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25 de Maio de 2024

Rodada procedimental acerca do financiamento eleitoral por empresas privadas

Análise do financiamento eleitoral por empresas privadas à luz do constitucionalismo dialógico.

Publicado por Iure Marques de Sousa
há 7 anos

1. INTRODUÇÃO

Seguindo o pensamento de Pierre Bourdieu (1998), diz-se que a política subsiste na medida em que os representantes (os políticos) possuem autonomia no exercício de sua atividade, a fim de que possam pleitear os interesses daqueles que os elegeram. Assim, os agentes políticos “servem os interesses dos seus clientes na medida em que (e só nessa medida) se servem também ao servi-los” [1]. Isso significa que “a relação que os vendedores profissionais dos serviços políticos (homens políticos, jornalistas políticos etc.) mantêm com seus clientes é sempre mediada [...] pela relação que eles mantêm com seus concorrentes” [2].

Essa lógica garante, numa democracia, mediante sufrágio universal, que o indivíduo, cidadão, possa influenciar a política, ou mesmo fazê-la, por intermédio daqueles que são escolhidos no bojo de um processo eleitoral. Desse modo, alijar aquela autonomia do agente político ou mesmo a capacidade do cidadão de influenciar a política constitui em graves atentados à democracia.

Verifica-se que dentre os fatores que têm a capacidade de influenciar o poder político, arrebatando-o do povo, que numa democracia é o seu titular de direito (art. , parágrafo único, da Constituição Federal/1988), está o poder econômico que, sobretudo no Brasil, possui uma condição destacada. O poder econômico possui plena aptidão de pressionar o sistema político para que este atenda prioritariamente às suas demandas, à revelia do interesse geral do povo (dos cidadãos). Reconhecendo isso, a Constituição Federal, em seu art. 14, § 9º, prevê que lei complementar estabelecerá “a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”.

Diante do contexto sociopolítico explanado e do arcabouço normativo da Constituição, o tema financiamento de campanha torna-se extremamente relevante, visto que o capital financeiro interfere sobremaneira tanto no eleitorado quanto nos eleitos, tornando, assim, o sistema político como um todo refém do poder econômico, na contramão daquilo que almejou o constituinte. Rúbio (2008) destaca esse pensamento de maneira clara no seguinte trecho:

O risco maior seria a dependência dos eleitos em relação ao poder econômico, considerando que mais representariam seus financiadores do que os cidadãos que a eles destinaram seus votos. As decisões políticas tenderiam para os interesses apenas dos detentores do poder econômico, tanto em temas pontuais como na formulação de políticas setoriais e conjunturais. [3]

A importância do financiamento eleitoral é tamanha que nos últimos anos houve uma rodada de discussão institucional sobre o tema: em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, ajuizada, em 2013, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o intuito de declarar inconstitucionais os dispositivos das Leis das Eleições e dos Partidos Políticos que autorizam o financiamento de campanhas por empresas privadas; e, na mesma época, tramitava no Congresso Nacional o projeto de minirreforma eleitoral (PL 5.735/2013), aprovado como Lei nº 13.165/2015, bem como a PEC da Reforma Política (182/07), resultada na Emenda Constitucional nº 91/2016, nos quais o financiamento de campanha indubitavelmente foi discutido.

O presente artigo irá analisar, à luz da tese de Conrado Hubner Mendes (2008), como se deu o diálogo constitucional das instituições nessa recente “rodada procedimental” [4] acerca do financiamento eleitoral por empresas privadas. Aqui será investigado se houve última palavra sobre o tema, a quem coube essa última palavra e se houve deferência entre as instituições constitucionais.

2. CONTEXTO DA RODADA DE DISCUSSÃO

O ambiente jurídico institucional que deu ensejo à recente “rodada procedimental” acerca do financiamento de campanha eleitoral por empresas privadas estaria fundado, prioritariamente, no regramento decorrente das Leis nº 9.504/97 (Lei das Eleicoes), nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) e da Constituição Federal.

