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2 de Maio de 2024

STJ 2023 - Revogação de Prisão Preventiva em Estelionato

Réu Primário e crime sem violência ou grave ameaça

há 9 meses

Decisão Monocrática

HABEAS CORPUS Nº 802681 - ES (2023/0046205-3)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ


EMENTA

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. CRIME COMETIDO SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. PERICULUM LIBERTATIS NÃO EVIDENCIADO. DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA EXTREMA. SUBSTITUIÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. CABIMENTO. PRECEDENTES. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de CXXXXXXXXXXXXXXXXXXXA, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo no HC n. 5005700-04.2022.8.08.0000.

Consta dos autos que o Paciente e outros dois Agentes foram presos em flagrante, em 29/6/2022, e denunciados pela suposta prática de crime previsto no art. 171, § 4º, c.c o art. 288, caput , na forma do art. 69, todos do Código Penal, por aplicar golpe do bilhete premiado contra vítima de 75 (setenta e cinco) anos.

Narra a denúncia que a Vítima foi convencida pelos Denunciados a ser uma das testemunhas junto à Caixa Econômica Federal, para ajudar o saque de prêmio de loteria, com a promessa que receberia R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), como forma de gratidão. Assim, foi com os denunciados até a sua residência buscar seus documentos pessoais, instando realçar que no trajeto foi também convencida a adiantar R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para o Paciente, que seria a outra testemunha, posto que este, seguindo o roteiro do covarde golpe, recusava-se a ajudar o suposto ganhador sem receber adiantado grande parte do valor prometido.

Os funcionários da agência bancária, desconfiados, bloquearam a transferência e chamaram a Polícia, motivo pelo qual o Réus foram presos ao tentar sacar o numerário no banco.

A custódia foi convertida em preventiva (fls. 67-69). O pedido de revogação da

custódia cautelar foi indeferido (fls. 235-237).

Inconformada, a Defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de origem, que denegou a ordem, nos termos do acórdão de fls. 239-242, sem ementa.

Defende o Impetrante, em suma, que o Paciente possui condições pessoais favoráveis e "inexiste qualquer outro fator que impossibilite o paciente de exercer o direito de responder ao processo em liberdade, assim como os demais acusados" (fl. 6). Aduz a suficiência das medidas cautelares diversas da prisão. Busca, em liminar e no mérito, a concessão de alvará de soltura em favor do Paciente.

É o relatório. Decido.

De início, destaco que "[a] s disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus , a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria" ( AgRg no HC 629.625/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 17/12/2020).

No mesmo sentido, ilustrativamente:

"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS . EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM SEM OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL. HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA CELERIDADE E À GARANTIA DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. PROGRESSÃO DE REGIME. CÁLCULO DE PENAS. REINCIDÊNCIA NÃO ESPECÍFICA EM CRIME HEDIONDO. PACOTE ANTICRIME. OMISSÃO LEGISLATIVA. ANALOGIA IN BONAM PARTEM . APLICAÇÃO DO ART. 112, V, DA LEP. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Malgrado seja necessário, em regra, abrir prazo para a manifestação do Parquet antes do julgamento do writ , as disposições estabelecidas no art. 64, III, e 202, do Regimento Interno desta Corte, e no art. 1º do Decreto-lei n. 522/1969, não afastam do relator o poder de decidir monocraticamente o habeas corpus.

2. ' O dispositivo regimental que prevê abertura de vista ao Ministério Público Federal antes do julgamento de mérito do habeas corpus impetrado nesta Corte (arts. 64, III, e 202, RISTJ) não retira do relator do feito a faculdade de decidir liminarmente a pretensão que se conforma com súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça ou a confronta' ( AgRg no HC 530.261/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/9/2019, DJe 7/10/2019).

3. Para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica. Precedentes. [...]

6. Agravo regimental não provido." ( AgRg no HC 656.843/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 10/05/2021; sem grifo no original.)

Portanto, passo a analisar diretamente o mérito da impetração.

