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16 de Junho de 2024
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    Supremo Tribunal Federal STF - RECLAMAÇÃO: Rcl 24550 DF - DISTRITO FEDERAL XXXXX-53.2016.1.00.0000

    Supremo Tribunal Federal
    há 4 anos

    Detalhes

    Processo

    Partes

    Publicação

    Julgamento

    Relator

    Min. ROSA WEBER
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    Ementa

    Decisão

    RECLAMAÇÃO. ADPF Nº 130. LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA. IMPOSIÇÃO DE RESTRIÇÕES NÃO CONTEMPLADAS NAS BALIZAS MATERIAIS EXTRAÍDAS DA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO. PROIBIÇÃO DE VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA CENTRADA NA FIGURA DO GESTOR PÚBLICO POR MEIO DE DECISÃO LIMINAR NÃO EXAURIENTE DE MÉRITO. INCOMPATIBILIDADE SUBSTANTIVA. CENSURA PRÉVIA JUDICIAL. INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. , IV, IX E XIV, E 220, CAPUT E §§ 2º E , DA CF. JUÍZO DE PROCEDÊNCIA. Vistos etc. 1. Trata-se de reclamação constitucional, proposta por Wladimir Afonso da Costa Rabelo e Waldey Batista de Sena, com fulcro nos arts. 988 do CPC e 156 e seguintes do RISTF, em face da decisão proferida no Processo nº XXXXX-89.2016.8.14.0008 pelo Juízo da 1ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Bacarena/PA, à alegação de violação da autoridade da decisão desta Suprema Corte exarada na ADPF nº 130/DF. 2. Consoante emerge da inicial, a autoridade reclamada deferiu, em ação de indenização por danos morais, tutela provisória de urgência para que os ora reclamantes se abstivessem de propagar, em qualquer veículo de comunicação, ato atentatório à honra de gestor público municipal, bem como retirassem de sua página do Facebook determinada publicação ofensiva, sob pena do pagamento de astreintes. Os reclamantes defendem que a decisão reclamada instaura censura judicial prévia, em agressão à ordem constitucional brasileira, conforme interpretada e aplicada por este Supremo Tribunal Federal, a infringir diretamente o núcleo fundamental do direito à liberdade de expressão e de imprensa, assim como a vedação peremptória à censura. Justificam que a matéria jornalística e a comunicação em rádio divulgavam que o prefeito municipal estava preso preventivamente em razão da suposta prática do crime de pedofilia. Invocam, em abono de sua tese, afronta à autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130/DF, pelo qual afastada qualquer hipótese de submissão da imprensa à censura prévia, ainda que exercida pelo Poder Judiciário. Requerem que seja cassada a decisão reclamada e restabelecida a autoridade da decisão desta Corte proferida no mencionado paradigma, de modo a autorizar a transmissão de matérias jornalísticas sobre o tema e sobre a pessoa do prefeito municipal em qualquer meio de comunicação. 3. Informações prestadas pela autoridade reclamada. 4. A parte beneficiária de reclamação apresentou contestação. 5. O Subprocurador-Geral da República Paulo Gustavo Gonet Branco opina pela procedência da reclamação, ao entendimento de que “A Primeira Turma do STF vem entendendo que é cabível a reclamação por desvio do assentado na ADPF 130, quando decisões não exaurientes do mérito em processos relativos a conflito entre direitos de personalidade e direito de liberdade de expressão impõem o sacrifício imediato deste último”. É o relatório. Decido. 1. A reclamação prevista nos arts. 102, I, “l”, e 103-A, § 3º, ambos da Constituição Federal, é cabível nos casos de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, desobediência à súmula vinculante, ou descumprimento de autoridade de decisão proferida no exercício de controle abstrato de constitucionalidade ou em controle difuso, desde que, neste último caso, se cuide da mesma relação jurídica e das mesmas partes. 2. A questão jurídica objeto da presente reclamação constitucional consiste na violação da autoridade da decisão deste Supremo Tribunal Federal proferida no bojo da ADPF nº 130. 3. No caso em tela, o juízo da 1ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Barcarena/PA concedeu tutela provisória de urgência nos seguintes termos: “Cuida-se de ação de indenização por danos morais com pedido de tutela provisória de urgência, na qual o autor pretende, a título de liminar, que os requeridos se abstenham de cometer, por qualquer veículo de comunicação, qualquer ato atentatório a honra, dignidade e imagem do autor, bem como o requerido Waldey proceda imediata retirada da publicação ofensiva a honra do autor da página de seu Facebook. Decido sobre a liminar. [...] Narrou o requerente na inicial que no dia 09/05/2016, o requerido Wladimir da Costa Rabelo, no programa diário Comando Geral dirigido e apresentado pelo requerido Waldey e transmitido pela Rádio Metropolitana FM - 94,3MHz, de 12h s 13h, usaram do referido programa para atacar a honra, a imagem e