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5 de Maio de 2024
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    Em longo e bem pensado voto, uma esperança para a advocacia

    Publicado por Espaço Vital
    há 8 anos

    A questão que, hoje (16), o Espaço Vital aborda em três matérias pode chegar ao STJ, por meio de recurso ordinário em mandado de segurança.

    No voto do desembargador Otávio Augusto de Freitas Barcellos, proferido no mandado de segurança nº 70067318782, repousam esperanças da advocacia. Vale a pena ler, em todas as suas minúcias.

    “Divirjo do eminente relator e o faço debaixo dos seguintes argumentos, pedindo a mais respeitosa vênia aos eminentes desembargadores, que na sua contundente maioria e debaixo de argumentos eruditos e consistentes têm manifestado o seu de acordo em relação ao voto condutor do julgado, matéria recorrente nesta colenda Corte.

    Trata-se, na verdade, de mandado de segurança impetrado por José Francisco Rodrigues da Silva apontando como autoridade coatora o MM. Juiz de Direito da Central de Conciliação e Pagamento de Precatórios, o qual indeferiu pedido de preferência formulado pelo impetrante em relação à verba honorária sucumbencial, ao argumento de que o advogado não comprovou que figurou na execução de sentença como litisconsorte ativo, tampouco que tenha executado a verba honorária de forma autônoma.

    No caso, a digna autoridade apontada como coatora indeferiu o pedido de pagamento preferencial de seu crédito de honorários advocatícios, visto que ele não pode ser destacado do principal, nos moldes do artigo 100, parágrafo 2º, da Constituição Federal.

    Em suas razões, o impetrante informa ter ajuizado execução de sentença referente ao valor principal e aos honorários sucumbenciais que gerou o Precatório nº 20.862, cujo orçamento para pagamento era o ano de 2002. Alega que ao indeferir o pagamento da verba honorária, foi desrespeitada a Súmula Vinculante nº 85 do STF. Discorre acerca do cabimento do mandado de segurança contra decisão exarada em precatório. Assevera que os requisitos para o pagamento preferencial da verba honorária estão preenchidos. Requer a concessão da segurança, para que seja deferida a inclusão da verba sucumbencial na ordem de preferência de pagamento dos precatórios.

    O caso vem sendo decidido debaixo dos seguintes argumentos perfeitamente delineados na ementa disponibilizada pelo eminente relator no sistema de informática, além de se tratar de precedente relativo a caso semelhante e recorrente neste colendo Órgão Especial:

    MANDADO DE SEGURANÇA. PRECATÓRIO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. PRETENSÃO DE PAGAMENTO COM PREFERÊNCIA EM RAZÃO DA IDADE. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O IMPETRANTE, NA CONDIÇÃO DE ADVOGADO DA AUTORA DA AÇÃO PRINCIPAL. FIGUROU COMO LITISCONSORTE ATIVO E TAMPOUCO DE QUE EXECUTOU A VERBA HONORÁRIA DE FORMA AUTÔNOMA. NÃO IMPLEMENTAÇÃO DA IDADE EXIGIDA POR OCASIÃO DA EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO. INVIABILIDADE. DENEGARAM A SEGURANÇA. UNÂNIME.

    Eminentes colegas, a palestra realizada neste plenário, na segunda-feira próxima passada, pelo Ministro Luiz Fux, ilustre integrante da mais alta corte deste país e responsável pela elaboração do atual Código de Processo Civil, em pleno vigor a partir de 18 de março do ano em curso, trouxe alguma esperança ao signatário deste voto vencido. O ilustre Ministro, há cinco anos ocupando uma cátedra no Sodalício Maior, após compor o colendo Superior Tribunal de Justiça, demonstrou que não perdeu a capacidade de se indignanar, de sonhar, de estudar, de aprender e de ensinar. Trouxe, Sua Excelência, para a novel lei de regência processual as mais atuais teorias do sistema anglo-saxônico da commun law e do sistema romano-germânico do Direito Positivo.

    Mas não só isso, procurou impregnar o processo com os princípios informadores da nação brasileira insculpidos na Carta Magna. A leitura da Exposição de Motivos do CPC/2015 é emblemática:

    “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito".

    “Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo".

    ...

    “A coerência substancial há de ser vista como objetivo fundamental, todavia, e mantida em termos absolutos, no que tange à Constituição Federal da República. Afinal, é na lei ordinária e em outras normas de escalão inferior que se explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios constitucionais".

    “O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo”.

    ...

    “A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual".

    “Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais".

    ...

    “Trata-se de uma forma de tornar o processo mais eficiente e efetivo, o que significa, indubitavelmente, aproximá-lo da Constituição Federal, cujas entrelinhas se lê que o processo deve assegurar o cumprimento da lei material."

    ...

    “Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado".

    ...

    “O Novo CPC é fruto de reflexões da Comissão que o elaborou, que culminaram em escolhas racionais de caminhos considerados adequados, à luz dos cinco critérios acima referidos, à obtenção de uma sentença que resolva o conflito, com respeito aos direitos fundamentais e no menor tempo possível, realizando o interesse público da atuação da lei material".

