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23 de Maio de 2024

Responsabilidade Civil dos Hospitais

Publicado por Daniel Lajst
há 8 anos

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS HOSPITAIS

A Responsabilidade Civil tem seu fundamento no fato de que ninguém pode lesar interesse ou direito de outrem. Descreve o artigo 927 do Código Civil brasileiro que “aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” e segue em seu parágrafo único “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DE HOSPITAL - Extravasamento de soro nutricional em membro inferior de recém-nascida prematura, causando-lhe necrose e consequente intervenção cirúrgica reparadora - Existência de nexo causal entre o evento e as cicatrizes, deformidades e sequelas - Responsabilidade civil do hospital, decorrente de conduta culposa de preposta auxiliar de enfermagem, que somente percebeu o ocorrido algumas horas depois de iniciar a alimentação endovenosa da pequena paciente - Tarefa que, por sua delicadeza e frequentes problemas decorrentes da fragilidade capilar das veias de recém nascido prematuro, é de incumbência de enfermeiras e não de meras auxiliares - A previsibilidade de soltar-se o soro exigia vigilância atenta de profissionais, o que não ocorreu no caso presente - Condenação da ré ao pagamento de danos materiais e morais - Critérios de fixação dos danos morais - Recurso provido, para o fim de julgar parcialmente procedente a ação”. (Apelação nº 392726-4/3-00, Des. Rel. Francisco Loureiro, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, j. 29/08/2008).

A ideia de responsabilidade civil vem do princípio de que aquele que causar dano à outra pessoa seja ele moral ou material deverá restabelecer o bem ao estado em que se encontrava antes do seu ato danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível, deverá compensar aquele que sofreu o dano.

Maria Helena Diniz assim define a responsabilidade civil:

“A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. Pag., 34, Vol.7. 17ºed. São Paulo: Saraiva, 2003).

RESPONSABILIDADE CIVIL DE HOSPITAL3. Alta precoce da autora, recém-nascida, que redundou no diagnóstico tardio de icterícia. Danos neurológicos irreversíveis decorrentes do tratamento ministrado em estágio já avançado da doença. Laudo pericial que atestou ser recomendação internacional a concessão de alta médica ao bebê após 03 dias do parto, justamente para o fim de evitar intercorrências como a verificada no caso em tela. Autora que apresenta déficit intelectual e motor, dificuldades na fala e reduzida capacidade auditiva em virtude da icterícia identificada tardiamente. Responsabilidade civil do hospital requerido pela imprudência de seus médicos, que não agiram com a cautela devida ao conceder alta à requerente no dia seguinte ao seu nascimento. Indenização por danos morais que comporta redução para o valor de R$ 90.000,00. Pensão mensal vitalícia devida, em virtude da incapacidade laboral parcial, mas permanente, causada à autora. Pensionamento que deve incidir a partir da data em que a menor completou 14 anos, idade a partir da qual poderia trabalhar na condição de aprendiz e perceber rendimentos. Recurso parcialmente provido. (Apelação nº 0043929-86.2006.8.26.0224, Des. Rel. Francisco Loureiro, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, j. 21/07/2011).

De regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que o causou. O ato ilícito gera o dever de compensação da vítima, mas nem toda obrigação de indenização deriva de ato ilícito. Não se cogita indenização e dever de reparação somente nos casos em que haja conduta injurídica causadora de dano, a responsabilidade civil pode ter origem na violação de direito que causa prejuízo a alguém, desde que observados certos pressupostos.

Neste sentido, afirma Silvio de Salvo Venosa:

“Na realidade, o que se avalia geralmente em matéria de responsabilidade é uma conduta do agente, qual seja, um encadeamento ou série de atos ou fatos, o que não impede que um único ato gere por si o dever de indenizar. No vasto campo da responsabilidade civil, o que interessa saber é identificar aquele conduto que reflete na obrigação de indenizar. Nesse âmbito, uma pessoa é responsável quando suscetível de ser sancionada, independentemente de ter cometido pessoalmente um ato antijurídico. Nesse sentido, a responsabilidade pode ser direta, se diz respeito ao próprio causador do dano, ou indireta, quando se refere a terceiro, o qual, de uma forma ou de outra, no ordenamento, está ligado ao ofensor.” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Pag. 12, Vol.4. 3ºed. São Paulo: Atlas S. A., 2003).

