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3 de Maio de 2024

A Responsabilidade Civil dos clubes de futebol pelas lesões decorrentes do acidente de trabalho do atleta profissional

Publicado por Silas Silva de Jesus
há 6 anos

1 INTRODUÇÃO

O futebol é o esporte mais popular do mundo e, quiçá, a maior paixão esportiva nacional, sobretudo após o Brasil figurar como sede da Copa do Mundo de 2014. Contudo, a prática da referida atividade desportiva seria impossível sem os seus principais atores, os jogadores de futebol.

Há muito o futebol deixou de ser apenas um esporte com viés romântico e deu lugar ao profissionalismo, e, por isso, passou a envolver cifras cada vez maiores. Além disso, é público e notório que o atleta de futebol possui a sua imagem diariamente atrelada a glória, a fama, ao dinheiro.

Todos esses fatores, considerados conjuntamente, geraram à atividade futebolística um ambiente de alta competitividade e a tornaram um esporte de alto rendimento, em que o atleta de futebol, em busca da excelência profissional, transforma seu corpo e sua mente em uma verdadeira máquina, com o objetivo de suportar as dores, o estresse, o esgotamento físico e triunfar.

Neste diapasão, a ocorrência de lesões passou a ser uma constante na vida do jogador de futebol, que muitas vezes o afastam temporariamente do seu mister profissional e, em ocasiões mais graves, acarretam incapacidades permanentes que até mesmo o faz encerrar a carreira futebolística precocemente.

Contudo, não há no ordenamento jurídico pátrio nenhuma previsão específica que trate dos direitos do atleta profissional que sofra lesão incapacitante, tampouco da responsabilidade dos clubes de futebol nesta ocasião, de forma que é necessário enquadrar tais questões, no que couber, nas regras gerais que tratam de acidente de trabalho e responsabilidade civil.

Assim, o presente estudo visou justamente analisar o trato legislativo, doutrinário e jurisprudencial quando da ocorrência de lesões sofridas pelo jogador de futebol no desempenho de sua profissão, mormente no que se refere a investigação da modalidade de responsabilidade civil aplicável aos clubes de futebol: subjetiva ou objetiva.

Ao cabo desta pesquisa, foi apresentada como solução à hipótese levantada que aos clubes de futebol se aplica a responsabilidade civil objetiva, de forma que deve ser obrigada a indenizar o atleta profissional sobre o qual sobreveio incapacidade laboral sem a necessidade de comprovação de culpa, uma vez que a atividade futebolística, por sua natureza, imprime alto grau de risco de lesões.

Para tanto, o método investigativo utilizado no presente estudo foi o hipotético dedutivo, e a técnica de pesquisa empregada para se chegar aos resultados apresentados foi a revisão bibliográfica, com análise doutrinária, jurisprudencial e normativa.

2 ACIDENTE DE TRABALHO: CARACTERIZAÇÃO

Antes de adentramos no tema da responsabilidade civil dos clubes de futebol em razão das lesões e possíveis danos sofridos pelos atletas profissionais no exercício de seu mister, é importante trazermos à baila algumas considerações acerca do acidente de trabalho e sua caracterização, observando tanto o aspecto doutrinário, quanto as disposições legais.

Pois bem. O exercício do trabalho é atividade inerente a natureza humana, pois, seja em razão do instinto primitivo da luta pela sobrevivência e de satisfazer suas necessidades mais básicas, seja por questões de maior poderio econômico, é indubitável que a atividade produtiva se fulcra na capacidade laboral do homem.

Contudo, é de sabença geral e notória que desde os primórdios da humanidade, o trabalho sempre foi realizado pelos homens que ficavam expostos a riscos à saúde, segurança e à vida. Segundo Hertz Jacinto Costa (2009, p.15), desde os egípcios, gregos e romanos já existiam “referências relativas à saúde ou doença e o trabalho, embora de forma muito restrita”.

O referido autor pondera ainda que naqueles tempos não havia preocupação com os acidentes sofridos em razão do trabalho, tampouco com as consequências deles advindos, uma vez que “o trabalho era tido como atividade destinada às classes mais baixas e que, por isso mesmo, não dependia de proteção maior” (COSTA, 2009, p.18).