    ...

    “Os princípios e garantias processuais inseridos no ordenamento constitucional, por conta desse movimento de “constitucionalização do processo”, não se limitam, no dizer de Luigi Paolo Comoglio, a “reforçar do exterior uma mera “reserva legislativa” para a regulamentação desse método (em referência ao processo como método institucional de resolução de conflitos sociais), mas impõem a esse último, e à sua disciplina, algumas condições mínimas de legalidade e retidão, cuja eficácia é potencialmente operante em qualquer fase (ou momento nevrálgico) do processo” (Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie costituzionali. Studi in onore di Luigi Montesano, v. II, p. 87-127, Padova, Cedam, 1997, p. 92)”.

    Infelizmente, eminente e estimados colegas, não observo nestas demandas, que se repetem, o respeito aos princípios constitucionais, a aproximação das nossas decisões às necessidades sociais, mas o descumprimento da lei material para o atendimento de normas de processo ou de procedimento absolutamente incompatíveis com os princípios fundamentais maiores constantes da própria Carta Republicana.

    O primeiro equívoco identificado na fundamentação dos eruditos votos condutores do julgado diz com a assertiva de que se trata de hipótese onde há uma crédito principal e outro acessório, quando, em realidade, não há qualquer relação de acessoriedade do crédito de honorários de sucumbência em relação ao crédito principal. E tanto é assim que o Estatuto da Advocacia reconhece o direito autônomo de o advogado cobrar os seus honorários.

    Portanto, não há entre os créditos qualquer relação de dependência, subsidiariedade, ou acessoridade que justifique os qualificativos e a vinculação de um crédito, dito principal, em relação ao outro, dito acessório.

    Dito isso, antes de examinar o caso concreto, que é da mais alta relevância, no meu sentir, impõe-se fazer pequena digressão acerca dos antecedentes históricos e sobre o atual estágio dos Direitos, das liberdades e das garantias fundamentais em nossa frágil e incipiente democracia republicana.

    O nosso País tem formação recente se comparado ao Velho Mundo, e, recentíssima, se comparado à Ásia, e estamos apenas engatinhando em termos de assegurar direitos, liberdades e garantias fundamentais. Enquanto a Inglaterra desponta como precursora em termos de respeito à cidadania, a partir da sua Carta Magna, cuja denominação completa é precisamente “Magna Charta Libertatum, seu concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae” (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês), documento datado de 1215, que limitou o poder dos monarcas da Inglaterra, especialmente o do rei João - conhecido por João Sem Terra, por que, sendo o filho mais novo, não herdou terras -, que o assinou, impedindo assim o exercício do poder absoluto. Resultou, a assinatura de tal documento, de desentendimentos entre João, o Papa e os barões ingleses acerca das prerrogativas do soberano.

    Segundo os termos da Magna Carta, João deveria renunciar a certos direitos e respeitar determinados procedimentos legais, bem como reconhecer que a vontade do rei estaria sujeita à lei. Considera-se a Magna Carta o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao surgimento do constitucionalismo.

    Apesar de havermos proclamado a nossa República em 1889, o País não se destacou como guardião dos direitos, das liberdades e das garantias fundamentais, pois passamos a viver por mais de um século, precisamente até 1985, sob a égide de sucessivos Estados de Exceção, durante os quais o congresso esteve fechado e suspensos os direitos, as liberdades e as garantidas individuais fundamentais, inclusive o habeas corpus. Superado o último período de exceção, o País, redemocratizado, entendeu de eleger a sua Assembléia Nacional Constituinte, com poderes originários, “para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, conforme se extrai de seu Preâmbulo.

    E, para estabelecer as novas bases dessa nova sociedade, entendeu o legislador constituinte originário de fundamentar a nova ordem em alguns pilares bem específicos, dentre eles, “a dignidade da pessoa humana”, conforme descritos no seu art. 1º, inc. III, in verbis:

    Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

    ... (omissis);

    III - a dignidade da pessoa humana;

    Portanto, indiscutível que, após decorridos os sucessivos períodos de exceção, onde a dignidade da pessoa humana esteve relegada a escombros, reduzida a pó, mediante prisões imotivadas e condenações por tribunais de exceção, sem direito a habeas corpus, prática de crimes contra a humanidade tais como a tortura, a dignidade da pessoa humana renasce das cinzas e agora é fundamento constitucional do Estado Democrático de Direito. Mas esse fundamento só será efetivo se e enquanto os Tribunais lhe derem concretude fática, real, efetiva. Não pode tal fundamento permanecer como mera figura de retórica a ornamentar a Carta Republicana, especialmente neste momento que já representa o mais longo período de normalidade institucional republicana da história desde País.