Quando se trata de responsabilidade civil, a conduta do agente é a causadora do dano, surgindo daí o dever de reparação. Para que se configure o dever de indenizar advindo da responsabilidade civil, deverá haver o nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente, caso contrário não restará configurado o dano, como já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

"RESPONSABILIDADE CIVIL DOS HOSPITAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEMORA NO ATENDIMENTO. ALEGAÇÃO DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL ENTRE O FATO E O SUPOSTO DANO. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.

Trata-se de relação de consumo, ex vi do disposto nos arts. e do Código de Defesa do Consumidor, impondo ao fornecedor de serviços a responsabilidade civil objetiva. 2. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. 3. O fornecedor de serviço somente não será responsabilizado quando provar a inexistência do defeito ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 4. Na hipótese dos autos, alegam os apelantes que em 05/03/2008 o primeiro autor sentiu fortes dores abdominais, sendo levado por seu pai, ora segundo autor, ao Hospital réu. Acrescentam que chegando às dependências solicitou atendimento urgente, sendo que permaneceram cerca de 1 hora esperando, motivo pelo qual retiraram-se do local buscando atendimento em outro Hospital. 5. De fato, o apelante não logrou produzir provas no sentido de demonstrar a existência da falha na prestação de serviço alegado ou do nexo causal entre o fato e o suposto dano, tendo em vista que o Hospital não se recusou a prestar atendimento. 6. No caso concreto, embora cause angustia o pai ver seu filho doente, aguardando por um atendimento enquanto sente dores, tal abalo não tem nexo causal com a atitude do réu que seguiu os procedimentos adequados, posto que na emergência havia outros pacientes que também precisavam de atendimento. 7. Desprovimento do recurso”.(Apelação nº 20322-32.2007.8.19.0021, Rel. Letícia de Faria Sardas, 21ª Câmara Cível do TJRJ, j. 14/03/2012).

Desta forma, no que tange a responsabilidade civil do hospital surgirá quando o paciente, em seu período de internamento, sofrer danos decorrentes da qualidade dos serviços ali prestados como aqueles advindos de defeitos de aparelhos, equipamentos, alimentação e ambiente.

Será cabível a ação contra o hospital, ainda que apenas ceda as suas instalações ao cirurgião e paciente, quando este alegar que o defeito do serviço decorreu da estrutura hospitalar ou de ambos.

A responsabilidade do hospital é objetiva. Entretanto, é preciso a prova de que houve dano e que este decorreu de falhas no atendimento. A caracterização de sua responsabilidade pressupõe a demonstração de defeito no serviço, não bastando, destarte, a não obtenção dos resultados esperados do tratamento.

Em caso de responsabilidade do hospital, para ele haverá o direito de regresso contra o agente, que responderá por imprudência, negligencia ou imperícia. Conforme o acórdão referido, ao pleitear a indenização contra o hospital, caberá ao paciente a prova de culpa do médico que o atendeu, salvo se obteve do juiz a inversão do ônus probatório.

Se um paciente procura um hospital para atendimento, a fim de ser atendido pelo médico de plantão e sofre lesões causadas por erro do profissional, a empresa hospitalar responde civilmente, independentemente de possuir ou não vinculo de emprego com o profissional.

Esta hipótese é distinta da analisada na ementa transcrita, pois naquela o hospital apenas ofereceu o seu suporte de apoio, enquanto o atendimento decorreu de relação entre o médico e o paciente. Se este aciona diretamente o hospital, quando a culpa foi exclusiva do médico, não pertencente ao seu corpo clinico, poderá defender-se, alegando não manter vínculo empregatício com o profissional:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO HOSPITAL POR FALHA DE ATENDIMENTO DE SEUS PREPOSTOS - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Dano decorrente de má aplicação de injeção no paciente - Atendimento deficiente do corpo de enfermagem - Responsabilização civil, de natureza objetiva, do hospital prestador dos serviços - Ainda que se entenda a atividade de aplicação de injeções intra-musculares obrigação de meio, há nos autos prova indicativa da culpa do enfermeiro -Minoração do quantum indenizatório por danos morais e fixação de indenização por danos materiais consistentes no pagamento vitalício da diferença entre o salário percebido pelo autor e a aposentadoria paga pelo órgão previdenciário, bem como em estimativa dos valores gastos mensalmente com assistência médica e locomoção - Ação parcialmente procedente - Recursos das partes parcialmente providos”.(Apelação nº 012017-92.2005.8.26.0002, Rel. Des. Francisco Loureiro, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, j. 09/09/2010).

