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2 de Maio de 2024

Limitações dos princípios que norteiam a atuação do agente administrativo em relação ao auto de infração de trânsito

Publicado por Henrique Paiva Santos
há 7 anos

Henrique Paiva Santos[1]

RESUMO

Com o tamanho crescimento do setor automobilístico no Brasil, surgiu também o crescimento dos problemas de fiscalização. Atualmente este setor possui legislação própria que é o Código de Trânsito Brasileiro do ano de 1997, trazendo no seu corpo diversas garantias como punições aos condutores infratores, podendo assim exemplificar multas por radares fixos ou móveis, barreiras eletrônicas e os próprios agentes de trânsito nas ruas e equipamentos eletrônicos e afins. Mas mesmo com tantos avanços tecnológicos, ainda existe um problema social muito grande, principalmente para o bolso do condutor, qual seja, o excesso de sanções de trânsito, destacando a autuação das multas sem abordagem do condutor. O problema tomou uma proporção tão gigantesca, haja vista que dificilmente achará um condutor que não levou uma multa por está sem cinto ou mesmo avançar em uma faixa de pedestres, podendo ressaltar que tal instituto se tornou um dos principais meios de arrecadação estatal. Grande parte deste problema se deve a fragilidade de alguns autos de infrações baseados apenas na percepção do agente de trânsito sem a utilização de outros meios probantes, visto que possui autorização expressa por lei para realizar desta forma, pois, a atuação destes é respaldada por vários princípios, como dá fé pública dos agentes, presunção de veracidade e legitimidade, boa-fé e demais citados no corpo desta pesquisa, abrindo precedentes para questionar a efetividade da atuação administrativa.

Palavras-chave: Limites dos princípios. Multa de Trânsito. Princípios Administrativos.

ABSTRACT

With the growth of the automotive sector in Brazil, the growth of inspection problems has also arisen. Currently this sector has its own legislation that is the Brazilian Transit Code of 1997, bringing in its body several guarantees as punishments to inflationary drivers, and can thus exemplify fines for fixed or mobile radars, electronic barriers and the traffic agents themselves in the streets And electronic equipment and the like. But even with so many technological advances, there is still a very big social problem, especially for the driver's pocket, that is, excessive traffic sanctions, highlighting the fines without driver's approach. The problem has taken on such a gigantic proportion, since it is difficult to find a driver who has not taken a ticket for being without a belt or even walking in a pedestrian lane, and may point out that this institute has become one of the main means of collecting the state. Much of this problem is due to the fragility of some notices of infractions based only on the perception of the traffic agent without the use of other probing means, since it has the express authorization by law to carry out this way, since, the action of these is backed by several Principles, as it gives the agents' public faith, presumption of truthfulness and legitimacy, good faith and others cited in the body of this research, opening precedents to question the effectiveness of the administrative action.

Keywords: Limits of Principles. Traffic Fines. Administrative Principles.

INTRODUÇÃO

Recentemente, muito se têm discutido acerca das multas de trânsito, a sua real finalidade, as formas de aplicação e os valores a serem cobrados. O ente estatal tem se munido de diversos equipamentos, como radares, câmeras de segurança, barreiras eletrônicas e tantos outros para inibir e punir os condutores que cometem infrações. Mas, dentre todos estes meios, ainda possui um que é passível de grandes questionamentos, qual seja, o do auto de infração realizado sem autuação do condutor (abordagem).

Logo, antes de quaisquer apontamentos, torna-se imprescindível demonstrar a conceituação do verbo autuação. Para isso, usa-se da definição dada pelo DETRAN, que define autuação quando um agente de trânsito registra contra ele (motorista) um auto, que é chamado de auto de infração de trânsito, pois, houve desrespeito à alguma regra estabelecida no Código de Trânsito BrasileiroCTB. (BRASIL, 1997)

Não se pode negar que ao observar o sistema de trânsito nacional, os pontos positivos são extraordinários e o ideal a ser alcançado pelos condutores é bastante motivador. Porém, com o aumento exacerbado dos automóveis em circulação, este sistema de trânsito está tendo dificuldades na execução da fiscalização, demonstrando assim, em determinados momentos, uma certa fragilidade, como se observa com maior enfoque no instituto aqui trabalhado – o auto de infração realizado sem abordagem do agente de trânsito.

Constata-se então o quanto é passível de erros humanos este instituto, pois assim como qualquer outra pessoa, o agente pode estar errado. Todavia, quando refere-se à atuação do agente administrativo, o mesmo possui proteção de certos princípios basilares da atuação administrativa, como por exemplo, a presunção de veracidade assegurada pela fé pública concedida ao agente (no ato de realizar a sanção administrativa).

Deste modo, urge salientar a fragilidade do instituto em questão, tornando justificável o presente estudo, para que se possa entender, em suma, o que realmente acontece neste cenário administrativo.

Se faz ainda necessário observar o arquétipo dos princípios constitucionais administrativos e as normas regentes do DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito, para que se realmente entenda quais são os limites que deverão ser respeitados pelo agente na aplicação da multa (autuação), bem como os meios que seriam necessários para buscar uma real efetividade nestas aplicações, de forma que se extraia o que é necessário para que se tenha uma efetiva atuação do ente público para com o cidadão - condutor e contribuinte, como também a observação dos principais meios de defesa que estes podem utilizar.

