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24 de Maio de 2024

O Pressuposto Cautelar da Garantia da Ordem Pública nas Prisões Preventivas da Operação Lava-Jato

Publicado por Vitor Pacheco
há 5 anos

Em 17 de março de 2014 foi deflagrada a primeira fase da Operação Lava-Jato no Estado do Paraná. Em 23 de novembro de 2018, a operação alcançou a sua 56ª fase, com desdobramento das investigações em trâmite também em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

Conforme informações oficiais da página eletrônica do Ministério Público Federal do Paraná, no primeiro grau de jurisdição foram realizadas 82 acusações em face de 347 pessoas diferentes. Foram firmados 176 acordos de colaboração premiada com investigados e acusados, nos quais foram ajustados a entrega de 12,3 bilhões de reais. Além disso, foram firmados onze acordos de leniência e um termo de ajustamento de conduta.

Nas ações penais decorrentes da operação, foram proferidas sentenças que somam 215 condenações de 140 pessoas pelos crimes de corrupção [envolvendo pagamento de propinas que alcançam 6,4 bilhões de reais], crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro, tráfico internacional de drogas, organização criminosa, entre outros.

Em 2.476 procedimentos realizados, foram realizados, até a 56ª fase da operação, 550 pedidos de cooperação internacional, bem como foram expedidos 1.140 mandados de busca e apreensão, 227 mandados de condução coercitiva, 152 mandados de prisões temporárias, seis prisões em flagrante e 128 mandados de prisões preventivas.

Realizou-se a repatriação de valores que alcançam 846,2 milhões de reais, havendo bloqueio de bens no valor de 3,2 bilhões de reais.

Além disso, também foram feitas nove acusações de improbidade administrativa em desfavor de cinquenta e duas pessoas físicas, dezesseis empresas e um partido político, nas quais se requer o pagamento de 14,9 bilhões de reais.

Tais números são reveladores de uma investigação inédita em magnitude na história do país, reveladora de um esquema criminoso igualmente sem precedentes, com envolvimento da alta cúpula do Poder Executivo e do Poder Legislativo com empresários de grande poder econômico.

Trata-se, portanto, de investigação de atividades praticadas por uma criminalidade altamente sofisticada, e isso dificulta sobremaneira a produção da prova de autoria e materialidade dos crimes. A Operação Lava-Jato vem revelando que agentes do Estado, no exercício de funções de relevo e com significativo poder de atuação, se envolveram habitualmente em crimes graves, com produção de relevantíssimos prejuízos à Administração Pública e à Ordem Econômica, notadamente na administração da empresa pública Petrobrás.

É nesse contexto que se faz a análise dos fundamentos justificadores das prisões preventivas lastreadas na garantia da ordem pública, já que a imensa maioria dos investigados e acusados não contam – ou contavam - com antecedentes criminais, e que os crimes praticados não envolveram violência física, circunstâncias que comumente são utilizadas pela jurisprudência para justificar a segregação com base neste pressuposto de cautela.

Não faltaram vozes dizendo que as segregações cautelares estavam sendo utilizadas como mecanismo à obtenção de colaborações premiadas a serem feitas pelos acusados [notadamente pela dificuldade na descoberta dos crimes e das condutas individualizadas dos membros das organizações criminosas], e que o pressuposto da garantia da ordem pública, não tendo seu conteúdo claramente delimitado na lei, estava sendo utilizado para este fim.

O Judiciário, porém, refutou as alegações, fazendo-o sob os fundamentos repetidamente inscritos em centenas de decisões judiciais, como exemplo, decisão proferida nos autos dos habeas corpus 5031258-66.2015.4.04.0000/PR, impetrado em favor do acusado Marcelo Bahia Oderecht e julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em relatoria do Desembargador João Gebran Neto, cujo julgamento ocorreu em 07 de outubro de 2015, verbis:

Os acordos de colaboração são tratados exclusivamente entre o Ministério Público Federal e a as defesas, cabendo ao Judiciário tão somente a sua homologação. Desse modo, não soa correta a afirmação de que as prisões preventivas são utilizadas como ferramenta para forçar o paciente a delatar outros envolvidos no esquema. A rigor, ainda que muitas vezes a liberdade provisória esteja inserida no acordo, é mais razoável crer que aquele que adere à delação busca, com mais ênfase, um benefício futuro. Por vezes com redução da pena, outras com limitação ao seu regime de cumprimento ou, até mesmo, com repatriação de valores apreendidos.
Como já assentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC nº 127.483/PR, os acordos de delação premiada têm natureza de negócio jurídico processual, cujo objeto insere-se dentre os direitos disponíveis, de maneira que não há como vincular a manifestação de vontade do colaborador com eventual segregação cautelar. Tal tese defensiva vem sendo constantemente rechaçada por este Tribunal, como demonstra o histórico de aproximadamente duas centenas de impetrações.

