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8 de Maio de 2024

Tribunal de Justiça de São Paulo em liminar revoga a decisão de Juíza que determinou a apreensão de Passaporte e CNH de devedor

Publicado por Paulo Antonio Papini
há 8 anos

No Habeas Corpus número

2183713-85.2016.8.26.0000, impetrado pelos Advogados Paulo Antonio Papini e Ariston Pereira de Sá Filho, fora liminarmente suspensa a decisão da MM. Juíza da 2a Vara Cível do Foro de Pinheiros (Cidade de São Paulo) que determinou a apreensão do passaporte do devedor.

Abaixo citamos a íntegra do despacho que concede a liminar:

Trata-se de "habeas corpus" impetrado em decorrência de parte da decisão proferida nos autos da execução de título extrajudicial proposta por "Grand Brasil Litoral Veículos e Peças Ltda." em face de Milton Antonio Salerno, que determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação do executado, bem como a apreensão de seu passaporte, até pagamento do débito exequendo. Aduzem os advogados do paciente, em síntese, que a coação é ilegal e afetará o direito de locomoção, garantido constitucionalmente. Assim, requerem a concessão de liminar para imediata devolução do passaporte e o afastamento da suspensão do direito de dirigir veículos automotores. Em que pese a nova sistemática trazida pelo art. 139, IV, do CPC/2015, deve-se considerar que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que em seu art. , XV, consagra o direito de ir e vir. Ademais, o art. , do CPC/2015, também preceitua que ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz não atentará apenas para a eficiência do processo, mas também aos fins sociais e às exigências do bem comum, devendo ainda resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, observando a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade. Por tais motivos, concedo a liminar pleiteada. Comunique-se à autoridade coatora para que providencie as medidas cabíveis e urgentes para o desfazimento do ato por ela praticado, bem como encaminhe a este Tribunal as necessárias informações. Após, os autos devem ser direcionados à douta Procuradoria Geral de Justiça. Int. Após, conclusos.


Abaixo, reproduzimos a inicial elaborada para aquele processo:

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente – M, brasileiro, separado judicialmente, empresário, portador da Cédula de Identidade RG-SSP-SP número 4..., inscrito no CPF-MF sob o número..., com endereço à Rua Roberto C..., 1..., 1... andar, Bairro Alto de Pinheiros – São Paulo – Capital.

Autoridade Coatora – Exmo. Senhor Juiz de Direito da Meritíssima 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros

Ato praticado pela Autoridade Coatora no processo número 4001386-13.2013.8.26.0011 [fls. 258 a 260]

Paulo Antonio Papini, brasileiro, solteiro, Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo sob o número 161.782 e Ariston Pereira de Sá Filho, brasileiro, solteiro, Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo, sob o número 355.664, vêm, respeitosamente, à elevada presença desta Excelsa Corte de Justiça, com supedâneo legal no artigo , inciso LXVIII da Constituição da Republica Federativa do Brasil, impetrar em favor do Paciente M..., o competente

Habeas Corpus com Pedido de Liminar[1]

Pelas razões fático-jurídicas a seguir expostas:

Cabimento

O artigo , LXVII, da Constituição Federal dispõe que:

conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”

O artigo 647, do Código de Processo Penal, por sua vez, é claro ao dizer que:

Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”

E explica o artigo 648 o que seria uma coação ilegal, entre outras hipóteses:

“A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa.” (grifos e destaques nossos)

Assim, Excelências, conforme será demonstrado a seguir, a coação impetrada ao Sr. Milton Antonio Salerno não está munida de justa causa, estando justificado, portanto, o cabimento do presente habeas corpus, pois objetivando a cessação da violência ilegal ao direito de ir e vir do ora paciente.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus 39608, concedeu a ordem em caso de ordem de prisão civil por infiel depositário. Citamos abaixo a ementa do venerando aresto:

PROCESSO CIVIL - HABEAS CORPUS - LIMINAR - ATO DE DESEMBARGADOR - CABIMENTO DA IMPETRAÇÃO - EXCEPCIONALIDADE - DEPÓSITO DE BENS FUNGÍVEIS - CONTRATO VINCULADO A OPERAÇÕES DE AQUISIÇÃO DO GOVERNO FEDERAL (AGF) - AÇÃO DE DEPÓSITO INCABÍVEL - NATUREZA DE MÚTUO - PRISÃO CIVIL - IMPOSSIBILIDADE.