Isto posto, o ponto principal se volta ao condutor como parte hipossuficiente na relação administração pública/cidadão visando entender os porquês da utilização dos meios precários de averiguação da infração, quando existem outros mais eficazes, como por exemplo, câmeras, barreiras ou radares.

Para tanto, este artigo terá como condão explorar os limites dos princípios que norteiam a atuação da administração pública, através do agente de trânsito, interpretando e demonstrando a relevância para a proposta de forma que traga entendimento sobre a fragilidade ou real legalidade do instituto.

2. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O CONCEITO E EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

Inicialmente é de suma importância que se conheça como foi disciplinada a lei de trânsito e consequentemente o conceito desta. No Brasil, o primeiro decreto a regulamentar o trânsito e as relações dele advindas foi o Decreto número 8.324 de 1910, que tratou especificamente sobre os serviços de transporte por automóveis. (BRASIL, 1910).

Ainda ocorreu a entrada em vigência da nova legislação acerca das relações de trânsito que foi criada em 1922 pelo Decreto Legislativo nº 4.460, que proibiu algumas condutas e priorizou e incentivou a criação de estradas, além de criar medidas destinadas a evitar o uso de veículo com tração animal. (BRASIL, 1922).

Nesta época, o Brasil era governado pelo presidente Washington Luiz, antes da era Vargas, e, criou-se ainda o Decreto Legislativo número 5.141 de janeiro de 1927 (BRASIL, 1927), com o objetivo de estimular a criação de estradas para ligar as regiões brasileiras, isto é, as unidades federativas.

Neste período foi criado o fundo especial para a construção e conservação de estradas de rodagem federais, o que demonstra o interesse em incentivar a criação de estradas e estimular o uso de veículos automotores como meio de transporte.

Seguindo, em maio de 1928, foi publicado o Decreto número 18.223 que permitiu o tráfego internacional de automóveis dentro do espaço territorial brasileiro, além de atualizar questões relacionadas à atividade policial, sinalização e segurança no trânsito. (BRASIL, 1928).

Ainda, no ano de 1929, foi realizada a Convenção Internacional relativa à circulação de automóveis, firmada em Paris a 24 de abril de 1926 onde o governo brasileiro por meio do decreto nº 19.038 de 17 de dezembro de 1929 ratificou o entendimento da Convenção e o promulgou em solo brasileiro. (BRASIL, 1929).

Porém, mesmo com a ratificação da Convenção, o código de trânsito brasileiro só veio a ser aprovado em 1941, através do Decreto-lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941. Conforme a necessidade social ocorreu ainda à revogação de normas deste código criando novas redações conforme o Decreto-lei n.º 3.651, de 25 de setembro de 1941, que criou o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN).

Este Conselho compunha uma hierarquia, respondendo diretamente ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, e os Conselhos Regionais de Trânsito (CRT), nas capitais dos Estados, subordinados aos respectivos governos estaduais.

Mas, conforme o aumento demasiado de automóveis, surgiu também à necessidade da evolução das normas reguladoras do trânsito, que levaram o legislador brasileiro a adotar outro meio de garantir um trânsito mais seguro e que conseguisse abranger todas as demandas sociais, formulando assim o novo Código de Trânsito.

Assim, no dia 23 de setembro de 1997 entrou em vigor o então chamado novo Código de Trânsito Brasileiro, lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que tinha por finalidade, através de seus artigos, assegurar as condições de circulação de bens e pessoas com segurança, eficiência, fluidez e conforto, onde, conforme seu texto legal trazia consigo, a previsão dos crimes de trânsito e a aplicação de sanções de cunho mais rigoroso aos que não obedeciam tais disposições, adequando-se a nova realidade brasileira, criando as novas normas de regência, conforme visto. (BRASIL, 1941).

Após alguns anos de tramitação, veio à luz o Código de Trânsito Brasileiro de âmbito municipalista. Alguns conceitos deste novo código na verdade representam mais uma tentativa de civilizar os nossos condutores.

Porém, conforme o disposto na Constituição Federal de 1988 – CRFB, no seu art. 22, inciso XI, atribuiu competência privativa à União para legislar sobre trânsito e transportes no Brasil, motivo pelo qual somente se admite uma legislação de trânsito que seja válida para todo o país, tornando infrutífera a legislação pormenorizada.

O conceito de trânsito foi colacionado no art. , § 1º, do CTB, e também de maneira mais sintética, em Anexo I, considerando então trânsito como a utilização de vias por pessoas, veículos e animais, de maneira isolada ou em grupos, conduzidos ou não, com intuito apenas de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga. De forma resumida, será então a movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais. (BRASIL, 1997).

Cabe ressaltar que a legislação de trânsito não se baseia somente no CTB, mas compreende as normas em sentido amplo, representadas pelos atos normativos emanados pelos órgãos de trânsito, em especial as Resoluções do CONTRAN, que complementam o Código de Trânsito.

Vale mencionar, como gênese de todo sistema pátrio, que a CRFB protege o direito à vida e à segurança em seu caput do art. , de forma que trata todos iguais perante a lei, não podendo fazer qualquer distinção, inclusive garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (BRASIL, 1988).

Entretanto, a segurança no trânsito não abrange apenas os aspectos particulares, mas também o dever da prestação de condições seguras como um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito – SNT. Portanto, cabe a cada um adotar as medidas adequadas para salvaguardar a segurança no trânsito, sempre respeitando os limites impostos por suas determinadas competências. (BRASIL, 1997).