No mesmo sentido, veja-se trecho da decisão monocrática do juiz Sergio Moro, de decretação da prisão preventiva do ex-ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu e de Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura, nos autos de representação da Polícia Federal, autuado sob nº 5031859-24.2015.4.04.7000/PR

Refuto, de antemão, qualquer questionamento quanto ao propósito da prisão preventiva. A medida drástica está sendo decretada com base na presença dos pressupostos e fundamentos legais e para prevenir reiteração delitiva e interferências na colheita das provas. Em qualquer caso da assim denominada Operação Lava-Jato, jamais este Juízo pretendeu com a medida obter confissões involuntárias.
O direito ao silêncio, garantia fundamental, sempre foi resguardado e o fato de alguns acusados terem celebrado acordo de colaboração com o Ministério Público Federal é uma possibilidade legal que não tem relação necessária com a prisão cautelar, o que pode ser ilustrado pelo fato de acusados, tanto presos, como soltos (v.g. Pedro Barusco, Augusto Mendonça e Júlio Camargo), terem recorrido ao instituto.

Da leitura do trecho da decisão, cumpre destacar que a jurisprudência das Cortes Superiores, antes mesmo da edição da Lei 12.403/2011, se firmou no sentido de delimitar a garantia da ordem pública ao risco de reiteração criminosa, evidenciado na gravidade concreta do crime [forma de execução] e nos antecedentes do indiciado ou acusado.

A referida lei trouxe ao Código de Processo Penal a definição de ordem pública como pressuposto de cautela, dispondo sobre hipóteses de decretação de medidas cautelares para evitar a prática de infrações penais, conforme se vê do art. 282, I, do diploma processual. A partir da alteração legislativa, então, se pode entender que os limites da garantia da ordem pública estão delimitados pela interpretação do art. 282, I do CPP, em conjunto com o art. 312, do mesmo diploma.

Considerando que anteriormente à Operação Lava-Jato foram proferidas varias decisões de decretação de prisão preventiva fundamentadas na garantia da ordem pública em razão do clamor social, credibilidade do Poder Judiciário, periculosidade do agente, risco de reiteração delitiva e gravidade do crime, para identificar a interpretação dos fatos em relação à garantia da ordem pública, de forma aleatória foram analisadas algumas decisões de imposição de prisão preventiva, proferidas em primeiro e em segundo grau, e também nas Cortes Superiores, a fim de se descobrir a referida operação trouxe ou não uma novidade no campo das prisões cautelares.

Observou-se que os fundamentos utilizados se aproximam da jurisprudência já consolidada nas Cortes Superiores sobre os limites da ordem pública como pressuposto de cautela [evitar reiteração criminosa], ainda que, em algumas destas decisões, se diga expressamente que a gravidade dos fatos revelados nas investigações da Operação Lava-Jato justifica a necessidade de revisão dos limites conceituais do pressuposto de cautela da garantia da ordem pública.

A decisão proferida em 07 de outubro de 2015 pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no habeas corpus impetrado contra a decretação de Marcelo Bahia Odebrecht [nº 5031258-66.2015.4.04.0000/PR], contém fundamentação que, em boa parte, foi reiterada pela Corte Federal em outras tantas ações constitucionais impugnando a segregação cautelar imposta em primeiro instância.

Nesta decisão, a magnitude dos fatos revelados pela investigação causou perplexidade no Judiciário e na sociedade brasileira, restando evidente que além do risco de reiteração criminosa - deduzido pela forma de realização dos crimes envolvendo grandes cifras e pessoas com grande poder econômico e político - também a comoção social [perplexidade com o esquema de corrupção instalado] justificariam a prisão preventiva para a garantia da ordem pública. Neste ponto, os julgadores destacaram que," a singularidade do presente caso está a exigir que se estabeleça um novo standard quanto à aplicação do instituto da prisão preventiva e das demais medidas cautelares”.

De parte da fundamentação empregada se extrai a preocupação de que o esquema, criado no seio do alto comando dos Poderes Legislativo e Executivo, em conluio com empresas de grande porte econômico, tenha afetado o próprio sistema democrático.

Esta perplexidade foi, inclusive, noticiada no site do Supremo Tribunal de Justiça, provocado em ações de habeas corpus e em recursos ordinários constitucionais contra decisões de manutenção de prisões preventivas e outras medidas adotadas pelas instâncias inferiores. A notícia também foi utilizada em algumas decisões proferidas pelo TRF da 4ª Região, em julgamento de habeas corpus contra as decisões do Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.

É nessa linha de entendimento sobre a gravidade e magnitude dos fatos revelados na Operação Lava-Jato que o STJ vem mantendo as segregações com base na garantia da ordem pública, reconhecendo o risco de reiteração criminosa em razão do “modo sistemático, habitual e profissional dos crimes praticados contra a Administração Pública Federal, que indicam verdadeiro modus operandi de realização de negócios com a Administração Pública, gerando grande prejuízo aos cofres públicos.”