Como adiante demonstraremos, tanto o caso paradigma, supracitado, quanto o caso presente tratam de violação literal de disposição do Pacto de São José da Costa Rica, razão pela qual a ordem deverá ser conhecida e, liminarmente, provida.

Dos Fatos

1. = O paciente é devedor da credora G... Veículos e Peças Ltda, da importância de R$ 253.299,42 (duzentos e cinquenta e três mil e duzentos e noventa e nove reais e quarenta e dois centavos), dívida esta representada por título de crédito.

1.1 = Esta dívida está ajuizada[2] perante a MM. 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, da Comarca de São Paulo[3].

1.2 = Por conta deste processo, no qual o paciente defendera-se através de Curador de Ausentes, fora determinada, com ampla repercussão na imprensa, diga-se de passagem, a apreensão do Passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação, como meio de coerção para que seja “estimulado” o paciente a quitar sua obrigação[4] pecuniária[5].

1.3 = Como alhures mencionamos, não entramos aqui no mérito da ação executiva, visto que não é esta o objeto desse Remédio Heroico, mas por conta desta ação executiva, como extensamente noticiado pela mídia jurídica, a Autoridade Coatora determinou a apreensão e/ou suspensão do Passaporte, da Carteira Nacional de Habilitação e dos Cartões de Crédito do Paciente[6]. Colamos abaixo a imagem do Site www.jusbrasil.com.br:


1.4 = Com efeito, a decisão atacada baseia-se no artigo 139, inciso do Novo Código de Processo Civil[1].

1.5 = Entendem os Impetrantes, Exmos. Senhores Desembargadores, que houve excesso – e, por conseguinte – violação da norma Constitucional no momento em que determina a apreensão/suspensão dos documentos do Paciente, sobretudo, como já dito, da Carteira Nacional de Habilitação e do Passaporte.

1.6 = Antes de adentrarmos na parte Jurídica e numa abordagem constitucional do despacho guerreado[2], comentaremos algumas observações feitas pela Autoridade Coatora que, em tese, justificariam a suspensão/apreensão do Passaporte do Paciente.

1.6.1 = Diz a Autoridade Coatora que se o Paciente não tem condições de solver a dívida descrita naquele processo em discussão[3], então também não teria condições de arcar com viagens internacionais[4], razão pela qual, então, justificar-se-ia a apreensão do Passaporte.

1.6.2 = Foquemos um pouco nessa frase. A autoridade coatora entende que é irrazoável permitir-se uma viagem para fora do país do paciente, sendo devedor de processos, vez que com os valores gastos ele – o paciente – poderia tentar honrar seus débitos. Pois bem, se considerarmos, como as imagens abaixo coladas demonstram, de forma indene de qualquer dúvida, que uma passagem aérea de ida e volta para Natal, Porto Velho, ou Fernando de Noronha, frequentemente custam mais caro que uma passagem aérea para Miami, não seria (partindo-se da premissa que o ato da Magistrada Autoridade Coatora não viola a Constituição) irrazoável, então, que a mesma determinasse a expedição de ofícios ao D. A. C./ANAC proibindo, dessarte, o paciente de pegar determinados ou quaisquer voos.

1.6.3 = Colamos abaixo as imagens comparativas de passagens aéreas para Miami (EUA) e as outras localidades supracitadas[5], isso para não falarmos que uma passagem aérea para Macapá custa, em média, R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais)[6]:

1.6.4 = Com efeito, Excelência, pela linha argumentativa da Autoridade Coatora se se faz razoável a apreensão do passaporte do paciente, também se faria razoável, sem sombra de dúvidas, a expedição de ofício para ANAC que determinasse a impossibilidade do Paciente pegar determinados voos[1].

1.6.5 = Eis uma breve síntese do processo que justifica o manejo deste Habeas Corpus Constitucional.

