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26 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR - Apelação: APL XXXXX-80.2020.8.16.0030 Foz do Iguaçu XXXXX-80.2020.8.16.0030 (Acórdão)

Tribunal de Justiça do Paraná
ano passado

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Câmara Criminal

Publicação

Julgamento

Relator

Miguel Kfouri Neto

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-PR_APL_00219298020208160030_c88b5.pdf
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Ementa

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL (ART. 129, § 9.º, CP). CONDENAÇÃO À PENA DE SETE (7) MESES E TRÊS (3) DIAS DE DETENÇÃO, EM REGIME ABERTO. RECURSO DA DEFESA.

1) PRELIMINAR DE NULIDADE POR INÉPCIA DA DENÚNCIA. REJEIÇÃO. INICIAL ACUSATÓRIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41, DO CPP.
2) PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CARACTERIZADA. PRESCINDIBILIDADE DE COABITAÇÃO, BASTANDO A EXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO ANTERIOR E QUE A VIOLÊNCIA EMPREGADA SE DEU EM RAZÃO DESTE RELACIONAMENTO.
3) MÉRITO. ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA. ACOLHIMENTO. BRIGA ENTRE EX-CÔNJUGE. MULHER QUE TOMA A INICIATIVA DE AGREDIR O EX-MARIDO, QUE SE DEFENDE PASSIVAMENTE, SEM AGREDI-LA, ATÉ QUE, SEM OUTRA ALTERNATIVA, IMOBILIZA A AGRESSORA CONTRA O SOLO. CENA INTEIRAMENTE FILMADA POR CELULAR, COM ÁUDIO E VÍDEO. PECULIARIDADES DO CASO QUE, EXCEPCIONALMENTE, CONDUZEM À ADMISSÃO DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ABSOLVIÇÃO DECRETADA, PREJUDICADAS AS DEMAIS ALEGAÇÕES DA DEFESA. RECURSO PROVIDO, PARA ABSOLVER O ACUSADO POR LEGÍTIMA DEFESA, À LUZ DO DISPOSTO NO ART. 25, DO CP. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - XXXXX-80.2020.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR MIGUEL KFOURI NETO - J. 02.12.2022)

