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20 de Junho de 2024

A Precariedade do Sistema Prisional e suas consequências para a responsabilização do Estado

Publicado por Laura Sanches
há 3 anos


Laura Raquel Silveira Sanches1 Thaís De Campos Machado2

Resumo: A finalidade deste artigo é demonstrar a responsabilidade civil do Estado, em decorrência da COVID-19, ante a morte de detentos, afastando assim a alegação de caso fortuito quando houve omissão estatal. A superlotação, ausência de fiscalização adequada, corrupção, má administração e o cenário atual face à pandemia, são alguns dos problemas enfrentados nos presídios de todo o país, que em coligado à periculosidade que os estabelecimentos apresentam, implicam em diversas mortes. A Constituição Federal Brasileira e a Lei de Execução Penal dispõem sobre direitos à dignidade do detento e seu direito à saúde. Assim, a ausência de suporte adequado e omissão demonstrada ferem os princípios fundamentais da pessoa humana, devendo ser o Estado responsabilizado.

Palavras-chave: Responsabilidade civil – indenização – morte de detentos – omissão – Covid-19

Abstract: The purpose of this article is to demonstrate the civil liability of the State, as a result of COVID-19, in the face of the death of detainees, thus ruling out the allegation of an act of God when there was a State omission. Overcrowding, lack of proper inspection, corruption, poor administration and the current scenario in the face of the pandemic are some of the problems faced in prisons across the country, which in conjunction with the danger that the establishments present, result in several deaths. The Brazilian Federal Constitution and the Criminal Execution Law provide for the detainee's rights to dignity and their right to health. Thus, the absence of adequate support and demonstrated omission violate the fundamental principles of the human person, and the State should be held accountable.

Keywords: Civil liability - indemnity - death of detainees - omission - Covid-19

INTRODUÇÃO

O Estado detém a obrigação de manter a vida em sociedade em harmonia e segura para todos. Logo, deve assegurar o real funcionamento de todos os seus encargos, um deles, a guarda de detentos, onde nas prisões se encontram várias modalidades destes, como assassinos, assaltantes, estupradores, dentre outros.

A este instituto, dá-se o nome de Responsabilidade Civil Estatal, no presente artigo científico, pretende-se abordar a responsabilização do Estado na morte de detentos em decorrência do COVID-19, estando estes sob sua guarda, nos sistemas prisionais.

Tal matéria pode fundamentar inúmeras contendas jurídicas, ocasionando discussões sobre a possibilidade de responsabilização civil do Estado pela morte de um preso, pelo acontecimento verificado no compartimento penitenciário sob sua supervisão.

Examinaremos a responsabilidade civil, regulamento jurídico de Direito Privado, que será aprofundado na análise da responsabilidade civil do Estado, que ao contrário desta, diz respeito ao Direito Público, daí entenderemos, a indispensabilidade da pesquisa das suas especificidades.

Para abranger os propósitos pretendidos, o método a ser empregue será o de pesquisa e compilação de conteúdo bibliográfico, que se constitui na apresentação do pensamento de doutrinadores, e entendendo-se ser uma temática pluridisciplinar, pressente a imprescindibilidade da exposição de diferentes nuances do direito.

Dissertar-se-á sobre as adversidades das mortes de detentos defronte a crise enfrentada pelo sistema prisional brasileiro, evidenciando, a significativa decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 841.526, que na ocasião consolidou matéria de repercussão geral no que concerne ao tema.

Em vista disso, a responsabilidade civil do Estado perante a morte de detentos em decorrência do COVID-19 acontecidas nos estabelecimentos do sistema prisional, é um tópico considerável para ser analisado no presente artigo científico, singularmente por cuidar-se de contratempo social que afeta, de um ou outro modo, a sociedade em geral.

CONDIÇÕES GERAIS DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

A palavra pena tem o significado de “inflição de dor física ou moral que se impõe ao transgressor de uma lei” (GRECO, 2016, p. 84), provém do latim poena e do grego poiné.

As penas sofreram intensas modificações ao longo da história da civilização humana, a princípio o homem respondia por seus delitos com o seu próprio corpo, denominado assim de pena de caráter aflitivo. As penas aflitivas são as que importem em um sofrimento físico ao detento, sem que, no entanto, lhe causem a morte.

