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2 de Maio de 2024

Decisão do considerado trabalho invisível da mulher no arbitramento do valor de alimentos

Publicado por Junco Advogados
há 5 meses

Proferida pela 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, um magistrado adotou o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para majorar o valor de alimentos, considerando no cálculo da proporcionalidade dos alimentos o trabalho doméstico de cuidado diário e não remunerado da mulher.

Abordar a invisibilidade do trabalho feminino e a sobrecarga das mães é essencial para promover a igualdade de gênero. Essa discussão é de extrema importância em um Estado que se proclama como democrático, baseado nos pilares fundamentais da liberdade e igualdade, mas que ainda enfrenta diversos desafios significativos que precisam ser superados para que as mulheres possam, de fato, alcançar a igualdade em relação aos homens.

De acordo com Melo e Serrano, o trabalho doméstico, mesmo nas sociedades modernas, tem sido uma tarefa atribuída predominantemente às mulheres. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022, as mulheres dedicaram 9,6 horas a mais por semana do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. Isso é quase o dobro de horas investidas pelos homens nas tarefas do lar.

Quando se trata de serviço realizado por mulheres, além de o trabalho ser subvalorizado e muitas vezes não remunerado, há uma enorme confusão entre a esfera produtiva e reprodutiva, o que acaba prejudicando a mulher de diversas formas, mas especialmente em sua inserção e competitividade no mercado de trabalho.

A decisao do TJ-PR ponderou que “quando os filhos em idade infantil residem com a mãe, as atividades domésticas, inerentes ao dever diário de cuidado (como o preparo do alimento, a correção das tarefas escolares, a limpeza da casa para propiciar um ambiente limpo e saudável) — por exigirem uma disponibilidade de tempo maior da mulher, cria sobrecarga que lhe retira oportunidades no mercado de trabalho, no aperfeiçoamento cultural e na vida pública”.

As tarefas domésticas e a educação dos filhos realizadas de maneira exclusiva pelas mulheres acarretam um custo social elevado, prejudicando não apenas a carreira profissional da mulher, mas também a sua remuneração e suas possibilidades de desenvolvimento. Sobre este tema, o laboratório “Think Olga” fez uma pesquisa e constatou que uma mulher, durante a vida, investe aproximadamente quatro anos somente na atividade de lavar roupas, mesmo com máquina de lavar. Esse tempo dedicado para limpeza de roupas poderia ser destinado a uma faculdade, dois mestrados, duas pós-graduações ou qualquer outra atividade que fornecesse melhores condições para a mulher permanecer e ascender no mercado de trabalho.

A cultura e as expectativas sociais desempenham um papel crucial na invisibilidade do trabalho feminino e na sobrecarga das mães. Estereótipos de gênero tradicionais associam as mulheres ao papel de cuidadoras e responsáveis pelo trabalho doméstico. Mudar essas expectativas é fundamental para abordar esse problema, uma vez que o fato de uma mulher se tornar mãe não implica que ela seja exclusivamente responsável por criar o filho, seja sozinha ou na maior parte do tempo. A criação dos filhos e as tarefas domésticas devem ser compartilhadas igualmente entre os pais da criança ou consideradas no valor de arbitramento de alimentos, como ocorreu no presente caso.

Dias afirma que a expressão “alimentos” diz respeito a tudo aquilo que visa suprir as necessidades humanas, as quais atendem não apenas o corpo, mas também a alma. Comel corrobora expondo que alimentos são tudo aquilo que é necessário para a manutenção da pessoa e para a vida desta.

As mulheres foram conquistando seu espaço ao assumir empregos e encarar o mercado de trabalho, as quais, atualmente, também contribuem financeiramente com os alimentos para os filhos. Porém, não se verificou até o momento a mesma evolução dos homens em relação ao trabalho doméstico.

A jurisprudência aceita despesas com babá, por exemplo, como necessárias para filhos crianças e adolescentes. Contudo, é quase impossível encontrar qualquer decisão que mencione o tempo gasto pela mãe com os cuidados do filho.

Assim sendo, é acertadíssima a decisão que levou em conta o trabalho doméstico e de cuidado realizado pelas mães para que tais atividades fossem “consideradas, contabilizadas e valoradas, para fins de aplicação do princípio da proporcionalidade, no cálculo dos alimentos, uma vez que são indispensáveis à satisfação das necessidades, bem-estar e desenvolvimento integral (físico, mental, moral, espiritual e social) da criança”.

Ementa da decisão comentada:

