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5 de Maio de 2024

STF Mar23 - Nulidade da Decisão do TJ que condenou o Paciente absolvido no Júri

ano passado

Inteiro Teor

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 214.821 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


Decisão: Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão proferido no HC 717.764/MG, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado (eDOC 31):

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. ABSOLVIÇÃO PELO CONSELHO DE SENTENÇA. APELAÇÃO INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUBMISSÃO DO PACIENTE A NOVO JULGAMENTO. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO CONTRÁRIO A PROVA DOS AUTOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO TRIBUNAL DO JÚRI. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - E assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.

II - Na hipótese em que os jurados tenham respondido positivamente aos quesitos da autoria e da materialidade, é possível a absolvição do réu amparada em qualquer tese defensiva, ainda que não sustentada em plenário, como decorrência lógica do sistema da íntima convicção e consagrado na norma insculpida no inciso III do art. 483 do Código de Processo Penal. Contudo, os veredictos do Tribunal do Júri não escapam completamente do controle judicial. O art. 593, § 3º, do CPP estabelece a possibilidade de recurso contra decisão do

Conselho de Sentença que se divorcia da prova dos autos, mas limita essa supervisão a uma única vez.

III - Destarte, a melhor exegese dos comandos normativos vertidos nos arts. 483, III, § 2º, e 593, III, d, § 3º, do CPP é a de que ser possível a absolvição do acusado, mesmo que haja o reconhecimento da materialidade e da autoria delitiva, ainda que única tese defensiva seja a de negativa de autoria. Entretanto, o referido juízo absolutório é passível de ser questionado pela acusação, que poderá manejar apelo fundado no art. 593, III, d, do CPP, sem que o referido recurso signifique desrespeito ou afronta à soberania dos veredictos do Tribunal do Júri. Assim, o juízo absolutório dos jurados irá se estabilizar e ganhará contornos de plenitude somente após novo julgamento pelo Tribunal Popular que tenha sido determinado em razão de provimento de apelação embasada em contrariedade manifesta à prova dos autos. Isso porque, segundo o § 3º do art. 593 do CPP, não se admitirá novo recurso fundado na alínea d do inciso III do referido dispositivo . Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: AgRg no HC n. 322.415/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro , DJe de 1º/04/2016; HC n. 350.895/RJ, Sexta Turma , Rel.a Min.a Maria Thereza de Assis Moura , Rel. p/ Acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/05/2017; HC n. 196.966/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik , DJe de 17/10/2016; e AgRg no AREsp n. 923.492/PE, Quinta Turma , Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 25/08/2017.

Agravo regimental desprovido.

Busca-se, em suma, o restabelecimento da decisão absolutória proferida pelo Conselho de Sentença (eDOC 38).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso ordinário (eDOC 55).

É o relatório. Decido.

1. No caso, a apontada ilegalidade pode ser aferida de pronto.

Com efeito, observo que o Conselho de Sentença decidiu por absolver o ora recorrente, tendo a respectiva sentença se fundamentado nos seguintes termos (eDOC 5, p. 62):

"XXXXXXXXXXXXXX , já qualificados nos autos, foram pronunciados como incurso Art. 121, § 2º, incisos I e IV c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, e levado a júri na data de hoje, em face da tentativa de homicídio perpetrada contra a vítima XXXXXXXXXXXXX, ocorrida no dia 13 de fevereiro de 2011, mediante disparos de arma de fogo.

Submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri da comarca de Montes Claros, os Senhores Jurados reconheceram:

Em relação ao acusado XXXXXXXXXXa, reconheceram a materialidade e a autoria do delito de homicídio tentado praticado pelo réu contra a vítima; absolveram o réu por maioria.

Em relação ao acusado XXXXXXXXXXXXXXXX, reconheceram a materialidade e a autoria do delito de homicídio tentado praticado pelo réu contra a vítima; absolveram o réu por maioria.

Ante o exposto, com base na soberana decisão do Conselho de Sentença, ABSOLVO os réus XXXXXXXXXXXXX , das imputações contidas na denúncia."