A pena de privação de liberdade é um reflexo da evolução humana e da civilização, desaparecendo das legislações as penas corporais como, por exemplo, era o caso da tortura. A pena privativa de liberdade deu lugar a uma punição humanizada e digna a seus infratores, evitando castigos desnecessários e punições desproporcionais com a gravidade do fato.

A Carta Magna estabelece direitos aos cidadãos brasileiros que devem ser estendidos aos detentos, como educação, saúde, assistência jurídica e trabalho, devendo, ainda, ser garantido o direito a uma ala arejada e higiênica, o que não é a realidade no sistema prisional brasileiro, com o acentuado e rápido crescimento dos índices de criminalidade, principalmente daqueles relativos à criminalidade violenta, as prisões brasileiras têm como regra a superlotação e condições de higiene extremamente precárias, além de situações degradantes aos detentos, psicológicas e físicas.

A privação de um indivíduo da sua liberdade está associada com a intenção do Estado, a fim de estes que cometeram crimes graves ou pequenos delitos, possam refletir e ponderar sobre seus atos, com o intuito de serem reinseridos em sociedade e não voltem a praticar outros delitos. A Constituição Federal, em seu artigo , inciso XLIX, assegura a todos os presidiários o respeito à integridade física e moral:

Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Entretanto, diante dos diversos problemas já expostos, evidencia-se que a realidade é totalmente contrária. Os detentos se veem obrigados a dividir as celas com mais pessoas do que o humanamente suportável, condições de higiene extremamente precárias, além de todas as situações degradantes a que são compelidos a enfrentar, violações de seus corpos e psicológicos excessivamente frequentes, pelo que envolve não somente os detentos, mas também as pessoas que estão em contato com essa realidade carcerária de forma direta ou indireta. O sistema é classificado como falido por Mirabete:

A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o conduziu ao cárcere (MIRABETE, Julio Fabbrini).

A superlotação é atualmente um dos maiores problemas do cárcere brasileiro, ela é cruel, degradante e chega a ser desumana, dado que os detentos sequer têm lugares aonde todos possam dormir, vivem em uma situação de inteira calamidade, ou seja, vivem em um estado de completa insalubridade.

A Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210 de 11/07/1984) expressa em seu artigo

88 que “o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório, salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; área mínima de 6 m² (seis metros quadrados)”.

A vida nos presídios se mostra de inteira desumanidade, pois não apresenta os elementos mínimos necessários à sobrevivência de homens e mulheres e de uma vida saudável, são péssimas condições estruturais, compartilhamento de celas, divisão do local de refeição, sanitários, compartimentos prisionais pequenos, e, principalmente, a falta completa de uma vida com dignidade.

Portanto, se falta qualidade de vida, não há como esperar que os detentos que sobrevivem a essas condições tenham seus direitos concretizados. Falta respeito com a dignidade do ser humano, pois o cenário que é visto hoje é, no sentido mais profundo da palavra, humilhante: “prisões onde estão enclausuradas milhares de pessoas, desprovidas de assistência, sem nenhuma separação, em absurda ociosidade; prisões infectas, úmidas, por onde transitam livremente ratos e baratas e a falta de água e luz é rotineira; prisões onde vivem em celas coletivas, imundas e fétidas, dezenas de presos, alguns seriamente enfermos, como tuberculosos, hansenianos e aidéticos…” (LEAL, 2001, p. 69)

Essa perspectiva de uma vida sem um mínimo de dignidade não traz a menor esperança para um detento que se imagina saindo da penitenciaria, para se tornar uma pessoa melhor, reconhecendo seus erros, com expectativa de um dia ser reinserido em sociedade.

O cárcere impróprio e sem infraestruturas mínimas, como, por exemplo, higiene, alimentação, amparo médico, apenas provoca revolta e ausência de esperança de uma vida que seja melhor fora daquele local, propiciando que os condenados retornem a praticar crimes, justamente por não mentalizarem novas oportunidades.

3.A PANDEMIA DA COVID-19

Em dezembro de 2019, a OMS tomou conhecimento de vários casos de pneumonia em Wuhan, província de Hubei, na China. Seria uma nova categoria de Corona vírus que nunca foi encontrado em humanos anteriormente.