    A par de fundamentar a nova sociedade na dignidade da pessoa humana, a Constituição de 1988 instituiu outros direitos, liberdades e garantias também com status de fundamentalidade, em seu artigo , e, no artigo , que trata dos direitos sociais, do qual consta, dentre eles, o direito social fundamental à alimentação e, no caso, acentuada sua função social por se tratar de credor idoso, a merecer especial proteção do Estado, defendendo a sua dignidade:

    Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

    Para compreender o alcance do status desses direitos, liberdades e garantias, importante estabelecer a diferença entre eles. Os termos jurídicos liberdades, direitos e garantias têm sido utilizados de forma simplista no sentido semântico do primeiro deles – direitos -, utilizando indistintamente a expressão simples “direitos fundamentais” para se referir tanto às liberdades, quanto aos direitos ou às garantias, todas instituições estruturantes e integrantes de uma mesma matriz principiológica que trata das liberdades, dos direitos e das garantias fundamentais, os quais são, na verdade, institutos complementares entre si, intimamente ligados, mas não são sinônimos. Para J.J. Gomes Canotilho , há diferença entre direitos, liberdades e garantias em termos econômicos, sociais e culturais:

    “É uma distição particularmente importante no plano do direito constitucional positivo e no plano do direito internacional. Quanto ao direito constitucional vigente basta dizer que a estrutura classificatória básica assenta (cfr. Infra) na distinção entre “direitos, liberdades e garantias” (Titulo II) e “Direitos econômicos, sociais e culturais” (Título III)”. (Canotilho, p. 397)

    As liberdades estariam ligadas ao status negativus e através delas visa-se defender a esfera dos cidadãos perante a intervenção do Estado. Daí o nome de direitos e liberdades, liberdades autonomia e direitos negativos. Por sua vez, os direitos estariam ligados ou ao status activus ou ao status positivus. Os direitos ligados ao status activus salientam a participação do cidadão como elemento activo da vida política (direito de voto, direito aos cargos públicos). Aqui radicam expressões como direitos políticos, direitos do cidadão, liberdades de participação (cfr. arts. 48º ss). Direitos são ainda as posições jurídicas do cidadão conexionadas com o status positivus: trata-se dos direitos dos cidadãos às prestações necessárias ao desenvolvimento pleno da existência individual. Daí a sua designação como direitos positivos ou direitos de prestação, modernamente conhecidos por direitos econômicos, sociais e culturais (cfr. arts. 58º ss)”. (Canotilho, p. 395/396).

    As garantias traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a protecção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade (ex. direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos, princípios do nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen, direito de habeas corpus, princípio non bis in idem). (Canotilho, p. 396).

    Estabelecida esta diferenciação, importa saber se o Estado, por seus órgãos de poder, na tripartição preconizada por Montesquieu, no sistema de freios e contrapesos, está dando concretude aos preceitos fundamentais que formam a estrutura desde Estado Democrático de Direito denominado Brasil.

    Quer me parecer que a resposta é negativa. Quando o Estado, ao não atender ao direito fundamental do cidadão aos alimentos, está descumprindo mandamento constitucional fundamental.

    Primeiro, no caso, deve ficar claro que, na hipótese em comento, não se trata de um advogado, como procurador, ou seja, como representante de uma determinada parte buscando alimentos em nome do seu constituinte, mas se trata de um cidadão buscando direito próprio, consistente na retribuição pelo trabalho prestado na defesa de interesses do seu cliente contra o Estado, isto é, o fruto do seu trabalho, seus alimentos, em resumo.

    No ponto, ao que interpreto, antes, necessário estabelecer a diferença entre os honorários advocatícios de sucumbência e os honorários contratuais. Quanto a estes, os honorários contratuais, aplicável o brocardo res inter alios acta tertio neque nocet neque prodest. Sobre o assunto, já se decidiu:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. POLÍTICA SALARIAL. REAJUSTES. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA FAZENDA PÚBLICA. PAGAMENTO DE PRECATÓRIO PREFERENCIAL. DEDUÇÃO DO PERCENTUAL RELATIVO A HONORÁRIOS CONTRATUAIS RESERVADOS E PAGAMENTO IMEDIATO AO ADVOGADO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA NÃO SE INCLUEM NA PREFERÊNCIA, DEVENDO O PRECATÓRIO PROSSEGUIR, PARA ESTE PAGAMENTO, NA ORDEM DO INGRESSO INICIAL. -A Emenda Constitucional nº 62/09, que modificou o artigo 100 da Constituição Federal, veio priorizar o pagamento de crédito sujeito a precatório aos idosos e aos portadores de doenças graves, com crédito de natureza alimentar no valor até o triplo do limite de pagamento das RPVs, o que não se estende à verba honorária de sucumbência, a qual será adimplida de acordo com a ordem cronológica de apresentação do precatório inicial, onde foi incluída. -Quanto aos honorários contratuais, tendo havido oportuna reserva, conforme determina a Lei, o valor será deduzido do crédito da parte, no momento deste pagamento e repassado ao procurador. O pagamento ao advogado é feito quando ocorre o pagamento do valor do principal, independente de ser ou não de forma preferencial. -Reserva de honorários não importa em cessão de crédito nem substituição processual por qualquer outra forma, apenas garantia de pagamento dos honorários contratados, no momento em que o constituinte recebe o seu crédito. A relação ocorre entre a parte e seu procurador, não envolvendo o Ente Público devedor. Interpretação consoante artigo 22, § 4º da Lei 8.906/94. -Recurso parcialmente provido. (Agravo de Instrumento Nº 70066342122, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leila Vani Pandolfo Machado, Julgado em 23/02/2016)