Neste espeque, é de bom tom ressaltar, porque importante, as palavras do insigne professor Sebastião Geraldo de Oliveira acerca do acidente de trabalho e suas consequências na vida do trabalhador, senão vejamos:

Quando nos debruçamos sobre o tema do acidente do trabalho, deparamo-nos com um cenário dos mais aflitivos. As ocorrências nesse campo geram consequências traumáticas que acarretam, muitas vezes, a invalidez permanente ou até mesmo a morte, com repercussões danosas para o trabalhador, sua família, a empresa e a sociedade. O acidente mais grave interrompe abruptamente a trajetória profissional, transforma sonhos em pesadelos e lança uma nuvem de sofrimentos sobre vítimas indefesas, cujos lamentos ecoarão distantes dos ouvidos daqueles empresários displicentes que atuam com a vida e a saúde dos trabalhadores como simples ferramentas produtivas utilizadas na sua atividade. (OLIVEIRA, 2014, p.31)

Em razão dos abusos cometidos pelos donos do capital e detentores dos meios de produção, e dos constantes infortúnios sofridos pelos trabalhadores, era necessária uma maior proteção à classe trabalhadora que se inseria de forma desigual na relação jurídica, e, por isso, segundo Sergio Pinto Martins (2006, p. 6), o Estado passou a intervir “principalmente para realizar o bem-estar social e melhorar as condições de trabalho. O trabalhador passa a ser protegido jurídica e economicamente.”

Felizmente, após incessantes lutas da classe trabalhadora e evolução legislativa, embora atualmente no Brasil não exista uma lei específica sobre Acidentes do Trabalho, as espécies de acidente de trabalho e as formas pelas quais cada uma se caracteriza estão disseminadas na Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Planos e Benefícios da Previdência Social.

Entretanto, em análise da referida Lei, Sebastião Geraldo de Oliveira (2014, p.44) aponta que “o legislador não conseguiu formular um conceito de acidente de trabalho que abrangesse todas as hipóteses em que o exercício da atividade profissional pelo empregado gera incapacidade laborativa”. Ainda, o indigitado autor arremata seus ensinamentos da seguinte maneira:

Diante dessa dificuldade conceitual, a lei definiu apenas o acidente de trabalho em sentido estrito, também denominado acidente típico ou acidente-tipo. No entanto, acrescentou outras hipóteses que se equiparam ao acidente típico para todos os efeitos legais. Isso porque a incapacidade também pode surgir por fatores causais que não se encaixam diretamente no conceito estrito de acidente do trabalho, tais como: enfermidades decorrentes do trabalho; acidentes ou doenças provenientes de causas diversas, conjugando fatores do trabalho e extralaborais (concausas); acidentes ocorridos no local do trabalho, mas que não tem ligação direta com o exercício da atividade profissional; acidentes ocorridos fora do local da prestação de serviços, mas com vínculo direto ou indireto com o cumprimento do contrato de trabalho e acidentes ocorridos no trajeto de ida e volta da residência para o local de trabalho. Como se vê, o legislador formulou um conceito para o acidente de trabalho em sentido estrito, o acidente típico, e relacionou outras hipóteses que também geram incapacidade laborativa, os chamados acidentes de trabalho por equiparação legal.

E é no artigo 19 da Lei 8.213/91 que se encontra o conceito de acidente de trabalho em sentido estrito, ou acidente típico, pois o referido dispositivo legal assim dispõe:

Art. 19 – Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. (BRASIL, 1991)

É possível verificar, portanto, que para que haja caracterização de um fato como acidente de trabalho, é necessário, primeiramente, que o evento ocorra a partir do trabalho prestado junto ao empregado, isto é, que haja nexo de causalidade entre a atividade laboral e o acidente. Por outro lado, é necessário que o acidente de trabalho acarrete lesão corporal ou perturbação funcional, o que noutras palavras significa dizer que o trabalhador deve sofrer algum dano a partir do infortúnio.

Aliás, a necessidade de constatação de perda total ou parcial da capacidade laborativa do trabalhador para que o evento seja caracterizado como acidente de trabalho, decorre, também, do artigo 20, § 1º, alínea c, o qual dispõe que “não são consideradas como doença do trabalho” “a que não produza incapacidade laborativa”.

Portanto, verifica-se que mesmo na ocorrência de evento acidentário que provoque lesão no empregado, não haverá enquadramento do fato como acidente de trabalho caso esta lesão seja incapacitante para o exercício do labor. Neste aspecto, vale consignar os ensinamentos de Sebastião Geraldo de Oliveira (2014, p. 49-50), vejamos:

É da essência do conceito de acidente do trabalho que haja lesão corporal ou perturbação funcional. Quando ocorre um evento sem que haja lesão ou perturbação física ou mental do trabalhador, não haverá, tecnicamente, acidente de trabalho. Tanto que há expressa menção legal que não será considerada doença do trabalho a que não produza incapacidade laborativa. No entanto, nem sempre a perturbação funcional é percebida de imediato, podendo haver manifestação tardia com real demonstração do nexo etiológico com o acidente ocorrido. (...)
Além da lesão ou perturbação funcional, é necessário, para completar o conceito de acidente de trabalho, que o evento acarrete a morte, ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. (...)