Acredita-se que o COVID-19 pode ter sido transmitido através de animais selvagens que eram consumidos vivos, como morcegos, cobras, castores, na região de mercado em Wuhan, que foi onde encontraram os primeiros casos da nova doença, esses animais podem ter estado doentes e aos serem consumidos transmitiram o vírus para seres humanos.

Pouco após a descoberta da doença em humanos, surgiram sintomas da doença em pessoas não residentes da região do mercado em Wuhan, o que corroborou a tese de que era um vírus altamente contagioso e se poderia estar se espalhando através de gotículas, salivas ou de secreções respiratórias.

Em janeiro de 2020, as autoridades chinesas confirmaram que haviam descoberto uma nova categoria de Corona vírus. Eles são a segunda principal causa

de resfriado comum, depois do rinovírus e, raramente causavam doenças humanas mais graves do que o resfriado comum.

Ao todo, sete Corona vírus humanos (HCoVs) já foram identificados: HCoV- 229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63, HCoV-HKU1, SARS-COV (que causa síndrome respiratória aguda grave), MERS-COV (que causa síndrome respiratória do Oriente Médio) e o, mais recente, novo Corona vírus (que no início foi temporariamente nomeado 2019-nCoV e, depois, recebeu o nome de SARS-CoV-2). Esse novo Corona vírus é responsável por causar a doença COVID-19

Em janeiro de 2020, a OMS declarou o novo Corona vírus estabelecendo uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) - o nível de alerta mais alto da organização segundo as disposições do Regulamento Sanitário Internacional. A decisão visa fortalecer a cooperação mundial para prevenir a propagação do vírus.

A COVID-19 foi definida como uma pandemia, em março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde. A expressão Pandemia significa enfermidade epidêmica amplamente disseminada, ou seja, existem casos da COVID-19 em vários países.

O novo Corona vírus tem causado efeitos não apenas nas áreas relativas à saúde, epidemiológicas, mas tem ocasionado consequências e implicações sociais, culturais, históricos, políticos e econômicos, na história das epidemias.

4.O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Os princípios conduzem o conceito de influência da essência do próprio ordenamento jurídico, os mesmos laboram como direções para as normas jurídicas, de maneira que se estas expuserem regras que se afastam da direção preconizada, prontamente esses seus preceitos se tornaram inválidos. De tal modo, incide em deliberações basilares que se emitem sobre as normas jurídicas, servindo de discernimento para uma perfeita concepção.

O princípio da dignidade da pessoa humana é uma definição que determina o valor intrínseco da moralidade e integridade de todo indivíduo, é característica que o define como tal. Concepção mais valiosa que um ser humano pode ter é a sua dignidade, sendo cada indivíduo uma fonte de preceitos que a sociedade acredita a partir desse regulamento o princípio da dignidade da pessoa humana atua no ordenamento forense no Brasil.

Cada pessoa é possuidora de direitos que devem ser considerados pelo Estado e por todos os seus entes. Com o passar do tempo e a evolução das sociedades foram criadas formas de organização, passando a surgir normas, regras e direitos, que passaram a ser elaborados conforme os costumes e relações eram cada vez mais complexas.

O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser compreendido como a garantia das necessidades fundamentais de cada ser humano. O mesmo tem sua previsão no artigo , inciso III, da Constituição Federal. Assim, é fundamento substancial da República Federativa do Brasil.

Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana.

Em sua Doutrina “Direito Constitucional”, Alexandre de Moraes descreve dignidade como:

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade.

André Ramos Tavares esclarece ser um trabalho complicado conceituar a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, assinala a elucidação deste princípio nos vocábulos de Werner Maihofer

A dignidade humana consiste não apenas na garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. O pleno desenvolvimento da personalidade pressupõe, por sua vez, de um lado, o reconhecimento da total autodisponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possíveis atuações próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação que surge da livre projeção

histórica da razão humana, antes que de uma predeterminação dada pela natureza.

Também, Ana Paula de Barcellos, descreve como:

A dignidade humana pode ser descrita como um fenômeno cuja existência é anterior e externa à ordem jurídica, havendo sido por ela incorporado. De forma bastante geral, trata-se da ideia que reconhece aos seres humanos um status diferenciado na natureza, um valor intrínseco e a titularidade de direitos independentemente de atribuição por qualquer ordem jurídica.

A dignidade da pessoa humana se localiza no núcleo da ordem jurídica brasileira, considerando que idealiza o enaltecimento de cada indivíduo, por constituir causa essencial para a composição de organização do Estado e para o Direito.