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. HONORÁRIOS. PRECATÓRIO INDIVIDUAL AO ADVOGADO INCLUÍDO NÃO SÓ OS HONORÁRIOS JUDICIAIS, MAS TAMBÉM OS CONTRATUAIS, COM PREFERÊNCIA NO PAGAMENTO (CF, ART. 100, § 2º). 1. Pelo o art. 23 da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), o direito a RPV ou precatório individual é restrito aos honorários judiciais. O art. 22, § 4º, não contempla aos honorários contratuais a expedição de RPV ou de precatório individual ao advogado. Nem poderia ser diferente, sob pena de burla ao art. 100, § 2º, da CF, isto é, conversão de crédito comum em preferencial de natureza alimentar pelo artifício do contrato. Os honorários contratuais não têm natureza alimentar, pois resultam de pacto de risco estabelecido com a parte. 2. Desimporta que já tenha sido expedido precatório, pois, tratando-se de revisão de valor, não há preclusão (Lei 9.494/97, art. 1º-E). 3. Recurso provido. (Agravo de Instrumento Nº 70067080945, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 16/12/2015)

    Mas não é disso que se trata. No caso, a discussão gira em torno dos honorários sucumbenciais, e é a estes que me refiro, sendo que, em relação a estes, parece não haver qualquer dúvida acerca da sua natureza jurídica alimentar. Aliás, o colendo STJ, quando do julgamento de Recurso Especial Representativo de Controvérsia, reconheceu expressamente a natureza alimentar do crédito de honorários advocatícios, equiparado ao crédito trabalhista para fins de habilitação na falência:

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. ART. 24 DA LEI N. 8.906/1994. EQUIPARAÇÃO A CRÉDITO TRABALHISTA. 1. Para efeito do art. 543-C do Código de Processo Civil: 1.1) Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal. 1.2) São créditos extraconcursais os honorários de advogado resultantes de trabalhos prestados à massa falida, depois do decreto de falência, nos termos dos arts. 84 e 149 da Lei n. 11.101/2005. 2. Recurso especial provido. (REsp 1152218/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/05/2014, DJe 09/10/2014)

    Portanto, não há qualquer justificativa para o tratamento diferenciado do assunto quando se cuida de habilitação do crédito em sede de precatório ou de RPV. No ponto, o art. 100, §§ 1º e , da CF nos dá uma pista segura para transitar sobre o assunto:

    Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009). (Vide Emenda Constitucional nº 62, de 2009)

    § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

    § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

    A referência à “data de expedição do precatório”, constante do § 2º do art. 100 da CF, numa interpretação conforme, sempre preservando o núcleo essencial dos direitos fundamentais, deve ser tida como não escrita, pois importaria reduzir a nada o alcance de um direito fundamental social insculpido no art. , caput, da Carta Republicana, quando se refere aos alimentos. Vale lembrar que a Súmula vinculante nº 47, do egrégio STF, prevê expressamente:

    “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.”

    E mais, como referido no erudito voto proferido pelo eminente Des. Rui Portanova, “pesquisa sobre a súmula vinculante nº 47, encontra-se um precedente representativo, de onde se extrai o seguinte argumento, a corroborar que a verba honorária não se confunde nem é acessória ao crédito do cliente”:

    “A verba honorária consubstancia direito autônomo, podendo mesmo ser executada em separado. Não se confundindo com o crédito principal que cabe à parte, o advogado tem o direito de executar seu crédito nos termos do disposto nos artigos 86 e 87 do ADCT.”

    De outra banda, de consignar que o colendo STF já declarou a inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição do precatório”, constante do § 2º do art. 100 da Carta Magna, quando do julgamento da ADI nº 4357, in verbis:

    A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, § 2º, da CF, com redação dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. , caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento.

    De mais a mais, também não entendo como se possa aplicar a vedação instituída no § 8º do art. 100 da Carta Republicana ao caso em tela. Além de inviabilizar a realização de um direito material fundamental lídimo, a referida vedação não se aplica simplesmente porque não se trata, no caso em concreto, de hipótese que o referido § 8º procura vedar:

    § 8º É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

    Aqui não se está a tratar de um único crédito pertencente a um único credor que pretende o desdobramento, o fracionamento do total para burlar a lei e obter um privilégio indevido. Nada disso. Trata-se, no caso, de hipótese onde há dois créditos completamente distintos, e dois credores autônomos, um com privilégio, seja em razão do valor (RPV); da natureza jurídica alimentar (art. , caput, da CF); e da sua condição de idoso (art. 230 da CF), e outro credor, e crédito, sem qualquer privilégio.