Extrai-se das normas supracitadas, que, no Brasil, adota-se o financiamento eleitoral misto, o qual prevê contribuições públicas e privadas aos partidos políticos e candidatos. Acontece que, neste cenário, a tendência é o financiamento privado ser privilegiado ante o público. E por isso, foram estipuladas regras limitadoras do financiamento privado de campanha.

Sendo assim, pessoas físicas poderão fazer doações e contribuições até o limite de 10% (dez por cento) dos seus rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao das eleições, verificados no imposto de renda do cidadão (§ 1º do art. 23 da Lei nº 9.504/97). As doações de pessoas jurídicas, que são objeto deste artigo, por sua vez, ficam limitadas a 2% (dois por cento) do faturamento bruto do ano anterior à eleição, apurado pela declaração do imposto de renda do ano anterior à eleição (§ 1º do art. 81 da Lei nº 9.504/97 [revogado pela Lei nº 13.165/2015]).

Ocorre que, apesar de o financiamento privado de campanha possuir as limitações legais e, além disso, existir a previsão de financiamento público, verifica-se a ampla prevalência do dinheiro privado como fonte de recursos financeiros nas últimas eleições, em 2014. De acordo com os dados extraídos do sítio eletrônico Politize [5], vê-se que o Fundo Partidário contribuiu com apenas R$ 72 milhões, fala-se “apenas” porque as doações de pessoas físicas resultaram em R$ 552,5 milhões e as contribuições de empresas privadas em mais de R$ 3 bilhões.

Para se ter uma projeção do desequilíbrio no uso de recursos privados nos pleitos políticos, ainda do Politize se extrai que o gasto per capita do Brasil em campanhas eleitorais supera o de países como a França, Alemanha e Reino Unido, e que, em se tratando de porcentagem do PIB, o gasto privado com financiamento eleitoral no Brasil é maior que nos EUA.

A supremacia do financiamento privado, sobretudo o de pessoas jurídicas ante o público, aliada aos inúmeros casos de corrupção atrelados umbilicalmente a essa modalidade de financiamento, seja por meio da corriqueira prática do caixa dois, seja pela “contrapartida” exigida pelos doadores, levou toda a sociedade brasileira a contestar o modelo de financiamento eleitoral adotado no país. Uma pesquisa encomendada pela OAB ao Ibope, em 2013, demonstrou que 78% (setenta e oito por cento) dos brasileiros seriam contrários à permissão de doação de dinheiro a partidos e candidatos por empresas privadas [6].

Assim, nota-se que o objetivo constitucional declarado, exposto no tópico anterior, de estabelecer a normalidade e legitimidade das eleições contra o poder econômico, definitivamente não estava sendo cumprido. Desse modo, as instituições constitucionais democráticas foram demandadas a darem uma resposta ante essa problemática. Tais reações serão, então, examinadas nos seguintes tópicos deste trabalho.

3. DISCUSSÃO NA CORTE

Percebendo o desequilíbrio no processo político, que, com a legislação acima expressa, tornou-se refém do poder econômico, o Conselho Federal da OAB, em 05.09.2011, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.650), requerendo que as disposições normativas que autorizavam o financiamento eleitoral por parte das pessoas jurídicas fossem retiradas do ordenamento jurídico, pois, segundo a requerente, “As pessoas jurídicas são entidades artificiais criadas pelo Direito para facilitar o tráfego jurídico e social, e não cidadãos, com a legítima pretensão de participarem do processo político-eleitoral.” [7]

Além disso, pretendia a OAB que houvesse o reconhecimento, por parte do STF, da insuficiência do limite estabelecido para as doações de pessoas físicas, de modo que, a partir do julgamento na Corte, ter-se-ia um diálogo entre o STF e o Congresso Nacional, para que uma nova legislação, que observasse os princípios e valores constitucionais, fosse aprovada. É o que se depreende do seguinte trecho [8]:

No que concerne às pessoas naturais, a solução que se propõe nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade para enfrentamento da grave patologia constitucional acima apontada envolve o diálogo interinstitucional entre o STF e o Congresso Nacional, que atuariam de maneira cooperativa para proteger e promover os princípios e valores constitucionais. (grifei).

