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    ARTIGO DO DIA - Estelionato previdenciário: crime único ou concurso de crimes?

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br Pesquisadora: Christiane de O. Parisi Infante

    Como citar este artigo : GOMES, Luiz Flávio. INFANTE, Christiane de O. Parisi. Estelionato previdenciário: crime único ou concurso de crimes? Disponível em http://www.lfg.com.br - 13 de outubro de 2010.

    No dia 14 de setembro de 2010 a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal , em julgament (STF) o que tratava do delito previsto no artigo 251 do Código Penal Militar[ 1 ] , reafir (CPM) mou seu entendimento sobre o início do prazo de prescrição no estelionato previdenciário[ 2 ] .

    Eis a (HC 104.880/RJ, rel. Min. Ayres Britto, j. 14.09.2010) notícia publicada no Informativo n. 600 do STF:

    SEGUNDA TURMA

    Estelionato Previdenciário: Natureza e Prescrição

    A Turma indeferiu habeas corpus no qual se pretendia fosse declarada a extinção da punibilidade de condenado pelo delito descrito no art. 2511 doCPMM .(Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.) Na espécie, o paciente sacara, entre janeiro de 2000 e maio de 2005, os valores depositados, a título de pensão, na conta-corrente de um parente falecido. Consignou-se que, em tema de estelionato previdenciário, o Supremo tem jurisprudência consolidada quanto à natureza binária, ou dual, da infração. Reafirmou-se que a situação de quem comete uma falsidade para permitir a outrem obter vantagem indevida distingue-se da conduta daquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes em prol do beneficiário da indevida vantagem, materializa os elementos do tipo instantaneamente. No ponto, evidenciou-se não haver que se cogitar da possibilidade de o agente fraudador sustar, a qualquer tempo, a sua conduta delituosa. Observou-se que, na segunda hipótese que seria a situação dos autos , em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, tem-se entendido que o crime assume a natureza permanente. Neste ponto, ressaltou- se que o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva. Por derradeiro, registrou-se que a mencionada distinção estaria estampada em vários julgados das Turmas do STF.

    A questão é polêmica: se se entender configurado o caráter permanente da mencionada infração, por se tratar de fraude na obtenção de benefício previdenciário, que dura no tempo, deve ser considerada como termo inicial da prescrição a data em que cessou a permanência, ou seja, do dia em que cessou o recebimento indevido do benefício (art. 111, III, CP). Do contrário, considerando que a conduta caracteriza-se como crime instantâneo de resultados permanentes, a prescrição começa a correr do dia em que o crime se consumou (art. 111, I, CP).

    A Lei n. 9.983/2000, que entrou em vigor no dia 15 de outubro de 2000, alterou profundamente o regramento dos crimes previdenciários no nosso país, porém, não cuidou do chamado estelionato previdenciário , que con (percepção de benefício previdenciário mediante fraude) tinua sendo regido pelo art. 171 do CP, com a causa de aumento de pena do 3º .

    A Súmu[3]la n. 24 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que:(STJ) Aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima entidade autárquica da previdência social, a qualificadora do 3º, do art. 171 do Código Penal.

    Mas seria o estelionato previdenciário um crime permanente ou instantâneo? De outro lado, como se faz o cômputo da prescrição?

    Quando há fraude na obtenção de benefício previdenciário não há como vislumbrar a existência de crime permanente, que apresenta uma característica particular: a consumação no crime permanente prolonga-se no tempo desde o instante em que se reúnem os seus elementos ( sic ) até que cesse o comportamento do agente. Em cada parcela indevida recebida há uma lesão patrimonial. Sendo assim, um resultado jurídico autônomo em relação a cada ato de recebimento injusto. A conduta fraudulenta (apresentação de tempo de serviço falso, por exemplo) é uma só. Mas os resultados jurídicos são diversos[ 4 ] .

    Já nos manifestamos sobre o assunto aqui no nosso Blog ( http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090323114915346 e http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100429173954698 ).

    JURISPRUDÊNCIA

    Em 20 de abril de 2010 a Primeira Turma do STF decidiu sobre o início do prazo de prescrição de crime contra o Instituto Nacional do Seguro Social .

    Restou claro, nos termos do vot (STF, HC 99112, Primeira Turma, rel. Min. Março Aurélio, j. 20.04.2010, DJe-120, 01º.07.2010) o do Ministro Março Aurélio , que o STF diferencia as duas situações:(no HC 99112) o terceiro que pratica uma fraude visando proporcionar a aposentadoria de outro, comete crime instantâneo. No entanto, o beneficiário acusado da fraude, enquanto mantém em erro o instituto, pratica crime, e a contagem do lapso prescricional da pretensão punitiva deve ser feita a partir do último benefício recebido.