Esta responsabilização do hospital pelas ações das pessoas que nele labutam embasa-se doutrinariamente, em termos de responsabilidade civil em geral, também, nos conceitos de responsabilidade in eligendo e in vigilando.

Visto que, é obrigação do hospital escolher bem, devem ser competentes técnica e moralmente - aqueles (da classe médica, ou não) que desempenham nele suas atividades - tanto o médico membro do corpo clínico, como o empregado, como, até, aquele médico que eventualmente exerça a sua atividade no hospital (o médico, mesmo que de um modo indireto, sempre é um ente vinculado ao hospital, ainda que, neste último caso, haja posições em contrário) este parece ser o entendimento dos Tribunais. Também é obrigação do hospital vigiar fiscalizar o trabalho dos seus prepostos (médicos ou não), sendo responsabilizado o hospital por seus deslizes que causem prejuízo aos pacientes.

A doutrina e a jurisprudência reconhecem a responsabilidade dos planos de saúde, quanto ao defeito do serviço prestado por seus conveniados. Entende-se que esses, ao fornecerem aos conveniados uma relação restrita de profissionais e de hospitais, induzem à procura de atendimento de acordo com a oferta.

Em caso de erro médico, as ações podem ser propostas em face da operadora, que responderá objetivamente, assegurado o seu direito de regresso. Se o defeito efetivou-se em hospital, tanto este quanto a operadora de plano de assistência à saúde terão legitimidade passiva, respondendo solidariamente pelos danos, assegurando-lhes o direito de regresso se houver culpa de outrem, como do cirurgião ou do anestesista:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC AOS PLANOS DE SAÚDE. CIRURGIA. ADIAMENTO. NÃO FORNECIMENTO DO MATERIAL PARA SUA REALIZAÇÃO. OPERADORA DE PLANO DE SÁUDE E HOSPITAL CONVENIADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DANOS MORAIS. RAZOABILIDADE DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. VINCULAÇÃO A SALÁRIO MÍNIMO. INADMISSIBILIDADE. 1. As normas do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se às relações estabelecidas entre os planos de saúde e seus beneficiários, uma vez que se caracterizam como serviço médico-hospitalar, realizado mediante remuneração. 2. Havendo previsão contratual de atendimento do usuário do plano de saúde por rede médica e hospitalar, devidamente conveniada e credenciada pela operadora, torna-se esta responsável pelos serviços prestados aos seus contratados, aí incluído, dentre outros, o fornecimento do material necessário à realização de procedimento cirúrgico para paciente conveniado. 3. Operadora de plano de saúde que autoriza cirurgia de paciente conveniado e se recusa a entregar ao cirurgião o material necessário à realização do procedimento médico-hospitalar, está obrigada a indenizá-lo pelos danos morais sofridos em decorrência da não realização da cirurgia, máxime se o beneficiário do plano, mesmo contra sua vontade, permaneceu no centro cirúrgico, em estado de sedação, por cerca de 4 (quatro) horas. 4. A indenização por danos morais, à luz da orientação do STJ, não pode ser tão elevada a ponto de se constituir em enriquecimento sem causa, e nem irrisória a permitir que o ofensor se sinta estimulado a novos ataques à honra alheia. 5. Com o advento das Leis nº 6.205, de 29.4.1975 e 7.789, de 3.7.1989, inadmissível a vinculação do montante indenizatório em salários mínimos. Precedentes do STJ. 6. Apelação conhecida e parcialmente provida”. (Apelação nº 108722007, Rel. Des. Cleonice Silva Freire, 3ª Câmara Cível do TJMA, j. 21/08/2008).

2. HOSPITAIS PARTICULARES E PÚBLICOS

Segundo observa Ruy Rosado de Aguiar Júnior “o hospital é uma universalidade de fato, formada por um conjunto de instalações, aparelhos e instrumentos médicos e cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde, vinculada a uma pessoa jurídica, sua mantenedora, mas que não realiza ato médico".