DIREITO DAS FAMÍLIAS. direitos humanos. AÇÃO DE ALIMENTOS C/C REGULAMENTAÇÃO DE CONVIVÊNCIA. tutela provisória de urgência. DECISÃO recorrida. fixação dos ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM 50% DO SALÁRIO MÍNIMO AOS TRÊS FILHOS MENORES DE IDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO INTERPOSTO PELA MÃE. PLEITO DE fixação de ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM 33% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO AGRAVADO. OBSERVÂNCIA DO TRINÔMIO ALIMENTAR (POSSIBILIDADE-NECESSIDADE-PROPORCIONALIDADE). FILHOS EM IDADE INFANTIL. NECESSIDADE PRESUMIDA. TRABALHO doméstico DE CUIDADO diário e NÃO REMUNERADO da mulher. CONSIDERAÇÃO NO CÁLCULO DA proprocionalidade dos alimentos. adoção do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do conselho nacional de justiça. aplicação do PRINCÍPIO DA parentaliadade responsável. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A fixação dos alimentos deve obedecer a uma perspectiva solidária entre pais e filhos, pautada na ética do cuidado e nas noções constitucionais de cooperação, isonomia e justiça social, uma vez que se trata de direito fundamental inerente à satisfação das condições mínimas de vida digna, especialmente para crianças e adolescentes que, em virtude da falta de maturidade física e mental, são seres humanos vulneráveis, que necessitam de especial proteção jurídica. Exegese dos artigos 3º, inc. I, 6º e 229 da Constituição Federal, conjugado com os artigos 1.566, inc. IV, 1.694 e 1.696 do Código Civil, e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, Recomendação nº 123/2022 do Conselho Nacional de Justiça e Precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala (1999). 2. O arbitramento judicial dos alimentos, devidos pelos pais para a manutenção dos filhos, deve observar a equação necessidades do alimentado, capacidade financeira ou possibilidade econômica dos alimentantes e a proporcionalidade dos recursos de cada genitor. Exegese dos artigos 1.566, inc. IV, 1.694, § 1º, e 1.703 do Código Civil. 3. Pela concepção finalística (e não institucional) e eudemonista, adotada na Constituição Federal de 1988, a família, como refúgio afetivo, é um meio de proteção dos direitos humanos-fundamentais, um instrumento à serviço da promoção da dignidade e do desenvolvimento humano, baseado no respeito mútuo, na igualdade e na autodeterminação individual, devendo assegurar a realização pessoal e a busca da felicidade possível aos seus integrantes. Interpretação do artigo 226, § 8º, 1ª parte, da Constituição Federal. 4. As relações familiares, porque marcadas pelo princípio da afetividade e sua manifestação pública (socioafetividade), devem estar estruturadas no dever jurídico do cuidado (que decorre, por exemplo, da liberalidade de gerar ou de adotar filhos) e na ética da responsabilidade (que, diferentemente da ética da convicção, valida comportamentos pelos resultados, não pela mera intenção) e da alteridade (que se estabelece no vínculo entre o “eu” e o “outro”, em que aquele é responsável pelo cuidado deste, enquanto forma de superação de egoísmos e narcisismos, causadores de todas as formas de situações de desentendimentos, intolerância, discriminações, riscos e violências, que trazem consequências nocivas principalmente para os seres humanos mais vulneráveis, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, meninas/mulheres e idosos). Incidência dos artigos 229 da Constituição Federal e 1634, inc. I, e 1.694 do Código Civil. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Literatura jurídica. 5. Quando os filhos em idade infantil residem com a mãe, as atividades domésticas, inerentes ao dever diário de cuidado (como o preparo do alimento, a correção das tarefas escolares, a limpeza da casa para propiciar um ambiente limpo e saudável) – por exigirem uma disponibilidade de tempo maior da mulher, sobrecarga que lhe retira oportunidades no mercado de trabalho, no aperfeiçoamento cultural e na vida pública – devem ser consideradas, contabilizadas e valoradas, para fins de aplicação do princípio da proporcionalidade, no cálculo dos alimentos, uma vez que são indispensáveis à satisfação das necessidades, bem-estar e desenvolvimento integral (físico, mental, moral, espiritual e social) da criança. Inteligência dos artigos e , caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) c/c artigo 3.2 da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas. 6. O princípio da parentalidade responsável (artigo 226, § 7º, da Constituição Federal)– concretizado por meio do pagamento de alimentos fixados em montante proporcional aos esforços da mulher, com a realização de trabalhos domésticos e diários na educação da criança – é um instrumento de desconstrução da neutralidade epistêmica e superação histórica de diferenças de gêneros, de identificação de estereótipos presentes na cultura que comprometem a imparcialidade jurídica, de promoção da equidade do dever de cuidado de pai e mãe no âmbito familiar, além de ser um meio de promoção de direitos humanos e de justiça social (artigos 4º, inc. II, e 170, caput, da Constituição Federal). 7. A presunção das necessidades de crianças e adolescentes à percepção de alimentos é uma técnica processual de facilitação da prova e de persuasão racional do juiz na promoção dos direitos fundamentais, para o desenvolvimento humano integral. Interpretação do artigo 373, inc. I, do Código de Processo Civil em conformidade com os artigos 5º, inc. XXXV e § 2º, da Constituição Federal, 4º da Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) e 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos. 8. A análise do montante ideal da pensão alimentícia, em relação às reais necessidades dos alimentandos, as condições econômicas do alimentante e a distribuição proporcional dos ônus financeiros decorrentes da paternidade/maternidade responsável, pode ser examinada em um momento processual futuro, diante do aprofundamento da discussão pelo exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa, quando da confrontação pelo juiz, em decisão interlocutória posterior ou na sentença, da suficiência de argumentos e provas. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 9. Recurso conhecido e provido, para readequar o valor da prestação alimentícia para o correspondente a 33% dos rendimentos líquidos do alimentante (salário bruto, excluídos apenas os descontos obrigatórios), aí incluídos valores referentes a férias, 13º salário e adicionais permanentes. (TJ-PR – 12ª Câmara Cível – 0013506-22.2023.8.16.0000 – Rio Branco do Sul – Rel.: EDUARDO AUGUSTO SALOMAO CAMBI – J. 02.10.2023)

Fonte: Conjur

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