Ressalta-se, desde já, que a solução da problemática de direitos, aqui apresentada, seria solucionada com base em um diálogo entre instituições, Corte Constitucional e Parlamento, visto que ambas têm o dever de zelar pela Constituição. Não é desejável um sistema no qual somente uma instituição tem o dever de interpretar a Carta e conformar todos os atos governamentais e normativos a ela. Essa sistemática, assaz centralizadora, autoritária e paternalista, não prosperaria em uma sociedade democrática, diversificada e plural. Por isso, o reconhecimento do constitucionalismo dialógico e a intenção de melhorá-lo é medida que se impõe a quem almeja construir uma sociedade mais democrática.

Dito isso, retornamos ao julgamento da ADI 4.650, que teve início em dezembro de 2013 e se encerrou em 17.09.2015. O relator, Ministro Luiz Fux, apresentou o voto vencedor, julgando parcialmente procedente o pedido da OAB. O acórdão foi publicado em 24.02.2016, com o seguinte dispositivo [9]:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator, em julgar procedente em parte o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais [...]. Com relação às pessoas físicas, as contribuições ficam reguladas pela lei em vigor. (grifei).

Para fins de observação deste estudo, devem-se destacar os pontos do acórdão em que, mais uma vez, o STF se declara guardião da ordem democrática (p. 3), inclusive realçando que por ser o processo político-eleitoral deveras “sensível”,

impõe uma postura mais expansiva e particularista por parte do Supremo Tribunal Federal, em detrimento de opções mais deferentes e formalistas, sobre as escolhas políticas exercidas pelas maiorias no seio do Parlamento, instância, por excelência, vocacionada à tomada de decisão de primeira ordem sobre a matéria. (p. 3) (grifos originais).

Conquanto, mais à frente no acórdão, o julgador reconheça que o atual marco teórico não admite uma concepção “juriscêntrica no campo da hermenêutica constitucional” (p. 4), bem como que os “pronunciamentos judiciais devem ser compreendidos como última palavra provisória” (idem) (grifo original), considera-se a assertiva acima deveras problemática, sobretudo porque alarga a autoridade do STF com base em conceitos vagos, como a palavra “sensível”.

Verifica-se, então, que a discussão no STF resultou no “strong judicial review” [11], de Jeremy Waldron (2006), já que a Corte se valeu de autoridade (autodeclarada, inclusive) para afastar uma norma advinda do Parlamento, por entender que essa norma fere algum direito constitucional, a despeito de todas as críticas que essa sistemática tem recebido atualmente.

4. DISCUSSÃO NO PARLAMENTO

Como já foi dito, o Congresso Nacional, recentemente, também foi pressionado pela sociedade civil organizada e pelas ruas a se manifestar acerca da moralização e democratização do processo eleitoral brasileiro. Assim, deputados, senadores e partidos políticos apresentaram diversas propostas com o intuito de atender os anseios da sociedade, por vezes tangenciando, em outras oportunidades tratando diretamente, o financiamento de campanha, seja para restringir a influência do poder econômico ou para sedimentar de vez a possibilidade de doação por empresa privada, inserindo tal dispositivo na Constituição.

Dessa rodada de discussão legislativa, que deliberou sobre financiamento eleitoral, surgiram dois diplomas normativos, a Lei nº 13.165/2015, conhecida como “minirreforma eleitoral”, e a Emenda Constitucional nº 91/2016. A discussão sobre a legalidade da doação empresarial aos partidos políticos e aos candidatos foi ampla no bojo do Parlamento, inclusive com direta repercussão da decisão tomada pelo STF na ADI 4.650.

A Lei nº 13.165/2015, de 29 de setembro de 2015, adveio do Projeto de Lei nº 5.735/13 na Câmara dos Deputados e nº 75/15 no Senado Federal, que altera dispositivos da Lei das Eleicoes (Lei nº 9.504/97), da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) e do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), com objetivo de reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina.