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. ARTIGOS , CAPUT E § 4º, INCISOS II, III, IV E V, C.C. , § 1º, DA LEI 12.850/2013, 333, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL (106 VEZES), E 1º, CAPUT, DA LEI 9.613/1998 (54 VEZES). OPERAÇÃO" LAVA JATO ". ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...].
V - Não se pode olvidar, ademais, o fundado receio de reiteração delitiva, tendo em vista que o paciente seria integrante de organização criminosa voltada para o cometimento de ilícitos de corrupção e lavagem de ativos em contratações realizadas com o Poder Público, o que justifica a imposição da medida extrema no intuito de interromper ou diminuir a atuação das práticas cartelizadas realizadas em prejuízo de grandes licitações no país. Neste sentido, já decidiu o eg. Pretório Excelso que"A necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva"(HC n. 95.024/SP, Primeira Turma, Relª. Ministra Cármen Lúcia, DJe de 20/2/2009).
VI - Mostra-se insuficiente a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP, quando presentes os requisitos autorizadores da prisão cautelar, como na hipótese." [STJ - HC 332.586/PR - 5ª Turma do STJ - Rel. Min. Felix Fischer - por maioria - 10/12/2015].

Do voto condutos do acórdão, da lavra do Ministro Félix Fischer, se constata de modo claro que além da pretensão de inibir a continuidade do esquema criminoso, a manutenção da prisão pela garantia da ordem pública também alcança a comoção social [lembrando que o STJ, em casos diversos da Lava-Jato, rechaçava a possibilidade de inserir na garantia da ordem pública o clamor popular]. No voto, e eminente julgador declarou que “a sociedade reclama dos políticos, das autoridades policiais, do Ministério Público e do Judiciário ações eficazes para coibir a corrupção e para punir exemplarmente os administradores ímprobos e todos os que estiverem, direta ou indiretamente, a eles associados”.

De tal trecho da decisão, se pode inferir que também a credibilidade das Instituições aparece como preocupação para justificar a manutenção das prisões, ainda que não de modo expresso.

E o STJ, no âmbito da Lava-Jato, mantém coerência nas decisões, acolhendo como corretos os fundamentos que, na Corte de segunda instância, são utilizados para respaldar as decisões de primeiro grau [assim se vê, v.g., em julgamentos como do HC 339.037/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma do STJ, do RHC 62.394/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma do STJ e do HC 330.283/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma do STJ].

Assim, resta claro que a garantia da ordem pública, no âmbito da Operação Lava-Jato, continua sendo compreendida como medida de cautela tendente a evitar a reiteração criminosa, revelada, no caso, pela habitualidade, organização e dimensão econômica dos crimes, bem como pelo poder político e econômico dos investigados.

Mas além disso, também se pode deduzir das fundamentações judiciais que as prisões também são utilizadas para conter a comoção popular, ainda que, nesse ponto, haja mais discrição para inserção deste fato concreto [a comoção popular] no conceito de ordem pública. O que não se pode dizer é que este fundamento não consta, nem subliminarmente, nas decisões.

No primeiro grau de jurisdição, o juízo da 13ª Vara Federal [onde tramitam as investigações da Lava-Jato] chegou a utilizar, como fato adequado à garantia da ordem pública, a credibilidade do Poder Judiciário. Essa pretensão não vinha sendo admitida como pressuposto de cautela na jurisprudência das Cortes Superiores até o ano de 2012 [em que o STF reconheceu que a garantia da ordem pública se refere a evitar a reincidência do acusado] ainda que tenha o juízo monocrático utilizado uma decisão da lavra da ex-ministra Ellen Grace para subsidiar o seu entendimento.

Na decisão proferida pelo juiz Sérgio Moro ao acolher a representação pela prisão preventiva do ex-ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, apresentado pela Polícia Federal [autuado sob nº 5031859-24.2015.4.04.7000/PR], o magistrado fez expressa referência à decisão emanada pelo STF.

Esta decisão de segregação, proferida em 27 de julho de 2015, foi mantida e segundo grau e no STJ, sendo a medida substituída por medida cautelar diversa da prisão no STF em 02 de maio de 2017. Em habeas corpus de relatoria do falecido ministro Teori Zavascki, a Corte entendeu que o risco de reiteração criminosa não se revelava no caso, eis que o fato concreto indicativo deste risco não era contemporâneo à decisão [ou seja, a prisão foi decretada meses depois de o acusado ter recebido, em tese, valores que seriam propinas acertadas com empresários que mantinham contratos com a Administração Pública].

As decisões que determinam ou que mantém a prisão preventiva, como garantia da ordem pública, no âmbito da Operação Lava-Jato, vem exigindo que o risco de reiteração criminosa esteja demonstrado, ainda que outros fundamentos a este risco sejam agregados [clamor popular e credibilidade das Instituições].

Assim, infere-se que de fato há uma inovação na aplicação da medida cautelar ora em tela, no sentido de que os fundamentos deixados de lado voltaram a ser utilizados, mas sempre agregados com o risco de reiteração criminosa, a qual deverá ser demonstrada tal e qual exigida na lei processual e na jurisprudência já consagrada, sob risco da segregação não se sustentar.

Se houver – e de fato, parece haver -, num segundo plano, a intenção de forçar o indiciado ou acusado à colaboração premiada, mesmo assim as decisões precisam se fundamentar no risco de reiteração criminosa.


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