a dignidade do autor, proferindo contra este informações desairosas, desabonadoras, colocando o mesmo em situação vexatória e constrangedora diante dos milhares ouvintes da emissora. Ressaltando-se que o requerido Wladimir proferiu várias palavras ofensivas, e o requerido Waldey publicou o inteiro teor das ofensas em seu perfil na página do Facebook. Ve-se, através das informações e documentos colacionados, que o requerido Wladimir ultrapassou os limites ao proferir palavras ofensivas contra a honra do requerente, bem como o requerido Waldey ao divulgar tais ofensas em plena rede social. Ora, a liberdade de expresso e informação, considerada como termômetro do regime democrático, compreende a faculdade de expressar livremente ideias, pensamentos e opiniões, bem como o direito de comunicar e receber informações verdadeiras sobre fatos, sem impedimentos nem discriminações, ou seja, sobre fatos que podem ser ‘considerados noticiáveis’. No âmbito da proteção constitucional ao direito fundamental informação esto compreendidos tanto os atos de comunicar quanto os de receber livremente informações pluralistas e corretas. Com isso, visa-se a proteger no só o emissor mas também o receptor do processo da comunicação. Assim, a liberdade de expresso e informação, acrescida dessa perspectiva de instituição que participa de forma decisiva na orientação da opinião pública na sociedade democrática, passa a ser estimada como um elemento condicionador da democracia pluralista e como premissa para o exercício de outros direitos fundamentais. A liberdade de imprensa se encontra amparada pela Constituição Federal podendo ser compreendida como desdobramento dos direitos individuais consagrados nos incisos IX e XIV do art. da Constituição Federal. A importância que na atualidade se atribui a esses órgãos de informação da coletividade se justifica pela funo social exercida pelos profissionais do jornalismo destinada promoção da ciência, educação, cultura, e lazer, e possibilitar aos cidadãos o exercício da democracia, através da exposição crítica dos fatos de interesse social. Certo, contudo, que a liberdade de expresso e o direito de informação no são plenos e absolutos, encontrando restrição explicitada pelo 1º do art. 220 da Carta Magna, relevante, no caso, o respeito inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Havendo conflitos entre as notícias as quais se pretende veicular, dar publicidade, e o resguardo devido vida privada dos envolvidos, necessário se estabelecerem critérios que permitam a ponderação e conciliação dos direitos fundamentais em questão. O que no se pode admitir o excesso dos órgãos de comunicação que, extrapolando o dever de informar, adentram a circunscrição da vida privada e da intimidade com o exclusivo intuito de maximizar vendas, através da provocação da curiosidade mesquinha e indiscrição dos leitores com matérias sensacionalistas custa da honra e da moral alheia, o que percebo que ocorreu no caso dos autos. Destarte, neste caso, constata-se os requisitos autorizadores da concesso da liminar. Assim, defiro a tutela provisória de urgência, nos termos do art. 300 do CPC, para determinar que o requerido Wladimir da Costa Rabelo se abstenha de cometer, por qualquer veículo de comunicação, ato atentatório honra, dignidade e imagem do autor, bem como determino que o requerido Waldey Batista de Sena efetue a imediata retirada, de sua página do Facebook, da publicação ofensiva a honra do autor, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) nos termos do art. 497, caput, do CPC, em face de eventual descumprimento do aqui determinado” (destaquei). 4. Em 30.4.2009, esta Suprema Corte julgou procedente a ADPF nº 130, ocasião em que declarou não recepcionado pela Constituição da Republica “todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967”. Da ementa do acórdão paradigma, destaco os seguintes excertos: “ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA ‘LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA’, EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A ‘PLENA’ LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. (...) REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL. A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome ‘Da Comunicação Social’ (capítulo V do título VIII). (…) O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. (...) Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). (...) PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido. (...) NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma atividade que já era ‘livre’ (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de ‘plena’ (§ 1º do art. 220). NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma atividade que já era ‘livre’ (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de ‘plena’ (§ 1º do art. 220). (...) Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o ‘estado de sítio’ (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte (‘quando necessário ao exercício profissional’); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; (…). Peculiar fórmula constitucional de proteção de interesses privados em face de eventuais descomedimentos da imprensa (justa preocupação do Ministro Gilmar Mendes), mas sem prejuízo da ordem de precedência a esta conferida, segundo a lógica elementar de que não é pelo temor do abuso que se vai coibir o uso. Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, ‘a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público’. (…) EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. da Constituição Federal. (...)” (ADPF 130/DF, Relator Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 05.11.2009) (destaquei). 5. A transcrição evidencia que, na interpretação empreendida por esta Suprema Corte, a imposição de restrições ao exercício das liberdades de expressão, opinião, manifestação do pensamento e imprensa que não se contenha nos limites materiais – expressamente excepcionados – da própria Lei Fundamental não se harmoniza com o regime constitucional vigente no país. Reza o art. 220 da Carta Política, in verbis: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. , IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (…) § 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.” 6. Cumpre indagar, a respeito da decisão reclamada, se esta configura, ou não, imposição de censura prévia à atividade da imprensa, algo incompatível com a proteção constitucional. 7. Ao assegurar ampla liberdade à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, o art. 220, caput, da Constituição Brasileira reverbera um dos sustentáculos dos regimes democráticos, cuja imprescindibilidade a experiência política internacional se encarregou de consagrar. 8. Como amplamente conhecido, na história do constitucionalismo moderno, surgiu com a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos a ideia de que a existência de amplas interdições ao poder do Estado de interferir nas liberdades de expressão e de imprensa constitui premissa de comunidade política caracterizada pelo autogoverno e pela liberdade individual. No dizer de Anthony Lewis, emérito professor da Escola de Direito de Harvard falecido em 2013, “liberdade para dizer e escrever o que se quer é uma necessidade inescapável da democracia”(In: Liberdade para as ideias que odiamos: uma biografia da primeira emenda à Constituição americana. LEWIS, Anthony. Tradução de Rosana Nucci. São Paulo: Aracati, 2011). 9. No Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão tornou-se regra e sua restrição é admitida somente em situações excepcionais e nos termos da lei. Em qualquer caso, os limites materiais emanados da Constituição devem ser observados. 10. Nestes termos, esta Suprema Corte orienta-se no sentido de que é substantivamente incompatível com o Estado Democrático de Direito qualquer imposição de restrições às liberdades de manifestação do pensamento, expressão, informação e imprensa que traduza modalidade de censura prévia, ainda que velada. 11. É dizer, a Constituição veda não somente ao Poder Público, mas também ao particular, a interferência nas liberdades de manifestação e de expressão mediante o emprego de artifícios institucionais, como a censura prévia, que atue no sentido de delinear o seu conteúdo. 12. Vale lembrar a manifestação do então Chefe do Poder Judiciário da Inglaterra, Lord Chief Justice Harry K. Woolf, em 2002, no sentido de que os juízes: “não devem agir como censores ou árbitros do bom gosto. (…) O fato de a publicação adotar uma abordagem mais sensacionalista do que o tribunal consideraria aceitável não é relevante.” 13. A Primeira Turma desta Suprema Corte tem admitido a reclamação constitucional fundada no parâmetro da ADPF nº 130 na hipótese de decisão judicial liminar que determina a retirada de conteúdos veiculados na imprensa e na internet em razão de conflitos entre liberdades de expressão e de informação e a tutela de garantias individuais como os direitos da personalidade. 14. A propósito, sobrelevo as ponderações do Ministro Luiz Fux, exaradas na RCL 28.747-AgR, ante sua acurácia sobre o tema (grifei): “AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DETERMINAÇÃO DE RETIRADA DE CONTEÚDO DA INTERNET. DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE TUTELA ANTECIPADA. CONFIGURAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA. VIOLAÇÃO À ADPF 130. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. A liberdade de informação e de imprensa são apanágios do Estado Democrático de Direito. 2. O interesse público premente no conteúdo de reportagens e peças jornalísticas reclama tolerância quanto a matérias de cunho supostamente lesivo à honra dos agentes públicos. 