada à limitação intelectual, podendo apresentar, a qualquer momento, reações anormais com consequências gravíssimas na mesma magnitude dos atos infracionais praticados, sendo indicado tratamento psiquiátrico e psicológico em medida de contenção". (...)"

10) Conclusão

 Ao falar-se de medida de segurança, cumpre além de compreender suas hipóteses de aplicação, compreendê-la como sanção penal diversa da pena.

 A primeira importante modificação jurisprudencial – que ensejou a edição de súmula pela Corte Suprema – foi o entendimento de que sua imposição poderia, pela gravidade da medida, caracterizar a reformatio in pejus. Um primeiro passo.

 A adoção do sistema vicariante com a reforma penal de 1984, vedou a sua aplicação cumulada com pena. No entanto, mesmo superado o sistema do duplo binário, ainda não havia prazo máximo de imposição, apenas mínimo, ficando o término da medida condicionado à cessação da periculosidade do agente.

 A Constituição de 1988, deu entendimento completamente diverso à sua aplicação em relação ao prazo, já que vedada a pena de caráter perpétuo de forma expressa. Se num primeiro momento discutiu-se não ser, a medida de segurança uma pena, logo superou-se o argumento em face do inegável caráter punitivo.

 Entendimento jurisprudencial do STF colocou que o prazo máximo seria, então, o mesmo cominado às penas privativas de liberdade, 30 anos. Assim, teria-se limite temporal claro quanto à aplicação de qualquer sanção penal.

 Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, pautando-se na proporcionalidade e na proibição do excesso, editou a Súmula 527, estipulando como prazo máximo o mesmo cominado à pena máxima em abstrato, para cada um dos crimes, quando praticado.

 Ao final, trouxemos a possibilidade de ampliar a restrição ao indivíduo perigoso para além da sanção penal, protegendo-o, e protegendo a sociedade através do instituto civil da interdição.

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