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16 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Procedimento Comum Cível • Indenização por Dano Moral • XXXXX-74.2021.8.26.0100 • 12ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

12ª Vara Cível

Assuntos

Indenização por Dano Moral

Juiz

Guilherme Rocha Oliva

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teor102400753%20-%20Julgada%20Procedente%20a%20A%C3%A7%C3%A3o.pdf
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SENTENÇA

Processo Digital nº: XXXXX-74.2021.8.26.0100

Classe - Assunto Procedimento Comum Cível - Indenização por Dano Moral

Requerente: Vanessa de Araújo Souza

Requerido: Erick Leonardo de Oliveira

Juiz (a) de Direito: Dr (a). GUILHERME ROCHA OLIVA

Vistos.

Vanessa de Araújo Souza ajuizou demanda de indenização moral contra Erick Leonardo de Oliveira, alegando, em síntese, que (i) era paciente do réu e submeteu- se a alguns procedimentos estéticos na clínica dele; (ii) posteriormente, aproximaram-se e tornaram-se sócios na pessoa jurídica Wonder Data Security Consultoria Ltda. A sociedade não deu certo e o réu elaborou documento falso por cujo teor a autora confessava dever para ele, usando tal documento para ajuizar execução de título extrajudicial (processo nº XXXXX-33.2020.8.26.0100); (iii) a autora registrou boletim de ocorrência e opôs embargos à execução (processo nº XXXXX-50.2020.8.26.0100), arguindo a falsidade material do título executivo; (iv) o réu forneceu à sua assistente técnica o prontuário médico da autora, protegido por sigilo médico. Posteriormente, juntou tal documento no processo, expondo detalhes de sua intimidade para assistente técnica, perito, magistrado, serventuários da justiça e advogados; (v) não havia autorização nem justo motivo para a divulgação do prontuário e é vedado ao médico revelar o conteúdo de prontuário ou ficha médica sem o consentimento do paciente; (vi) a violação do sigilo médico e de sua intimidade motiva a condenação do réu ao pagamento de indenização por moral. Diante do exposto, pediu a condenação do réu ao pagamento de indenização moral a ser fixada em R$ 10.000,00.

O réu apresentou contestação (fls. 228/250), na qual suscitou preliminar de

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carência de ação fundada na ausência de documentos necessários à análise das alegações formuladas. No mérito, argumentou, em suma, que: (i) no processo referido, o Juízo determinou que a perita prosseguisse os trabalhos com a análise dos documentos juntados; (ii) a perita requereu a juntada de documentos nos quais constasse a assinatura da autora e o juiz deferiu o pedido; (iii) os documentos fornecidos à assistente técnica não fazem parte do prontuário médico da autora, mas são somente fichas e termos onde constam sua assinatura; (iv) não há dados relevantes ou protegidos por sigilo profissional; (v) o prontuário médico pode ser apresentado em razão de ordem judicial ou para defesa do próprio médico; (vi) não há dano moral a ser indenizado; (vii) o processo tramita em segredo de justiça; (viii) o exercício regular de um direito não pode motivar o pagamento de indenização. Requereu a condenação da autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé.

Foi apresentada réplica (fls. 278/287).

Instados sobre a produção de provas (fls. 288), a autora requereu a produção de prova documental e estudo técnico para confirmar que os documentos fazem parte de prontuário médico (fls. 291) e o réu requereu o julgamento antecipado da lide (fls. 292/293).

É o relatório.

Fundamento e decido.

É caso de julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, I, do Código de Processo Civil, porque a questão é de direito e a prova requerida pela autora não é necessária à análise da controvérsia (artigo 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil).

Não há conexão dessa demanda com a veiculada no processo nº XXXXX-50.2020.8.26.0100 (embargos à execução), porque há diversidade de causa de pedir e pedido e, mesmo que houvesse identidade, aquele processo já foi sentenciado, o que impede a reunião para julgamento conjunto (art. 55, § 1º, do CPC).