O Tribunal de origem, por sua vez, deu provimento à apelação ministerial para anular o veredito absolutório e determinar a submissão do ora recorrente a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, fundamentando-se nos seguintes termos (eDOC 5, p. 137-139):

"[...]

Razão lhe assiste.

A materialidade se encontra devidamente comprovada pelo Boletim de Ocorrência de f. 10-12 e pelo Auto de Corpo de Delito de f. 47.

O Conselho de Sentença lado outro quando absolveu os apelados decidiu de forma contrária à prova dos autos.

A defesa requereu a absolvição dos apelados, alegando ausência de autoria conforme se observa da ata de julgamento acostada à f. 528-531.

Os jurados ao responderam os quesitos, reconheceram a autoria e a materialidade do delito, absolvendo contudo os apelados [f. 542-543].

Em plenário não foi argüida pela defesa qualquer excludente de ilicitude, razão pela qual a absolvição dos apelados se mostra discrepante com o reconhecimento da materialidade e da autoria do delito.

Não há como alegar portanto que o Conselho de Sentença após reconhecer a materialidade, a autoria acatou uma das teses defensivas, absolvendo o ora apelado.

Diante de tais considerações é permitido ao Tribunal

ainda que respeitado o princípio constitucional da soberania do júri popular anular o julgamento e determinar que os acusados seja submetidos a novo júri quando a decisão se encontra contrária à prova dos autos, oportunidade em que outro Conselho de Sentença analisará a questão.

[...]

Sendo desta forma a decisão proferida pelo Conselho de Sentença manifestamente contrária à prova dos autos, a cassação da decisão popular é medida que se impõe nos termos do artigo 593 inciso III alínea d c/c o § 3º do Código Penal in verbis:

[...]

Acolho portanto o pleito ministerial para anular o julgamento proferido pelo Conselho de Sentença em relação aos apelados XXXXXXXXXXXXXXXXX por se encontrar o mesmo contrário a prova dos autos."

No caso concreto, o acórdão do Tribunal local está em dissonância com o entendimento firmado por ambas as Turma desta Corte a respeito da matéria. Confiram-se:

"JÚRI - ABSOLVIÇÃO. A absolvição do réu, ante resposta a quesito específico, independe de elementos probatórios ou de tese veiculada pela defesa, considerada a livre convicção dos jurados - artigo 483, § 2º, do Código de Processo Penal."( HC 178.777, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 20.10.2020, grifei)

"Habeas corpus. 2. Tribunal do Júri e soberania dos veredictos (art. , XXXVIII, c, CF). Impugnabilidade de absolvição a partir de quesito genérico (art. 483, III, c/c § 2º, CPP) por hipótese de decisão manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP). Absolvição por clemência e soberania dos veredictos. 3. O Júri é uma instituição voltada a assegurar a participação cidadã na Justiça Criminal, o que se consagra constitucionalmente com o princípio da soberania dos veredictos (art. , XXXVIII, c, CF). Consequentemente, restringe-se o recurso cabível em face da decisão de mérito dos jurados, o que resta admissível somente na hipótese da alínea d do inc. III do art. 593 do CPP:"for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos". Em caso de procedência de tal apelação, o Tribunal composto por juízes togados pode somente submeter o réu a novo julgamento por jurados. 4. Na reforma legislativa de 2008, alterou-se substancialmente o procedimento do júri, inclusive a sistemática de quesitação aos jurados. Inseriu-se um quesito genérico e obrigatório, em que se pergunta ao julgador leigo:" O jurado absolve o acusado? "(art. 483, III e § 2º, CPP). Ou seja, o Júri pode absolver o réu sem qualquer especificação e sem necessidade de motivação. 5. Considerando o quesito genérico e a desnecessidade de motivação na decisão dos jurados, configura-se a possibilidade de absolvição por clemência, ou seja, mesmo em contrariedade manifesta à prova dos autos . Se ao responder o quesito genérico o jurado pode absolver o réu sem especificar os motivos, e, assim, por qualquer fundamento, não há absolvição com tal embasamento que possa ser considerada" manifestamente contrária à prova dos autos ". 6. Limitação ao recurso da acusação com base no art. 593, III, d, CPP, se a absolvição tiver como fundamento o quesito genérico (art. 483, III e § 2º, CPP). Inexistência de violação à paridade de armas. Presunção de inocência como orientação da estrutura do processo penal. Inexistência de violação ao direito ao recurso (art. 8.2.h,