O princípio da dignidade da pessoa humana atribui uma obrigação de comportamentos de caráter otimistas predispostas a resguardar a pessoa humana. É prescrição que incide sobre o Estado de o respeitar e requerer as características que permitam a existência com dignidade.

Evidencia-se que, a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental em termos jurídico-formais. Todavia, seus pareceres não ultrapassam do texto constitucional da Carta Magna de 1988, para a veracidade político-econômico-social, basta que se analise a assombrosa quantidade de abandonados, marginalizados e excluídos na sociedade brasileira. Lamentavelmente, no campo político, a dignidade é forma puramente retórica e não se demonstra no exercício prático, tendo em vista a persistência do descumprimento dos direitos básicos para ampla parcela dos cidadãos do Brasil.

É conveniente evocar sobre um exercício de desmistificação da dignidade, por significar um princípio verdadeiramente glorificado, entretanto sem aproveitamento autêntico que faz jus. O princípio da dignidade da pessoa humana é de fato princípio norteador, a óbice não é encontrada no enaltecimento de sua camada principiológica, porém de sua inutilização prática.

RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil decorre de uma ação ou omissão que gera violação em norma legal ou contratual sendo imposta por lei a obrigação da reparação de danos. Maria Helena Diniz entende que a responsabilidade civil decorre da aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial a terceiros em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por algo a ela pertencente ou de simples imposição legal (DINIZ, 2007, p. 192).

A matéria subdivide-se em responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva, tendo como pressupostos da responsabilidade três elementos, sendo eles a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade.

Configurará a responsabilidade subjetiva quando o agente causador do dano agir com dolo ou culpa em sua conduta, assim o dever de indenizar tem como pressuposto a demonstração do dolo ou culpa do agente. O ordenamento jurídico brasileiro adotou a responsabilidade subjetiva como regra. Disciplinando as condutas no artigo 186 e 187 do Código Civil:

Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Artigo 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê- lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Já a responsabilidade civil objetiva prevê que o dever de indenização restará configurado independente da comprovação de dolo ou culpa, bastando apenas a configuração do nexo causal da atividade com o dano causado. O Código Civil disciplina no artigo 927, parágrafo único, a responsabilidade objetiva, pela qual, haverá obrigação de reparação do dano quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. É o que dispõe também o enunciado 448 da V Jornada de Direito Civil, in verbis:

A regra do artigo 927, parágrafo único, segunda parte, do CÓDIGO CIVIL aplica-se sempre que a atividade normalmente desenvolvida, mesmo sem defeito e não essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem. São critérios de avaliação desse risco, entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas de experiência.

O dispositivo inserido no Código Civil tem por base o artigo 2.050 do Codice Civile Italiano, de 1942, que tem por redação: “aquele que causa dano a outrem no desenvolvimento de uma atividade perigosa, por sua natureza ou pela natureza dos meios adotados, é obrigado ao ressarcimento, se não provar haver adotado todas as medidas idôneas para evitar o dano”.

Para tanto, há a responsabilidade civil do Estado que, de caráter extracontratual, recairá sobre o dever de indenizar terceiros quando restar demonstrada o prejuízo por ações ou omissões do serviço público ali prestado.

Primeiramente há de se destacar que a responsabilidade civil do Estado passou por diversas evoluções, disciplinada em dois atos principais para Celso Antônio Bandeira de Mello, sendo eles:

Irresponsabilidade do Estado: admitia-se tão somente a responsabilização do funcionário quando o ato gerado era relacionado a um comportamento pessoal; Responsabilidade do Estado: admitida na segunda metade do século XIX, passando de subjetiva para objetiva, com base no nexo de causalidade entre o comportamento e o evento danoso.