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Não há, além disso, prejudicialidade externa desse processo em relação a aquele (que, embora julgado em primeiro grau, não transitou em julgado), não sendo caso de aplicar o art. 55, § 3º, do CPC, porque o desfecho daquele caso (procedência ou improcedência dos embargos à execução falsidade ou autenticidade da assinatura da autora) é irrelevante para esse processo, cujo objeto é a existência ou não de dano moral pela juntada de prontuário médico.

Rejeito a preliminar de ausência de documentos essenciais suscitada pelo réu, porque a autora juntou todos os documentos necessários para o julgamento da causa, especialmente aqueles nos quais a causa de pedir e o pedido se assentam (fls. 133/213).

Passo ao julgamento do mérito.

Dispõem os artigos 73, 85 e 89 do Código de Ética Médica:

É vedado ao médico:

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

Art. 85. Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade.

No caso dos autos, os documentos de fls. 149/158 foram juntados pela Wonder Data Security Consultoria Ltda. ao processo nº XXXXX-93.2020.8.26.0100. Embora juntados pela pessoa jurídica, os documentos foram a ela entregues pelo réu, médico e responsável pela sua guarda e sigilo.

Nos documentos, há não apenas orçamentos para realização de procedimento cirúrgico, mas também informações médicas da autora e anamnese, na qual constam dados da saúde da autora, procedimentos já realizados e o plano para realização de procedimento estético.

Há, também, informações íntimas, como a colocação de botox e a realização de

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cirurgia para implante de silicone nos seios, bem como a realização de cirurgia estética no nariz (fls. 150).

A entrega a terceiro e a juntada no processo do prontuário médico da autora era totalmente desnecessária, considerando-se que o réu possuía outros documentos com a assinatura da autora (afinal, ambos mantiveram sociedade juntos). Aliás, outros documentos constaram do próprio estudo apresentado (fls. 159/162).

E mesmo que o réu não tivesse outros documentos, ainda assim a juntada do prontuário era desnecessária, pois para a realização da perícia grafotécnica bastava a colheita da assinatura da autora, em solenidade a ser marcada pelo perito, e a comparação com o documento no qual aposta a assinatura cuja veracidade era questionada, como é de rigor em qualquer perícia dessa espécie.

Assim, é evidente a quebra do sigilo médico sem razoável motivação para tanto e sem que fosse necessário à defesa do réu.

Diante disso, o dano moral se caracteriza por duas razões.

Em primeiro lugar, as informações divulgadas (presença de botox, silicone nos seios, realização de cirurgia do nariz, entre todas as outras) são íntimas e a violação violenta da intimidade causa, sem a menor dúvida, sensação de injustiça, vergonha e tristeza, caracterizando lesão aos direitos da personalidade.

Dano moral, por sua natureza, não se é demonstrável nem sujeito à comprovação, mas aferível segundo o senso comum do homem médio. Resulta por si mesmo da ação ou omissão culposa, in re ipsa , porque provoca dor, física ou psicológica, constrangimento, sentimento de reprovação, lesão e ofensa ao conceito social, à honra, à dignidade.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou a respeito: "não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a

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condenação, sob pena de violação do art. 334 do Código de Processo Civil" (REsp nº 86.271-SP, 3a Turma, j. 10.11.1997, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

Em segundo lugar, ainda que assim não fosse e nada houvesse no prontuário, a simples quebra do sigilo profissional já seria suficiente ao reconhecimento do dever de indenizar. Nesse sentido:

"APELAÇÃO INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL MÉDICO HOSPITAL DA FAMEMA AUTARQUIA MUNICIPAL DE MARÍLIA Pretensão de indenização por dano moral pela quebra de sigilo profissional médico dos representantes da ré, o que teria ocasionado sua prisão em flagrante por suposto crime de aborto de feto com 38 semanas Admissibilidade Controvérsia é limitada à aferição de quebra de sigilo profissional, porquanto o mérito da prisão não é objeto dos autos e o Estado de São Paulo não constou no polo passivo da ação Ofensa ao Código de Ética Médica (art. 73) Proibição de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal Prova inequívoca de que as informações pessoais passadas pela paciente aos médicos (intenção de abortar) e constantes no laudo médico (presença de 2 pílulas abortivas no órgão sexual da autora) foram repassadas pelos médicos à autoridade policial

Representantes da requerida constaram como testemunhas no auto de prisão em flagrante Ilicitude da conduta verificada Precedente do STF Quebra de sigilo profissional enseja dano moral IN RE IPSA Precedentes do STJ e deste Tribunal" (TJSP; Apelação Cível XXXXX- 93.2017.8.26.0344, 3a Câmara de Direito Público, j. 13/08/2019, rel. Des. Maurício Fiorito).