Os executivos das maiores empresas automobilísticas do mundo acreditam que o Brasil ocupa atualmente a terceira posição no ranking dos maiores mercados automobilísticos do mundo. Em 2012 a Global Automotive Executive Survey - Managing growth while navigating uncharted routes (Pesquisa Global do Setor automobilístico - Gerindo o crescimento enquanto rotas inexploradas são singradas, em tradução livre), realizou uma pesquisa pela KPMG International. (KPMG, 2012).

Constatou-se que no ano de 2011 o país ocupava a quinta posição entre os grandes mercados para os veículos, onde o Brasil encerrou com cerca de 63 milhões de veículos vendidos, um recorde local, segundo estimativa da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). (id, 2012).

Deflui-se, com o tamanho do crescimento do setor automobilístico no Brasil, que surge também o crescimento dos problemas de fiscalização, como mencionado anteriormente. Atualmente este setor possui diversas formas de garantir que os condutores infratores sejam punidos, podendo exemplificar, câmeras de segurança, radares móveis e fixos.

Em decorrência dessa evolução, os agentes de trânsito nas ruas contam com equipamentos eletrônicos avançados para constatação de infrações ao CTB. Não obstante, mesmo com tamanhos avanços na tecnologia, ainda existe um problema social que repercute principalmente no bolso do cidadão/contribuinte e que está sendo ocasionado pelo excesso de multas, especialmente pelo aludido instituto (multa de trânsito sem abordagem do motorista).

Deste modo, o referido problema tomou proporções gigantescas, haja vista que dificilmente achará um condutor que não levou uma multa, por está sem cinto ou avançar em uma faixa de pedestres, grande parte deste problema deve-se a fragilidade da percepção do agente de trânsito, visto que a autorização assegurada por estes pelo o estado é extraordinária, embasando-se em princípios (fé pública, por exemplo) e a previsão legal do art. 280, § 3º, CTB. (BRASIL, 1997).

4. PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS

Primordialmente é necessário elencar quem são os autores dos atos administrativos passíveis de sofrer a incidência dos efeitos do auto de infração. Logo, o agente público pode ser considerado toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração indireta. (DI PIETRO, 2016).

Assim, o CTB conceitua o agente da autoridade de trânsito, que pode ser considerado através da pessoa civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento. (BRASIL, 1997).

Todo ato realizado pelo ente administrativo através desse agente deve ser regido por diversos princípios, podendo-se elencar alguns, como por exemplo: legalidade, impessoalidade, supremacia do interesse público sobre o privado, indisponibilidade do interesse público, e muitos outros, tornando assim todos seus atos vinculados a estes princípios, até mesmo as sanções administrativas.

Nesse sentido, Rafael Carvalho Rezende Oliveira elucida:

A exteriorização da vontade administrativa pode ocorrer de diversas formas, notadamente por meio de manifestações unilaterais (atos administrativos), bilaterais (contratos da Administração) ou plurilaterais (consórcios e convênios).

O ato administrativo é a manifestação unilateral de vontade da Administração Pública e de seus delegatários, no exercício da função delegada, que, sob o regime de direito público, pretende produzir efeitos jurídicos com o objetivo de implementar o interesse público. (OLIVEIRA, 2017, p. 289).

Quando estudamos os princípios administrativos, é primordial que se inicie com o fundamento de todo o direito público que rege à Administração em todos os seus atos sendo, a Supremacia do Interesse Púbico sobre o Privado, também conhecido como princípio “mãe”, pois dele decorre todos os outros, tendo este o conceito de que há supremacia dos interesses públicos sobre os individuais.

Para demonstrar, conforme expõe o artigo 2º, caput, da Lei n 9.784/99, “atendimento a fim de interesse geral vedado a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei”, deixando claro, por seu turno, que o interesse público é irrenunciável e a administração pública deve exercer por meio de seus poderes a garantia de que este não sofra prejuízo algum. (BRASIL, 1999).

Outro princípio basilar, que é tratado como um dos principais norteadores do ente estatal, a moralidade, que está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ela inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação. No que diz respeito à sua influência na elaboração da lei, é importante fazer menção como uma das distinções que se costuma fazer entre o direito privado e o direito público (e que vem desde o Direito Romano), levando em conta o interesse que se tem em vista de proteger; o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público. (DI PIETRO, 2010).

No texto legal do artigo 37, CRFB, demonstra uma das diversas obrigações da atuação Administrativa, nos âmbitos que seja da sua administração direta ou a indireta, devendo ser observada a atuação norteadora dos princípios administrativos, mencionando, expressamente, sobre o princípio da moralidade. (BRASIL, 1988).

Concluindo que o princípio em questão impõe à Administração não apenas uma atuação legal, devendo esta ser também derivada da moral, ou seja, caracterizada pela obediência à ética, à honestidade, à lealdade e à boa-fé. A moralidade administrativa, portanto, constitui hoje em dia pressuposto de validade de qualquer ato da Administração Pública, obedecendo em toda a sua atuação, os princípios constitucionais (art. 37, CRFB).