A responsabilidade subjetiva do Estado é questionada e disciplinada em três correntes, sendo bem detalhadas por Cavalieri Filho ao dispor que: a primeira enfatiza que atualmente é impossível a aplicação de tal subjetividade com base no disposto no artigo 37, § 6º, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A segunda, da qual Celso Antônio Bandeira de Mello toma frente, segue no sentido de que “sustenta ser subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano decorrer de omissão do Estado” (CAVALIERI FILHO, 2011). E a terceira que: Cavalieri Filho (2011) apud Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 1003), esclarece “a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por ato ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva”. O Estado adotou, em regra, a responsabilidade objetiva fundada no risco administrativo, com fundamento no artigo 37, § 6º, Constituição Federal, contudo há casos onde o dano não seja causado diretamente por uma ação do agente público, mas sim por um não fazer que gera a obrigação pela omissão. Há, contudo, a posição de Cavalieri que, defende não haver somente uma responsabilidade subjetiva e sim dois ramos dela, a conduta omissiva específica e a conduta omissiva

genérica.

Ao que a omissão específica será aquela relacionada aos casos onde o Estado encontra-se na posição de garante ou em casos de omissão quando gera a

situação de perigo, exemplo clássico é a morte de detentos no sistema prisional, já a genérica consistiria na ausência do dever legal, a qual o particular deve demonstrar que a falta de serviço concorreu para o dano, exemplo seja a queda de bicicleteiro em bueiro aberto há muito tempo.

Porém, cabe ressaltar que a responsabilidade civil ainda não é bem detalhada em julgados dos tribunais, sendo julgado para tanto a responsabilidade civil objetiva nos moldes do artigo 37, § 6º, Constituição Federal sem mais detalhamentos, como é o caso do julgamento RE 841.526/RS, veja-se:

Deveras, é fundamental ressaltar que, não obstante o Estado responda de forma objetiva também pelas suas omissões, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder Público ostentar o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se desincumbindo dessa obrigação legal. Entendimento em sentido contrário significaria a adoção da teoria do risco integral, repudiada pela Constituição Federal, como já mencionado acima.” (g.n.) (RE 841526, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, j. 30/03/2016, Repercussão geral)

Assim, demandar-se-á nos tópicos posteriores as Teorias adotadas em situações de responsabilidade civil do Estado, bem como a responsabilidade diante da morte de detentos por omissão nos cuidados e em decorrência da COVID-19. Pelo que, ante a exposição inevitavelmente a periculosidade dos agentes que ali convivem, em situações degradantes e de risco, não se deve em qualquer hipótese ser levantada a alegação de excludentes, prevalecendo então o direito a saúde do preso, conforme disposto no artigo 41, inciso VII, da Lei de Execucoes Penais, Lei nº. 7210/1984.

TEORIAS DA RESPONSABILIDADE ESTATAL

O caso da menina Agnés Blanco, em 1873, foi responsável por civilmente responsabilizar o Estado por prejuízos causados a terceiros em decorrência de ação culposa/dolosa de seus agentes. A menina foi surpreendida por um vagão ao atravessar a rua da cidade de Bordeaux, tendo posteriormente seu pai obtido sentença favorável na ação de indenização interposta contra o Estado. Assim, da responsabilidade extracontratual do Estado surgiram três teorias, sendo a teoria da culpa administrativa, teoria do risco administrativo e teoria do risco integral.

A teoria da culpa administrativa, também chamada “faute du service”, depreende-se da má gestão estatal, onde a repartição pública é responsabilizada subjetivamente pelos danos causados por falha na prestação do serviço estatal.

Em determinada situação que o município, mesmo após questionado, deixa seu agente trabalhar sem o uso adequado de IPI e este agente venha sofrer acidente no decorrer do trabalho, responderá o município diante da culpa administrativa, assim tem recentemente entendido o egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL – ACIDENTE DE TRABALHO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL E MATERIAL – OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO – NEGLIGÊNCIA – INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

  • REQUISITOS CONFIGURADORES PARA A INDENIZAÇÃO – DEVER DE INDENIZAR – DANO MATERIAL – PERDA DA CAPACIDADE LABORATIVA – INOCORRÊNCIA – PENSIONAMENTO – DESCABIMENTO – REDUÇÃO DOS VENCIMENTOS – PERÍODO DE AFASTAMENTO – APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM DA INDENIZAÇÃO – OBSERVÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE – JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA – ADEQUAÇÃO AO TEMA 810 DO STF – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – REDISTRIBUIÇÃO – PERCENTUAL – FIXAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – DESVIO DE FUNÇÃO E ASSÉDIO MORAL – HIPÓTESES NÃO DEMONSTRADAS
  • SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – APELAÇÃO NÃO