Do Direito – Da Decisão Atacada e da Violação ao Direito – Constitucional – de Ir e Vir - a ilegal ordem de apreensão do passaporte

1.7 = Feita a breve exposição acima, caberá, a seguir discutirmos as questões legais afrontadas pela respeitável decisão proferida pela Autoridade Coatora.

2 = Abaixo, citamos o despacho que enseja o manejo deste Remédio Constitucional Heroico:

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2.1 = Com efeito, é evidente a violação ao artigo , incisos XV, LIII e LXVIII, da Constituição da República[2].

2.1.1 = A Constituição da Republica Federativa do Brasil assegura, como é a norma geral nos Estados Democráticos de Direito, asseguram aos seus cidadãos o Direito de Ir e Vir. Trata-se, esse Direito daquilo que Norberto Bobbio chama de Direitos [Fundamentais] de Primeira Geração. Como anota a Dra. Luíza Cassale[3]:

O direito de ir e vir é parte integrante do direito à liberdade pessoal. É direito fundamental inerente às características essenciais da natureza humana. Pertence ao grupo denominado por Norberto Bobbio de "direitos de primeira geração", colocado que está dentre os direitos à vida, à dignidade humana, à segurança, à liberdade de manifestação do pensamento, à liberdade de consciência, de crença, de associação e de reunião. É também conhecido como direito de locomoção ou de liberdade de circulação. Consiste na faculdade de o indivíduo entrar e sair do território nacional e, dentro do país, de deslocar-se pelas vias públicas ou afetadas ao uso público [...]Após transcorridos mais de 500 anos da assinatura da Magna Carta, outra declaração de direitos dos homens, a "Declaração de Direitos da Virgínia", de 16 de junho de 1776, apesar de não ter garantido, de forma expressa, o direito de locomoção, deixou-o estabelecido, de forma implícita, na seção I (garantia ao direito à vida e à liberdade) e na seção VIII (garantia ao direito ao devido processo legal). Na França, como conseqüência da vitória da revolução burguesa de 1789, foi promulgada a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", pela Assembléia Nacional, em 26 de agosto de 1789. Essa declaração, assim como a "Declaração de Direitos da Virgínia", não menciona, de forma expressa, como o fez a Magna Carta, a liberdade de locomoção como um dos direitos individuais. Essa garantia, contudo, está implícita no art. 4º, que se refere ao exercício dos direitos naturais de cada homem, que tem como limite apenas o direito dos outros. Certamente, dentre os direitos naturais do homem está o da liberdade de ir e vir e fixar sua residência onde lhe for mais conveniente.[...]

2.2 = Contudo, muito maior que a previsão Constitucional, o Direito de Ir e Vir está inserto no artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos do Homem que assim o diz:

I) - Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. II) - Todo o homem tem direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

2.3 = Mais ainda, é importante observar-se que o Ordenamento Jurídico Constitucional, reconhece, no artigo 5º em seus parágrafos 1º a 4º a aplicabilidade imediata de normas definidoras de Direitos Fundamentais e, também, aqueles que versem sobre Direitos Humanos.

2.4 = Posto isto, naquilo que diz respeito à apreensão do Passaporte, impede, de modo indene de qualquer dúvida, o exercício prático desse direito.

2.5 = Por seu turno o artigo 20 do Decreto 1983 de 1996, elenca as seguintes condições como sendo as necessárias para a obtenção do Passaporte:

Art. 20. São condições gerais para a obtenção do passaporte comum, no Brasil:

I - ser brasileiro;

II - comprovar sua identidade e demais dados pessoais necessários ao cadastramento no banco de dados de requerentes de passaportes;

III - estar quite com a justiça eleitoral e o serviço militar obrigatório;

IV - recolher a taxa ou emolumento devido;

V - submeter-se à coleta de dados biométricos; e

VI - não ser procurado pela Justiça nem impedido judicialmente de obter passaporte.

§ 1o Para comprovação dos incisos I a IV, será exigida a apresentação, em original, dos documentos relacionados em ato do Departamento de Polícia Federal.

§ 2o Havendo fundadas razões, poderá a autoridade concedente exigir a apresentação de outros documentos além daqueles aludidos no § 1o.

§ 3o Em casos de impossibilidade previstos em ato ministerial, o requerente poderá ser dispensado da coleta de impressões digitais ou assinatura.