Em suma, a partir do conceito legal de acidente de trabalho e das ponderações doutrinárias, conclui-se que são requisitos cumulativos e imprescindíveis para a caracterização do acidente de trabalho: 1) evento danoso decorrente do exercício do trabalho; 2) lesão corporal ou perturbação funcional decorrente desse fato; 3) morte ou constatação de perda total ou parcial da capacidade laborativa do trabalhador.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÕES GERAIS E ESPÉCIES

Conforme esposado anteriormente, o acidente de trabalho somente se caracteriza quando do fato sobrevier gravame que incapacite total ou parcialmente o empregado de exercer o seu mister profissional, ou até mesmo quando ocorrer a morte do trabalhador.

Assim, a partir da ocorrência do acidente de trabalho surge ao empregado vitimado, ou a sua família no caso de morte, o direito de receber os benefícios concedidos pela Previdência Social, contudo, além desses, nasce a possibilidade de perceber indenizações do empregador pelos danos sofridos, tal qual se extrai do artigo , XXVIII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), bem como dos artigos 948, 949 e 950, do Código Civil (BRASIL, 2002), abaixo transcritos:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração da vida da vítima.
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Porém, em que pese a legislação prever tais direitos ao empregado que sofreu acidente de trabalho incapacitante, é necessário verificar a obrigatoriedade de o empregador indenizá-los através do estudo do instituto jurídico que oferece o substrato dogmático para tanto, qual seja a responsabilidade civil.

Vários são os conceitos sobre a Responsabilidade Civil imprimidos pela doutrina, entretanto, todos trazem como núcleo central a ideia de ressarcimento ou reparação do dano sofrido pela vítima a partir de uma ação ou omissão de outrem. Neste diapasão, valemo-nos dos ensinamentos de Maria Helena Diniz (2010, p. 34) quando a responsabilidade civil:

Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio ou imputado, de pessoa por quem responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.

É de ver-se, portanto, que “o termo responsabilidade normalmente está ligado ao fato de respondermos pelos atos que praticamos. Revela, então, um dever, um compromisso, uma sanção, uma imposição decorrente de algum ato ou fato”. (FIÚZA, 2013, p. 360).

Em perfeita engrenagem, Oliveira (2014, p. 80) explicita que “onde houver dano ou prejuízo, a pretensão de responsabilidade civil é invocada para fundamentar a pretensão de ressarcimento por parte daquele que sofreu as consequências do infortúnio”. E continua explicando Sebastião Geraldo de Oliveira acerca da finalidade da responsabilidade civil:

É, por isso, instrumento de manutenção da harmonia social, na medida em que socorre o que foi lesado, utilizando-se do patrimônio do causador do dano para restauração do equilíbrio rompido. Com isso, além de punir o desvio de conduta e amparar a vítima, serve para desestimular o violador potencial, o qual pode antever e até mensurar o peso da reposição que seu ato ou omissão poderá acarretar.

Entretanto, a partir da responsabilidade civil geral, existem várias maneiras de encarar a obrigatoriedade de o empregador indenizar civilmente o empregado que sofre gravame incapacitante no desenvolvimento de sua atividade laboral, razão pela qual surgiram as teorias da Responsabilidade Subjetiva e da Responsabilidade Objetiva.

Quanto ao assunto, importante trazer à baila os preceitos de Sebastião Geraldo de Oliveira (2014, p. 95-96), que explica com propriedade sobre as espécies de responsabilidade civil:

(...) Nesse aspecto, a responsabilidade civil pode se apresentar como de natureza subjetiva ou objetiva.
A responsabilidade será subjetiva quando o dever de indenizar surgir em razão do comportamento do sujeito que causa danos a terceiros, por dolo ou culpa. Já na responsabilidade objetiva, basta que haja o dano e o nexo de causalidade para surgir o dever de indenizar, sendo irrelevante a conduta culposa ou não do agente causador. É por isso que a responsabilidade objetiva é também denominada teoria do risco, porquanto aquele que, no exercício da sua atividade, cria um risco de dano a outrem responde pela reparação dos prejuízos, mesmo quando não tenha incidido em culpa alguma.