Acórdão

O Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu denúncia contra CLAYTON APARECIDO DE AMURIN como incurso nas sanções dos artigos 129, § 9.º (1.º fato) e art. 147 (2.º fato), ambos do Código Penal do Código Penal, observadas as disposições da Lei n.º 11.340/2006, pelos fatos assim descritos:“Fato 01. No dia 23 de outubro de 2020 (período em que decretado estado de calamidade pública no Município de Foz do Iguaçu e no Estado do Paraná) 1 , por volta das 15h00min, na residência localizada na Rua Irineu Carrilho Afonso, nº 503, Bairro Cidade Nova, nesta cidade e Comarca de Foz do Iguaçu/PR, o denunciado CLAYTON APARECIDO DE AMURIN, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, ofendeu a integridade física da vítima GILDA DIONISIA ROMAN ALFONZO, sua ex-esposa, ao agredi-la derrubando-a no chão e segurando-a pelo seu pescoço, causando os ferimentos descritos no Laudo de lesões corporais (mov. 1.17): “ duas escoriações retro auriculares à esquerda, uma com 3,5cm e outra com 2cm; escoriação com base avermelhada com 1,5cm em região mandibular esquerda; área com equimose com pontos violáceos, com 2,5cm em região anterior de pescoço; escoriação com 1,5cm, com base avermelhada, ao lado da boca à direita; escoriação linear fina, com 8cm, avermelhada, junto a área de edema de 2cm, de cor arroxeada, em região posterior de ombro direito; equimose com 5cm em região medial de joelho direito -escoriação com 2,5cm em região anterior de perna direita”.Fato 02. Nas mesmas condições de tempo e local acima descritas, o denunciado CLAYTON APARECIDO DE AMURIN, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, ameaçou a vítima GILDA DIONISIA ROMAN ALFONZO, sua ex-esposa, com a promessa de causar-lhe mal injusto e grave, ao lhe ameaçar de morte, conforme termos de declarações (mov. 1.3 e 1.14).A ameaça foi proferida em tom sério e intimidativo, causando intenso sofrimento psicológico na vítima, a qual registrou boletim de ocorrência e representaram criminalmente contra o acusadoDessa forma, o denunciado CLAYTON APARECIDO DE AMURIN cometeu violência doméstica contra a vítima GILDA DIONISIA ROMAN ALFONZO, em sua modalidade física e psicológica, nos moldes do art. , inciso I e II, da Lei nº 11.340/2006.”. (mov. 14.1).Concluída a instrução probatória, o douto Magistrado a quo prolatou a r. sentença, que julgou parcialmente procedente a pretensão acusatória e absolveu o acusado do disposto no art. 147, do CP, com fulcro no art. 386, inc. VII, do CPP.Por outro lado, condenou o acusado como incurso nas sanções do art. 129, § 9.º, do CP, sendo imposta a pena de sete (7) meses e três (3) dias de detenção, em regime aberto (mov. 141.1). Inconformado, CLAYTON interpôs o presente apelo.Nas razões recursais, a Defesa arguiu, preliminarmente, a “rejeição da denúncia” ou, que seja considerada inepta, sob o argumento de que se baseou apenas na palavra da vítima, bem como, ignorou a filmagem do momento da suposta agressão. Ainda em caráter preliminar, busca a Defesa o afastamento da incidência da Lei Maria da Penha, eis que os fatos ocorreram no local de trabalho do recorrente, durante o seu expediente.No mérito, pretende a Defesa, em síntese, a absolvição do acusado, ao argumento de que CLAYTON agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa, pois somente repeliu a injusta agressão que sofria. Subsidiariamente, aduz que a conduta do acusado é atípica, pois não teve a intenção de lesionar a vítima e, também, que não existem provas suficientes para ensejar a condenação. Invoca a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Em caráter alternativo, pede a redução da pena-base imposta ao recorrente, eis que o comportamento da vítima contribuiu para a prática delitiva, devendo ser considerada para reduzir a sanção penal. Na terceira fase da dosimetria, argumenta que deve ser reconhecida a causa de diminuição de pena de crime praticado sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima (art. 29, § 4.º, CP).Ademais, postula a exclusão do valor mínimo fixado para reparação dos danos morais causados. Ao final, pleiteia a concessão de justiça gratuita (mov. 153.1). Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (mov. 163.1).A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em r. parecer subscrito pelo ilustre Procurador de Justiça, Dr. Ivonei Sfoggia, opina pelo parcial provimento do recurso, para o fim de reconhecer que o comportamento da vítima contribuiu para a prática do crime e que foi cometido sob o domínio de violenta emoção, sem, contudo, implicar em redução da pena (mov. 13.1 – TJ)É a síntese do essencial. Cuida-se de recurso de apelação criminal em que CLAYTON APARECIDO DE AMURIN postula a reforma da r. sentença que o condenou como incurso nas sanções do art. 129, § 9.