CADH). Possibilidade de restrição do recurso acusatório. Ordem concedida para invalidar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado, restabelecendo-se, em consequência, a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, que absolveu a ora paciente com base no art. 483, III, do CPP"( HC 176.933, Rel. Min. Celso de Mello, Redator p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 18.11.2020, grifei)

"SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. AGRAVO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE RECONSIDEROU ANTERIOR NEGATIVA DE PROVIMENTO DO RHC PARA ACOLHER A TESE DEFENSIVA E DARLHE PROVIMENTO. PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI. INCLUSÃO DO QUESITO GENÉRICO DE ABSOLVIÇÃO PELA LEI 11.689/2008 (ART. 483, III, DO CPP). CONTROLE JUDICIAL DO JUÍZO ABSOLUTÓRIO QUANDO O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FUNDAR-SE EM DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS (ART. 593, III, D, DO CPP). IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - Em razão da superveniência da Lei 11.689/2008, que alterou o Código de Processo Penal - CPP no ponto em que incluiu no questionário do procedimento do Tribunal do Júri o quesito genérico de absolvição (art. 483, III),"os jurados passaram a gozar de ampla e irrestrita autonomia na formulação de juízos absolutórios, não se achando adstritos nem vinculados, em seu processo decisório, seja às teses suscitadas em plenário pela defesa, seja a quaisquer outros fundamentos de índole estritamente jurídica, seja, ainda, a razões fundadas em juízo de equidade ou de clemência"( HC 185.068/SP, Rel, Min. Celso de Mello, Segunda Turma). II - Em face da reforma introduzida no procedimento penal do júri, é incongruente o controle judicial em sede recursal ( CPP, art. 593, III, d), das decisões absolutórias proferidas pelo Tribunal do Júri com base no art. 483, III e § 2º, do CPP, quer pelo fato de que os fundamentos efetivamente acolhidos pelo Conselho de Sentença para absolver o réu ( CPP, art. 483, III) permanecem desconhecidos (em razão da cláusula constitucional do sigilo das votações prevista no art. , XXXVIII, b, da Constituição), quer pelo fato de que a motivação adotada pelos jurados pode extrapolar os próprios limites da razão jurídica. III - Agravo regimental a que se nega provimento." (RHC 192.431 AgR- segundo, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 11.05.2021)

Portanto, na linha dos precedentes desta Suprema Corte, não é dado ao Tribunal de apelação substituir-se ao Conselho de Sentença na atividade julgar, como ocorreu na espécie. A decisão do Tribunal do Júri deve prevalecer frente à compreensão externada pelo Tribunal revisor, em conformidade com a norma processual vigente, que concretiza o preceito constitucional da soberania dos veredictos (art. , XXXVIII, c, da Constituição Federal).

2. Posto isso, com base no art. 192 do RISTF, dou provimento ao recurso ordinário , para cassar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Apelação 1.0433.11.004482-6/002), restabelecendo-se, em consequência, a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, que absolveu o ora recorrente (Processo 043311004482-6) .

Comunique-se ao Juízo da Vara de Execuções Criminais e do Tribunal do Júri da Comarca de Montes Claros/MG, com urgência e pelo meio mais expedito.

Comunique-se, outrossim, ao Superior Tribunal de Justiça, bem como ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 31 de março de 2023.

Ministro EDSON FACHIN

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(STF - RHC: 214821 MG, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 31/03/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 03/04/2023 PUBLIC 04/04/2023)

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