    Assim que, reconhecida a natureza alimentar do crédito de honorários advocatícios sucumbenciais, importante notar que não cabe ao legislador ordinário, muito menos ao aplicador da lei, restringir a aplicação de dispositivo da Constituição, sem o risco de malferir princípios fundamentais de índole protetiva, no caso, os princípios da dignidade da pessoa humana (art. , inc. III, da CF/88); do direito social fundamental a alimentos (art. , caput, da CF/88); da proteção do idoso (Capitulo VII da CF/88); e, finalmente, o princípio da salvaguarda do núcleo essencial de que fala J.J. Gomes Canotilho, na sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição:

    A ideia fundamental deste requisito é aparentemente simples: existe um núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias que não pode, em caso algum, ser violado. Mesmo nos casos em que o legislador está constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas, ele permanece vinculado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos ou direito restringidos. Para além formulação (pouco rica, de resto, relativamente ao conteúdo de informação), discutem-se fundamentalmente dois problemas: (1) qual o objecto de protecção: o direito subjectivo individual ou a garantia objectiva? (2) qual o valor da protecção: o núcleo essencial é um valor absoluto ou depende da sua confrontação com outros direitos ou bens?

    a) O objecto da protecção

    Existem aqui duas teorias em confronto. A teoria objectiva considera dever referir-se a protecção do núcleo essencial ao direito fundamental como norma objectiva e não como direito subjectivo individual. Por outras palavras: o objecto de protecção do preceito é a garantia geral e abstracta prevista na norma e não a posição jurídica concreta do particular. A teoria subjectiva toma como referente a protecção do núcleo essencial do direito fundamentado na sua dimensão de direito subjectivo do indivíduo. De acordo com a primeira teoria, visa-se assegurar a eficácia de um direito fundamental na sua globalidade; de acordo com a segunda, pretende-se afirmar que, em caso algum, pode ser sacrificado o direito subjectivo de uma pessoa, a ponto de, para ele, esse direito deixar de ter qualquer significado. (Cfr. Ac. TC 254/99).

    A solução do problema não pode reconduzir-se a alternativas radicais porque a restrição dos direitos, liberdades e garantias deve ter em atenção a função dos direitos na vida comunitária, sendo irrealista uma teoria subjectiva desconhecedora desta função, designadamente pelas consequências daí resultantes para a existência da própria comunidade, quotidianamente confrontada com a necessidade de limitação dos direitos fundamentais mesmo no seu núcleo essencial (ex.: penas de prisão longas para crimes graves, independentemente de se saber se depois do seu cumprimento restará algum tempo de liberdade ao criminoso). Todavia, a protecção do núcleo essencial não pode abdicar da dimensão subjectiva dos direitos fundamentais e daí a necessidade de evitar restrições conducentes à aniquilação de um direito subjectivo individual (ex.: proibição de prisão perpétua ou pena de morte, pois estas penas violariam o núcleo essencial do direito à liberdade ou do direito à vida).

    b) O valor da protecção

    As orientações fundamentais aqui em confronto são também duas. As teorias absolutas vêem no núcleo essencial um conteúdo normativo irrestringível, abstractamente fixado; as teorias relativas vêem no núcleo essencial o resultado de um processo de ponderação de bens. De acordo com a primeira orientação, o núcleo essencial é uma posição subjectiva de tal modo indisponível que não pode ser relativizada por qualquer direito ou interesse contraposto. Para a segunda, o núcleo essencial é o resultado de um processo de ponderação, constituindo aquela parte do direito fundamental que, em face de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos e com ele colidentes, acaba por ser julgada prevalecente e consequentemente subtraída à disposição do legislador.

    Também aqui não há alternativas radicais porque, em toda a sua radicalidade, as teorias relativas acabariam por reconduzir o núcleo essencial ao princípio da proporcionalidade, proibindo designadamente o legislador de, na solução de conflitos, limitar direitos, liberdades e garantias para além do justo e do necessário. Tudo o que fosse desproporcionado ou excessivo violaria o núcleo essencial. Por seu turno, as teorias absolutas esquecem que a determinação do âmbito de protecção de um direito pressupõe necessariamente a equação com outros bens, havendo possibilidade de o núcleo de certos direitos, liberdades e garantias poder vir a ser relativizado em face da necessidade de defesa destes outros bens.

    c) Indicação do direito positivo

    No plano constitucional positivo, as teorias objectivistas parecem ter a seu favor a própria letra do art. 18º/3. Com efeito, o enunciado lingüístico - não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais - aponta para a necessidade de se considerarem os preceitos consagrados de direitos, liberdades e garantias como normas de natureza e conteúdo objectivo. Essa indicação literal não invalida, porém, a razoabilidade da solução matizada anteriormente defendida.