º, do CP, sendo imposta a pena de sete (7) meses e três (3) dias de detenção, em regime aberto (mov. 141.1). Em suas razões recursais, a Defesa arguiu, preliminarmente, a “rejeição da denúncia” ou, que seja considerada inepta, sob o argumento de que se baseou apenas na palavra da vítima, bem como ignorou a filmagem do momento da suposta agressão. A pretensão não comporta acolhimento. De acordo com o disposto no art. 41 do Código Penal, “a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. In casu, verifica-se, sem muito esforço, que a preliminar suscitada é infundada, vez que a inicial acusatória apontou de forma clara, objetiva e adequada no que consiste a conduta do acusado, possibilitando o livre e regular exercício da atividade defensiva. Além disso, os elementos existentes nos autos são suficientes a demonstrar, a princípio, a existência de fato típico e de sua autoria por parte do acusado.Conforme bem pontuado na r. sentença condenatória:“A denúncia descreveu as condutas ilícitas do acusado Anderson Fabiano Pereira, narrando as datas, horários e o local de ocorrência dos fatos, mencionou que o denunciado, agindo de forma voluntária e consciente da ilicitude de sua conduta, prevalecendo-se das relações domésticas existentes, ofendeu a integridade física de sua companheira Loreni, no dia 25/12/2016, desferindo-lhe cotoveladas, torcendo seu braço e a esganando, conforme laudo de lesões corporais acostado no mov. 6.15. Nas mesmas condições fáticas, ainda ameaçou causar-lhe mal injusto e grave, pois disse que a mataria. No dia seguinte, colocou o dedo no olho da vítima e a estrangulou com as pernas, conforme laudo de lesões corporais acostado aos autos.” (mov. 213.1).Com efeito, não se vislumbra a inépcia da denúncia imputada ao réu, sob a alegação de não expôs adequadamente o fato criminoso a ele imputado com todas as suas circunstâncias, o que obstaria o exercício do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que a inicial acusatória descreveu adequadamente a data, local e horário dos fatos, além de individualizar a conduta praticada pelo réu.Portanto, estão preenchidos os requisitos do art. 41 do CP e não se verifica qualquer dificuldade ou mesmo prejuízo ao pleno exercício do direito de defesa. Sobre o tema, entendimento desta 1.ª Câmara Criminal: “APELAÇÃO CRIMINAL –VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – AMEAÇA (ART. 147, CAPUT, DO CP)– RECURSO DA DEFESA – PEDIDO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA – INCORRÊNCIA – A DENÚNCIA CUMPRE TODOS OS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP – (...)” (TJPR - 1ª C.Criminal - XXXXX-71.2017.8.16.0014 - Londrina - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU BENJAMIM ACÁCIO DE MOURA E COSTA - J. 01.05.2021) Do mesmo modo, não se pode perder de vista que ainda que assim não fosse, nunca é demais ressaltar que a superveniência de sentença condenatória, na qual é realizada a análise aprofundada acerca da existência de autoria e materialidade, viabilizando a plenitude de defesa, implica na superação da discussão acerca da inépcia da peça acusatória.A propósito:“(...) 3. "É firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que 'a superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal" ( AgRg no AREsp n. 537.770/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 18/8/2015). (...)” (STJ, AgRg no AREsp XXXXX/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 25/10/2021) Desse modo, inexistindo irregularidade, rejeito a preliminar arguida.Ainda, a Defesa defende a inaplicabilidade da Lei Maria da Penha ao presente caso. Sustenta que “(...) o ocorrido aconteceu no local de trabalho do Recorrente e durante o expediente, e não no quarto dos fundos onde o Recorrente repousa, já que deixou sua casa e pertences todos para a Sra. Gilda e filhos.”Razão, contudo, não lhe assiste.Segundo análise dos autos, CLAYTON foi condenado pelo delito de lesão corporal praticado contra sua ex-companheira, fato admitido pela Defesa. Inicialmente, oportuno mencionar que a Lei Maria da Penha não restringe sua aplicação somente a fatos cometidos em um quadro de marido e esposa, de modo que o fato de CLAYTON e Gilda serem divorciados, nada altera o cenário acerca da necessária aplicação da referida lei.No mesmo sentido já decidiu esta 1.