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23 de Maio de 2024
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    A cobrança do ITCMD para bens imóveis em São Paulo e a ilegalidade da base de cálculo

    há 4 anos

    A cobrança do ITCMD para bens imóveis em São Paulo e a ilegalidade da base de cálculo

    FÁBIO GONÇALVES DA SILVA[1]

    O Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação, de competência dos Estados, está previsto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal. No estado de São Paulo, é regulado pela Lei 10.705/2000. Embora a incidência do imposto abranja quaisquer bens e direitos, o presente comentário trata especificamente de situações referentes ao ITCMD sobre bens imóveis, rurais e urbanos.

    O Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), tem como fato gerador o falecimento da pessoa que deixa bens e herdeiros ou na doação em vida.

    Conforme previsto no artigo 155, I, da Constituição Federal, trata-se de um imposto estadual e, no tocante aos imóveis, segundo o § 1º do dispositivo retro mencionado, compete ao Estado (ou ao Distrito Federal) da situação do bem.

    O artigo 9o, § 1º, da Lei Estadual 10.705/2000, determina ter por base de cálculo o valor venal do bem ou direito na data da abertura da sucessão:

    Artigo 9º - A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

    § 1º - Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.”

    Quanto aos imóveis urbanos, a Lei 10.705/2000, em seu artigo 13, inciso I, determina que a base de cálculo do ITCMD não poderá ser inferior ao valor fixado para fins de Imposto Predial Territorial e Urbano (IPTU):

    “I - em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU;”

    Ocorre que a Fazenda do Estado de São Paulo, com base no parágrafo único do artigo 16 do Regulamento do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - RITCMD, aprovado pelo Decreto 46.655, de 1º de abril de 2002, determina a utilização do valor venal de referência para fins de Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), divulgado por ente municipal:

    “Parágrafo único - Poderá ser adotado, em se tratando de imóvel: (Redação dada ao parágrafo pelo Decreto 55.002, de 09-11-2009; DOE 10-11-2009)

    1 - rural, o valor médio da terra-nua e das benfeitorias divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou por outro órgão de reconhecida idoneidade, vigente à data da ocorrência do fato gerador, quando for constatado que o valor declarado pelo interessado é incompatível com o de mercado;

    2 - urbano, o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis - ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador, nos termos da espectiva legislação, desde que não inferior ao valor referido na alínea a do inciso I, sem prejuízo da instauração de procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, se for o caso.

    Já a avaliação dos imóveis rurais para o cálculo do ITCMD deve ter por base a declaração do ITR, conforme estabelece o artigo 13, II da Lei nº 10.705/2.000:

    “II - em se tratando de imóvel rural ou direito a ele relativo, ao valor total do imóvel declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR.”

    Entretanto, a Fazenda do Estado de São Paulo exige o recolhimento do ITCMD calculado pelo valor venal de referência do Instituto de Economia Agrícola (IEA), com fundamento no parágrafo único do art. 16 do Decreto Estadual nº 46.655/02, alterado pelo Decreto nº 55.002/09 mencionado acima, que, por sua vez, é contrário ao artigo 13,II da Lei Estadual nº 10.705/2000 e viola o disposto no art. 97, § 1º do CTN, excedendo o poder regulamentar.

    Por conseguinte, o Decreto Estadual nº 46.655/02 afronta o princípio da legalidade previsto, tanto na Constituição Estadual de São Paulo (art. 163,I)[2], como no artigo 150, I da Constituição Federal, onde veda exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça:

    “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

    I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

    Neste sentido segue a jurisprudência, como esclarece recente ementa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