2.6 = Considerando o fato que o Direito de Ir e Vir é enquadrado [e de fato o é] Direito Fundamental, é certo que a interpretação que deve ser feita do inciso “VI” deverá ser restritiva, isto é, onde está escrito Justiça deve-se ler: “Justiça Criminal”.

2.6.1 = A limitação ao Direito de Ir e Vir é algo tão grave quanto a própria limitação da Liberdade, razão pela qual é necessário, apenas pelo quanto aqui arguido, seja reconhecida a abusividade da Ordem.

2.7 = Importante dizer que no Julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento número 2045624-53.2014.8.26.0000 este Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo indeferiu o requerimento de bloqueio de passaporte sob o seguinte argumento:

(...) Quanto à apreensão dos passaportes, medida que poderia impedir a viagem dos sócios, não cabe ao Juízo Cível tomar esta providência que poderá caracterizar como modalidade de Interdição do direito de locomoção.(...)

2.8 = Com efeito essa aqui é a grande questão: penas restritivas de direitos somente podem ser conferidas ou por órgãos administrativos (Tribunal de Ética da OAB ou do CRM, por exemplo), ou por Juízos Criminais, não cabendo a usurpação dessa competência ao Magistrado que atua na área cível ou trabalhista.

2.9 = E nem se diga que o artigo 139 do Novo Código de Processo Civil dá esse poder ao Magistrado na medida em que ele passa a ser uma cláusula aberta. O inciso XXXV[4] da Constituição Federal dava ao Magistrado, já há quase trinta anos, o mesmo poder hoje conferido pelo conferido pelo Novo CPC.

2.10 = Em que pese a importância dada pelo legislador na questão chamada “Constitucionalização do Processo Civil”[5], é certo que o Novo CPC, por mais notável que tenha sido a comissão de juristas que o formou, não pode sobrepor-se à Constituição da República, como pretende a Autoridade Coatora.

Do Direito – da Decisão Atacada – da violação do Direito de Ir e Vir - da ilegal e inconstitucional ordem de Apreensão da Carteira Nacional de Habilitação do Paciente

2.11 = A mesma linha argumentativa que aponta ser ilegal e inconstitucional a ordem de apreensão do passaporte do paciente, também é válida para a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação.

2.12 = Em primeiro lugar, é importante salientar que alguém pode ser proprietário de um veículo e não o dirigir, ou, por outra, saber dirigir, estar habilitado a tanto, e, contudo, não ser proprietário de veículo automotor algum.

2.13 = Como dissemos anteriormente, não conhecemos detalhes da vida do Paciente e pouco importa a estes Impetrantes. O que motiva a impetração deste writ é o abuso cometido contra a Constituição e, numa escala mais ampla, contra um Direito Fundamental.

2.14 = Colocada a questão sob esse prisma, cabe ressaltar que as hipóteses passíveis de cassação/suspensão do Direito de Dirigir [que também é ligado, de forma indelével, ao Direito de Ir e Vir] nos são dadas, apenas e tão-somente, pela Lei 9.503/1.997.

2.15 = É importante aqui que se destaque que os artigos 293 a 295 desta norma estabelecem que a suspensão do Direito de Dirigir deve ser definida por um período de tempo específico[6], que a mesma deve prescindir de procedimento próprio e exija, necessariamente, o trânsito em julgado [podendo excepcionalmente ser concedida em caráter cautelar em ação penal[7]].

2.16 = Francamente, Excelências, não nos parece tenha sido a intenção do legislador, em momento algum, dar ao Juiz da Vara Cível uma gama de poderes maior que aquela conferida ao Juízo da Vara Criminal.

2.16.1 = Se assim o é nos parece irrazoável e desproporcional, que se permita ao Magistrado numa ação de cobrança [que tramita na Vara Cível] a prática de um ato apenatório que sequer poderia ser praticado pelo Juízo da Vara Criminal.