E no mesmo sentido ensina o insigne professor Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 48):

(...) Diz-se, pois, ser subjetiva a responsabilidade quando se esteira na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.
A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano independentemente de culpa. Quando isso acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Essa teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.

Portanto, é de se ver que a responsabilidade subjetiva exige, para que surja a obrigação de indenizar, que o empregador tenha incorrido em culpa no acidente de trabalho que causou gravame ao empregado, isto é, deve ter agido com dolo, negligência, imprudência ou imperícia. Assim, somente há o dever de indenizar, por esta teoria, se presentes o dano, o nexo de causalidade e a culpa do empregador.

Por outro lado, pela teoria da responsabilidade objetiva, o dever de reparação do dano surge ao empregador independentemente de comprovação da culpa, pois, para que surja a obrigação de indenizar o empregado, basta a simples demonstração do dano e o liame entre a conduta e o indigitado dano.

No ordenamento jurídico brasileiro, o principal dispositivo que trata da possibilidade de percepção de indenização em razão de acidente de trabalho é o artigo , XXVIII da Constituição Federal. E ao analisar o referido artigo, é possível extrair que o Constituinte adotou como regra a responsabilidade civil subjetiva para os casos de acidente de trabalho, uma vez que estabeleceu que a indenização é devida pelo empregador quando este incorrer em dolo ou culpa.

No mesmo sentido, o Código Civil (BRASIL, 2002) também adotou como regra a responsabilidade civil subjetiva, conforme se verifica do artigo 186 e 927, caput, do indigitado diploma legal:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Contudo, inobstante a regra geral adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, que atribui o dever de indenizar os danos decorrentes de acidente de trabalho nas hipóteses de dolo ou culpa, o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil (BRASIL, 2002) prevê a aplicação da responsabilidade objetiva ao dispor que haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, quando a atividade desenvolvida pelo ofensor implicar, por sua natureza, em riscos aos direitos de outrem. Vejamos:

Art. 927. (...)
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A regra contida no dispositivo constitucional (art. 7º, XXVIII), portanto, não exclui a possibilidade de que a reparação do dano ocorra independentemente de culpa, na modalidade de responsabilidade objetiva, pois os direitos e mecanismos previstos no artigo da Constituição Federal “representam o conjunto básico ou mínimo de proteção ao empregado, ao qual se somam outros, desde que atendido o pressuposto nele previsto também” (BRANDÃO, 2009, p. 273), de forma que podem ser complementados em benefício dos trabalhadores, como fez o Código Civil no artigo 927, parágrafo único.

Neste sentido é o posicionamento de Sebastião Geraldo de Oliveira (2014, p. 121-122), que ensina que o artigo da CF prevê apenas um patamar mínimo de direitos ao empregado, permitindo que outros direitos mais benefícios sejam previstos pela legislação. São estas as suas palavras:

Poder-se-ia argumentar que a previsão do Código Civil, nesse ponto, seria incompatível com o dispositivo constitucional. Também não enxergamos dessa forma. A rigor, o preceito realmente consagrado no inciso XXVIII do art. 7º é o de que cabe a indenização por reparação civil independentemente dos direitos acidentários. Aliás, o art. 121 da Lei n. 8.213/1991 bem captou esse princípio, ao estabelecer: O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem. Observe-se que foi mencionada a responsabilidade civil genericamente, o que permite concluir que todas as espécies estão contempladas. Haveria incompatibilidade, se a redação do inciso XXVIII tivesse como ênfase a limitação a uma espécie de responsabilidade, como, por exemplo, se a redação fosse assim lavrada: Só haverá indenização por acidente do trabalho quando o empregador incorrer em dolo ou culpa. Além disso, não há dúvida de que a indenização do acidentado, com apoio na teoria da responsabilidade objetiva, visa à melhoria da condição social do trabalhador ou do ex-trabalhador, como previsto no caput do art. da Constituição da República.

Tem-se, portanto, que nas hipóteses em que a atividade empresarial desenvolvida representar risco acentuado ao empregado, aplica-se a responsabilidade objetiva do empregador, ocasião em que a indenização pelos danos sofridos é cabível independentemente de comprovação da culpa do empregador.

4 ACIDENTE DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL E A RESPONSABILIDADE CIVIL APLICÁVEL AOS CLUBES

Por Diego Petacci (2016, p. 119), Futebol é o “esporte consistente na disputa entre duas equipes com 11 jogadores em um campo coberto de grama, com o uso de uma bola”, de forma que “vence a partida a equipe que marcar mais gols, colocando a bola dentro da meta adversária”.