ª Câmara Criminal:“VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME DE LESÃO CORPORAL COMETIDO PELO NOTICIADO CONTRA A EX-SOGRA. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. DELITO PRATICADO, EM TESE, NO ÂMBITO FAMILIAR. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO E VULNERABILIDADE DA VÍTIMA FRENTE A SEU AGRESSOR. DESNECESSIDADE DE COABITAÇÃO PARA CONFIGURAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR PREVISTA NO ART. 5.º DA LEI 11.350/2006. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO. CONFLITO PROCEDENTE.” (TJPR - 1ª C.Criminal - XXXXX-34.2019.8.16.0131 - Pato Branco - Rel.: DESEMBARGADOR MIGUEL KFOURI NETO - J. 29.11.2020) Ademais, a inexistência da obrigatoriedade de coabitação para a sua incidência conforme demonstrado, e ao encontro do entendimento da súmula nº 600 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”.O art. 5.º, inc. III, da Lei Maria da Penha, dispõe que:“(...) configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (...) II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.(...) III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”.Ademais, o art. 7.º descreve que é forma de violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre outras: “(...) II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (...)”.É exatamente a hipótese ocorrida na espécie.In casu, é fato incontestado de que o acusado e a vítima são divorciados e, inclusive, possuem filhos em comum. Desta feita, mesmo que o delito lesão corporal descrito na denúncia tenha sido praticado no local de trabalho do réu, isto não afasta ou possuí relação com a incidência da Lei Maria da Penha.Não há, assim, que se falar na inaplicabilidade da lei Maria da Penha, pois comprovado que a vítima mantinha são divorciados, inclusive, com filhos em comum, pouco importando que os fatos tenham ocorrido no local de labor de CLAYTON.No mérito, pretende a Defesa, em síntese, a absolvição do acusado, ao argumento de que CLAYTON agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa, pois somente repeliu a injusta agressão que sofria. A almejada absolvição merece acolhimento.A autoria do delito é clara e incontestável, e por sua vez recai sobre a pessoa do réu, conforme se apura das provas produzidas na demanda, devendo apenas ser analisado se CLAYTON agiu ou não resguardado pela excludente de ilicitude da legítima defesa.A materialidade delitiva resta demonstrada pelo Boletim de Ocorrência (mov. 1.2), laudo do exame de lesões corporais (mov. 1.17), auto de constatação de lesões corporais (mov. 1.4), imagens (mov. 1.5 – 1.9), vídeos (mov. 11.1 – 11.3, 39.2 e 39.3), além da prova oral produzida em fase inquisitorial e judicial.Ao ser ouvido em Juízo CLAYTON APARECIDO DE AMURIN apresentou a seguinte versão do ocorrido:“(...) no começo do ano de 2020 teriam tido uma viagem para a praia e a vítima queria levar um primo dela junto; que o interrogado teria dito que não poderia, mas a vítima teria insistido em levá-lo; que teriam levado o primo da vítima junto para praia e ele teria “agarrado a menina” daqui até a praia; que ele teria dormido junto com “a menina” no mesmo quarto; que o interrogado teria falado que isso estava errado; que quando chegaram da praia falou para a vítima que estava errado e que “a menina” ainda era menor; que a vítima e “a menina” não aceitaram isso; que teriam começado a discutir; que a vítima teria começado a acusar o interrogado; que ela teria dito que tudo que “o menino” fez com “a menina” teria sido o interrogado quem teria feito; que para não brigar, no final do mês de abril, teria saído de casa; que de tanto a vítima bater e brigar com as meninas dentro de casa, o interrogado teria cansado e saído de casa; que como se separou da vítima no final de abril, a vítima pegou um advogado e começou a fazer denúncias sobre o interrogado; que no dia 18/07 a vítima teria ido na casa da mãe do interrogado e lhe agredido em frente à casa; que no dia 23/08, data dos fatos, a vítima foi no comércio do interrogado e fez o que fez; que a vítima teria chegado no comércio com a sua filha; que a primeira coisa que a vítima fez quando se separou foi pedir medida protetiva contra o interrogado; que teve que ficar 06 meses longe da sua filha; que no sábado à noite a vítima teria ligado para o interrogado falando que sua filha estava com saudade; que teria dito para ela que buscaria a filha e não precisava que ela fosse até a casa do interrogado; que a vítima teria chegado com a filha na casa do interrogado por volta das 