3. A medida própria para a reparação do eventual abuso da liberdade de expressão é o direito de resposta e não a supressão liminar de texto jornalístico, antes mesmo de qualquer apreciação mais detida quanto ao seu conteúdo e potencial lesivo. 4. A reclamação tendo como parâmetro a ADPF 130, em casos que versam sobre conflitos entre liberdade de expressão e informação e a tutela de garantias individuais como os direitos da personalidade, é instrumento cabível, na forma da jurisprudência (Precedentes: Rcl 22328, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 09/05/2018; Rcl 25.075, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31/03/2017). 5. In casu, não se evidencia que o intento da publicação tenha sido o de ofender a honra de terceiros, mediante veiculação de notícias sabidamente falsas. 6. Agravo interno provido. [...] Ora, é certo que o Direito não pode ficar inerte perante violações a direitos da personalidade, nem pode colocar aprioristicamente a liberdade de expressão em patamar tão elevado que negue a possibilidade de socorro a quem porventura sofrer danos decorrentes de seu exercício abusivo. Impende, todavia, uma maior tolerância quanto a matérias de cunho potencialmente lesivo à honra dos agentes públicos, especialmente quando existente – como é o caso – interesse público no conteúdo das reportagens e peças jornalísticas excluídas do blog por determinação judicial. Na espécie, existem pelo menos dois motivos distintos pelo qual os fatos alegadamente noticiados são de interesse público. Primeiramente, há interesse da sociedade em controlar o proceder de autoridades policiais, mormente quando presente a possibilidade de cometimento de abusos de suas funções. Todo o atuar dos agentes públicos deve prezar pela moralidade e transparência, e deve prestação de contas à sociedade. Em segundo lugar, há interesse da sociedade em zelar pela higidez de empreitadas anticorrupção como a Lava Jato, cuidando para que não haja excessos ou enviesamentos no decorrer dessas investigações e para que ilegalidades não venham a macular ou obstaculizar seu progresso. O tom de reprovação com que o reclamante refere-se à Delegada não deve ser motivo suficiente para impedir que se teçam as referidas críticas” ( Rcl 28747 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Relator p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 12.11.2018) . 15. A robustecer esse entendimento, colaciono o seguinte acórdão da Primeira Turma, de relatoria do Ministro Roberto Barroso (grifei): “Direito Constitucional. Agravo regimental em reclamação. Liberdade de expressão. Decisão judicial que determinou a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico. Afronta ao julgado na ADPF 130. Procedência. 1. O Supremo Tribunal Federal tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial. 2. No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. 3. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades. 4. Eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico de meio de comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação. 5. Reclamação julgada procedente” ( Rcl 22328, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, Dje 10.5.2018). 16. Idêntica preleção se extrai das razões de decidir proferidas em decisão monocrática pelo Min. Roberto Barroso na Rcl 28.299-MC, DJe 29.9.2017, quando Sua Excelência discorreu que “o fato de a matéria em questão ter sido redigida com o uso de tom crítico não torna aconselhável, por si só, a proibição de sua divulgação. Como os elogios, em geral, não geram insatisfações, são exatamente as manifestações jornalísticas que empregam tom ácido as que demandam, com maior intensidade, a tutela jurisdicional. Com isso, não se está a menosprezar a honra e a imagem de eventuais ofendidos, mas a afirmar que esses bens jurídicos devem ser tutelados, se for o caso, com o uso de outros instrumentos de controle que não importem restrições imediatas à livre circulação de ideias, como a responsabilização civil ou penal e o direito de resposta”. 17. Nesse diapasão, a partir da compreensão desta Suprema Corte de que não cabe ao Poder Judiciário o controle prévio do conteúdo de publicação da imprensa mediante decisão não exauriente de mérito, entendo que a decisão reclamada reintroduz a prática de modalidade de censura prévia que, reverberando o espírito autoritário da Lei nº 5.250/1967, de modo algum é admitida pela Carta instauradora do presente regime democrático, na medida em que dissonante das garantias albergadas nos arts. , IV, IX e XIV, e 220, caput e §§ 2º e , da Lei Maior, à luz do que decidido na ADPF nº 130. 18. Ante o exposto, com base no art. 21, § 1º, do RISTF, julgo procedente a presente reclamação para cassar a decisão reclamada e, por consequência, todos os efeitos dela decorrentes, em atenção ao que decidido por esta Suprema Corte ao julgamento da ADPF nº 130/DF. Publique-se. Brasília, 30 de abril de 2020. Ministra Rosa Weber Relatora
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