    Relativamente ao problema do valor absoluto ou relativo do núcleo essencial, é inequívoco que a Constituição não confunde o princípio da proporcionalidade (consagrado no art. 18.º/2, in fine) com exigência de salvaguarda do núcleo essencial (consagrada no art. 18.º/3, in fine). Se é razoável o entendimento de o âmbito de protecção de um direito dever obter-se, caso a caso, tendo em conta outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, também é certo que a proibição da diminuição da extensão do núcleo essencial só terá sentido se constituir um reduto último intransponível por qualquer medida legal restritiva.

    Esse sentido pressupõe a aceitação tendencial de uma teoria mista. Parece-nos de rejeitar a ideia, recentemente defendida entre nós, de que a garantia do núcleo essencial nada mais é que "uma mera proclamação e sinalização da ponderação e vinculação do legislador ordinário e restantes poderes constituídos pelos direitos fundamentais”. Bastam dois exemplos para se ver a autonomia do núcleo essencial relativamente ao princípio da proibição do excesso.

    Quando se proíbe a pena de morte não se pretende dizer que esta pena é "apenas” excessiva. Pretende-se salientar que, depois do cumprimento desta pena, "não resta nada” do mais sagrado dos direitos - o direito à vida. Segundo exemplo: quando se censura a prisão perpétua, a idéia não é somente a de acentuar o seu carácter desproporcionado, como talvez seja o caso da discussão da pena máxima de prisão (25 anos? 30 anos?). A liberdade está sujeita à ponderação de direitos e bens, mas afirmar-se um núcleo absoluto significa só isto: o valor liberdade individual é constitutivo da ordem constitucional. É este o sentido que nos parece estar presente no projecto de Constituição Europeia, onde se estabelece (art. II-52) que "qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades”"deve respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades”.[1]

    Dito isso, não posso entender que uma norma de categoria inferior (art. 100, § 2º, da CF), seja pela própria localização no texto constitucional, seja pelo assunto tratado (normas de procedimento para a realização de crédito contra a fazenda pública), possa restringir a princípios maiores, constitutivos de direitos fundamentais, informadores da própria cidadania, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III), os alimentos (art. 6º, caput), e, a condição de idoso (art. 230).

    Guardadas as proporções e aplicada a teoria da salvaguarda do núcleo essencial de que trata Canotilho em relação ao dispositivo constitucional que trata da dignidade da pessoa humana, da verba de natureza alimentar e do idoso, ao aplicador da lei, cabe fazer o cotejo entre valores em liça, relativizando e mantendo a proporcionalidade entre os bens em disputa, mas sempre ressalvando o núcleo essencial do direito fundamental que se pretende proteger, nos casos em que este valor se apresente axiologicamente superior a outro em disputa.

    Ao que interpreto, deve-se, portanto, construir uma dogmática jurídico-constitucional que privilegie, dê concretude e dê relevo aos valores máximos plasmados na Constituição, dentre eles o fundamento basilar do Estado Democrático de Direito consistente na salvaguarda do núcleo essencial do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, mediante o pagamento diferenciado dos alimentos devidos pelo próprio Estado, conforme previsto na CF, para os titulares de determinados precatórios ou RPVs, a ser garantida mediante a observância de regime especial de pagamento de créditos que, por sua natureza, destinam-se à sobrevivência digna dos respectivos credores, ainda que não explicitados no texto constitucional. Sobre o assunto já se decidiu:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE ERRO MATERIAL NA QUALIFICAÇÃO DE PRECATÓRIO RELATIVO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR ABATE SANITÁRIO DE BOVINOS. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DO PRECATÓRIO COMO ALIMENTAR. DECISÃO MANTIDA. 1. Descabe emprestar interpretação meramente textual ao artigo 100, § 1º, da Constituição Federal, de forma a conceber como alimentares tão somente os precatórios que compreendam débitos decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez. Por encerrar rol meramente exemplificativo de verbas que configuram dívidas de natureza alimentícia a serem pagas mediante precatório, a referida disposição constitucional deve receber exegese teleológica, sistemática e contextual, de molde a assegurar a eficácia prática do bem jurídico que o constituinte buscou tutelar com a criação da norma, qual seja: a dignidade humana dos titulares de determinados precatórios, a ser garantida mediante observância de regime especial de pagamento de créditos que, por sua natureza, destinam-se à sobrevivência dos respectivos credores, ainda que não explicitados no texto constitucional. 2. Caso concreto em que a parte exequente, ao tempo do sacrifício sanitário dos seus animais pelo Estado do Rio Grande do Sul, exercia a atividade de criação de gado como principal meio de manutenção da subsistência própria e da família. Diante desse contexto, merece ser confirmada a natureza alimentícia da importância indenizatória que lhe é devida, na medida em que a eliminação de parte expressiva do seu antigo rebanho acabou privando o credor - durante o período de interdição estatal da sua propriedade - de produzir e comercializar o leite advindo dos bovídeos abatidos e, também, de vender algumas cabeças de gado, com o que deixou o pecuarista de auferir recursos financeiros de que dependia para sustentar a si e a sua família. 3. Sinale-se, por fim, que o decurso do tempo entre a data de propositura da ação de reparação civil e aquela em que expedido o precatório não interfere na natureza da prestação devida, a qual é aferida segundo a finalidade da verba indenizatória à época do dano sofrido pela vítima. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70067918672, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 16/03/2016)