Esse esporte chamado futebol é, notoriamente, uma paixão global e, indubitavelmente, a modalidade esportiva mais popular do país, a qual envolve clubes de futebol, torcedores fanáticos, entidades organizadoras e, como principais protagonistas, os atletas, que se utilizam de todo o seu vigor físico para tentar melhor desempenho no espetáculo desportivo.

Neste diapasão, Délio Barboza de Sá Junior, citando ensinamentos de Sandro Sargentim, explica que o futebol tem característica acíclica, que é a grande variação de deslocamento que ocorre de forma inconstante durante a partida, e intermitente, devido à troca incessante da fase ativa para a passiva (SARGENTIM, 2010, apud, JÚNIOR, 2012). Mais adiante, Júnior explica o que são as fases ativa e passiva, vejamos:

A fase ativa é quando o atleta participa diretamente da ação de jogo, estando ou não com a bola, essa fase é caracterizada por movimentos de alta intensidade e curta duração. Já a fase passiva, são movimentos de baixa intensidade e com uma duração maior, nessa fase o atleta se recupera a fim de dar outro estímulo intenso.

É de se notar, portanto, que o futebol é uma modalidade desportiva de alto rendimento em que a competitividade e o contato se sobressaem, exigindo, assim, o esforço físico cada vez mais intenso do atleta para alcançar a excelência, tanto nos treinamentos como nos eventos, mormente quando se verifica que as competições ocorrem em diversas localidades, tipos de gramados, bem como em diversas temperaturas.

Assim, é notório que os atletas de futebol se expõem a uma gama enorme de riscos à sua integridade física, saúde e vida, sendo inquestionável, portanto, a possibilidade de sofrer acidentes de trabalho durante o exercício de sua profissão, seja nos treinamentos, seja nas competições, que podem até mesmo interromper precocemente a carreira do atleta.

Quanto ao assunto, Carolyn A. Amery, citada por Diego Petacci, afirma que o futebol é um esporte de risco elevado de lesões, e explica:

Futebol é, no entanto, um esporte de colisão/contato, e seus participantes são suscetíveis ao risco de contraírem lesões. A incidência de lesões no futebol é alta, com taxas relatadas de 10 a 35 lesões por 1.000 horas de jogo no futebol masculino adulto (...) e 10-70 lesões por 1.000 horas de jogo no futebol feminino adulto (...). Consistentemente, as extremidades inferiores respondem pela maioria das lesões no futebol em todos os níveis (>80%).
Lesões do futebol podem impactar significativamente a qualidade de vida. (PETACCI, 2016, p. 120, apud, AMERY, 2010, p. 205-210)

Exemplos de lesões mais frequentes no futebol são dadas por Sérgio Pinto Martins (2011, pg. 129), tais como a distensão muscular, a fadiga muscular, o envelhecimento precoce, bem como as rupturas de ligamentos e as fraturas.

Portanto, se tais lesões forem experimentadas pelo atleta durante o exercício da profissão, seja em treinamentos, seja em competições, e a mesmas lhe acarretar incapacidade total ou parcial, permanente ou temporária, ou até mesmo a morte, evidente que o referido infortúnio será caracterizado como acidente de trabalho, uma vez que preenche os requisitos previstos no artigo 19 da lei 8.213/91, surgindo-lhe, assim, o direito de perceber as indenizações decorrentes.

E neste diapasão, é plenamente aplicável aos clubes de futebol a responsabilidade objetiva, pois, conforme delineado em linhas pretéritas, uma vez que o futebol, atividade desenvolvida pelas entidades desportivas, trata-se de atividade que imprime grau de risco acentuado, pois é público e notório que os atletas de futebol estão expostos de forma constante a riscos físicos e sujeitos a lesões por ocasião das partidas de futebol, sejam profissionais ou amistosas, e dos treinos.

