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27 de Maio de 2024

Os impactos do coronavírus no contrato de locação

Os locatários poderão deixar de realizar os pagamentos dos aluguéis ou estes continuarão devidos?

há 4 anos

Inicialmente cumpre consignar que, o contrato faz lei entre partes, tal determinação deriva do pacta sunt servanda, que pode ser traduzido como a afirmação de força obrigatória que os pactos, contratos ou obrigações estabelecidas devem ser respeitados e cumpridos integralmente pelas partes.

A autonomia da vontade das partes é o alicerce da realização dos contratos, de forma que presume-se que este foi realizado por livre iniciativa das partes.

Não se pode negar que as relações jurídicas estão sendo fortemente impactadas pelos efeitos da pandemia do COVID-19 devido a crise econômica que já atinge o país, e que, por consequência implicou na determinação dos governos locais a editar decretos determinando o fechamento de espaços públicos e privados.

João celebrou contrato de locação comercial para o funcionamento de seu restaurante pelo prazo de 05 (cinco) anos. Contudo, devido a pandemia do coronavírus, foi obrigada a suspender suas atividades e demitiu 50% (cinquenta) por cento dos seus empregados.

Pedro celebrou contrato residencial para residir com sua família, contudo, perdeu seu emprego devido a pandemia do coronavírus.

Marcelo é proprietário dos referidos imóveis e sobrevive da renda dos referidos aluguéis.

Nos casos fictícios acima, as partes celebraram contratos de locação. Na atual situação de calamidade pública, decretada pela lei 13.979 de 06 de fevereiro de 2020, devido ao coronavírus, as dúvidas basicamente são:

Como ficam os contratos de locação celebrados?

Posso deixar de pagar ou revisão do meu aluguel?

Nesse contexto se questiona: é possível buscar a revisão do contrato de locação?

Para melhor resposta é importante analisar as teorias da imprevisão e onerosidade excessiva.

A obrigação imperativa de cumprimento dos contratos resta flexibilizada pelo Código Civil Brasileiro, consoante resta estabelecido no art. 317 do CC/02, que consagra a teoria da imprevisão, a saber:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Contudo, é preciso que a alteração imprevisível das circunstâncias fáticas seja suficiente para causar “desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”.

Assim, o valor do aluguel precisa ter sido alterado pelas circunstâncias imprevisíveis, de forma que uma eventual crise econômica cause a desvalorização do valor anteriormente pactuado.

Temos ainda, o art. 393 do CC que prevê situações de caso fortuito ou força maior, a saber:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Nesse ponto, pertinente citar como exemplo um evento de força maior, a determinação do fechamento das lojas em shoppings centers por determinação do Poder Público, já que resta caracterizado por uma ação do Estado sobre a qual o particular não pode impedir.

Assim, um evento fortuito ou de força maior possibilita a aplicação do disposto no art. 393 do Código Civil, que trata dos efeitos do inadimplemento quando este decorre de um fato extraordinário de efeitos inevitáveis que impossibilite a entrega da prestação.

APONTAMENTOS ACERCA DA TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA

Consoante dispõe o art. 478 e 479 do Código Civil, é possível, respectivamente, buscar a extinção ou revisão do contrato com fundamento na onerosidade excessiva, vez que estabelece o seguinte:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Nesse contexto, o mais importante a ser demonstrado é que houve alteração na situação econômica do locatário, para fins de demonstrar que desequilíbrio contratual. Tal alteração é importante para fins de comprovar que o pagamento dos aluguéis se tornou excessivamente oneroso devido aos impactos negativo derivado da pandemia do coronavírus.

Quanto ao aproveitamento e manutenção do negócio jurídico realizado, os artigos 479 e 480 do Código Civil Brasileiro consagram o Princípio da Preservação do Contrato que tem por escopo manter o negócio e dar segurança jurídica aos contratantes.

É importante observar que tanto a revisão ou a resolução (extinção) do contrato por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva podem ser pleiteadas em juízo.

O que pode ser feito nos casos de LOCAÇÃO RESIDENCIAL e COMERCIAL em razão da pandemia do coronavírus?

Para buscar a resposta ideal é imprescindível analisar o caso concreto, além de analisar as teorias da onerosidade excessiva e imprevisão contratual alhures expostas, para assim verificar o que será mais indicado: a revisão ou a extinção do contrato.

