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25 de Maio de 2024

Acerca da natureza jurídica da decisão que encerra a fase de cumprimento de sentença

há 29 dias

Verificar a natureza jurídica significa identificar o modo como o Direito enxerga e trata determinado fenômeno ou instituto.

Desde 2005, com uma reforma no CPC/73, foi introduzido no ordenamento processual civil brasileiro o sistema do cumprimento de sentença, que consiste na incorporação da atividade executiva baseada em título judicial dentro do processo de conhecimento. Isso resultou em um processo sincrético, no qual a execução do título judicial passou a ser realizada como uma fase processual subsequente à fase de conhecimento, tudo dentro do mesmo processo.

Essa sistemática foi consolidada pelo CPC/2015, que a partir do artigo 513 traz disposições sobre o cumprimento de sentença e, no Livro II da Parte Especial, a partir do artigo 771, trata do processo de execução.

Note-se que tudo se refere à execução, que compreende uma relação de gênero e espécie. A execução é o gênero que comporta duas espécies, a saber: o cumprimento de sentença e o processo de execução. Ambos os institutos são formas de execução, e o que os distingue, basicamente, é o título que os sustenta.

Tanto o cumprimento de sentença quanto o processo de execução possuem, em última análise, a mesma finalidade: satisfazer um crédito embasado em um título executivo. A diferença entre os institutos reside no fato de que o cumprimento de sentença é fundamentado em um título judicial, ou seja, emitido por um juiz ou equiparado, enquanto o processo de execução se baseia em um título extrajudicial, que não foi proferido por um juiz e, por essa razão, requer um processo autônomo para formar a relação processual.

Na Seção dos Pronunciamentos Judiciais (Seção IV) do Livro dos Atos Processuais (Livro IV) do Código de Processo Civil, o § 1º do art. 203 define como sentença, exceto nos casos de disposições expressas de procedimentos especiais, o pronunciamento no qual o juiz, com base nos artigos 485 e 487, encerra a fase cognitiva do procedimento comum e também finaliza a execução.

Observe-se que o artigo não diz que a sentença extingue o processo de conhecimento ou o processo de execução, mas sim que encerra a fase cognitiva, ou de conhecimento, bem como a execução.

Nesse sentido, temos que a sentença, indubitavelmente, encerra a fase de conhecimento quando prolatada nos termos do art. 485 ou 487 do CPC, ou o processo de execução (art. 924 do CPC). Além disso, também terá a natureza jurídica de sentença o pronunciamento judicial que põe fim, definitivamente, ao cumprimento de sentença.

Sem dúvida, as razões para tal entendimento encontram respaldo não apenas na interpretação ampla do termo "execução" presente no art. 203, § 1º, do CPC, que abrange tanto o cumprimento de sentença quanto o processo de execução, mas também em outros dispositivos legais, bem como na interpretação jurisprudencial e doutrinária.

O art. 513 do CPC dispõe que “o cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.” O Livro II disciplina o processo de execução.

Quando o artigo dispõe que se observará, no que couber e conforme a natureza obrigacional, as disposições do processo de execução, significa dizer que, ressalvadas as devidas proporções e as disposições específicas, tudo que estiver previsto para o processo de execução e não for incompatível com o cumprimento de sentença é aplicável a este.

Nesse contexto, aplicam-se os art. 924 e 925 do CPC no cumprimento de sentença. Os referidos artigos possuem a seguinte redação:

Art. 924. Extingue-se a execução quando:
I - a petição inicial for indeferida;
II - a obrigação for satisfeita;
III - o executado obtiver, por qualquer outro meio, a extinção total da dívida;
IV - o exequente renunciar ao crédito;
V - ocorrer a prescrição intercorrente. Art.
925. A extinção só produz efeito quando declarada por sentença.

Os artigos, apesar de estarem dentro das disposições acerca do processo de conhecimento, preveem expressamente a extinção da "execução", ou seja, tudo que se relaciona com a execução, abrangendo tanto a execução em sentido estrito (processo de execução) quanto o cumprimento de sentença.