Assevero que a prisão preventiva, para ser legítima à luz da sistemática constitucional, exige que o Magistrado, sempre mediante fundamentos concretos extraídos de elementos constantes dos autos (arts. 5.º, incisos LXI, LXV e LXVI, e 93, inciso IX, da Constituição da Republica), demonstre a existência de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria delitiva (fumus comissi delicti), bem como o preenchimento de ao menos um dos requisitos autorizativos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, no sentido de que o réu, solto, irá perturbar ou colocar em perigo (periculum libertatis) a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal.

Além disso, de acordo com a microrreforma processual procedida pela Lei n. 12.403/2011 e com os princípios da excepcionalidade (art. 282, § 4.º, parte final, e § 6.º, do CPP), provisionalidade (art. 316 do CPP) e proporcionalidade (arts. 282, incisos I e II, e 310, inciso II, parte final, do CPP), a prisão preventiva há de ser medida necessária e adequada aos propósitos cautelares a que serve, não devendo ser decretada ou mantida caso intervenções estatais menos invasivas à liberdade individual, enumeradas no art. 319 do CPP, mostrem-se, por si sós, suficientes ao acautelamento do processo e/ou da sociedade.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC n. 84.078/MG, Rel. Ministro EROS GRAU, decidiu que a custódia cautelar só pode ser implementada se devidamente fundamentada, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. A referida orientação deve ser adotada por todos os Tribunais Pátrios, como forma de se tornar mais substancial o princípio constitucional da presunção de inocência.

No que tange à prisão preventiva, vejo que o Juízo singular, apesar de reconhecer a primariedade do Paciente e dos demais flagrados, entendeu pela necessidade da custódia cautelar nos seguintes termos (fl. 69):

"Em análise dos autos é possível concluir que existem provas suficientes da existência de crime a ensejar a materialidade do delito biles indícios de que os autuados realmente tenham praticado o crime que lhes foram atribuídos, considerando as informações constantes no APFD, em especial o depoimento dos policiais civis responsáveis pela prisão em flagrante, pela dinâmica dos fatos, bem como pelo depoimento da vítima, estando presente, neste momento, o fumus comissi delicti. Desta forma, a liberdade dos autuados, neste momento, se mostra temerária e a prisão preventiva oportuna, considerando a extrema gravidade dos fatos, o alto prejuízo causado à vítima idosa, bem como os indícios da existência de possível associação criminosa, o que demonstra que estes uma vez em liberdade poderão voltar a cometer atos da mesma natureza, intimidar testemunhas e se evadir do distrito de culpa, estando evidente, em cognição sumária, o periculum libertatis no caso concreto. Ante o exposto, CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA DOS AUTUADOS [...]"

Ao indeferir o pedido de liberdade provisória ou substituição da custódia corporal por medidas cautelares diversas da prisão, o Magistrado condutor do feito destacou que o Réu teria resistido à prisão em flagrante, pois se recusou a colocar as mãos na cabeça, comprimindo o seu aparelho celular junto a barriga, torcendo-o até quebra-lo, sendo necessário o uso moderado de força para algemá-lo. Ressaltou, ainda, que não há excesso de prazo, que o Corréu não foi abordado tentando sacar o dinheiro e que a Corré recebeu prisão domiciliar no Superior Tribunal de Justiça por ser genitora de menores de doze anos.

O Tribunal de Justiça a quo , por sua vez, denegou a ordem na origem aduzindo que (fls. 241-242):

"Em abordagem inicial, a douta defesa alega ausência de fundamentação idônea na decretação da prisão preventiva.

Entretanto, entendo que a decisão foi devidamente fundamentada, tendo a Magistrada observado os requisitos dispostos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, quais sejam a materialidade e autoria delitiva, bem como perigo à sociedade que a liberdade do paciente representa.

Em especial, a necessidade da segregação reside na gravidade concreta da conduta imputada, eis que os denunciados supostamente associaram-se para aplicar em uma idosa o golpe conhecido como 'bilhete premiado' , tendo a vítima efetivamente transferido R$200.000,00 (duzentos mil reais) para conta bancária de titularidade do paciente.