    JUÍZO DE RETRATAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCOS. DIREITO AUTÔNOMO. VERBA ALIMENTAR. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do recurso paradigmático RE 564.132/RS, sedimentou o entendimento no sentido de ser viável a conversão deprecatório em RPV para pagamento de honorários advocatícios, por se tratar de verba de natureza alimentar que não se confunde com o débito principal. RECURSO PROVIDO. REFORMADO O JULGADO, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO. (Agravo de Instrumento Nº 70009289521, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 24/11/2015)

    Aqui, Senhor Presidente, eminente colegas, não está o advogado a representar os interesses legítimos de alguém, mas está “presentando” (para usar a terminologia de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda) os seus próprios interesses, na busca do resultado financeiro pelo seu trabalho, e não se pode impedir a realização de seu direito lídimo pela imposição de exigências burocráticas ilegítimas, que acabam por inviabilizar a concreção de direitos fundamentais assegurados na Carta Republicana.

    Cabe a nós modificar a realidade plausível com ações efetivas, que importem em transformar a sociedade em que vivemos, dando sentido, voz e vez à vontade do legislador constitucional originário de 1988. Fora daí o Judiciário não justifica a sua existência como Poder, não passando de mera repartição burocrática, mero cumpridor autômato de sub-normas ilegítimas, regulamentos e portarias inconstitucionais emanadas do Poder Executivo ou do Poder legislativo derivado.

    Não é possível sequer pensar em inviabilizar a realização de um direito fundamental a pretexto de que não houve o atendimento de exigências de ordem burocráticas da digna autoridade apontada como coatora, responsável pela Central de Precatórios, simplesmente por não considera a possibilidade de individualização a posteriori dos honorários advocatícios constantes de uma mesma requisição de pagamento. A constituição não estabelece qualquer restrição ao atendimento do direito fundamental aos alimentos, e, portanto, não cabe ao interprete ou aplicador do direito impor restrições apenas para facilitar a administração da central de precatórios. Mera dificuldade burocrática de desdobrar o precatório em dois ou em um precatório e uma RPV, não é suficiente para inviabilizar a realização de um direito fundamental lídimo.

    No caso, a Corte, por sua ampla maioria, está entendendo que o advogado, apesar de ter direito autônomo, não poderia se valer das prerrogativas e da preferência do credor dito principal para ocupar determinada ordem cronológica no pagamento dos precatórios e depois pedir o desdobramento. O argumento, data vênia, não se apresenta lógico. A uma porque, como se disse, não há qualquer relação entre o direito do credor principal em relação ao crédito de honorários de sucumbência do advogado. A duas, porque, no caso, a preferência é o advogado, seja pela natureza jurídica alimentar do seu crédito, seja pelo valor (RPV).

    Ademais, entender como possível a renúncia, ex voluntate sua, deduzida do princípio volenti non fit injuria, segundo o qual os cidadãos podem validamente se submeter voluntariamente à diminuição dos seus direitos fundamentais, não passa de uma concepção ultrapassada da leitura dos direitos fundamentais; aliás, o simples aceitar de uma dimensão voluntária de restrição de direitos, não pode conduzir a uma relativização completa do princípio da reserva da lei. Se a constituição só permite restrição através de lei e nos casos nela expressamente previstos, seria fácil eliminar a força cogente dos direitos fundamentais, imanente a essa reserva, se a vontade individual se sobrepusesse ao sentido constitucional da reserva e transformasse os direitos, as liberdades e as garantias fundamentais em direitos totalmente disponíveis suscetíveis, inclusive, de renúncia.

    Com efeito, as relações jurídicas especialmente protegidas pela Carta Republicana não legitimam uma renúncia a direitos fundamentais, ainda que observados por três pontos:

    a) especificidade da restrição de alguns direitos fundamentais;

    b) aplicação da exigência da lei restritiva e respectivos princípios;

    c) proteção jurídica dos cidadãos inseridos em esquemas especiais de proteção constitucional, tais como as crianças e os adolescentes, os idosos, os consumidores, todos vulneráveis ex vi legis.

    O enquadramento em qualquer desses pontos justifica a idéia de renúncia a direitos fundamentais.

    No caso, a regra de hermenêutica adotada pela digna autoridade apontada como coatora, ao excepcionar a preferência no pagamento de determinados créditos privilegiados pela própria Carta Magna, não está consentânea com o mandato constitucional que alçou a verba alimentar (art. , caput, da CF)à condição de direito fundamental enquanto instrumento de afirmação da dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do nosso Estado Democrático de Direito.

    Neste ponto, o interprete e aplicador do direito deve buscar a compreensão que dê concretude à Constituição Federal e seus postulados básicos, na medida em que, no Estado Democrático de Direito, os princípios maiores inscritos na Carta Magna não podem ser restringidos pela lei ordinária, muito menos por regulamentos internos de tribunais.