O que virá a diferenciar uma instituição de outrem é a pessoa passiva legitima para responder o quanto alegado, sendo a particular possuidora de personalidade jurídica, capaz de responder civilmente pelo quanto lhe é alegado.

Ademais, a instituição pública possui um órgão estatal a ela correspondente. Sendo que a legitimidade recaíra pelo que lhe é competente, por exemplo, um hospital público federal terá como sujeito passivo a União Federal, estadual será o Estado e, obviamente, municipal, o Município:

DANO SUPOSTAMENTE OCORRIDO EM HOSPITAL DA REDE PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. EFEITO TRANSLATIVO. AUSÊNCIA DE CAUSA MADURA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. 1. Em se tratando de ação reparatória por dano decorrente de suposto erro médico, alegadamente praticado em hospital vinculado à secretaria municipal de saúde, é do município a legitimidade para figurar no polo passivo da lide. 2. Reformada a sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, não se aplica o efeito translativo quando a causa não está madura para julgamento. 3. Apelo conhecido e provido. Unanimidade.(Apelação nº 3046-68.2005.8.10.0001, Des. Rel. Paulo Sérgio Velten Pereira, 4ª Câmara Cível, do TJMA. 11/02/2014).

3. DISTINÇÕES ENTRE RESPONSABILIDADE DO MÉDICO E RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE COMERCIAL HOSPITALAR

As ações indenizatórias propostas contra hospitais, sob a alegação de existência do dever de indenizar proveniente de erro médico típico, ou seja, em outras palavras, resultante de falha humana do profissional da medicina, se tornaram cada vez mais frequentes no Poder Judiciário.

Como se constata da experiência forense, tais demandas são comumente dirigidas em desfavor de hospitais e médicos que formam, portanto, verdadeiro litisconsórcio passivo facultativo. Em algumas ocasiões, ainda que raras, são intentadas apenas contra a entidade hospitalar.

O entendimento predominante, nesta questão, é de que hospital responde pelos atos médicos dos profissionais que o administram (diretores, supervisores, etc.), e dos médicos que sejam seus empregados. Não responde quando o médico simplesmente utiliza as instalações do hospital para a internação e tratamento dos seus pacientes.

Deve-se, portanto, perquirir se o médico atua no respectivo hospital mediante contrato de prestação de serviços, sendo neste caso, considerado seu preposto, devendo aquele responder pelos atos culposos deste. O hospital, contudo, terá direito de reaver o que pagar através de ação regressiva contra o causador direto do dano.

Mas se o médico não for preposto, mas profissional independente, sem vínculo de subordinação com o hospital, usando as dependências do nosocômio por interesse ou conveniência do paciente ou dele próprio, em razão de aparelhagem ou qualidade das acomodações, ter-se-á de apurar a culpa de cada um:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ESTABELECIMENTO HOSPITALAR. INVESTIGAÇÃO. DIAGNÓSTICO ERRADO OU PRECIPITADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. A responsabilidade do estabelecimento hospitalar, mesmo sendo objetiva, é vinculada à comprovação da culpa do médico. Ou seja, mesmo que se desconsidere a atuação culposa da pessoa jurídica, a responsabilização desta depende da atuação culposa do médico, sob pena de não haver o dito erro médico indenizável. 2. A responsabilidade do médico, enquanto profissional liberal prestador de serviços, é subjetiva, nos moldes do artigo 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, de tal modo que é necessário, para a imputação da responsabilidade, a comprovação de que este agiu com culpa. No caso, a prova é inequívoca justamente no sentido contrário, ou seja, da regularidade e retidão da atuação dos profissionais. 3. Ausentes referências de suspeita ou diagnóstico de diabetes. O fato de os vários exames de glicose terem apresentado resultados diversos não significa erro médico, erro de diagnóstico ou erro laboratorial. 4. Inexistem provas, sequer indícios, de que a autora tenha sido tratada incorretamente, ou de que tenha sido informada por algum dos médicos da ré ser portador de diabetes. Os médicos da demandada simplesmente cumpriram com sua obrigação de investigar. E, diante da regularidade e retidão da atuação dos profissionais, não resta configurada, por ausência de pressupostos, a responsabilidade civil. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação cível 70056059314, Des. Rel. Iris Helena Medeiros Nogueira, 9ª Câmara Cível do TJRS, j. 13/11/2013).