Seguindo este pensamento Maria Sylvia Zanella Di Pietro define (2010, p.78):

Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa. É evidente que, a partir do momento em que o desvio de poder foi considerado como ato ilegal e não apenas imoral, a moralidade administrativa teve seu campo reduzido; o que não impede, diante do direito positivo brasileiro, o reconhecimento de sua existência como princípio autônomo.

O principio da boa-fé do ato e do agente é derivado do princípio da moralidade, e deverá ser respeitado em suas atuações, pois é garantidor de uma atuação probo e moral da administração pública. Vale mencionar que este não é um princípio explícito na constituição federal, como tantos outros, pelo contrário, só veio a ter sua previsão legal em 1999 com a entrada em vigor da lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, norteadora do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. (BRASIL, 1999).

Abrange ainda um aspecto objetivo, quando em referência à conduta de forma legal, honesto, e, um aspecto subjetivo, quando diz respeito à crença do sujeito de que está agindo corretamente. Se a pessoa sabe que a atuação é ilegal, ela está agindo de má-fé. (DI PIETRO, 2016)

Em conformidade com o entendimento elencado acima, o principio da boa-fé é extraído implicitamente de dois grandes norteadores administrativos, que são eles a moralidade administrativa e da própria exigência de probidade administrativa que decorre de outros princípios constitucionais.

Conclui-se então que a boa-fé tanto do agente e como da administração são derivados diretamente de todos os norteadores da atuação do ente estatal, tanto constitucionais como previstos em lei federal.

No próprio texto da lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, em seu artigo 2, vislumbra-se a necessidade de obediência atinente à administração pública, que deverá regular-se com base, dentre outros, aos ‘‘princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé. ’’(BRASIL, 1997).

Quanto aos atos administrativos em si, serão revestidos de alguns atributos, dentre os quais estão em foco, presunção de veracidade, auto-executoriedade e coercibilidade. Para tanto, o agente público, em sua acepção genérica, atuando estritamente em função de seu cargo, estará amparado pelas normas que regem sua atividade pública, em outras palavras, os atos de um agente público, quando de natureza administrativa, gozam dos prefalados atributos, inclusive, "presunção de veracidade", ou fé pública. (MEIRELLES, 1993).

A presunção de legalidade implica que ato exarado pela Administração presume-se legal (conforme o direito), valendo até o reconhecimento jurídico de sua nulidade. Em decorrência de sua presumida correção, tem-se a presunção de veracidade do ato: seus pressupostos fáticos são admitidos como verdadeiros até prova em contrário. (GUEDES, 2008).

Assim, partindo-se de tal premissa, é certo dizer que a corrente doutrinária brasileira majoritária, Di Pietro, Meirelles, Oliveira e outros, reconhecem que existe uma presunção de legalidade (também chamada de presunção de veracidade) como um dos principais atributos dos atos da administração pública e, em decorrência dela, presume-se que seus atos sejam verdadeiros e legítimos, tanto em relação aos fatos por ela invocados, como sua causa, quanto no que toca às razões jurídicas que os motivaram a fazê-los.

Entretanto, esta presunção adotada pela doutrina não é absoluta, pelo contrário, é defendida a posição que a presunção dos atos administrativos é relativa, não havendo de concordar com tudo que for alegado.

Nesse sentido, essas tais presunções abrangem dois aspectos: de um lado, a presunção de verdade, que diz respeito à certeza dos fatos a verdade naquilo que foi dito pelo agente portador da fé-pública; de outro lado, a presunção da legalidade, pois, se a administração pública se submete à lei, presume-se, conforme mencionado, até prova em contrário, que seus atos sejam praticados com observância das normas legais pertinentes.

Aí é onde se instaura a problemática, pois, demonstra a dificuldade para que se prove o contrário ao dito pela administração pública, uma vez que a mesma é respaldada por estes princípios. Assim, ‘‘Entre as consequências da presunção de legitimidade, está a transferência do ônus da prova da invalidade do ato administrativo para quem a invoca’’. (MEIRELLES, 1993).

Conforme já mencionado, todo ato administrativo é presumidamente realizado de acordo com o ordenamento jurídico, sendo fielmente embasado na verdade, tornando estes atos dotados de legitimidade e veracidade.

Desse modo, a presunção de legitimidade e de veracidade dos atos administrativos é justificada por várias razões, tais como a sujeição dos agentes públicos ao princípio da legalidade, a necessidade de cumprimento de determinadas formalidades para edição dos atos administrativos, a celeridade necessária no desempenho das atividades administrativas e a inviabilidade de atendimento do interesse público, se houvesse a necessidade de provar a regularidade de cada ato editado etc. Trata-se, no entanto, de presunção relativa (iuris tantum), pois admite prova em contrário por parte do interessado. (OLIVEIRA, 2017).

Então, quando o agente munido do poder estatal pratica o ato administrativo, torna-se praticamente inquestionável, pois além de tais presunções, ainda há de se falar em princípios como a fé-pública e outros aqui já mencionados. Por isso, ‘‘quando o Poder Público propõe uma ação judicial, está dispensado, a princípio, de provar a veracidade dos atos administrativos, invertendo-se o ônus da prova’’. (id, 2017).

Portanto, o que se exprime é que não há de se falar em nulidade do ato administrativo, mesmo quando este, por mais descabido e desordenado que tenha sido, continua com as mesmas presunções, pois tais princípios norteiam todos os atos administrativos.