    Portanto, no ponto, ao que interpreto, impõe-se a releitura da norma de regência a partir do paradigma constitucional, e não ao contrário. Preservando os princípios constitucionais que autorizam a construção de um conceito de prioridade que, efetivamente, resguarde a verba alimentar como direito fundamental e lhe alcance a necessária preferência na execução.

    Com efeito, o status constitucional conferido à verba de caráter alimentar com base no seu poder auto-organizativo faz com que seus titulares sejam destinatários da proteção estatal mínima e eficiente no contexto social. Essa estrutura reflete a perplexidade interpretativa que demanda a construção de alicerces argumentativos teóricos capazes de justificar o processo decisório que refoge à trivialidade. Estaríamos diante do que Ronald Dworkin e Robert Alexy denominariam de hard case.

    A solução, no caso, não prescinde de uma releitura dos fundamentos do direito à prioridade no recebimento da verba de caráter alimentar e da reconstrução da jurisprudência então dominante, a fim de dar concretude e eficácia das normas programáticas da Constituição Federal de 1988 que não convivem com a exceção instituída pela digna autoridade dita coatora, no caso em comento.

    Eventual dificuldade de natureza burocrática não justifica a aplicação da exceção instituída pela digna autoridade apontada como coatora à execução dos honorários de sucumbência, verba com reconhecido caráter alimentar, direito social fundamental (artigo , caput, da Constituição Federal) e um dos pressupostos informadores da República Federativa do Brasil, inscrito no artigo , inciso III, da Carta Magna, que diz com a dignidade da pessoa humana.

    " O direito garantido por uma normal constitucional como direito, liberdade ou garantia "insusceptível de restrições" é mesmo, "prima facie", um direito sem reserva de restrições. Todavia, "a posteriori", através do jogo de "argumento e contra-argumento", da ponderação de princípios jurídico-constitucionais, pode chegar-se à necessidade de uma optimização racional, controlável, adequada e contextual, de várias constelações de princípios jurídico-constitucionais. Esta contextual, de várias constelações de princípios transportam dimensões objectivas possibilitadoras de uma "ponderação" de bens jurídico-constitucionais efectuada a partir da própria constituição" (CANOTILHO).

    A verdade é que, quando os vários direitos concorrentes estão sujeitos a limites divergentes, o aplicador do Direito determinar qual, dentre os vários direitos concorrentes, assume relevo decisivo. Hipótese em que as regras do direito constitucional de conflitos devem construir-se com base na harmonização de direitos, e, no caso de isso ser necessário, na prevalência (ou relação de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro. Todavia, uma eventual relação de prevalência só em face das circunstâncias concretas e depois de um juízo de ponderação se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que outro, ou seja, um direito prefere outro em face das circunstâncias do caso em concreto.

    Nessa ponderação, a preferência na realização do crédito aos alimentos, por parte do credor idoso, é a única forma de dar concretude ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, porque tais valores se apresentam com maior relevo social que eventual entrave ou dificuldade burocrática de atender a esse direito lídimo. Portanto, entre excepcionar a concretude do direito social fundamental aos alimentos a serem alcançados ao idoso, e a não realização de um crédito decorrente do desdobramento de um precatório, aquele primeiro se apresenta com maior relevo social e merece a proteção constitucional, legal e jurídica do Estado.

    E isto porque não se trata de caso de disputa entre crédito principal e acessório. Não há relação de subsidiariedade ou de subordinação entre os dois créditos, de titularidades diferentes, completamente paralelos, e que poderiam ser buscados por caminhos completamente diversos, mas o fato de ter-se optado por uma única via, não importa renúncia a direito fundamental, data vênia, modo a impedir a sua realização por outra via, num segundo momento.

    A nós cabe fazer com que se realize o crédito de pequeno valor, de natureza alimentar, de forma privilegiada, para o idoso. E não nos cabe criar entraves à essa concretização de um direito fundamental, sob qualquer pretexto, que sempre será ilegítimo.

    Não seriam mera implicações burocráticas, tais como a existência de um único número do precatório, da eventual necessidade de pagamento de custas, na hipótese de o credor de honorários não ter direito à AJG, empecilhos justificáveis à realização de um direito fundamental lídimo. Tudo perfeitamente contornável na própria via burocrática.

    Despertamos do pesadelo de um Estado de exceção para viver “um sonho intenso” de uma nação na plenitude democrática, do exercício dos direitos, das liberdades e das garantias fundamentais e, ao Poder Judiciário, não cabe frustrar as expectativas deste “povo heróico”, mas deve erguer “da justiça a clava forte” para fazer com que “o sol da liberdade” ilumine com “raios fulgidos” as necessidades básicas da cidadania, fazendo realidade o apanágio de uma nação que alicerça suas bases na dignidade da pessoa humana.

    Por estas singelas razões, Senhor Presidente, eminentes colegas, e mais uma vez rogando vênia à douta e qualificadíssima maioria, mas estou divergindo do eminente Relator.

    E é como voto.

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