"RESPONSABILIDADE CIVIL - Pretensão à reparação por danos morais e materiais decorrente de quebra de sigilo profissional do médico réu pelo fornecimento de cópia de relatório psiquiátrico do autor à sua ex-companheira - Esta por sua vez, com base no conteúdo deste, ingressou com medida cautelar protetiva contra o autor - Fato que teria

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repercutido negativamente também na faculdade em que o ofendido frequentava - Ausência de comprovação deste particular que não exclui o ilícito perpetrado pelo réu, posto que admitida a quebra do sigilo profissional - Violação ao Código de Ética Médica (Resoluções 1.246/1988 e 1.605/2000, do CFM)- Ausência de justa causa, aliada a ausência de consentimento do paciente, que gera o dever de indenizar - Lesão extrapatrimonial à honra que também existe in re ipsa - Fixação do valor em R$ 10.000,00 , corrigidos monetariamente da data do arbitramento (Súmula 362 do C. STJ) e juros de mora legais, aptos aos objetivos da lei - Supostos danos materiais pela mesma razão irreparáveis - Recurso provido em parte" (TJSP; Apelação Cível XXXXX-63.2009.8.26.0248, 9a Câmara de Direito Privado, j. 15/07/2014, rel. Des. Galdino Toledo Júnior).

No mais, ainda que o processo estivesse acobertado pelo segredo de justiça, não estava sob sigilo absoluto no sistema SAJ, de modo que quantidade não determinada de pessoas (advogados, servidores da justiça, perito, assistente técnica, juiz, Desembargadores, dentre outros) teve acesso aos autos e às informações dele constantes, em razão de suas atividades profissionais. Assim, a concessão do segredo não é suficiente para afastar o dever de indenizar.

Sedimentada a ocorrência de dano moral, no tocante ao valor da indenização, prevalece que "o arbitramento da condenação a título de dano moral deve operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, suas atividades comerciais, e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual, e às peculiaridades de cada caso" (STJ, REsp n. 173.366-SP, 4a Turma,

j. 03-12-1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

Deve ser, então, respeitado o princípio da proporcionalidade e levados em conta as circunstâncias que envolveram o fato, as condições econômicas das partes, o grau

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da ofensa e a preocupação de não permitir que a condenação passe despercebida, ou seja, o efeito pedagógico de desestimular casos semelhantes (TJSP, Apelação nº XXXXX-59.2019.8.26.0008, 35a Câmara de Direito Privado, j. 24-8-2020, rel. Des. Gilson Delgado Miranda).

Considerados esses critérios, entendo adequado, no caso concreto, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), que será acrescido de correção monetária pela Tabela Prática de Atualizações do TJSP a partir desta data (Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça) e de juros de mora de 1% ao mês desde 30 de março de 2021 (Súmula 54 do STJ fls. 180).

À vista dessas considerações, resolvo o mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, e julgo procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento de indenização moral de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser acrescida de correção monetária pela Tabela Prática de Atualizações do TJSP a partir desta data (Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça) e de juros de mora de 1% ao mês desde 30 de março de 2021 (Súmula 54 do STJ).

Sucumbente, o réu arcará com o pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios, fixados em 15% (dez por cento) do valor da condenação, tudo nos termos dos artigos 82 2, § 2ºº, e 85 5, § 2ºº, do Código de Processo Civil l (valor fixado acima do mínimo de 10% para não resultar em quantia irrisória e incapaz de remunerar o trabalho do advogado da autora).

P. I. C.

São Paulo, 28 de setembro de 2022.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1777591313/inteiro-teor-1777591316