Caminha bem também no sentido da tese aqui firmada o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. O REsp 1.698.344, julgado em 2018 com relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, consolidou um entendimento de que na atual sistemática processual, existem dois critérios para definir uma "sentença": (I) possuir um conteúdo equivalente a uma das situações descritas nos artigos 485 ou 489 do CPC/2015; e (II) determinar o encerramento de uma das fases do processo, seja de conhecimento ou execução. Além disso, no julgado, foi entendido que o recurso contra decisão que acolhe impugnação e extingue o cumprimento de sentença é a apelação e, conforme art. 1.009 do CPC, da sentença cabe apelação.

Segue a jurisprudência do egrégio STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS. CPC/2015. DECISÃO QUE ENCERRA FASE PROCESSUAL. SENTENÇA, CONTESTADA POR APELAÇÃO. DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NA FASE EXECUTIVA, SEM EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
1. Dispõe o parágrafo único do art. 1015 do CPC/2015 que caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. Por sua vez, o art. 1.009, do mesmo diploma, informa que caberá apelação em caso de "sentença".
2. Na sistemática processual atual, dois são os critérios para a definição de "sentença": (I) conteúdo equivalente a uma das situações previstas nos arts. 485 ou 489 do CPC/2015; e (II) determinação do encerramento de uma das fases do processo, conhecimento ou execução.
3. Acerca dos meios de satisfação do direito, sabe-se que o processo de execução será o adequado para as situações em que houver título extrajudicial (art. 771, CPC/2015) e, nos demais casos, ocorrerá numa fase posterior à sentença, denominada cumprimento de sentença (art. 513, CPC/2015), no bojo do qual será processada a impugnação oferecida pelo executado.
4. A impugnação ao cumprimento de sentença se resolverá a partir de pronunciamento judicial, que pode ser sentença ou decisão interlocutória, a depender de seu conteúdo e efeito: se extinguir a execução, será sentença, conforme o citado artigo 203, § 1º, parte final; caso contrário, será decisão interlocutória, conforme art. 203, § 2º, CPC/2015.
5. A execução será extinta sempre que o executado obtiver, por qualquer meio, a supressão total da dívida (art. 924, CPC/2015), que ocorrerá com o reconhecimento de que não há obrigação a ser exigida, seja porque adimplido o débito, seja pelo reconhecimento de que ele não existe ou se extinguiu.
6. No sistema regido pelo NCPC, o recurso cabível da decisão que acolhe impugnação ao cumprimento de sentença e extingue a execução é a apelação. As decisões que acolherem parcialmente a impugnação ou a ela negarem provimento, por não acarretarem a extinção da fase executiva em andamento, tem natureza jurídica de decisão interlocutória, sendo o agravo de instrumento o recurso adequado ao seu enfrentamento.
7. Não evidenciado o caráter protelatório dos embargos de declaração, impõe-se a inaplicabilidade da multa prevista no § 2º do art. 1.026 do CPC/2015. Incidência da Súmula n. 98/STJ. 8. Recurso especial provido. ( RESp 1.698.344/MG – Relator Ministro Luis Felipe Salomão – Data do julgamento: 22 de maio de 2018).

Se da decisão que põe fim ao cumprimento de sentença definitivamente cabe apelação, então tal decisão possui natureza jurídica de sentença. É compreensível enxergar que, em um mesmo processo, pode haver uma sentença que põe fim à fase de conhecimento, resolvendo ou não o mérito da causa, e outra sentença que, definitivamente, encerra o processo ao pôr fim à fase de cumprimento de sentença. Não existe nenhuma incongruência em falar-se em sentença que põe fim ao cumprimento de sentença, à execução fundada em título judicial: sentença encerra a fase cognitiva do procedimento comum e também finaliza a execução, voltando à definição do art. 203, § 1º, do CPC.

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