15h00min; que teria conversado um pouco com a sua filha e ela teria começado a chorar; que teria dado um chocolate para a filha e a vítima teria pegado o chocolate da mão da filha e jogado na cara do interrogado; que a vítima teria pegado o carro para ir embora e, quando ela viu que o enteado do interrogado estava filmando, voltou para o comércio; que a vítima começou a falar que a irmã do interrogado não prestava, que era uma vagabunda; que quem avançou primeiro no interrogado foi a vítima; que não reagiu, apenas se defendeu; que não fez nada contra a vítima; que tudo que a vítima está dizendo contra o interrogado é coisa dela e da advogada dela; que a vítima quer ficar com a casa; que o interesse dela é a casa; que os fatos ocorreram no comércio do interrogado; que não foi em uma residência; que o comércio fica na Rua Irineu Carrilho Afonso, nº 503; que mora nos fundos do comércio; que reside no local também; que tem o comércio na frente e o quarto nos fundos; que o rapaz que é primo é Jonas Matos; que não conseguiu localizar ele; que ele mora no Paraguai; que ele era maior de idade; que a vítima leva a filha no Paraguai frequentemente; que no dia dos fatos apenas se defendeu; que não agrediu e não falou nada para a vítima; que apenas segurou a vítima no chão para que ela se acalmasse; que não tinha intenção de machucar a vítima; que a vítima é muito alterada, qualquer coisa ela está brigando e discutindo (...)” (transcrição de interrogatório constante da sentença condenatória de mov. 141.1 – devidamente conferida com gravação audiovisual no mov. 127.3).Ao ser ouvida em juízo, a ofendida apresentou a seguinte versão dos fatos:“(...) os fatos são verdadeiros; que estão separados; que a filha queria ver o acusado; que teria levado a filha na residência do acusado; que o acusado começou a agredir a depoente; que o acusado lhe derrubou no chão e agrediu muito; que tem uma gravação disso; que não tem posse da gravação, mas existe; que o acusado arranhou seu pescoço, costas; que estava junto com suas duas filhas no momento dos fatos; que depois dos fatos a depoente foi fazer a denúncia; que o acusado teria levantado sua blusa; que tem medida protetiva vigente; que após os fatos em 2020 o acusado não lhe incomodou mais; que agora começaram as visitas novamente; que ele vai na casa da depoente buscar a filha; que ele não desce do carro; que não tem conflito nenhum; que a filha do acusado, naquela época, teria reclamado que queria ver o pai; que levou ela até ele; que não ligou para o acusado informando que levaria a filha; que não houve combinação de data e horário; que teria procurado o acusado no comércio onde ele mora hoje; que o fato ocorreu em um domingo; que era um comércio e estava aberto; que o comércio é dividido, o acusado mora no local também; que na época dos fatos a depoente estaria impedindo o acusado de ver as filhas; que o juiz ainda não tinha determinado as visitas e a filha pequena teria dito que queria ver o pai; que por isso teria levado ela; que o fato é do dia do vídeo juntado nos autos; que também pulou no acusado; que no dia dos fatos estava no local o filho da esposa do acusado, o qual estava gravando o vídeo, e a esposa do acusado também; que a esposa do acusado ficava lá para dentro o tempo todo; que o local dos fatos é o comércio do acusado, mas o acusado mora na parte de trás; que o carro que aparece no vídeo é o carro da depoente; que duas filhas estavam dentro do carro; que ao ser mostrado o vídeo de mov. 39.2, afirmou que o acusado estava lhe agredindo depois que pulou nele; que o acusado estava negando todas as coisas que ele fez; que a vítima ficou no chão; que o acusado tirou sua blusa (...)”(transcrição de interrogatório constante da sentença condenatória de mov. 141.1 – devidamente conferida com gravação audiovisual no mov. 127.2).Pois bem.A alegação de legítima defesa, pelos agressores, em casos de agressão enquadráveis na Lei Maria da Penha, é frequente. Mas, quase sempre, repelida, dada a superioridade física do homem – que quase sempre poderia evitar a agressão da mulher subjugando-a, mas não, necessariamente, revidando a agressão. O caso em tela, todavia, revela peculiaridades a serem consideradas.A ex-mulher, sem qualquer aviso prévio, levou a filha menor, de seis (6) anos na época, para ver o pai, de surpresa, no local de trabalho do genitor – singelo mercadinho de periferia. A criança dizia estar com muita saudade do pai. Necessário relembrar, para se ter uma ideia do contencioso vivenciado pelo casal, o acusado estava