PROVIDA. 1. Para caracterizar a responsabilidade civil do Estado prevista no artigo 37, § 6º, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88, afigura-se suficiente à configuração do dever de indenizar a comprovação do evento danoso e da relação de causalidade entre o ato praticado pelo ente municipal e o sofrimento suportado. 2. Em se tratando de condutas omissivas, a responsabilidade municipal rege-se pela teoria subjetiva, que exige a demonstração da culpa do serviço público (faute du service), somente sendo cabível a responsabilização do Estado (sentido amplo) pela omissão que lhe é imputada quando o serviço público não foi prestado, ou foi prestado a destempo ou de modo insatisfatório. 3. Comprovada a conduta negligente, ante a falta de disponibilização de EPI's à servidora, fato que contribuiu para a ocorrência do acidente que a lesionou, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade civil municipal e o dever de indenizar pelos prejuízos suportados. 4 (TJMG- Ap Cível/Rem Necessária 1.0309.14.003151-4/001, Relator (a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/09/2021, publicação da sumula em 06/10/2021)

Para tanto, em casos onde o dano causado for gerado por omissão do serviço público, na teoria da culpa administrativa faz-se necessário que o particular demonstre que os representantes públicos agiram culposamente, por ação ou omissão perante terceiros.

Segundo a Teoria do Risco Administrativo o Estado deverá indenizar o terceiro pelo dano causado, independentemente de culpa, à exceção de ocorrência de caso fortuito ou força maior e responsabilidade exclusiva da vítima. O direito

brasileiro adotou a teoria do risco administrativo em seu artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988:

Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Por essa teoria a vítima não necessita demonstrar a ocorrência de dolo ou culpa, contudo, o Estado em sua contestação poderá alegar que o dano decorreu por força maior, ou ainda requerer seja os valores indenizatórios fixados em grau mínimo, como é o caso de indenizações por morte de detentos, veja-se:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE DETENTO. DANO MORAL. REVISÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA7/STJ.

  1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite, em caráter excepcional, que o quantum arbitrado a título de danos morais seja alterado, caso se mostre irrisório ou exorbitante, em clara afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não ocorreu na hipótese vertente.
  2. Agravo interno não provido.

(AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2020/0036516-3 – Ministro SÉRGIO KUKINA – 23/02/2021)

Por fim, tem-se a Teoria do Risco Integral que, na visão de Hely Lopes Meirelles, não considerará admissíveis situações excludentes de responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, força maior ou caso fortuito), sendo raramente utilizada por ser considerada abusiva. Assim, em hipótese alguma o Estado poderia alegar em contestação causas excludentes da responsabilidade, sendo elas caso fortuito ou força maior.

Nessa esteira adequamos às mortes decorrida da COVID-19 nos presídios, em face de extensa, e anterior, crise enfrentada pelo sistema prisional brasileiro, evidenciando, descaso em cuidados básicos. Embora seja analisado cada caso individualmente, ante inobservância estatal em seu dever específico de proteção previsto no artigo , inciso XLIX, da Constituição Federal, é possível o afastamento da alegação do caso fortuito ou de força maior, desqualificando a teoria do risco administrativo.

Diante do exposto, podemos citar a Teoria do Estado Garante, onde o Estado na posição de garante não é algo meramente formal da lei positiva, de acordo com essa teoria, a postura de garantia encontra-se no encargo de anteparo de bem jurídico específico e de domínio em associação a uma fonte de risco.

Verifica-se, na ocasião em que por uma omissão, resulta-se em um desfecho característico, não impedido por quem deveria fazê-lo, ou seja, aquele que naquela circunstância detinha a aplicabilidade de atuação e a obrigação de agir para impedir qualquer dano ao bem jurídico protegido.

Cuida-se de uma transgressão excepcional, dado que, exclusivamente aquele que se achava previamente na posição de garantidor do bem jurídico e perante circunstâncias de risco, não impede o resultado típico, podendo fazê-lo. Dessa maneira, somente poderá ser o autor de um crime omissivo impróprio aquele que for possuidor de uma obrigação jurídica especial que implique na confirmação de não elaboração do resultado típico.

Considerável destacar que o estado, na posição de garante, quando concorre com dano por sua omissão, tem a culpa presumida, isto é, responsabilidade objetiva, deste modo, não diz respeito ao indivíduo que suportou o prejuízo, demonstrar a omissão do estado, exclusivamente a este comprovar a excludente concernente de sua responsabilidade.

