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17 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Ação Civil Pública • Ordem Urbanística • XXXXX-31.2019.8.26.0577 • 1ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 3 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Vara da Fazenda Pública

Assuntos

Ordem Urbanística

Juiz

Silvio José Pinheiro dos Santos

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorParecer da PGJ (pag 175 - 185).pdf
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Apelação nº XXXXX-31.2019.8.26.0577 - São José dos Campos

Apelantes e reciprocamente apelados: Município de São José dos Campos e Moabe Cesar Quirino

Egrégio Tribunal

Colenda Câmara

Trata-se de recursos de apelação interpostos em face da r. sentença de fls. 113/117 que julgou procedente ação demolitória ajuizada pelo Município de São José dos Campos em face de Moabe Cesar Quirino, mas lhe atribuiu a obrigação de providenciar solução de moradia para o requerido.

O Município de São José dos Campos ajuizou ação demolitória em face de Moabe Cesar Quirino , proprietário/ocupante de imóvel situado no parcelamento irregular do solo e em área de risco, mais especificamente na Rua dos Astecas, s/n, em frente ao número 796 e lado esquerdo do número 60, Chácara Boa Vista, São José dos Campos.

O Município argumentou, basicamente, que a casa encontra-se em loteamento clandestino e em área de risco, não sujeita à regularização, tendo o requerido, ainda, construído seu imóvel sem autorização municipal.

Relatou o autor que o requerido foi notificado a proceder à demolição do imóvel, e que, não obstante ter decorrido o prazo concedido, não obedeceu a ordem administrativa, tendo-lhe, por este motivo, sido lavrado o pertinente auto de infração e multa.

O Município argumentou que as medidas administrativas regularmente perpetradas foram infrutíferas, razão pela qual ajuizou a presente demanda, almejando a desocupação e demolição do imóvel em questão. Com a inicial, vieram documentos.

Ao final, requereu procedência do presente pedido, condenando-se o (s) réu (s) a desocupar e demolir a edificação aqui tratada, sob pena de, em não fazendo, possa o Município fazê-lo, ressarcindo-se dos custos da demolição.

Regularmente citado (certidão de fls. 65), o requerido ofertou contestação a fls. 72/79. Sustentou que a ação deveria ser extinta, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade de passiva, uma vez que não teria causado qualquer dano ao meio ambiente.

Sustenta a inconstitucionalidade do ato administrativo, por ferimento ao princípio da impessoalidade, uma vez que o Município deveria propor ação coletiva contra os diversos ocupantes da área em questão, que se encontram na mesma situação do requerido.

Requer a improcedência da ação ante a ausência de demonstração de qualquer risco que indiquem a necessidade de demolição da construção.

Réplica do Município a fls. 95/99, sustentando que os documentos trazidos em conjunto à inicial são suficientes para comprovar a irregularidade da construção alvo desta ação, erigida em loteamento clandestino, sem o necessário licenciamento municipal, em área classificada pela defesa civil como risco alto de escorregamento (R2).

O Ministério Público manifestou-se a fls. 108/111, no sentido da procedência da ação demolitória.

Em sentença de fls. 113/117, o DD. Magistrado a quo julgou procedentes os pedidos da inicial, porém condenou a municipalidade em obrigações de fazer. Eis o dispositivo: "Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado, condenando o réu a proceder, no prazo de 90 (noventa) dias à desocupação e demolição da construção aqui tratada, por ter sido construída em parcelamento ilegal de solo, em loteamento clandestino e sem qualquer autorização municipal. Decorrido o prazo sem cumprimento da obrigação, fica a Municipalidade autorizada a efetuar a demolição, às expensas do requerido, devendo colocar à disposição da família aluguel-social, nos termos do Programa Municipal de Auxílio- Moradia Emergencial, instituído pela Lei Municipal nº 8.558/2011 ou outra alternativa habitacional concreta ao requerido e sua família. Na hipótese de existência de moradores no local, atribuo ao MUNICÍPIO-autor o ônus de providenciar a remoção seus trabalhos e escolas, se distante o local do alojamento daquele em que exercem suas ocupações habituais. É que, além dessa providência ser indispensável para a manutenção da dignidade do réu, não se pode deixar de lado que o Poder Público tem, em princípio, sua cota de responsabilidade para que a situação chegasse ao estado atual, por permitir que construções fossem erguidas em local instável. Face a situação atual em que nosso país se encontra, assim que o expediente forense se normalizar e - após o encerramento das restrições oriundas das providências pertinentes ao combate da pandemia global de COVID19 -, certifique a serventia o decurso do prazo de desocupação. Esclareço que a providência demandaria a movimentação de grande quantidade de pessoas, promovendo aglomeração, momentaneamente inviável. Daí o condicionamento à normalização do expediente com encerramento das restrições impostas pela pandemia."