O impetrante ainda afirma que, em verdade, o paciente teria sido enganado e não sabia que sua conta bancária seria utilizada para a prática do crime de estelionato.

Contudo, entendo que não há qualquer documento nos autos que demonstre tais alegações, sobretudo porque tal análise demandaria extensa dilação probatória que se mostra incompatível com a via estreita do Habeas Corpus.

Finalmente, no que tange à alegação de que o paciente goza de condições pessoais favoráveis e que este contribuiu para com as investigações, conforme reiterado entendimento desta Câmara e das Cortes Superiores, isoladamente consideradas, condições pessoais favoráveis não impõem concessão da liberdade provisória ante a gravidade concreta dos fatos."

No caso, em que pese as supramencionadas circunstâncias do delito, salta aos olhos a desproporcionalidade da medida extrema utilizada como prima ratio , tendo em vista a primariedade do Réu e que o crime em apuração não foi cometido com violência ou grave ameaça, sendo cabível, portanto, a imposição de restrições outras, suficientes para alcançar o fim almejado com o encarceramento, que deve ser reservado a casos mais graves.

A propósito, mutatis mutandis:

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIAS. NULIDADE. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. COMPARECIMENTO EM DELEGACIA, DECLARAÇÕES PRESTADAS E RECONHECIMENTO DOS RÉUS. SUFICIÊNCIA. CONTEMPORANEIDADE. DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA MAIS DE 1 ANO APÓS OS FATOS. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONTEMPORÂNEOS. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

3. Não obstante o paciente esteja em local incerto e a indicação de outras anotações criminais pela prática do mesmo delito, a decretação da prisão preventiva 1 ano e 2 meses após os fatos não se revela contemporânea, mormente em razão de os delitos praticados (estelionato e associação criminosa) serem cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.

4. Ordem concedida." ( HC n. 683.492/ES, relator Ministro ANTONIO

SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 26/11/2021; sem grifos no original.)

"HABEAS CORPUS . FURTO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE QUE É INVESTIGADO PELA PRÁTICA DE OUTRO DELITO DE FURTO QUALIFICADO. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. DECRETO DEVIDAMENTE MOTIVADO. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. SUFICIÊNCIA.

1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.

2. Na espécie, o decreto prisional não é desprovido de motivação. Isso, porque invoca a existência de risco concreto de reiteração criminosa, uma vez que o agente está sendo investigado em um inquérito policial pela prática de idêntico.

3. Todavia, parece-me suficiente, para os fins acautelatórios pretendidos, a imposição de medidas outras que não a prisão, notadamente porque se trata de réu primário e os crimes a ele imputados não foram praticados mediante emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. [...]

5. Ordem parcialmente concedida, em conformidade com o parecer ministerial, para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular."( HC n. 721.558/PR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 29/03/2022, DJe 04/04/2022; sem grifos no original.)

Assim, em observância ao binômio proporcionalidade e adequação, impõe-se a substituição da custódia por medidas cautelares diversas da prisão.

Ante o exposto, CONCEDO a ordem de habeas corpus para determinar a soltura do Paciente, se por outro motivo não estiver preso, com aplicação, entretanto, das medidas cautelares descritas no art. 319, incisos I (comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições por ele fixadas) e IV (proibição de ausentar-se da Comarca sem prévia autorização do Juízo), do Código de Processo Penal, cabendo ao Juízo de primeiro grau estabelecer quaisquer outras medidas que reputar convenientes, desde que devidamente justificadas.

Alerte-se ao Paciente que a prisão preventiva poderá novamente ser decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou de superveniência de fatos novos.

Comunique-se, com urgência, ao Tribunal a quo e ao Magistrado singular, com o encaminhamento de cópia desta decisão.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 17 de fevereiro de 2023.

Ministra LAURITA VAZ

Relatora

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(STJ - HC: 802681 ES 2023/0046205-3, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJ 23/02/2023)

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