Na hipótese de responsabilidade subjetiva do Estado não se faz essencial a individualização da culpa, ou seja, não é necessário comprovar a negligência, imprudência ou imperícia de um agente público determinado, por esse motivo é chamada também tal responsabilidade como culpa anônima.

Em consideração a isso, inferimos que o Estado, na posição de garantidor, tem a obrigação de zelar pelos indivíduos que estão sob sua custódia, cuidando da integridade física e moral destes, e em episódio de detrimento verificado em desfavor do detento, por mais que o dano tenha ocorrido devido uma conduta omissiva, o Estado deve responder por tal omissão, uma vez que era dever do Estado impossibilitar o acontecimento daquele evento danoso, assemelhando-se assim a conduta comissiva.

Em suma, qualquer prejuízo que venha acontecer nos estabelecimentos prisionais acarreta erro dos institutos estatais, assim dizendo, toda organização estatal e todo o anteparo legal concernente ao sistema carcerário avariou, permanecendo assim o Estado responsável por qualquer dano sofrido no interior dessas unidades.

DA OMISSÃO DO ESTADO E O NEXO DE CAUSALIDADE

Em julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.526/RS, em 30/03/2016, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese da responsabilidade civil do Estado quanto à morte de detento em caso de inobservância do seu dever específico de proteção prevista no artigo , XLIX, da Constituição Federal/88. No entanto, este julgado definiu exceções ao dever de indenizar os familiares dos detentos:

Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, XLIX, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, o Estado é responsável pela morte de detento. Assim, a omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nas hipóteses em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. Além disso, é dever do Estado e direito subjetivo do preso a execução da pena de forma humanizada, garantindo-lhe os direitos fundamentais, e o de ter preservado a sua incolumidade física e moral. Esse dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal. Por essa razão, nas situações em que não seja possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade. Afasta-se, assim, a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, não sendo sempre possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. Portanto, a responsabilidade civil estatal fica excluída nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. Na espécie, entretanto, o tribunal a quo não assentara haver causa capaz de romper o nexo de causalidade da omissão do Estado-Membro com o óbito. Correta, portanto, a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. RE 841.526/RS, rel. Min. Luiz Fux, 30-3-2016.

Alexandre Mazza (p. 484, 2018) entende que podem ocorrer três situações para afastar a responsabilidade civil do Estado nos casos de mortes de detentos no sistema prisional, sendo elas; a ausência de nexo causal entre a omissão do Estado e o dano causado ao preso, nas hipóteses que o Estado possui o dever legal de agir para impedir o resultado; se não for possível o Estado agir para evitar a morte do preso (ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade); nas situações em que o Estado comprova causa impeditiva de atuação para salvaguardar o preso.

Preliminarmente, pode-se afirmar que a falta de nexo causal entre a morte de um interno do sistema prisional é a exclusão da responsabilidade civil estatal. Nessa hipótese, o prejuízo não é pertinente ao desempenho do Estado, porém será em ra- zão de algum episódio associado à própria natureza humana. Em outros termos, o

nexo causal é a conexão existente entre o infortúnio sofrido por algum detento e a administração estatal, dado que nos fatos de responsabilidade objetiva, quando ocorrer evento danoso por força maior é pertinente somente nos casos em que ficar demonstrado ausência de nexo causal entre o dano ocorrido e a atuação do Estado.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2.021 decretou o status de pandemia pela contaminação exacerbada do COVID-19, com isso, o CNJ publicou a Recomendação nº 62 visando à adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo Corona vírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Contudo, tais medidas por si só revelaram insufici- entes diante do cenário causídico de diversos presídios. Aos 19 de setembro de

2.021 o banco estatístico nacional divulgado pelo CNJ registrou que 914.319 (nove- centos e quatorze mil, trezentos e dezenove) pessoas estão privadas de liberdade, destas 911.775 (novecentos e onze mil, setecentos e setenta e cinco) presos e

2.544 (dois mil e quinhentos e quarenta e quatro) em regime de internato. Aos 09 de setembro, o monitoramento de COVID-19 no sistema prisional registrou 565 (qui- nhentos e sessenta e cinco) óbitos, constando de detentos e servidores, e 101 (cen- to e um) óbitos registrados nos sistemas socioeducativos.