    Em julgamento realizado no STF[ 5 ] em fevereiro de 2008, foi concedida a ordem em Habeas Corpus impetrado em favor de paciente que foi denunciado pela prática do delito previsto no art. 171, , do CP, por ter figurado como testemunha em certidão de óbito considerada ideologicamente falsa. Com esse documento a denunciada M.A.J. requereu benefício previdenciário junto ao INSS e passou a receber pensão por morte.

    Segundo o relator, Ministro Cezar Peluso, cuida a imputação de crime instantâneo de resultado permanente. Do voto do relator no HC 82.965- 1 transcrevemos:

    É o momento da consumação do delito que lhe dita o caráter instantâneo ou permanente.

    No crime instantâneo , o fato que, reproduzindo o tipo, consuma o delito, realiza-se num só instante e neste se esgota, podendo a situação criada prolongar-se no tempo, ou não. No permanente , o momento de consumação é que se prolonga por período mais ou menos dilatado, durante o qual se encontra ainda em estado de consumação.

    O Ministro Cezar Peluso recorda que não se deve confundir a execução do crime com a sua conseqüência. No caso em que perdura só a conseqüência se tem o chamado crime instantâneo de efeito permanente, que difere do crime permanente, porque, neste, é o próprio momento consumativo que persiste no tempo.

    Segundo notícia publicada no site do STF, em julgamento de 31 de agosto a Segunda Turma concedeu parcialmente ordem no Habeas Corpus 91716 para admitir que o crime de estelionato cometido contra a Previdência Social é crime i (art. 171, , CP) nstantâneo de efeitos permanentes[ 6 ] .

    Do Inf (isto significa que sua prescrição começa a contar a partir da data do pagamento indevido do primeiro benefício previdenciário se o crime tivesse caráter permanente, a sua prescrição somente começaria a contar a partir do último pagamento de benefício irregular pela Previdência) ormativo n. 598 do STF ressaltamos:

    A Turma concedeu, em parte, habeas corpus para reconhecer que a fraude perpetrada por terceiros no estelionato previdenciário consubstancia crime instantâneo de efeitos permanentes. Inicialmente, superou-se a alegada violação ao princípio da colegialidade, pois a decisão monocrática proferida pelo STJ fora fundamentada na orientação jurisprudencial dominante naquela Corte, a permitir a atuação do relator (CPC, art. 557, -A). Frisou-se que, ao julgar o HC 86467/RS , o STF alterara a jurisprudência, até então consolidada, e (DJU de 22.6.2007) m matéria de prescrição do crime de estelionato previdenciário, ao reputar que a conduta deve ser classificada como crime instantâneo de efeitos permanentes. Lembrou-se que o mencionado precedente estabelece como março inicial da contagem do prazo prescricional a data em que ocorreu o pagamento indevido da primeira parcela, ocasião em que o dano ter-se-ia aperfeiçoado. Destacou-se que o entendimento não seria válido para o beneficiário da fraude perpetrada, mas apenas para aquela pessoa que falsificara os dados que possibilitaram ao beneficiário receber as prestações indevidas. Tendo em conta que o habeas não estaria instruído com cópia dos atos que demonstrariam de forma inequívoca os marcos interruptivos da prescrição, remeteu-se ao juízo competente a análise da ocorrência dela. Por fim, enfatizou-se que, na hipótese da extinção da punibilidade, a execução da pena deverá ter início imediato. HC 91716/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 31.8.2010.

    Da ementa do HC 86.467- 8 pointer; color: rgb (0, 0, 153); text-decoration: underline;"onclick="window.open ('http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20101011192155919#7', '', 'toolbar=yes, location=yes, directories=yes, status=yes, menubar=yes, scrollbars=yes, resizable=yes, top=0px, left=0px');"id="fontLink"> 7 ] destacamos:

    PRESCRIÇAO - APOSENTADORIA - FRAUDE PERPETRADA - CRIME INSTANTÂNEO DE RESULTADOS PERMANENTES VERSUS CRIME PERMANENTE - DADOS FALSOS. O crime consubstanciado na concessão de aposentadoria a partir de dados falsos é instantâneo, não o transmudando em permanente o fato de terceiro haver sido beneficiado com a fraude de forma projetada no tempo. A óptica afasta a contagem do prazo prescricional a partir da cessação dos efeitos - artigo 111, inciso III, do Código Penal. Precedentes: Habeas Corpus nºs 75.053-2/SP, 79.744-0/SP e 84.998-9/RS e Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 83.446-9/RS, por mim relatados perante a Segunda Turma - os dois primeiros - e a Primeira Turma - os dois últimos -, cujos acórdãos foram publicados no Diário da Justiça de 30 de abril de 1998, 12 de abril de 2002, 16 de setembro de 2005 e 28 de novembro de 2003, respectivamente.