    Ementa: APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD– BASE DE CÁLCULO – VALOR VENAL – IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL- ITR – POSSIBILIDADE. Exigência do fisco quanto à alteração da base de cálculo do ITCMD, nos termos do Decreto Estadual nº 46.655/02, alterado pelo Decreto nº 55.002/09. Inadmissibilidade. Base de cálculo do Imposto de Transmissão causa mortis e doação é o valor venal do imóvel, na data da abertura da sucessão e/ou transferência dos bens ou direitos, devidamente atualizado, com base no ITR lançado no exercício, nos termos da Lei Estadual nº 10.705/2000. Sentença mantida. Recursos desprovidos.” [3] (grifo meu)

    REEXAME NECESSÁRIO. Mandado de segurança. ITCMD. Base de cálculo. Valor venal, tal como ocorre com o IPTU, não o valor de referência utilizado no ITBI. Pretensão de recolhimento do ITCMD incidente sobre transmissão causa mortis de bem imóvel urbano, adotando como base de cálculo o mesmo valor venal que é empregado no lançamento do IPTU. Admissibilidade. Deve ser afastada a utilização do "valor de referência", que serve de base de cálculo do ITBI, consoante previsão no Decreto Estadual nº 55.002/2009. Aplicação dos artigos 9º, § 1º, e 13, inciso I, ambos da Lei Estadual nº 10.705/2000, e do artigo 16, inciso I, a, do Decreto Estadual nº 46.665/2002. Base de cálculo de tributo que somente pode ser alterada por meio de lei, conforme estabelece o artigo 97, inciso II, § 1º, do Código Tributário Nacional. Segurança concedida em primeiro grau. Sentença confirmada. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO.[4] (grifei)

    A Lei Estadual nº 10.705/2000, ao estabelecer a base de cálculo do ITCMD os mesmos parâmetros de valores aplicáveis para os demais impostos incidentes sobre a propriedade imobiliária, como é o caso do IPTU e do ITR, atende os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica. Não há razão para admitir base de cálculo diversa para um mesmo imóvel apenas em razão de se tratar de impostos diferentes.

    Como tese subsidiária, o O Estado de São Paulo tem adotado o arbitramento, para exigir o ITCMD em valor superior ao previsto na Lei Estadual nº 10.705/2000.

    Ocorre que o arbitramento pela administração fiscal do valor do imposto tem caráter excepcional, não configurando procedimento padrão de lançamento, mas apenas técnica para avaliação contraditória de preços, bens, serviços ou atos jurídicos, utilizável somente quando os documentos ou declaração do contribuinte sejam omissos ou não mereçam fé.

    Neste sentido, o artigo 149 do CTN estabelece que o lançamento efetuado apenas pode ser revisto pelo Fisco nas hipóteses de omissão, fraude, erro ou simulação:

    “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

    I - quando a lei assim o determine;

    II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;

    III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;

    IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;

    V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

    VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;

    VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

    VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

    IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.

    Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.”

    Ademais, mesmo nas hipóteses acima, não há plena discricionariedade para a Fazenda aplicar o arbitramento, pois necessita atender os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e capacidade contribuitiva, conforme ensina Maria Rita Ferragaut[5]:

    “no processo de arbitramento a administração fazendária deve respeitar os princípios da finalidade da lei, razoabilidade, proporcionalidade e capacidade contributiva.”

    Portanto, como a Fazenda não aceita pedido administrativo, o herdeiro contribuinte pode pleitear a redução do tributo no próprio inventário, caso seja judicial, ou mediante ação autônoma, bem como mandado de segurança. Porém, se preferir pelo recolhimento, a fim de agilizar a tramitação do inventário, poderá mover ação de repetição do indébito dos valores recolhidos a maior nos últimos cinco anos, inclusive perante o Juizado Especial da Fazenda Pública, se o valor pleiteado for até 40 (quarenta) salários mínimos (art. 13, § 3o, I da Lei nº 12.153, de 22/12/2009) com isenção do pagamento de custas processuais, salvo se houver recurso.

