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9 de Maio de 2024

STJ Dez22 - Rejeição da Denúncia do Tráfico por falta de Apreensão de Drogas - Acusação Baseada apenas em Provas Documentais

ano passado

RECURSO ESPECIAL Nº 1945655 - RS (2021/0195922-0)

DECISÃO DOUGLAS BIANCHESSI DOS SANTOS interpõe recurso especial, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região ( Recurso em Sentido Estrito n. 5008488-25.2020.4.04.7107).

Nas razões do recurso especial, a defesa aponta violação dos arts. 50, § 1º, da Lei n. 11.343/2006, e 158 do CPP. Argumenta que "Não é suficiente, para configuração da materialidade delitiva, a existência de prova documental, testemunhal ou o acesso ao conteúdo de dados e/ou comunicações telefônicas e telemáticas.

Mostra-se indispensável à apreensão da droga e a realização de laudo de constatação da natureza e quantidade do entorpecente" (fl. 95). Decisão de admissibilidade à fl. 124.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 141-145).

Decido.

A Corte de origem, ao reformar a decisão do Juiz de primeiro grau, que rejeitou a denúncia, entendeu devidamente comprovada a materialidade do delito de tráfico de drogas, ocasião em que despendeu os seguintes fundamentos (fls. 73-74, grifei): 4.1.8 - Remessa Brasil - Europa, ocorrida entre 18-11-2018 e 28-11- 2018: (1) pelo modus operandi empregado, em tudo semelhante ao descrito no item 1.1 desta denúncia; (2) pelos documentos encontrados no e-mail ivabizotto@hotmail.com, a comprovar que IVANETE BORGES BIZOTTO foi a responsável pelo custeio de um dos passeios realizados pelos Denunciados em Portugal, de modo a dissimular sua passagem pelo país como uma viagem turística (evento 102, p. 31-32, do processo n. 5000490-40.2019.4.04.7107); (3) pelas mensagens e fotos trocadas entre BRUNO HOFMAN SOARES e IVANETE BORGES BIZOTTO ao longo dos dias 18, 19 e 21 de novembro de 2018, em que debatem em detalhes os reveses sofridos na viagem, notadamente o vazamento de droga em uma das malas e a abordagem da alfândega portuguesa (evento 150, p. 47-67, do processo n. 5000490- 40.2019.4.04.7107); (4) pelo repasse feito por IVANETE BORGES BIZOTTO a PAULO CÉSAR DA SILVA das conversas que travou com BRUNO HOFMAN SOARES, tornando-o ciente dos reveses sofridos pelo grupo (evento 150, p. 96- 99, do processo n. 5000490- 40.2019.4.04.7107); (5) pelas mensagens trocadas entre IVANETE BORGES BIZOTTO e JANAÍNA RENATA TODESCATO (evento 150, p. 83-84, do processo n. 5000490- 40.2019.4.04.7107) e JANAÍNA VIGANÓ CAVALHEIRO (evento 150, p. 85-86 e 88, do processo n. 5000490- 40.2019.4.04.7107) tratando dos desdobramentos da viagem dos Denunciados, que causaram medo em outros dos transportadores aliciados pelo grupo; (6) pelas mensagens trocadas entre IVANETE BORGES BIZOTT O e PAULO CÉSAR DA SILVA acerca da dificuldade de cobrar dos Denunciados os valores devidos pela indicação para atuarem na operação (evento 198, p. 65-66 e 74, do processo n. 5000490-40.2019.4.04.7107); e (7) pelas conversas do aplicativo whatsapp localizadas no celular de BRUNO HOFMAN SOARES, em que explicitamente discorre sobre a natureza criminosa de sua viagem e mostra a um dos interlocutores o proveito recebido pela prática criminosa (evento 66 - REL_MISSAO_POLIC41).
As conversas relatadas no item 5, de fato, sugerem a possibilidade de o casal Bruno e Heliana terem levado droga para Europa. As mensagens trocadas entre Bruno e Ivanete de fato comprovam a ocorrência do delito descrito neste item da denúncia. Fica evidente que o acusado levava droga (cocaína na forma pastosa) em seus pertences.
Há fotografia dos frascos onde estava a droga dentro do cofre do hotel onde Bruno e Heliana estavam hospedados. Houve vazamento da droga. Ivanete manda que Bruno compre álcool para passar nos frascos e tirar o cheiro. Bruno comenta como ocorreu a abordagem na alfândega em Lisboa: "Daí ele olhou pra mim:"o que vocês vieram fazer aqui?".
Daí eu mostrei a aliança:" Lua de mel ". Daí ele deu uma risada e daí liberou nós. Mas lá na imigração o cara falou:"eu sei o que vocês vieram fazer aqui. Vocês são novos, não caiam na ilusão por causa de dinheiro. Eu vou liberar vocês só dessa vez"." Ivanete lhe pergunta se teriam barrado mais alguém com droga. Portanto, pelos elementos elencados pela acusação, entendo que restou devidamente comprovada a ocorrência do tráfico de drogas narrado no item 4.1.8, razão pela a decisão merece ser reformada.