Não obstante, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 82), sobre o princípio da motivação, ensina:

[...] exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. (apud Direito Administrativo. Editora Atlas. 17.ª edição atualizada com a reforma previdenciária – EC n.º 41/03. São Paulo, 2004. P. 82).

De acordo com o princípio constitucional supracitado, extrai-se a exigência de que todos os atos e decisões da Administração Pública sejam fundamentados. Portanto, a motivação consiste na exposição, por escrito (que é a forma do ato), dos motivos que levaram a realização do ato administrativo. (CUNHA, 2006).

Outro princípio importante é o da proporcionalidade e o da razoabilidade, que estão intimamente ligados ao princípio da moralidade administrativa, e que são implícitos à CRFB. O princípio da razoabilidade ganha, diaadia, força e relevância no estudo do Direito Administrativo e no exame da atividade administrativa. Sem dúvida, este pode ser chamado de princípio da proibição de excessos que, em última análise objetiva, afere a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da administração, com lesão aos direitos fundamentais. (MEIRELLES, 2010).

A atuação administrativa só funcionará de maneira ajustada se seguir os princípios que lhe são próprios, e, de seus cumprimentos, derivarão a qualidade e eficácia do serviço prestado à comunidade.

Menciona-se também o princípio da razoabilidade, que, como o seu próprio nome já diz, é o agir da administração de forma lógica e coerência para qualquer lei, ato administrativo ou decisão jurisdicional. Sendo assim, é através deste princípio que se pode verificar a ocorrência da obediência para com as normas do sistema jurídico e se foram ou não observados seus ditames legais, ‘‘é o que se demanda em uma ciência normativa, como é o direito’’. (NETO, 2014)

A proporcionalidade tem por base o direcionamento pela pertinência, necessidade e pelo fato de que a escolha deve ser feita sobre as primícias que considere todos os interessados e seus interesses na decisão. Servindo de equilibrador entre o direito formal com o direito material ante as exigências evoluções e transformações sociais. (id, 2014)

Outro norteador de suma importância, conforme CRFB, possui como um dos seus princípios basilares a garantia aos litigantes, em processo tanto judicial como administrativo, cabendo aos mesmos principalmente na figura do “acusado”, o contraditório e ampla defesa, a sua não observância pode tornar os atos nulos. (BRASIL, 1988)

Destarte, em respeito esta imposição, o princípio do contraditório, que também é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação. Exigindo a notificação dos atos processuais à parte interessada, além da possibilidade de exame das provas constantes do processo. O direito de assistir à inquirição de testemunhas e também o direito de apresentar defesa escrita. (DI PIETRO, 2007).

Ao mencionar o princípio do contraditório, se faz necessário falar sobre a ampla defesa, conquanto são interligados. Em suma, este é aplicável em qualquer tipo de processo que envolvam situações de litígio ou poder sancionatório do estado, com relação a pessoas físicas ou jurídicas. A Lei nº 9787/99, garante que sejam assegurados os direitos à comunicação À apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos nos processos que possam resultar sanções. (id, 1999).

As normas constitucionais são claras e coesas quanto aos processos judiciais e administrativos, sendo não apenas passível de nulidade, mas também de uma afronta direta ao Estado Democrático de direito a sua não observância. Então, em ambos, devem ser observados o direito a ampla defesa e contraditória.

O princípio da eficiência não possui um conceito propriamente jurídico, mas, sim, de cunho econômico. Adentrou ao ordenamento jurídico através da Emenda Constitucional nº 19, de 04-06-1998 junto aos previstos no art. 37, caput. Também, o princípio da eficiência não qualifica normas, mas qualifica atividades. (BRASIL, 1988).

O princípio é novo e vem da necessidade de melhores resultados no serviço público, sendo o Princípio da Eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Sendo o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e seus membros. (MEIRELLES, 2010).

Entendem-se também em relação ao princípio da eficiência na realidade, observando a existência de dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. (DI PIETRO, 2007)

Portanto, estes princípios (legalidade, moralidade e demais), quando não são observados na elaboração dos atos administrativos, trará um caráter absolutamente ilegítimo e em total desacordo com a legalidade para a atuação do agente, considerado então, improbidade administrativa e o ato dotado de nulidade.

3. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS FRENTE AO ARTIGO 280 CTB.

Após esta o presente análise destes princípios regentes, há de se questionar o quão abrangente e ilimitado são os poderes administrativos, visto que seus atos são praticamente dotados de verdades absolutas.

Quando se analisa os institutos trazidos pelo artigo 280 do CTB, é importante ressaltar algo, tendo em vista que não necessariamente é obrigatória à abordagem do motorista. Então, como realmente saber então se apenas o condutor estaria realmente errado.

É possível comparar a abordagem com um “flagrante”, o que daria uma real efetividade do auto de infração, mas não ocorrendo dessa forma, há de se questionar qual a real efetividade da multa em vista que ela pode ser realizada apenas pela própria declaração do agente. Num aspecto ampliado, surge a seguinte pergunta: ‘‘Como o agente munido apenas de sua visão pode ter a certeza quase que absoluta que o condutor cometeu ou está cometendo alguma infração? ’’

É importante ainda, de forma preliminar, reproduzir o artigo do Código de Trânsito Brasileiro e buscar alguns questionamentos sobre o contido no seu texto legal. O artigo 280 do CTB, demonstra como deverá ser feita a aplicação do auto de infração. Neste, em seu § 3º, prevê que “Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte”. (BRASIL, 1997).