    Ante a posição contrária da jurisprudência, consta o Projeto de Lei 250/2020 que altera a Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, sob o argumento de mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus - COVID-19 no âmbito do Estado. Este projeto, além de Propor alteração na alíquota de cobrança do imposto dos atuais 4% para alíquotas progressivas de até 8% em função dos valores envolvidos tendo como referência a quantidade de UFESP´s (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo), também estabelece a base de cálculo pelo valor de mercado:

    “Artigo 1º - Passam a vigorar com a redação que segue, os dispositivos adiante indicados da Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, alterado pela Lei nº 10.992, de 21 de dezembro de 2001 e pela Lei nº 16.050 de 15 de dezembro de 2015:

    (…)

    V - dá nova redação ao artigo 13:

    “Artigo 13 - No caso de imóvel, urbano ou rural, o valor da base de cálculo é o valor de mercado (NR)

    § 1º - O valor de mercado será divulgado pela Secretaria da Fazenda, que, para essa finalidade, poderá celebrar convênios, termos de cooperação, parcerias, contratar serviços especializados ou adotar outros procedimentos previstos na legislação para a apuração do referido valor.

    § 2º - Enquanto a Secretaria da Fazenda não divulgar o valor de mercado referido no § 1º, a base de cálculo será:

    1 - se imóvel rural, o valor da terra-nua e de imóveis com benfeitorias, divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou outro órgão de reconhecida idoneidade;

    2 - se imóvel urbano, o valor utilizado pela administração tributária municipal do local do bem para fins de tributação do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis - ITBI, ou, na sua falta, do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU.

    § 3º - na hipótese de os valores referidos nos §§ 1º ou 2º não corresponderem aos de mercado, poderá ser instaurado procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo.”

    A justificativa do legislador do Projeto de Lei em comento relata a intenção de aumentar a arrecadação sobre os mais ricos nos seguintes termos:

    “Em 2019, foram arrecadados nesta conta R$ 3,154 bilhões (três bilhões, cento e cinquenta milhões de reais), com base na alíquota única de 4%. Com a mudança ora proposta, a estimativa é que esse valor chegue a R$ 6 bilhões, e isso pelo caminho da progressividade, na qual se cobra mais dos que mais podem contribuir, em especial aqueles situados entre o 1% mais rico do País.”

    Apesar da impressionante quantia já alcançada, R$ 3,154 bilhões, pretende-se o dobro. Como se não bastasse, com a mudança do critério da base de cálculo para o valor de mercado, acarretará também drástico aumento do imposto não apenas para as pessoas mais abastadas, como também sobre as classes mais humildes.

    Oportuno ressaltar que a mudança legislativa, caso seja aprovada na Assembleia, sancionada, e entre em vigor 90 (noventa) dias da referida publicação, somente poderá incidir na data da abertura da sucessão ou doação que ocorrerão do exercício seguinte em diante, a fim de atender os princípios da legalidade e da anterioridade (art. 150, II, a da CF. e art. 163, III,b da C.Est/SP.).

    São José do Rio Preto, 8 de maio de 2020.

    1. FÁBIO GONÇALVES DA SILVA, OAB/SP.133.169, advogado especialista em direito tributário pela Universidade Anhanguera e membro das Comissões de Direito Tributário, Empresarial e de Direitos Humanos da 22ª Subseção da OAB de São José do Rio Preto – SP.

    2. estabelece o artigo 163 , I, da Constituição Estadual de São Paulo: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:

      I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

    3. 1046988-78.2015.8.26.0053 Classe/Assunto: Apelação / Reexame Necessário / ITCD - Imposto de Transmissão Causa Mortis; Relator (a): Danilo Panizza;Comarca: Sorocaba ; Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 26/03/2018; Data de publicação: 26/03/2018; Data de registro: 26/03/2018

    4. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1034692-82.2019.8.26.0053; Relator (a): Souza Nery; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 08/05/2020; Data de Registro: 08/05/2020)

    5. FERRAGAUT, Maria Rita. Presunções no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 161

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    Base de cálculo do ITCMD é o valor venal do IPTU e não o valor de mercado.

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