Não é demais lembrar que, no contexto das locações comerciais, mesmo no atual cenário de crise econômica, ainda existem empresas e comércios que mantiveram ou aumentaram seu faturamento, tais como farmácias.

De acordo com a pesquisa realizada pelo Sebrae[1] “restaurantes, lanchonetes, marmitarias e afins – são exemplos de como a adaptação e a inovação podem render resultados positivos. No segmento de alimentos e bebidas, por exemplo, 92% dos que aumentaram o faturamento adaptaram o negócio ao modelo de entrega (delivery). [...] os empresários que apresentaram crescimento no faturamento encontraram uma oportunidade de negócio, conseguiram capturar o mercado”.

Sou fiador de um contrato de locação, posso requerer a desoneração?

O Art. 835 do CC/02 estabelece que “ fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor”.

No julgamento do REsp 1798924 em julho de 2019 pelo Superior Tribunal de Justiça, reconheceu que quando o fiador notifica o locador sobre sua intenção de se desonerar das obrigações da fiança ainda no período de locação determinado no contrato, essa exoneração só terá efeitos após 120 dias da data em que a locação passar a ser por prazo indeterminado, e não da data da notificação.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao interpretar o artigo 40, inciso X, da Lei 8.245/1991, em ação na qual os fiadores alegavam que sua responsabilidade teria terminado 120 dias após a entrega da notificação ao locador. Para o colegiado, ainda que os fiadores possam notificar o locador de sua intenção de desoneração – como ocorreu no caso dos autos –, seus efeitos só são produzidos no período de indeterminação do contrato.

Ainda, de acordo com o artigo 40, inciso X, da Lei do Inquilinato, o locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia no caso de prorrogação da locação por prazo indeterminado, “uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 dias após a notificação ao locador”.

Assim, independente do contexto de pandemia, é possível requerer a desoneração da fiança.

POSSO REQUERER O DESPEJO DO LOCATÁRIO QUE NÃO PAGOU O ALUGUEL?

APONTAMENTOS ACERCA DO PROJETO DE LEI Nº 1.179/20 E A IMPOSSIBILIDADE DE LIMINAR NAS AÇÕES DE DESPEJO

Cumpre ressaltar que foi aprovado pelo Senado Federal, o projeto de lei, PL 1.179/20 de autoria do senador Antonio Anastasia, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do COVID-19.

No dia 14 de maio de 2020, a Câmara dos Deputados encaminhou para a reanálise do Senado Federal o substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.179/20. A Câmara manteve a previsão de que, nas locações de imóveis urbanos, não será concedida liminar para desocupação nas ações de despejo ajuizadas a partir de 20/03/2020 até 30/10/2020, exceto em casos de ações de despejo ajuizadas com fundamento nos incisos III, IV, VI,do § 1º do Art. 59 da Lei 8.245/91, que são os seguintes:

- o término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato;

- a morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei;

- a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las;

O referido Projeto de Lei nº 1.179/20 agora volta para a votação do Senado, se aprovado segue para sanção presidencial.

O QUE SE RECOMENDA?

APONTAMENTOS ACERCA DA NEGOCIAÇÃO E REVISÃO DO CONTRATO

Diante desse contexto, é recomendável a resolução amigável do conflito por intermédio de um advogado, a fim de buscar a negociação do contrato, para tanto, é possível utilizar de instrumentos legais, tais como a novação objetiva, estabelecida no art. 360, I do Código Civil de 2002.

Ainda, é possível, com amparo no art. 18 da Lei de Locações nº 8.245/1991, a alteração do valor do aluguel nos contratos de locação.

Por fim, cumpre registrar que o art. 421, § único do CC/02 prevê que “nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.

Tais medidas visam impedir o inadimplemento e a conservação do contrato realizado, sendo, portanto, vantajoso para ambas as partes.

Assim, na atual situação vivenciada de crise econômica, devido ao coronavírus, medidas que mantenham o equilíbrio da relação contratual, tais como a revisão e negociação, são imprescindíveis para se evitar que um contratante tenha que suportar sozinho todos os ônus.

Dúvidas? Conte com nossa equipe para lhe proporcionar uma orientação e procedimentos processuais de acordo com a lei.


[1] Disponível em: https://www.mercadoeconsumo.com.br/2020/04/23/levantamento-feito-pelo-sebrae-mostra-aumento-no-faturamento-das-empresas/ Acesso em: 18 de mai. de 2020

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