Vale mencionar que os incisos I, II e III, do mesmo artigo são direcionados a: “tipificação da infração”, “local, data e hora do cometimento da infração” e “caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação”.

O artigo seguinte (art. 281, CTB) trata da análise da consistência do auto de infração e aplicação da penalidade cabível. Ou seja, autuação é o documento (auto de infração) que o agente de trânsito preenche na rua quando observa que alguém desrespeitou alguma regra de trânsito. (BRASIL, 1997).

Alguns pontos do aludido artigo devem ser questionados, para que se inicie a comparação com os princípios anteriormente comentados. O artigo 280 do CTB vem falar sobre quando acontecer o descumprimento das normas de trânsito, como deve ocorrer a sanção administrativa e, além disto, nos incisos I ao VII está elencado o que deve constar no auto de infração. (BRASIL, 1997).

Na parte inicial do artigo relata a possibilidade de o agente comprovar a infração por “declaração” do agente ou autoridade de trânsito, o que se questiona é: qual o limite da legitimidade da declaração do agente administrativo; qual o limite da capacidade probatória desta declaração; e porque é admitida a declaração como meio probatório se consta na parte final do parágrafo outros tantos meios probatórios autorizados pelo CONTRAN. (possui, inclusive, capacidade probatória objetiva – filmagens, fotos, etc).

Neste momento é nítida a atuação dos princípios administrativos como presunção de veracidade e legitimidade, da boa fé do ato administrativo realizado pelo agente, pois no momento da autuação o agente esta agindo munido dos poderes estatais e protegido por todos os princípios a ele inerentes. Necessário ainda ressaltar que o auto de infração realizado pelo agente de trânsito pode ser discutido administrativamente.

A presunção de legalidade implica que ato exarado pela Administração presume-se legal (conforme o direito), valendo até o reconhecimento jurídico de sua nulidade. Em decorrência de sua presumida correção, tem-se a presunção de veracidade do ato: seus pressupostos fáticos são admitidos como verdadeiros até prova em contrário. (GUEDES, 2008). Nesse sentido, entre as relações as consequências da presunção de legitimidade estão a transferência do ônus da prova da invalidade do ato administrativo para quem a invoca. (MEIRELLES, 1993).

O estudo chave desta pesquisa está diretamente ligado aos meios utilizados pelo ente administrativo responsável pela emissão das sanções administrativas para os condutores infrators, com enfoque no instituto da multa realizada sem abordagem pelo agente de trânsito, possuindo previsão legal no artigo 280 do CTB. (BRASIL, 1997).

Outro aspecto relevante de ser observar é a prevalência do princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos que se aplicam tanto em favor do Estado nos processos administrativos, como dos particulares na figura dos agentes administrativos, de maneira que conjugado com os princípios da boa-fé e da segurança jurídica pode, por exemplo, impedir ou atenuar a geração de efeitos da declaração da nulidade de um ato administrativo que o tenha beneficiado. (MENDES, 2010)

Logo, a fragilidade desse instituto é imensa, pois o agente ainda é, acima de tudo, um ser humano, e como tal, é passível de erro, e, estes princípios mascaram a possibilidade do erro humano, onde o posicionamento doutrinário tradicional critica o ônus probante quanto à presunção de veracidade do ato administrativo, pois, o mesmo se transfere ao particular não apenas o ônus de impugná-lo, mas de fazer prova de sua invalidade ou não veracidade.

Quando este ônus de provar que estava agindo de forma correta no momento se torna muito mais oneroso para o condutor do que seria para o ente administrativo provar que o mesmo estaria errado.

Quanto ao processo administrativo, é pressuposto de uma atividade administrativa transparente, na qual seja possível perceber as linhas de atuação do poder público e seus desvios. (FERRAZ, 2014).

Acerca disso, tende-se a observa que a verdadeira democracia passa pela abertura e democratização do Estado, com o estabelecimento de um processo administrativo efetivo, no qual o cidadão possa ter reconhecidos seus direitos em face da administração. (COSTA, 2003)

Entretanto, cabe destacar que, em sentido frontalmente contrário a tal presunção de culpa, prevê a Constituição Federal, em seu art. , inc. LV c/c com inc. LVII, o princípio da presunção de inocência. Esse princípio é corolário do princípio do devido processo legal, e impõe ao órgão acusador “o ônus substancial da prova” da ilicitude alegada. (BRASIL, 1988).

Importante salientar que quando se compara as litigâncias, o Direito Administrativo frente ao cidadão com outros ramos do direito, como por exemplo, direito do consumidor, direito penal e outros, o direito favorece a parte hipossuficiente, a “mais fraca” ou a que mais possui meios de provar, que deve fazê-lo.

No direito do consumidor em todos os contratos quando colocamos na balança, a parte mais fraca é favorecida por reconhecer que não está em pé de igualdade. Ao observar o direito penal com princípios norteadores de favorecimento ao acusado como o favor rei e favor libertar e a própria regra de julgamento indubio pro réu quando insuficiente dos meios probatórios, o juiz absolve o acusado por falta de provas.

Já nas relações de emprego resguardadas pelas Consolidações das Leis do Trabalho - CLT, é reconhecido que o empregado é parte menos favorecida da relação de emprego, assim, o juiz, observa na hora de julgar quem possui formas mais efetivas de comprovar os fatos, e, a estes, devem ser usados para ambos os lados, inclusive obrigando o empregador muitas vezes a fornecer provas que favoreçam a própria parte contraria.