    O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a questão. Da ementa do HC 152.150 pointer; color: rgb (0, 0, 153); text-decoration: underline;" onclick= "window.open ('http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20101011192155919#8', '', 'toolbar=yes, location=yes, directories=yes, status=yes, menubar=yes, scrollbars=yes, resizable=yes, top=0px, left=0px');" id= "fontLink"> 8 ] transcre (julgado em fevereiro de 2010) vemos:

    PENAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. PRESTAÇÕES SUCESSIVAS. CONFIGURAÇAO DA PERMANÊNCIA. TERMO A QUO. ÚLTIMA PARCELA RECEBIDA. NAO-OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇAO. ORDEM DENEGADA. 1. Consoante entendimento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o crime de estelionato praticado contra a Previdência Social, ensejando a percepção sucessiva e irregular de benefícios previdenciários, constitui crime permanente. A Sexta Turma, por sua vez, vem sufragando, em recentes julgados, o entendimento de que tal delito é instantâneo de efeitos permanentes. 2. Filiando-me, todavia, à exegese consolidada pela Quinta Turma, é de se reconhecer que, nos termos do art. 111, III, do Código Penal, a prescrição somente começa a correr do dia em que cessa a permanência. 3. Condenado o réu à pena de 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, o prazo prescricional ocorre em 8 anos, nos termos dos arts. 109, IV e 110, , ambos do Código Penal, lapso não consumado entre a data da percepção do último benefício irregular, o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória. 4. Ordem denegada.

    Nossa posição : o recebimento mensal de pensão indevida só significa um novo resultado jurídico (lesão) ao bem jurídico. O agente não pratica nova conduta, todo mês, para receber o valor indevidamente. A conduta fraudulenta (dotada de periculosidade ex ante ) é praticada uma única vez. Dessa conduta decorrem vários resultados jurídicos (recebimentos mensais - lesões ao bem jurídico tutelado, em contextos fáticos e momentos distintos). De acordo com o Código Penal (art. 70) e a doutrina penal, quando de uma só conduta derivam vários resultados, o que temos é o concurso formal (não o crime instantâneo único, não o crime permanente, não o concurso material). Para nós, portanto, o estelionato previdenciário reiterado, consistente no recebimento de parcelas mensais, configura, por conseguinte, hipótese de concurso formal. A prescrição, nesse caso, conta-se da data de cada recebimento, ou seja, de cada resultado lesivo, não do último recebimento, consoante o disposto no art. 119 do CP: No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.

    Notas de Rodapé

    1. CPM (...) Estelionato Art. 251. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em êrro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de dois a sete anos.

    2. STF, HC 104.880/RJ, Segunda Turma, rel. Min. Ayres Britto, j. 14.09.2010, Informativo STF n. 600, Brasília, 13 a 17 set. 2010. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2010.

    3. Cf. GOMES, Luiz Flávio. Crimes previdenciários . São Paulo: RT, 2001.

    4. GOMES, Luiz Flávio. Estelionato previdenciário: crime instantâneo ou permanente? Crime único, continuado ou concurso formal? Disponível em , 26 mar. 2009. Acesso em: 23 abr. 2010

    5. STF, HC 82.965-1/RN, Segunda Turma, rel. Min. Cezar Peluso, j. 12.02.2008, DJE n. 55, 28.03.2008

    6. STF, HC 91.716, Segunda Turma, rel. Min. Joaquim Barbosa, Informativo STF n. 598, Brasília, 30 de ago. a 03 set. 2010. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2010.

    7. STF, HC 86.467-8/RS, Tribunal Pleno, rel. Min. Março Aurélio, j. 23.04.2007, DJ 22.06.2007.

    8. STJ, HC 152.150, Quinta Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 04.02.2010, DJe 08.03.2010.

    BIBLIOGRAFIA

    GOMES, Luiz Flávio. Estelionato previdenciário: crime instantâneo ou permanente? Crime único, continuado ou concurso formal? Disponível em , 26 mar. 2009. Acesso em: 23 abr. 2010.

    ____. Estelionato previdenciário: crime instantâneo ou permanente ou concurso formal? Disponível em , 06 maio 2010. Acesso em: 30 set. 2010.

    NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito penal: parte geral e parte especial. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2009.

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