Inconformados, apelam o requerido (fls. 129/137) e o Município de São José dos Campos (fls.143/146) requerendo a reforma de tal decisão.

O requerido requer a anulação da sentença, alegando cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide.

O Município requer seja afastado de seu comando dispositivo a parte que lhe atribuiu a obrigação de providenciar moradia e meios de locomoção aos ocupantes do imóvel irregular, porque contraria frontalmente o artigo 141, do CPC e afronta o princípio da inércia da jurisdição.

Somente o Município apresentou contrarrazões (fls. 152/158).

O Ministério Público manifestou-se a fls. 162/168. Manifestou-se pelo não acolhimento da preliminar de nulidade, em razão de cerceamento de defesa, decorrente do julgamento antecipado da lide. Requer o desprovimento do apelo de Moabe Cesar Quirino, pois o imóvel está localizado em parcelamento irregular do solo, com edificação erigida sem qualquer autorização municipal, o que configura evidente ato ilícito.

Pugna, igualmente, pelo desprovimento do recurso do Município, pois há amparo legal para a manutenção da condenação, com fundamento no poder geral de cautela do magistrado e no princípio da dignidade da pessoa humana.

Vieram os autos a esta Procuradoria de Justiça para parecer.

É o breve relato.

Os recursos de apelação não merecem provimento.

Do recurso do ocupante

Não deve ser acolhida o pedido de anulação da sentença em razão do julgamento antecipado da lide.

O julgamento antecipado da lide é permitido pelo ordenamento pátrio, não sendo necessária a produção de demais provas quando já forem constatados elementos suficientes para a formação do convencimento do julgador, habilitando-o a proferir decisão.

O magistrado, dentro do seu livre convencimento, possui a faculdade de julgar antecipadamente a lide caso o conjunto probatório constante dos autos já seja suficiente para embasar seu entendimento. Não é outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. DESNECESSIDADEDE PRODUÇÃO DE PROVA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. LIVRECONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. ACERVO DOCUMENTAL SUFICIENTE. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REEXAME DE PROVA. SÚMULA Nº 07/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. [...]

5. Nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, "a tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões determinantes de decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese em que não há que se falar cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide" e que "o magistrado tem o poder -dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de audiência para a produção de prova testemunhal, ao constatar que o acervo documental acostado aos autos possui suficiente força probante para nortear e instruir seu entendimento" (REsp nº 102303/PE, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 17/05/99).

6. Precedentes no mesmo sentido: MS nº 7834/DF, Rel. Min. FélixFischer; REsp nº 330209/SP, Rel. Min. Ari Pargendler; REsp nº 66632/SP, Rel. Min. Vicente Leal, AgReg no AG nº 111249/GO, Rel.Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira; REsp nº 39361/RS, Rel. Min. JoséArnaldo da Fonseca; EDcl nos EDcl no REsp nº 4329/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira. Inexistência de cerceamento de defesa em face do indeferimento de prova pleiteada. [...]

8. Agravo regimental não-provido. (STJ, AgRg no Ag XXXXX / PA, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 12/12/2008)

Ainda:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSOESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC. CERCEAMENTO DEDEFESA NÃO CONFIGURADO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. ANÁLISE DASCONDIÇÕES ECONÔMICAS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO EM SEDE DE RECURSOESPECIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

[...]

2. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que não configura cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção de prova testemunhal, quando o tribunal de origem entender que o feito foi corretamente instruído, declarando a existência de provas suficientes para o seu convencimento .

[...]

4. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg nos EDcl no AREsp XXXXX / DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/08/2012).

É de se consignar que o art. 131 do Código de Processo Civil instituiu o princípio da persuasão racional ou do livre convencimento motivado do juiz.

Sobre este princípio já se pronunciou o colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "o art. 131, do CPC consagra o princípio da persuasão racional, habilitando-se o magistrado a valer-se do seu convencimento, à luz dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto constantes dos autos, rejeitando diligências que delongam desnecessariamente o julgamento, atuando em consonância com o princípio da celeridade processual". 1

Assim, não há que se falar em nulidade, decorrente de cerceamento de defesa.