2.16.2 = Noutras palavras, se for mantida, data máxima vênia, a sui generis decisão contra a qual se impetra esta medida, poderíamos chegar à estranha situação: A atropela B causando-lhe, por culpa, deformidade permanente. Em ação criminal, além de outras penas, A tem suspensa sua habilitação por 3 anos. Em ação cível A é condenado a pagar R$ 1.000.000,00. Não podendo pagar esta indenização o Juiz da Vara Cível suspende a habilitação de A por tempo indeterminado. Teríamos daí a bizarra situação da pena restritiva de direitos do Juízo Cível ser, na prática, mais severa que aquela proferida pelo Juízo Criminal.

Da Justificativa Apresentada pela Autoridade Coatora para a Medida Indutiva

3. = A Autoridade Coatora utiliza como justificativa para a medida o fato do devedor utilizar subterfúgios para esconder patrimônio. Com efeito, e sem entrar no mérito da dívida em si, mas até onde consta, falsidade ideológica, uso de laranjas para esconder patrimônio, sonegação de bens, fraude a execução, estelionato, são tipificadas criminalmente. Cabe, se o caso for uma expedição de ofício ao MP para a apuração de eventual tipo penal cometido pelo Paciente.

3.1 = Contudo, o que descabe, e é ilegal e inconstitucional é impor-se uma pena apenas e tão-somente em razão da insuficiência de recursos [ainda que o paciente seja devedor em inúmeros processos, como de fato o é].

3.2 = Aliás, o mesmo argumento utilizado pelo Exmo. Magistrado para determinar a suspensão/apreensão do passaporte também seria válido para determinar-se a suspensão do CRM de um médico que não honrasse uma obrigação pecuniária. Poder-se-ia dizer, tal como o fez a Autoridade Coatora: “ora, se ele não tem condições de pagar seus débitos; também não tem de comprar os custosos livros e materiais necessários à prática da profissão, logo, determino a suspensão de seu registro profissional”.

3.3 = Com efeito, Excelência, a utilização indiscriminada do artigo 139, IV, do NCPC abre as portas ao arbítrio, de modo que sequer na Ditadura Militar poder-se-ia imaginar. Mas não é só: poderia o Magistrado em seu despacho inferir: “se o devedor não tem condições de pagar suas dívidas, também não tem condições de comer fora de sua casa, logo, expeça-se ofício aos restaurantes próximos [num raio de Xquilómetros, por exemplo] com a foto do devedor, impedindo-se-lhe seja o mesmo servido”. O mesmo raciocínio válido para a CNH e Passaporte seria plenamente aplicável a estes dois últimos exemplos, a não ser é claro o fato de uma decisão como essa afetar direitos fundamentais e, também, violar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Do Direito – da não aplicabilidade da sanção apontada pelo Juízo, em relação ao Direito de Ir e Vir, por não se tratar de Prestação Pecuniária – Da correta intelecção do artigo 139, IV do Código de Processo Civil & Das violações ao Pacto de São José da Costa Rica

4 = Ainda que, por apreço à dialética desconsiderássemos tudo o quanto argumentado e entendêssemos viável a supressão/cassação[8] de um Direito Fundamental[9], temos que, ainda que consideremos essa hipótese, que a decisão atacada excede o limite da norma, isto é, o artigo 139, IV, do Código de Processo Civil. Senão vejamos:

4.1 = Diz o citado inciso IV[10] que: “IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”. Pois bem, Exas., o conceito de Prestação Pecuniária vem do Direito Penal em seu artigo 45[11] o qual diz:

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)

§ 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)

§ 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciario Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)

§ 4o (VETADO)(Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)

4.2 = Assim, o texto do artigo 139, IV do CPC é suficientemente claro deixando apenas para os casos de indenização por ato ilícito penal e/ou cível, essa possibilidade ao Magistrado.

4.3 = Isso significa que a possibilidade de adoção de medidas indutivas/restritivas de Direitos, prevista[12] no Novo CPC não diz respeito a qualquer dívida, mas apenas e tão-somente a dívidas contraídas em razão de ilícito civil ou penal. Lendo a inicial do processo de execução verifica-se que a dívida do Paciente para com a empresa credora nasce de mero débito contratual/quirografário, impassível, dessarte, de ser alcançado pelo apenamento previsto no artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil.