Tanto é verdade que as atividades futebolísticas apresentam maior grau de risco do que outras atividades, que a Lei 9.615/98, a Lei Pelé, estabelece em seu artigo 45 a obrigatoriedade de os clubes de futebol providenciarem apólices de seguros por ocasião dos acidentes. Vejamos:

Art. 45. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de acidentes de trabalho para atletas profissionais a ela vinculados, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.
Parágrafo Único. A importância segurada deve garantir direito a uma indenização mínima correspondente ao valor total anual da remuneração ajustada no caso dos atletas profissionais. (BRASIL, 1998)

Aliás, quanto ao tema, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Walmir Oliveira da Costa, em julgamento de Recurso de Revista no processo nº 393600-47.2007.5.12.0050, fundamentou que “incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil”, e complementa:

Nem poderia ser de outro modo, dado que, na prática desportiva, o risco de lesões a que submetido o atleta profissional é tão expressivo que o legislador ordinário passou a exigir que o respectivo clube empregador contrate seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo, expresso, de “cobrir os riscos a que eles estão sujeitos”.

A propósito, cumpre trazer à baila a ementa do referido julgamento, no qual o Tribunal Superior do Trabalho enfrentou a matéria atinente a responsabilidade civil aplicável aos clubes de futebol nos casos de acidentes de trabalho, e entendeu que se aplica a responsabilidade objetiva, condenando, na hipótese, o Joinville Esporte Clube ao pagamento de indenização por danos morais e danos materiais ao atleta Thiago Dutra Regis. Vejamos:

RECURSO DE REVISTA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. 1. O Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, não sendo possível a sua recuperação porque a medicina ainda não tinha evoluído ao ponto de permitir a cura total. Razões pelas quais a Corte “a quo” rejeitou o pedido de indenização por dano material e dano moral. 2. Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III, e 45, da Lei no9.615/98, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. 3. Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 4. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.
(TST – 1a Turma – Rel. Ministro Walmir Oliveira da Costa – RR-393600-47.2007.5.12.0050 – Recorrente: Tiago Dutra Regis – Recorrido: Joinville Esporte Clube – Publicado no DEJT: 07.03.2014)

Portanto, é nítido que nos casos de acidentes de trabalho sofridos por jogadores de futebol não há campo para aplicação da responsabilidade subjetiva, mas sim da responsabilidade objetiva prevista no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, prescindindo da comprovação da culpa do clube de futebol para que sejam devidas as indenizações decorrentes, uma vez que a atividade futebolística, por sua natureza, implica riscos à integridade física do atleta profissional.

5 CONCLUSÃO

Conforme se observou no presente trabalho, o jogador de futebol, como qualquer outro empregado, está sujeito a sofrer acidentes de trabalho no desempenho de sua profissão, seja nos treinamentos, seja nas partidas, o que pode acarretar-lhe até mesmo a incapacidade total para a prática futebolística.

Desta forma, evidentemente que nasce ao atleta profissional o direito de perceber as indenizações civis em razão da perda ou redução da capacidade laboral, tais como pensão mensal, lucros cessantes, danos morais, entre outros.

Neste espeque, a par de o ordenamento jurídico ter adotado como regra a aplicação da responsabilidade subjetiva nos casos de acidente de trabalho, tal como se extrai do artigo , XXVIII, da Constituição Federal, que exige a comprovação de culpa do empregador para que surja o dever de indenizar, pode-se verificar que o caput do mesmo artigo indica que as previsões ali contidas tratam-se apenas de um patamar mínimo de direitos devidos ao empregado, já que possibilita a existência de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social.

É neste instante que se estabelece a possibilidade de aplicação da responsabilidade objetiva prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, aos casos de acidentes de trabalho, que dispensa a comprovação de culpa para que surja o dever de indenizar quando o empregador desempenhar atividade que gere risco diferenciado em desfavor do empregador, pois tal cláusula é mais benéfica ao empregado.

Com efeito, conclui-se que aos casos de acidente de trabalho que acarreta lesão incapacitante ao jogador profissional de futebol, aplica-se aos clubes empregadores a responsabilidade civil com viés objetivo, uma vez que o atleta desempenha atividade de alto risco, pois a pratica futebolística gera competitividade muito grande, que, por sua vez, exige do atleta um esforço físico que acaba por acarretar constantes lesões aos atletas, razão pela qual é inexigível a comprovação de culpa no infortúnio para que surja ao clube o dever de indenizar.

REFERÊNCIAS

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_____. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, DF: Congresso Nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm>; Acesso em: 19 jul. 2017.

_____. Lei 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Brasília, DF: Congresso Nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9615consol.htm>; Acesso em 24 jul. 2017.

______. Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de Revista nº 393600- 47.2007.5.12.0050, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, publicação: 07.03.2014. Disponível em: < http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2009&numProcInt=739049&dtaPublicacaoStr=07/03/2014%2007:00:00&nia=6023968> Acesso em 24 jul. 2017.

COSTA, Hertz Jacinto. Manual de acidente do trabalho. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2009.

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