Do recurso do Município de São José dos Campos

Antes de entrar no mérito recursal propriamente dito, faz-se necessário consignar, por honestidade intelectual, que esta Procuradoria de Justiça já se manifestou em caso análogo a este pelo acolhimento da tese do Município. Porém, após melhor análise da questão, muda de posicionamento para entender pela correção do comando judicial de primeiro grau.

O Município, em seu recurso, sustenta que ocorre error in procedendo , isto pela imposição de obrigação sem pedido formulado, no sentido de providenciar remoção e alojamento para as pessoas e meios de locomoção para a escola e trabalho.

Em princípio, pode-se pensar que houve, realmente, imposição de obrigações sem pedido formulado ao autor. Todavia, devemos lembrar que neste caso o resultado da demanda foi a decretação da demolição da construção erigida em loteamento clandestino, sem autorização municipal, sabido que cabe ao Município, nos termos do art. 30, inciso VIII da CF, impedir parcelamento do solo em arrepio à legislação, com o que, bem considerou o Juízo em Primeiro Grau na sentença, "É que, além dessa providência ser indispensável para a manutenção da dignidade da ré, não se pode deixar de lado que o Poder Público tem, em princípio, sua cota de responsabilidade para que a situação chegasse ao estado atual, por permitir que construções fossem

Há de se considerar que a moradia é direito social básico, integra o" mínimo existencial ", se constitui um direito de personalidade, portanto inato e indisponível, essencial para a concretização da dignidade humana, e na sentença foi imposto ao Município providenciar a " remoção de eventuais moradores para local, ainda que provisório, em que seja preservada a unidade do núcleo familiar constituído" , o que está compreendido dentro da obrigação estatal de prover esse extraordinário conteúdo social, tanto pela ótica do bem jurídico tutelado - a necessidade humana de um teto capaz de abrigar a família com dignidade -, quanto pela situação das pessoas que serão removidas, normalmente hipossuficientes econômicos.

Por outro lado, assegurar o transporte das crianças à escola já é uma obrigação estatal, pois segundo o art. 11, inciso VI da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96),"os Municípios incumbir -se-ão de assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal" .

E o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) dispõe no art. 53, inciso V: "A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência", complementando o art. 54, inciso VII:"É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde".

Compete ao município, no exercício do poder-dever de polícia para a correta ordenação territorial (art. 30, VIII, CF e art. da Lei nº 10.257/01 - Estatuto da Cidade), adotar as medidas aptas a sanar as irregularidades no parcelamento e uso do solo.

Assim, a determinação constante da sentença visa, em essência, à defesa do direito à moradia digna, direito social constitucional (art. , caput, CF) e o município tem a obrigação legal de adotar medidas visando à proteção da população em geral, inclusive para evitar sua exposição a riscos de desastres (art. , VI, h, Lei nº 10.257/01 - Estatuto da Cidade), garantindo-lhes condições de habitabilidade, a saúde e a vida como bens indisponíveis, e a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República (inciso III do artigo 1º e caput do artigo 5º, da Constituição Federal).

Vê-se, portanto, que a pronta desocupação do local e demolição do imóvel é medida que se impõe e visa à tutela dos direitos à saúde, à vida e outros direitos indisponíveis dos moradores do local, inclusive o apelante. E, para se preservar o direito constitucional à moradia digna, foi determinado ao município a adoção de medidas para proceder à remoção dos moradores para outro local, de modo a preservar a unidade do núcleo familiar, bem como assegurar os meios de locomoção dos moradores a seus trabalhos e escolas, se distante o local do alojamento daquele em que exercem suas ocupações habituais.

Há precedentes sobre casos análogos, de construções irregulares em loteamentos situados em São José dos Campos:

AÇÃO ORDINÁRIA - Alegação de error in procedendo - Inocorrência, descabendo argumentar com violação ao princípio da inércia da jurisdição - Cabe ao Judiciário a defesa de quem se encontra em situação vulnerável, porquanto o Brasil, por imperativo constitucional, é uma República" justa e solidária "(art. , II, da CF)- Recurso improvido,

Câmara de Direito Público; Foro de São José dos Campos - 1a Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 03/02/2020; Data de Registro: 03/02/2020)

Diante disso, correta a decisão de primeiro grau.

Diante do exposto, manifesta-se esta Procuradoria de Justiça pelo não provimento dos recursos.

São Paulo, 11 de janeiro de 2021.

Natália Fernandes Aliende

Procuradora de Justiça

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1483217248/inteiro-teor-1483217257