Em contraponto, somente no Direito Civil, nas relações contratuais, é observado que as duas partes estão em pé de igualdade, conquanto aquilo que é pactuado deve ser cumprido.

Foi necessário que expusesse esses pontos para que possa comparar ao Direito Administrativo, que conforme mencionado anteriormente quando os litigantes são o cidadão contra o Estado, é nítida a hipossuficiência daquele, uma vez que não possui meios eficientes de provar o alegado pelo agente, vez que, ao contrário dos outros ramos do direito, o alegado pelo ente Estatal não deve ser provado, quem deve buscar meios de prova é o cidadão.

Utilizando de exemplo uma situação hipotética, é lavrado um auto de infração por descumprimento da norma que obriga a utilização de cinto de segurança ao dirigir um veiculo, quando o cidadão litiga para se defender, ele deve provar que no momento em questão ele estava de cinto, como comprovar tal alegação?

Por outro lado, observando que o Estado possui, conforme resolução do CONTRAN, que elenca vários equipamentos utilizados pelos agentes de trânsito, como por exemplo, radares, câmeras e etc., então se questiona a quem é mais viável a provar o alegado?

Ainda, como meio de defesa do condutor, a administração pública disponibiliza um recurso administrativo, que nada mais é que um formulário preenchido e enviado ao órgão para as multas de trânsito, assegurando assim a defesa conforme os artigos 280, 281 e 285 do CTB, Resoluções 299/08 e 404/12 do CONTRAN, da Lei Federal 9.784/99, e CF/88.

Para interpor esta defesa em questão, o cidadão deve observar a padronização dos procedimentos para apresentação de defesa de autuação e recurso, em 1ª e 2ª instâncias, contra a imposição de penalidade de multa de trânsito”, e é a partir dela que vamos começar. (CONTRAN, 2008).

Instituto este que nasce para não ter uma real efetividade, pois o problema é que a grande maioria das defesas ou recursos de multas de trânsito não se ganhas, porque o cidadão não cometeu a infração, mas sim, por erros processuais e formais cometidos pelos órgãos de trânsito, como por exemplo, o envio da notificação da autuação fora do prazo de 30 dias conforme inciso II do Art. 281 do CTB. Pois é nítida a dificuldade do condutor em comprovar que não cometeu tal ato. Então como um cidadão com nenhum ou muito pouco conhecimento a respeito das maneiras de se anular uma multa de trânsito poderá anular um auto de infração. (BRASIL, 1997).

Contudo, a falta de conhecimento dá legislação faz com que o condutor se justifique na defesa algo relacionado ao cometimento ou não. Sendo assim vai dizer que não cometeu a infração porque a culpa foi de outro motorista, ou porque não viu a placa, ou talvez porque o policial estava agindo de má fé.

Então este recurso é apenas um meio de defesa assegurado ao condutor infrator para que seja garantido o contraditório, mas notoriamente mitigado, sendo que na prática, torne-se quase inutilizado por não percebermos meios realmente efetivos para que o condutor prove que estava agindo de forma correta. A dificuldade para o condutor provar que estava correto é quase que impossível, tornando ele uma parte hipossuficiente por assim dizer, comparando com a administração pública.

Conforme o artigo 373 da Lei 13.105/2015 – código de processo civil, que dispõe sobre o ônus da prova a parte sobre a qual recairá o ônus de provar determinados fatos, segundo a sua posição no processo, de modo que ao autor caberá provar o fato constitutivo de seu direito, enquanto que, ao réu, somente quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos do autor.

Diferentemente, com relação aos atos administrativos, por terem a presunção de veracidade e legalidade, trata-se de presunção juris tantum (presunção relativa), admitindo prova em contrário. Mas o seu efeito prático é a inversão do ônus da prova, cabendo assim, na esfera administrativa, ao administrado comprovar que o ato não é legal. (BRASIL, 2015).

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MULTA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE, LEGITIMIDADE E VERACIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUTOS COM PROVAS SUFICIENTES E AUSÊNCICIA DE PREJUÍZO PELA NÃO JUNTADA DE CÓPIA INTEGRAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE IMPOSIÇÃO DA MULTA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE AFASTADA. Os atos administrativos se presumem legítimos legais e verídicos. Assim, a conclusão inafastável é de que compete ao administrado realizar a prova em sentido contrário, não à entidade pública comprovar a veracidade dos fatos que geraram a multa e a legalidade do seu procedimento. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70038471819, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Claudia Cachapuz, Julgado em 26/11/2015).

(TJ-RS - AC: 70038471819 RS, Relator: Maria Claudia Cachapuz. Data de Julgamento: 26/11/2015, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/12/2015).

Inverte, sem dúvida nenhuma, o ônus de agir, já que a parte interessada é quem deverá provar, perante o Judiciário, a alegação de ilegalidade do ato; inverte‐se também, o ônus da prova, porém, não de modo absoluto: a parte que propôs a ação deverá, em princípio, provar que os fatos em que se fundamenta a sua pretensão são verdadeiros. Porém isto não libera a Administração de provar a sua verdade, como a própria lei prevê em várias circunstâncias, quando ocorre à possibilidade de o juiz ou o promotor público requisitar da Administração documentos que comprovem as alegações necessárias à instrução do processo e à formação da convicção do juiz (DI PIETRO, 2008).