É induvidoso, pois, que, no caso, não houve a apreensão de nenhuma substância entorpecente. Contudo, segundo a instância ordinária, a materialidade do crime de tráfico de drogas ainda assim ficou devidamente comprovada, com base essencialmente no modus operandi utilizado pelos acusados, nas mensagens e fotografia extraídas de aparelhos celulares apreendidos.

Sabe-se que, a respeito dessa temática, no âmbito da Sexta Turma, os julgados mais recentes entendem ser imprescindível, para a demonstração da materialidade do crime de tráfico, a apreensão de droga.

A propósito, confiram-se:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. OFENSA AO ART. 158, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AO ART. 50, § 1.º, DA LEI 11.343/2006. MATERIALIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA DE APREENSÃO DE DROGAS. IMPRESCINDIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência adotada pelo Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que "[é] imprescindível para a demonstração da materialidade do crime de tráfico a apreensão de drogas" ( REsp n. 1.865.038/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 04/09/2020). 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.878.432/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 18/8/2022). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. MATERIALIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA DE APREENSÃO DE DROGAS. IMPRESCINDIBILIDADE. 1. "É imprescindível para a demonstração da materialidade do crime de tráfico a apreensão de drogas" ( REsp 1865038/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 25/8/2020, DJe 4/9/2020). 2. Encontrando-se a sentença condenatória lastreada apenas em mensagens telefônicas sobre a negociação da droga e anotações referentes à sua distribuição, ainda que corroboradas por depoimento de policiais afirmando ser a residência do acusado conhecida como boca de fumo, deve ser o agravante absolvido por ausência de materialidade do crime de tráfico de entorpecentes. 3. Provimento do agravo regimental. Absolvição do réu em relação à imputação prevista no art. 33 da Lei 11.343/2006 (art. 386, VII , do CPP). ( AgRg no REsp n. 1.948.410/TO, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), 6ª T., DJe de 25/3/2022)

Na hipótese dos autos, e atento aos entendimentos acima firmados, não vejo como subsistir a condenação pela prática do delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, se, em nenhum momento, houve a apreensão de qualquer substância entorpecente em poder do recorrente.

Vale dizer, apesar das diligências empreendidas pela acusação, que envolveram a apreensão e, posteriormente, a perícia do aparelho celular, bem como o relatório de investigação, produzido pela autoridade policial, não houve a apreensão de droga, pressuposto da materialidade delitiva. Assim, diante das provas mencionadas no acórdão recorrido, não há como caracterizar o delito de tráfico de drogas.

Com base em tais considerações, entendo que o Ministério Público não se desincumbiu do ônus de provar a prática do delito de tráfico de drogas. O que se tem dos elementos coligidos aos autos é apenas a intuição acerca de eventual crime de tráfico praticado pelo recorrente.

Ao funcionar como regra que disciplina a atividade probatória, a presunção de não culpabilidade preserva a liberdade e a inocência do acusado contra juízos baseados em mera probabilidade, determinando que somente a certeza pode lastrear uma condenação.

A presunção de inocência, sob tal perspectiva, impõe ao titular da ação penal todo o ônus de provar a acusação, quer a parte objecti, quer a parte subjecti. Não basta, portanto, atribuir a alguém conduta cuja compreensão e subsunção jurídico-normativa, em sua dinâmica subjetiva - o ânimo a mover a conduta -, decorre de avaliação pessoal de agentes do Estado, e não dos fatos e das circunstâncias objetivamente demonstradas.

Assim, uma vez que houve clara violação da regra probatória inerente ao princípio da presunção de inocência, não há como subsistir a condenação do acusado no tocante ao referido delito, por ausência de provas acerca da materialidade.

À vista do exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de restabelecer a decisão que rejeitou a denúncia (autos da Ação Penal n. 5000819-18.2020.4.04.7107) , por ausência de provas acerca da materialidade do delito. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias, para as providências cabíveis. Publique-se e intimem-se. Brasília (DF), 14 de dezembro de 2022. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

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(STJ - REsp: 1945655 RS 2021/0195922-0, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 20/12/2022)

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