No Brasil, ações inclusivas de modo a limitar a prisão a último recurso não são bem-vistas e aceitas como estratégias governamentais, pelo que, frente a um estágio de pandemia onde a disseminação do vírus é altamente contagiosa, as me- didas sanitárias mínimas não são aptas a combater a propagação no complexo peni- tenciário superlotado e sem condições dignas àqueles que ali se veem enclausura- dos. Embora apresentada a Recomendação nº 62/2020, pelo CNJ, a adoção de me- didas preventivas à propagação da infecção pelo COVID-19 no âmbito dos sistemas prisionais e socioeducativos foram ineficazes, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, desde o início da crise sanitária a tendência de óbitos por Covid-19 nas unidades de privação de liberdade do país segue em alta, de março a abril, houve um aumento de 24,2% nas unidades prisionais, tanto entre detentos quanto entre servidores e no sistema socioeducativo, o aumento é de 59,5%.

Nesse ínterim, diante da precariedade dos presídios nacionais há décadas, demonstrado o completo desleixo/ausência estatal, a teoria do risco integral mostra- se válida em ações de indenização movidas por familiares ante a morte de detentos, seja por ferir o princípio do dever de cuidado imposto ao Estado ao retirar a liberda- de de algum cidadão, seja pela ausência de proteção da dignidade da pessoa huma - na.

CONCLUSÃO

No presente artigo constatou-se as sistemáticas violações dos direitos humanos no sistema prisional brasileiro em razão de sua precariedade. Em face de tais questões, pode-se verificar a complexidade e a importância da análise do tema. Ao tracejar alguns pontos, a finalidade do presente trabalho foi especialmente conjeturar sobre algumas das particularidades que norteiam o sistema penitenciário brasileiro na sociedade contemporânea.

Analisou-se o princípio da dignidade da pessoa humana e as deliberações alusivas à integridade física e moral do condenado, posteriormente, se examinou a responsabilidade pela morte de preso, apresentando-se as distinções abordo do assunto e, também, considerou-se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário nº 841.526. Também sobre o tema indicado, pôde-se averiguar, que o Estado deve ser responsabilizado pela morte do preso, levando em conta que este ente de direito público é o encarregado de cuidar pela integridade física e moral dos condenados, em aplicação a distintas cláusulas da Constituição Federal.

Tendo em consideração a decisão do Recurso Extraordinário 841.526 prolatada pelo Supremo Tribunal Federal que ao fixar em sede de repercussão geral a seguinte tese: “Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento e irá ser condenado ao pagamento de indenização, salvo se conseguir comprovar a ausência do nexo de causalidade entre a morte e a sua omissão”.

Por conseguinte, embora explanação dos tribunais superiores de que, o Estado por deter a guarda e a obrigação de conservar a integridade física e moral do preso, deve responder objetivamente e pela teoria do risco administrativo, entendemos que diante do causídico estado dos presídios e a COVID-19, deve o Estado responder por sua omissão, em eventuais mortes, objetivamente e pela teoria do risco integral.

A composição do sistema carcerário localiza-se desmantelada, não atendendo as finalidades a que se recomenda. As precariedades instituem traços próprios desses complicados estabelecimentos prisionais. Á vista disso, é

imprescindível ao ente público prevenir que aqueles que se encontram sob sua guarda possam sofrer qualquer dano.

A precariedade do sistema prisional brasileiro constitui um dos maiores problemas do país, as transgressões de direitos humanos que acontecem diariamente dentro de presídios brasileiros são reais.

Acordante o entendimento utilizado na teoria da causalidade adequada é do Estado o melhor cabimento de impedir a ocorrência lesiva, porquanto a sua obrigação de zelar pela integridade física do detento é antecedente ao evento da presunção de exclusão da responsabilidade pela culpa exclusiva da vítima. Desse modo, ponderando-se tudo que se arrazoou quanto à maneira como são tratados os direitos e garantias dos detentos, percebe-se que o Estado deve ser responsabilizado objetivamente. Além disso, não se pode esquecer que o Estado detém maior capacidade e mais benefícios do que o administrado. Constituir-se-ia imparcial que o sujeito, em lugar de dependência, tivesse que se empenhar para apoderar-se do direito à restauração de agravos que, por sua vez, careceriam de ter sido impedido pelo ente público.

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