4.3.1 = Como se trata de norma que, em tese, pode afetar/violar Direitos Fundamentais, ela deve, necessariamente, ser interpretada restritivamente[13] pelo Magistrado e não em caráter ampliativo, como o fez a Autoridade Coatora. Com efeito, a norma não fala em qualquer espécie de prestação, mas, especificamente, de prestação pecuniária, conceito esse que nos é dado pelo Direito Penal[14].

5 = Quanto às violações ao Pacto de São José da Costa Rica, temos também que a decisão proferida pela Autoridade Coatora viola, também, o artigo 9º[15] daquela Convenção, ao ferir o Princípio da Legalidade e da Retroatividade.

5.1 = Isso significa, com efeito, que ainda que o débito do paciente fosse oriundo de um crime e/ou ilícito civil, o que – efetivamente – não é o caso, apenas poderia ser aplicada a sanção prevista no artigo 139 do Novo Código de Processo Civil se o elemento formador do débito tivesse ocorrido após a vigência da norma, isto é, em 18 de março de 2.016.

5.2 = Aliás, a Convenção de São José também é expressa ao definir que: “2. Toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio.”.

Da ordem liminar

5.1 = O paciente está impedido de exercer seu direito fundamental de se locomover livremente desde 25 de agosto de 2016, por um ato arbitrário da autoridade coatora. Portanto, apontada a ofensa à liberdade de locomoção do paciente em razão de coação ilegal em sua liberdade de ir e vir, encontra-se presente, in casu, o fumus boni iuris.

5.2 = No mesmo sentido, verifica-se a ocorrência do periculum in mora, pois, além do fato de que a liberdade de locomoção do paciente, em hipótese alguma poderia ter sido atingida em razão de dívida contratual, por importar em inaceitável e injusta violação ao seu status libertatis, é inegável que tal coação ilegal além de poder causar graves transtornos ao paciente, é também um violento atentado contra a Ordem Jurídica Constitucional Vigente, razão pela qual deve ser cessada com a máxima urgência.

5.3 = Presentes, portanto, os requisitos autorizadores da medida liminar.

Do Pedido

6. = Ante o exposto, demonstrada a ilegalidade da ordem que mantém o paciente privado da liberdade de locomoção, requerem os impetrantes a concessão LIMINAR da ordem, determinando a imediata devolução do passaporte e afastando a suspensão da carteira de habilitação do paciente, determinando-se dessarte, expedição de ofício à Autoridade Coatora para sejam tomadas as medidas cabíveis e urgentes ao desfazimento do ato por ela praticado.

6.1 = Requerem, outrossim, seja – após a oitiva do Ministério Público, na qualidade de fiscal da Lei – , o presente pedido de habeas corpus julgado procedente ao final, confirmando-se a decisão liminar.

6.2 = Requer, ao final, seja intimada a Autoridade Coatora a prestar informações.

Nestes termos,

Requer o processamento e deferimento deste Habeas Corpus.

São Paulo, 08 de setembro de 2016.

PAULO ANTONIO PAPINI

OAB/SP nº 161.782

ARISTON PEREIRA DE SÁ FILHO

OAB/SP nº 355.664

Documentos que instruem o presente:

1 – cópia da decisão guerreada;

2 – acórdão paradigma do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual nega a apreensão do passaporte do devedor;

3 – cópia do acórdão do Superior Tribunal de Justiça que concede Habeas Corpus em caso de Prisão Civil de Infiel Depositário;

4 – cópia integral do processo 4001386-13.2013.8.26.0011, em trâmite perante a Meritíssima 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros da Comarca de São Paulo (autoridade coatora)


[1] Importante aqui fazermos a seguinte menção: Quando trazemos a questão do preço das passagens aéreas a este Habeas Corpus não estamos a discutir fatos [o que sabemos ser inadmissível na utilização desse meio extremo de proteção constitucional], mas, sim, a demonstrar algo que é de conhecimento notório ao “homus medius”.

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]; XV - e livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;[...]; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;[...] LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

[3] CASSALE, Luíza. Direito de Ir e Vir. Revista Jurídica número 294, página 25. http://www.amdjus.com.br/doutrina/constitucional/18.htm

[4] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[5] Algo com que concordam os impetrantes deste HC, visto que se especializam – stricto e lato senso – em Direito Processual Civil.