4. PERICULOSIDADE INERENTE E ADQUIRIDA

Na prestação de serviços médico-hospitalares, em caso de dano, é relevante a apuração se o fato decorreu de periculosidade ou risco inerente ao serviço prestado ou se foi adquirido no procedimento. No primeiro caso, não se pode imputar, em princípio, ao hospital ou ao médico a responsabilidade; no segundo, sim, porque consequência de defeito na prestação do serviço:

“APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE MÉDICA E HOSPITALAR - NEUROCISTICERCOSE - CIRURGIA PARA REMOÇÂO DOS CISTICERCOS - POSTERIOR PERDA PARCIAL DE MOVIMENTOS MOTORES E SENSITIVOS - RISCO INERENTE À CIRURGIA - TÉCNICAS E PROCEDIMENTO CORRETOS - CONSENTIMENTO INFORMADO - DEVER DE INFORMAR - FATO NÃO VENTILADO NA PETIÇÃO INICIAL - IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA SENTENÇA SOB ESSE FUNDAMENTO - RESPONSABILIDADE MÉDICA E HOSPITALAR AFASTADAS.

Tratando-se de responsabilidade por ato cirúrgico, é preciso descobrir quais eram os riscos do procedimento, se o paciente e familiares foram cientificados de tais riscos e se o dano sofrido decorreu de um agravamento deles em razão da conduta do hospital e do médico ou decorreu da própria cirurgia. 2. A cirurgia e a sua técnica, assim como o seu emprego, foram acertados, e os danos experimentados pelo autor da demanda decorrem dos riscos previstos e possíveis, de modo que não há responsabilidade médica ou hospitalar por esse fato. 3. A falta do consentimento informado, como ocorrido, poderia carregar a responsabilidade do evento àquele que faltou com o dever, ainda que não haja falar em erro médico relativo à cirurgia em si. 4. Entretanto, tal fato não foi ventilado de modo expresso na petição inicial (apenas a partir das contestações ele começou a ser discutido), ou seja, não fazia parte da causa de pedir declinada na inicial, motivo pelo qual, por força dos artigos 128, 282, inciso III, e 460, todos dos Código de Processo Civil, não se pode manter a condenação dos demandados sob esse motivo”. (Apelação nº 2003.016450-2, Des. Rel. Jaime Luiz Vicari, 2ª Câmara de Direito Civil do TJSC - j. 27/10/2009).

Há tratamentos em que o risco é previsível, mas o paciente ou seus familiares preferem a sua realização, numa tentativa de evitar a consumação de incapacidade permanente ou morte. Trata-se de um dilema. Seria o caso, por exemplo, da cirurgia de separação de dois irmãos siameses ou de transplante conjugado de coração e pulmões. Nestes casos, não se obtendo o resultado esperado, não se poderá culpar o hospital ou participantes do ato, pois o risco é calculado, previsto. Igualmente, em se tratando de cirurgia de pessoa bastante idosa:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO HOSPITAL. CIRURGIA PARA RETIRADA DE CÁLCULO RENAL. PROCEDIMENTO INTERROMPIDO. DEFEITO NO APARELHO DENOMINADO "LITOTRIDOR" NECESSÁRIO A REALIZAÇÃO DA CIRURGIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS.

Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica para retirada de cálculos renais, através da técnica de ultrassom, com o uso de um aparelho denominado "litotridor", porém a cirurgia foi interrompida na metade por falha mecânica no referido aparelho. 2- A responsabilidade do hospital é objetiva, mas fica na dependência da caracterização do erro pessoal de seu preposto, haja vista que, malgrado seja objetiva a responsabilidade, não significa haver uma obrigação de resultado. 3- Para caracterizar a responsabilidade do estabelecimento hospitalar, necessário se faz a configuração da conduta, do dano e do nexo causal entre um e outro, se o fato gerador do dano é decorrente de um defeito do serviço prestado, conforme art. 14, § 1º, do CDC. 4- Não obstante o laudo pericial atestar que não houve consequências para a paciente, e que a equipe médica atuou de forma apropriada e conforme manda a técnica em situações como na hipótese, este fato não tem o condão de afastar a responsabilidade do hospital. 5- A falha nos equipamentos necessários a realização da cirurgia é previsível, logo o defeito no aparelho "litotripsia", além de não fornecer a segurança esperada expôs a paciente a risco desnecessário. 6- O defeito no aparelho inviabilizou a continuidade do procedimento cirúrgico. 7- O hospital não teve a cautela de verificar previamente se o equipamento estava funcionado perfeitamente, antes de iniciar a cirurgia na Autora. 8- A interrupção do procedimento, antes do seu término causou na Autora um impacto emocional e maior sofrimento, pois além do atraso na sua recuperação frustrou sua expectativa e ainda adiou esta situação para um momento incerto trazendo-lhe insegurança. A Autora teve que se submeter a nova cirurgia dez dias depois da primeira, com novo risco, nova anestesia, nova internação, causando-lhe angustia e sofrimento. 9- Danos morais caracterizados. 10 - Quantum indenizatório fixado em R$5.000,00 (cinco mil reais) que ficou acanhado para as consequências da falha na prestação do serviço, deverndo ser majorado para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), pois atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 11- Danos materiais inexistentes. 12- Considerando que a autora decaiu de parte mínima do pedido, arcará a Parte Ré integralmente com as custas processuais. Condenado o Réu, ainda, no pagamento dos honorários de advogado fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, na forma do parágrafo único do art. 21 do C. P. C. 13- NEGATIVA DE PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU E PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DA AUTORA. (Apelação nº 0002278-77.2007.819.0210, Des. Rel. Teresa de Andrade Castro Neves, 6ª Câmara Cível do TJRJ - j. 09/12/2014).

Não se pense, todavia, que, no tratamento de risco inerente ou intrínseco, hospital e médico ganham imunidade por eventual defeito na prestação de serviço. Se a cirurgia foi bem – sucedida, mas adveio infecção hospitalar e um dos irmãos siameses faleceu desde que o laudo seja conclusivo a respeito, haverá a responsabilidade hospitalar.

5. INFECÇÃO HOSPITALAR

A responsabilidade é do hospital, quando o dano ao paciente decorreu de infecção hospitalar. Esta consiste em uma síndrome adquirida no período de hospitalização ou durante exame ambulatorial. Nem sempre os sintomas se manifestam antes da alta do paciente, quando então se torna mais complexo o nexo de causalidade. Como para tal indagação deve ser reconhecida a hipossuficiência técnica do paciente, ao juiz caberá a determinação de inversão do ônus da prova, podendo o hospital prova a inexistência do nexo etiológico.

Criada através da Portaria do Ministério da Saúde nº 2.616 de 1998, compete à Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH): (a) apurar os casos de infecção hospitalar e verificar os tipos de manifestação; (b) elaborar normas a serem observadas, adotando uma técnica asséptica; (c) colaborar no treinamento de todas as equipes de trabalho; (d) exercer o controle da prescrição de antibióticos; (e) recomendar medidas de isolamento de portadores de doenças infecto – contagiosas, entre outras medidas:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO HOSPITAL PÚBLICO. MORTE DE PACIENTE. INFECÇÃO HOSPITALAR E SEPTICEMIA APÓS REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. PROVA EMPRESTADA. LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DE DANOS MORAIS.

Cuida-se de ação indenizatória na qual a autora objetiva a reparação por danos morais contra o réu, pelo falecimento de seu pai. Afirma, em síntese, que o fato já foi objeto de ação movida pela então companheira e outra filha de seu pai processo nº 2003.066.021489-7- na qual restou evidenciada a responsabilidade do réu, razão pela qual objetiva a aceitação da prova emprestada. Naquela ação, o réu foi condenado ante o reconhecimento do nexo causal entre a conduta do hospital e o falecimento do paciente, eis que, após a cirurgia, o paciente apresentou melhora, mas faleceu em razão de pneumonia contraída no hospital. O réu sustenta ausência de responsabilidade. A prova emprestada ingressa no processo sob a forma documental, cuja força probatória é valorada pelo juiz. Prestigia-se os princípios da celeridade bem como da economia processual, a fim de se evitar repetição desnecessária de atos processuais já esgotados, com o aproveitamento de provas pretéritas. In casu, a utilização do laudo pericial como prova emprestada não causou qualquer prejuízo à parte ré, sendo certo que sua renovação seria desnecessária, eis que não foi alterado o quadro fático retratado pelo especialista, ut art. 332 do CPC. Reconhecida a responsabilidade do hospital, impõe-se a análise do quantum indenizatório. O valor da reparação originalmente fixado em R$ 62.200,00 (sessenta e dois mil e duzentos reais) mostra-se excessivo, sendo necessária sua redução para R$ 31.100,00 (trinta e um mil e cem reais), valor que se mostra adequado e suficiente para reparar o dano extrapatrimonial sofrido pela autora. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.(Apelação nº 00059962420108190066, Des. Rel. Roberto de Abreu e Silva, 9ª Câmara Cível do TJRJ).

