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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Ceará
há 6 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Câmara Direito Público

Publicação

Julgamento

Relator

FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA

Documentos anexos

Inteiro Teor78b06c5a4fe0b6f4f8fe6d3637db9240.pdf
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Inteiro Teor

PROCESSO: XXXXX-87.2014.8.06.0000.

APELAÇÃO.

APELANTE: JOSÉ RIBAMAR DE ARAÚJO.

APELANTE: ANA LOURDES E SILVA ARAÚJO.

APELADO: MUNICÍPIO DE REDENÇÃO.

RELATOR: DES. FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Cuida-se de apelação interposta por José Ribamar de Araújo e Ana Lourdes e Silva Araújo ante a sentença ( p. 123-126 ) da Juíza de Direito Flávia Pessoa Maciel, da Vara Única da Comarca de Redenção, na qual, em sede de ação possessória ajuizada pelo Município de mesmo nome, julgou procedente o pedido inicial, determinando a imediata reintegração do autor na posse do bem em litígio.

Em razões recursais (p. 134-143 ), alegam os insurgentes não ter a Magistrada a quo considerado o fato da função social da propriedade descrito nos fólios, nem tampouco a circunstância de inexistirem elementos de prova do uso efetivo, manejo ou projeto de reflorestamento da área por parte de ente público, ou políticas públicas locais dirigidas às diversas famílias que atualmente habitam a Fazenda Canafistula (localizada no Distrito de Antônio Diogo, em Redenção) e que ali ergueram suas casas e sobrevivem cultivando pequenos lotes.

Referem que o Município propôs conciliação às p. 78-79, de modo a garantir a permanência dos apelantes na terra, inclusive moradia, sem lhes assegurar, todavia, a possibilidade de plantar ou de criar animais de pequeno porte para a manutenção de seu sustento familiar.

Aduzem ser legalmente possível o uso de área de preservação permanente em relação a áreas rurais de no máximo 2 (dois) hectares, desde que mantida a vegetação nativa para a conservação do meio ambiente e da água.

Informam tratar-se de posse velha (de mais de 5 anos) e que o

imóvel se encontrava abandonado pelo poder público.

Suscitam a nulidade do processo em virtude da não participação no feito do representante do Ministério Público Estadual, que entendera inexistir litígio coletivo pela disputa da terra, e por haver interesse ambiental.

Intimado a contra-arrazoar, o Município de Redenção sustenta ser o proprietário da gleba, mediante o Título de Domínio nº 2/2006, do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará, com amparo na Lei Estadual nº 10.605/1984, atinente à Fazenda Canafistula, localizada no Distrito de Antônio Diogo, Município de Redenção, com área de 37,5304 hectares, por conseguinte, bem público (imprescritível, impenhorável e inalienável), o qual foi esbulhado pelos recorrentes, a motivar, portanto, a reintegração (art. 926 do CPC e 1.210 do CC).

Confirma haver apresentado, no curso do processo, proposta de acordo aos apelantes (p. 78-79) - a qual foi recusada - garantindo sua permanência no citado imóvel, através do desmembramento da área atualmente ocupada, porém insuscetível de atividade agropecuária.

Argumenta que o direito constitucional à moradia não é absoluto, mas deve ser considerado em face do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A representante do Ministério Público Estadual, em parecer de p. 198-206 , quanto à apontada nulidade por ausência de intervenção do Parquet, reportou-se à manifestação do custos legis em primeiro grau

(p. 26-27) quanto à desnecessidade de sua intervenção no feito, "haja vista a natureza da lide e a qualidade das partes envolvidas, sem prejuízo, entretanto, de futura intervenção caso se verificasse, posteriormente, a existência de interesses coletivos na presente ação", admitindo, por conseguinte, ter havido "efetiva participação" do agente ministerial no feito.

Quanto ao mérito, opina pelo desprovimento da insurreição.

Em despacho de p. 210-211 , determinei a intimação das partes e do Ministério Público Estadual, em homenagem aos princípios do contraditório e da cooperação, em vista da racionalização da atividade jurisdicional (artigos 10 e 933 do CPC), para que se manifestassem sobre a Lei Municipal nº 1.630, de 05 de agosto de 2016, na qual o Poder Executivo local autorizara a regularização de moradias em área - 100 (cem) hectares - do Município de Redenção, do imóvel antes denominado Fazenda Canafístula, situado no Horto, distrito de Antônio Diogo, às margens da CE 060, com a finalidade de alcance social e segurança jurídica para as famílias ali residentes, que totalizam mais de 280 cidadãos, a maioria mulheres, crianças e idosos. 1

Em petitório de p. 216-217 , o ente político aduz "que a referida lei municipal é nula de pleno direito, não podendo produzir nenhum efeito jurídico, uma vez que o Município de Redenção não é proprietário da área total (de hectares) dada como doada pela referida legislação municipal, não podendo dela dispor", sendo distinta do objeto da presente ação.

Às p. 220-221, a Procuradora de Justiça Luzanira Maria Formiga acrescentou que, diante do silêncio das partes, impõe-se o julgamento da lide, "sendo despiciendo" novo pronunciamento meritório, já que nenhum fato novo foi colacionado aos autos.

É o relatório.

Decido.

O artigo 17, inciso I, alíneas f e g, da Lei nº 8.666/1993 dispõe:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos

para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos :

[...]

f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública ; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)

g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei nº 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua- se tal atribuição; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005) (grifamos)

Por sua vez, o artigo 29 da Lei nº 6.383/1976 estatui que:

Art. 29 - O ocupante de terras públicas , que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua família, fará jus à legitimação da posse de área contínua até 100 (cem) hectares, desde que preencha os seguintes requisitos:

I - não seja proprietário de imóvel rural;

II - comprove a morada permanente e cultura efetiva, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano .

§ 1º - A legitimação da posse de que trata o presente artigo consistirá no fornecimento de uma Licença de Ocupação, pelo prazo mínimo de mais 4 (quatro) anos, findo o qual o ocupante terá a preferência para aquisição do lote, pelo valor histórico da terra nua, satisfeitos os requisitos de morada permanente e cultura efetiva e comprovada a sua capacidade para desenvolver a área ocupada.

§ 2º - Aos portadores de Licenças de Ocupação, concedidas na forma da legislação anterior, será assegurada a preferência para aquisição de área até 100 (cem) hectares, nas condições do parágrafo anterior, e, o que exceder esse limite, pelo valor atual da terra nua.

§ 3º - A Licença de Ocupação será intransferível inter vivos e inegociável, não podendo ser objeto de penhora e arresto. (grifamos)

Eis o inteiro teor da Lei Municipal nº 1.630/2016, ipsis litteris:

LEI Nº 1.630 DE 05 DE AGOSTO DE 2016

AUTORIZA DOAÇÃO DE ÁREA ABAIXO DESCRITA PARA A REGULARIZAÇÃO DE MORADIAS EM ÁREA DO MUNICÍPIO. NA FORMA QUE INDICA E DÁ OUTRAS PROVIDENCIAS.

Faço saber que a Câmara Municipal de Redenção aprovou e eu sanciono e promulgo a seguinte Lei:

Pág. 4 0000458-87.2014 A4

Art. 1º. Fica autorizada a regularização de moradias em área do município de Redenção, 100 (cem) hectares do imóvel antes denominada Fazenda Canafístula situado no HORTO distrito de Antônio Diogo as margens da CE 060 ao lado direito sentido município de Aracoiaba. Cuja finalidade é o alcance social e a segurança jurídica para as famílias residentes hoje na área que totalizam mais de 280 cidadãos, a maioria mulheres, crianças e idosos .

Art. 2º. Para regularização acima mencionada, fica autorizado o chefe do Poder Executivo Municipal nomear um Servidor da Secretaria de Finanças, e um Servidor da Secretaria de Infraestrutura cuja nomeação se fará mediante Portaria.

Parágrafo Único. Esta Lei contemplará as famílias que já tenham área construída , ou, a posse devidamente demarcada até a data da promulgação desta Lei. Ficará a cargo da Secretaria de Infraestrutura a emissão dos Títulos de Posse de Propriedade para aquelas famílias que apresentarem documentos comprobatórios de posse, ou, medidas da área ocupada.

Art. 3º. As despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão por conta dos beneficiários, tais como documentos pessoais, documentos de posses, planta da área construída ou da posse.

Art. 4º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Paço da Prefeitura Municipal de Redenção, em 05 de agosto de 2016. Cesariano Rodrigues Fernandes

Prefeito Municipal de Redenção

Como visto, o Município de Redenção, mediante ato do Poder Legislativo local, sancionado pelo Chefe do Executivo, autorizou a regularização de moradias existentes na Fazenda Canafistula até a área de 100 (cem) hectares, explicitamente com finalidade social e segurança jurídica, para aquelas famílias ali já residentes, totalizando mais de 280 pessoas, a maioria mulheres, crianças e idosos, havendo sido contempladas as que tivessem área construída ou a posse devidamente demarcada até a data da promulgação da referida Lei, ficando sob a responsabilidade da Secretaria de Infraestrutura a emissão dos Títulos de Posse de Propriedade.

Ademais, inexiste nos fólios qualquer demonstração de que o bem imóvel em questão constitua área de preservação permanente, mesmo porque antes de sua transferência do Estado do Ceará ao Município de Redenção, ao que se infere de sua própria denominação, a

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gleba já era uma fazenda. O desinteresse reiterado do Parquet na lide, nos primeiro e segundo graus, também conduz à certeza de que não há interesse público primário decorrente da circunstância de a área constituir ecossistema protegido por lei ou de que haja litígio coletivo pela posse da terra rural (artigo 178 do CPC).

Por outro lado, o recorrido - instado a se manifestar - não explicitou por quais motivos o diploma normativo municipal seria "nulo de pleno direito" ou porque o Município procedera à regularização fundiária de interesse social da área em litígio, não suscitando qualquer vício apto a invalidar a legitimidade daquela lei . No que respeita ao fato de o imóvel descrito na exordial ser distinto do mencionado pela Lei Municipal nº 1.630/2016, não resta dúvida de que as dimensões referidas na norma abrangem e ultrapassam os limites da denominada Fazenda Canafistula, sem que isto acarrete, por si só, ineficácia do ato do Poder Legislativo.

Com efeito, o advento do mencionado diploma legal, no qual conferida pelo ente público autorização para a regularização das moradias de famílias residentes na área em disputa (Fazenda Canafistula - 37,5304 hectares) e além (até 100 hectares), implica carência de interesse processual por fato superveniente , notadamente diante do silêncio dos recorrentes, os quais, regularmente intimados ( p. 214), quedaram-se inertes (p. 222).

Se a Administração concedeu mediante lei autorização para a regularização das moradias às famílias que já habitavam a área em litígio no curso da ação possessória, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito por falta superveniente de interesse (artigo 485, inc. VI, do CPC).

Do exposto, com esteio no art. 932, inc. III, do CPC, deixo de conhecer do apelo, porquanto prejudicado.

Intimem-se as partes.

Publique-se.

Ultimado in albis o prazo recursal, certifique-se e devolvam-se os autos à origem, com baixa no sistema respectivo.

Cumpra-se.

Fortaleza, 09 de agosto de 2018.

Desembargador FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA

Relator

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