[6] Algo sequer mencionado pela Insigne Autoridade Coatora em seu respeitabilíssimo despacho de fls., o qual dá azo a este Habeas Corpus constitucional.

[7] Art. 293. A penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação, para dirigir veículo automotor, tem a duração de dois meses a cinco anos. § 1º Transitada em julgado a sentença condenatória, o réu será intimado a entregar à autoridade judiciária, em quarenta e oito horas, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação. § 2º A penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor não se inicia enquanto o sentenciado, por efeito de condenação penal, estiver recolhido a estabelecimento prisional. Art. 294. Em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pública, poderá o juiz, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção. Parágrafo único. Da decisão que decretar a suspensão ou a medida cautelar, ou da que indeferir o requerimento do Ministério Público, caberá recurso em sentido estrito, sem efeito suspensivo. Art. 295. A suspensão para dirigir veículo automotor ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação será sempre comunicada pela autoridade judiciária ao Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, e ao órgão de trânsito do Estado em que o indiciado ou réu for domiciliado ou residente.

[8] Algo, ao nosso ver, totalmente irrazoável e desproporcional.

[9] Por tempo indefinido, diga-se de passagem.

[10] Do artigo 139 do Novo Código de Processo Civil.

[11] Alterado pela Lei 9.714/1.998.

[12] Em tese.

[13] Neste sentido, aliás, é expresso o texto do artigo 29 do Pacto de São José da Costa Rica: Artigo 29 – Normas de interpretação. Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício de liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos estados; c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e, d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

[14] E é natural que assim o seja, pois nos negócios jurídicos existe a liberdade de contratar, isto é, o credor tem a opção de contratar com quem possa oferecer, ou não garantias e aceita esse risco. Já no campo dos ilícitos civis/criminais essa liberdade deixa de existir. Noutras palavras, uma relação de crédito-débito é estabelecida independente de qualquer ato volitivo do credor, razão pela qual justifica-se, dessarte, uma maior proteção jurídica à reparação oriunda desta espécie de dano.

[15] Artigo 9. Princípio da Legalidade e da Retroatividade. Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, momento em que foram cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado.


[1] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:[...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

[2] O qual, como abordaremos adiante, afronta o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e, também, o Direito Fundamental protegido na Constituição da Republica Federativa do Brasil, que é a liberdade de ir e vir.

[3] Cujo mérito, repetimos, não pretendemos discutir no presente Habeas Corpus.

[4] Terceira página, 2º parágrafo do respeitável despacho impugnado por esta medida.

[5] Em ordem, citamos os valores de passagens aéreas para Miami, Porto Velho, Natal e Fernando de Noronha, observando-se que a menos custosa de todas elas é a com destino para Miami, nos EUA. [sites: http://www.decolar.com/shop/flights/results/roundtrip/SÃO/FEN/2017-01-28/2017-02-18/1/0/0/NA/NA/YC/1/NA?from=SB; http://www.decolar.com/]

[6]http://www.decolar.com/shop/flights/results/roundtrip/SÃO/MCP/2017-01-28/2017-02-18/1/0/0/NA/NA/YC/1/NA?from=SB


[1] Apesar de assinado através do protocolo digital do Dr. Paulo Antonio Papini, esta petição fora elaborada em conjunto pelos Advogados Paulo Antonio Papini e Ariston Pereira de Sá Filho.

[2] Processo que tramita sob o número 4001386-13.2013.8.26.0011.

[3] Ora Autoridade Coatora.

[4] Devemos observar que o artigo 139, IV, do NCP fala expressamente em Prestação Pecuniária.

[5] Obrigação pecuniária essa que não é objeto deste remédio heroico, e nem poderia sê-lo.

[6] Como essa ação objetiva assegurar a defesa constitucional e intransigente do Direito de Ir e Vir do Paciente, apenas, o presente Habeas Corpus tratará apenas das questões relacionadas ao Passaporte e à Carteira Nacional de Habilitação.

Fonte - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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Parabéns! Que decisão esdrúxula dessa juíza! O Passaporte, tudo bem, mas a CNH não tem cabimento nenhum! E se a pessoa quiser trabalhar de motorista para pagar a dívida? continuar lendo