privado de conviver com a criança em razão de medidas protetivas fixadas em favor da ofendida. O pai, pego de surpresa com a presença da filha – pois a mulher não o avisara previamente –, no afã de agradar a menina, deu-lhe uma caixa de chocolates. Ao entrar no carro da mãe, para irem embora, a mulher pegou a caixa e jogou longe. Na sequência, desembarcou do carro e passou a xingar o ex-marido, avançando contra ele, visando a feri-lo com as unhas.Todo o desenrolar dos fatos, como dito, foi gravado em vídeo, por celular (mov. 11.3). O trecho mais significativo encontra-se a partir do trecho 08min:40seg, do citado movimento. Quem parte para a agressão é a mulher. O ex-marido apenas tenta segurar as mãos da agressora, pedindo a alguém para filmar a cena. Somente imobiliza a mulher no chão, quando vê que se torna impossível sua própria defesa, de maneira passiva, como estava agindo.A mulher, no vídeo, por três vezes, justifica sua iniciativa de investir contra o apelante, que a teria feito “ficar com raiva”, “passar raiva”.Inexiste, pois, qualquer dúvida quanto ao fato de a mulher ter dado início às agressões. E, certamente por conhecer o gênio da ex-companheira, a todo momento o acusado pedia que a cena fosse filmada.Nesse caso, excepcionalmente, reconheço militar em favor do acusado a excludente de ilicitude da legítima defesa, motivo pelo qual há de ser ele ABSOLVIDO da imputação de lesão corporal.Em todo esse triste enredo, mais uma vez, valha a advertência que esta Câmara sempre consigna, quando se tem a nítida impressão de que os pais, imersos em suas próprias raivas e frustrações recíprocas, esquecem-se das pessoas que mereceriam carinho, atenção e uma atmosfera de concórdia e amor: as duas filhas do casal. Com um isto de aflição e vergonha, tentam fazer cessar a conduta do casal. Realmente triste que fatos assim continuem a ocorrer.Ademais, é sabido que no processo criminal as provas colhidas devem ser robustas, positivas e fundadas em dados concretos que identifiquem tanto a autoria quanto a materialidade para que se possa ter a convicção de estar correta a solução condenatória, pois o reconhecimento da culpa do réu deve estar acompanhado de certeza.É a lição de Adalberto José Camargo Aranha:“A condenação criminal somente pode surgir diante de uma certeza quanto à existência do fato punível, da autoria e da culpabilidade do acusado. Uma prova deficiente, incompleta ou contraditória, gera a dúvida e com ela a obrigatoriedade da absolvição, pois milita em favor do acionado criminalmente uma presunção relativa de inocência” (Da prova no processo penal, 3ª ed. atual. e ampl, p. 64/65, Saraiva 1994).Destarte, diante da situação exposta e da prova produzida, não se pode sustentar a condenação do recorrente, ao ponto de que está comprovado que agiu em legítima defesa. Em abono, segue o entendimento desta c. Câmara Criminal:“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA POR LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE COMPROVADA NOS AUTOS, ESTREME DE DÚVIDAS. AGENTE QUE SE UTILIZOU MODERAMENTE DOS MEIOS NECESSÁRIOS PARA REPELIR A INJUSTA AGRESSÃO QUE IMAGINAVA SER ALVO. RECURSO PROVIDO.” (TJPR - 1ª C.Criminal - XXXXX-60.2018.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR ADALBERTO JORGE XISTO PEREIRA - J. 08.08.2022) “PENAL E PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO CRIME - HOMICÍDIO QUALIFICADO - EXCLUDENTE DE ILICITUDE RECONHECIDA - ABSOLVIÇÃO - PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA PARA PRONUNCIAR O ACUSADO - INVIABILIDADE - LEGÍTIMA DEFESA COMPROVADA - DECISÃO MANTIDA. Restando comprovado, pela prova judicializada colhida, que a na ação do Recorrido, os requisitos previstos no artigo 25 do Código Penal, resta configurada a legítima defesa a autorizar a manutenção da absolvição sumária imposta em primeiro grau.” (TJPR - 1ª C.Criminal - XXXXX-02.2017.8.16.0006 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR ANTONIO LOYOLA VIEIRA - J. 14.03.2019) Consequentemente, as teses alternativas defensivas de redução da pena imposta ao réu, bem como de exclusão do valor mínimo fixado para reparação dos danos morais causados restam prejudicadas.À face do exposto, define-se o voto pelo provimento do recurso interposto, para o fim de absolver CLAYTON APARECIDO DE AMURIN da prática do crime previsto no art. 129, § 9.º, do Código Penal, por legítima defesa, nos termos da fundamentação exposta.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1727079189

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