6. CONCLUSÃO

É entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça de que os hospitais, assim como os médicos, têm responsabilidade subjetiva no caso de erro médico, ou seja, para que o hospital seja condenado a indenizar um paciente pela ocorrência de um erro proveniente da atividade médica, é necessária a comprovação da culpa.

Conclui-se, assim, que os hospitais só serão legitimados passivos para ações que postulem indenização por danos materiais ou morais decorrentes de erro cometido por médico, se estes profissionais possuírem vínculo empregatício ou de preposição com os hospitais.

Nestes casos, a responsabilidade civil será apurada de forma subjetiva, mediante a verificação dos elementos culpa (lato sensu), nexo causal e dano, haja vista que o hospital, assim como o médico, não possui dever de cura.

Ademais, é possível observar-se que a doutrina aponta a responsabilidade do Hospital nas hipóteses de se ocorrer infecção hospital quando esta decorrer de condições de assepsia deficiente ou da ausência de cautelas idôneas para evitá-la. Somente nessas situações é que o Hospital pode se cogitar da responsabilização do Hospital, de modo que se faz necessária a prova desses fatos para a procedência do pedido indenizatório.

Neste mesmo sentido, faz-se necessário ressaltar outras hipóteses de periculosidade podendo ser: inerente ou adquirida. Desta forma, sabendo-se que os procedimentos médico-hospitalares são totalmente vinculados a riscos, o Hospital só responderá civilmente pelos atos que forem decorrentes de perigos adquiridos, sendo que o paciente será sempre informado dos riscos inerentes ao seu quadro clinico-patológico.

A legitimidade passiva nos referidos processos serão da sociedade comercial lucrativa quando referente ao hospital particular e as competências estatais quando o hospital for público.

O presente processo é de importância crucial para verificação do tema de grande debate, pois exemplifica as hipóteses e diferenças que são trazidas de caso a caso para implicação ou não do hospital no polo passivo da demanda de uma ação indenizatória.

7. BIBLIOGRAFIA

• DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. Vol.7. 17ºed. São Paulo: Saraiva, 2003.

• RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Volume IV, Editora Saraiva, 19ª Edição, São Paulo, 2002.

• VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol.4. 3ºed. São Paulo: Atlas S. A., 2003.

• FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 6ª ed., São Paulo: Fundação BYK, 1994.

• NADER, Paulo - Curso de Direito Civil; volume 7: Responsabilidade Civil – Rio de Janeiro: Forense, 2009.

• DE AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade Civil dos médicos, Revista Jurídica nº. 231.

• STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial.

• AFONSO, Francisco Caramuru. Responsabilidade Civil dos Hospitais, Clínicas, e Prontos-socorros, in Responsabilidade Civil Médica, Odontológica e Hospitalar, Saraiva.

• GOMES, Orlando. Obrigações, Forense, 1978.

• GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil Doutrina e Jurisprudência, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 1984.

Autores: Daniel Lajst e Marina Berça

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Estive anteontem na emergencia do Ibol. Nao existe separação entre pacientes com doencas contagiosas e consultas simples ou exames. Fui la porque um ponto estava solto e irritando minha vista ja que a médica que fez cirurgia de catarata nao quis tirar todos os pontos. Acontece que estava cheio de pessoas com conjuntivite e so havia uma médica para atender. Conclusao : peguei conjuntivite por total negligencia do hospital. Gostaria de saber se posdo processar o IBOL. Obrigada. Roseane Madruga. E-mail: rhmadruga@gmail.com continuar lendo