Entre os institutos centrais das relações de direito público que demandam uma cuidadosa reavaliação está à presunção de veracidade dos atos administrativos, que, apesar de não contar com fundamentação legal específica, ainda é considerada o “fantasma que apavora quem litiga com a Administração”.

Diz, ainda, que por se tratar de uma presunção que não ostenta qualquer respaldo legislativo especialmente após a redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, a presunção de veracidade deve ser analisada com certa “suspeita”, promovendo-se sua cautelosa oposição a outros valores e princípios administrativos, estes sim, expressos no ordenamento jurídico. (GUEDES, 2008)

Portanto, quando se analisa os processos administrativos, a presunção de veracidade da forma como temos hoje e com o amparo da autoexecutoriedade só ajuda no desvio de finalidade e abuso de poder por parte da Administração Pública, que independe da motivação dada ao ato administrativo; goza de presunção de veracidade, cabendo ao administrado, hipossuficiente, provar que a ação administrativa foi ilegal e abusiva. Assim, a relação entre cidadão e Administração não pode mais se fundamentar num ato de fé, calcado unicamente na condição de autoridade pública do agente, e conclui: “ao contrário, ela deve primar pela razão, pela prevalência da verdade e da transparência no processo” (GUEDES, 2007).

Portanto, em se tratando de processos administrativos, nestes casos, há de se perguntar se não ocorre certa mitigação do principio da ampla defesa, tendo vista que nestes processos, mesmo que assegurada a defesa técnica e autodefesa, o ônus probatório continua sendo do acusado em demonstrar que não realizou o ato infrator, corroborando, por certo, na injustiça presente na situação do § 3º, art. 280, CTB.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo dos estudos realizados e com base nos doutrinadores renomados do direito administrativo Brasileiro, como bem citado no corpo desta pesquisa, seguiu-se a mesma corrente de pensando defendida por eles.

Assim, a corrente majoritária segue pelo prisma de questionar a administração pública na sua atuação direta e indireta, no prisma de seus atos possuírem certezas e absolutismos exacerbados, ou além da conta.

Para tanto, é importante ressaltar que os questionamentos levantados não têm o condão de afrontar a veracidade dos atos da administração pública, pelo contrário, o intuído é de apenas pontuar um setor, que ao olhar majoritário da doutrina e na visão social, é questionável e bastante fragilizado.

Como visto, os atos administrativos de forma geral são norteados por diversos princípios, sendo estes inerentes a todos os seus atos, assim como, por exemplo, a supremacia do interesse público comumente chamado de “mãe” de todos os princípios. Mas, nem mesmo este pode ter sua aplicação de forma absoluta, sob pena de agir em descompasso com a justiça.

Ao analisar os atos administrativos não deveríamos analisar com óticas absolutistas ou certezas absolutas em suas praticas, mas ao colocar esta análise em um foco mais realista, é evidente que esta relação é totalmente vertical para administração pública.

Uma vez existentes princípios como, veracidade e legitimidade, e a escarces de meios probatórios para o cidadão, à ampla defesa demonstra-se mitigada, principalmente quando o foco de análise é no âmbito da defesa administrativa.

Logo, há a dificuldade de praticar os atos probatórios de defesa pelo acusado, conquanto o Estado possui diversas outras formas de comprovar que o então condutor infrator praticou estes determinados descumprimentos alegados no auto de infração.

Sendo assim, é pretendido por este artigo apenas demonstrar a tamanha fragilidade na relação do cidadão com o ente estatal, uma vez que é nítida a “desvantagem” do condutor. Portanto, é necessário que exista um maior equilíbrio na dada relação.

Na relação, estado contra condutor infrator, este claramente é a parte fragilizada da relação. Portanto, os meios de provas não deveriam ser impostos ao cidadão, vez que a administração em todo o seu poderio tem a possibilidade, através de diversos meios eletrônicos e técnicos - conforme a Resolução Nº 432, de 23 de janeiro de 2013 do CONTRAN, de construir as provas das alegações dadas por seu agente fiscal, neste caso, agende de trânsito, não se falando assim, em inversão de ônus probante.

De forma lógica, é injusto obrigar o cidadão fraco da relação, a quem é praticamente impossível fazer a prova de sua inocência, a prová-la. Assim sendo, é de se questionar se está existindo uma busca pela real efetividade para que se tenha uma relação mais justa e equilibrada do ente administrativo com o contribuinte.

Logo, em sede de finalização deste artigo, levanta-se a pergunta mater: É justo ou é necessário que se inverta o ônus probante nos processos administrativos? Pelo visto aqui, fica claro que é injusto que o cidadão dotado de tamanha hipossuficiência tenha que buscar meios comprobatórios para comprovar sua inocência, ou é necessário que este o faça para que se torne mais “fácil” para administração pública culpar o cidadão.

Ficou claro pelos fatos aqui expostos que não a situação não pode se manter, conquanto o cidadão não tem capacidade de enfrentar a máquina pública com toda sua imensidão e poderio, devendo haver, portanto, uma reformulação nesta sistemática afim de balancear esta relação cidadão/administração pública.

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[1] Acadêmico do 10º Período do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins. E-mail: henriquepaivasantos@hotmail.com

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