Para fins do presente estudo, destaque-se que a Lei nº 13.165 foi aprovada pelo Parlamento, em 09.09.2015, prevendo a legalidade da doação feita por pessoa jurídica a partido político (arts. 24-A e 24-B da Lei nº 9.504/97), dentro de um limite legal e desde que tal empresa não tivesse contrato de execução de obras na circunscrição eleitoral onde se deu a doação (inciso XII e os §§ 2º e do art. 24 da Lei nº 9.504/97).

Porém, a Presidente da República considerou esses dispositivos inconstitucionais e contrários ao interesse público, vetando-os, portanto, com as seguintes razões:

"A possibilidade de doações e contribuições por pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais, que seriam regulamentadas por esses dispositivos, confrontaria a igualdade política e os princípios republicano e democrático, como decidiu o Supremo Tribunal Federal - STF em sede de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI 4650/DF), proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB. O STF determinou, inclusive, que a execução dessa decisão 'aplica-se às eleições de 2016 e seguintes, a partir da Sessão de Julgamento, independentemente da publicação do acórdão', conforme ata da 29o sessão extraordinária de 17 de setembro de 2015." (Diário Oficial da União – Edição Extra, de 29.09.2015, p. 30). (grifei).

Ve-se, então, que a decisão do Supremo Tribunal Federal foi subsídio para o veto presidencial, demonstrando a deferência do Poder Executivo à decisão exarada pelo Judiciário. Mas não só o Executivo tem essa postura de respeito ante a decisão do Supremo, já que o veto foi mantido no Congresso Nacional. Ademais, a retórica parlamentar demonstra a ansiedade em ver a questão ser decidida pelo STF, para encerrar as discussões sobre a constitucionalidade ou não do financiamento empresarial, como na fala do Deputado Henrique Fontana (PT/RS), proferida em 09.09.2015, pouco antes da decisão do STF na ADI 4.650, em que aduz:

Se nós queremos de fato um Parlamento altivo, independente, vamos votar pelo fim do financiamento de empresas. Mais do que isso, todo o mundo que conhece política já sabe que a emenda à Constituição que foi votada aqui não vai passar no Senado; se lá foram 36 a 31 contra o financiamento eleitoral, de onde sairão os três quintos para aprovar uma PEC que coloca na Constituição o direito de empresas contribuírem nas eleições?

Aliás, o Ministro Gilmar Mendes poderia concluir o seu voto rapidamente para nós encerrarmos aquele julgamento. [12] (grifei).

Quanto à Emenda Constitucional nº 91/2016, originaria da Câmara dos Deputados, onde tramitou com a numeração PEC 182/2007, e no Senado Federal como PEC 113/2015, observa-se que, apesar dos 9 (nove) anos de tramitação, no seu texto final não se aborda a questão do financiamento eleitoral, deixando a matéria exatamente como aprovada pelo constituinte originário, que somente vedou aos partidos políticos receber recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros (inciso II do art. 17 da Constituição Federal/88).

No entanto, em 26.05.2015, enquanto se discutia no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da previsão de doação por empresas privadas, no escopo da ADI 4.650, foi apresentado, no Parlamento, o texto substitutivo da PEC 182/2007, relatado pelo Deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), o qual conferiria envergadura constitucional às doações provenientes de pessoa jurídica, apesar de o resultado, na Corte, indicar pela inconstitucionalidade dessa modalidade de financiamento, visto que seis ministros já haviam proferido voto contrários à doação empresarial. No âmbito do processo legislativo, em torno da PEC 182/2007, foi apresentada, ainda, a Emenda Aglutinativa nº 28, em 28.05.2015, de autoria do Deputado Celso Russomano (PRB/SP), que reafirmaria a constitucionalidade da doação empresarial aos partidos políticos.

Atente-se que a aprovação de Emenda Constitucional teria, a princípio, a capacidade de suplantar eventual decisão do STF, caso fosse contrária ao financiamento eleitoral por pessoa jurídica.

A discussão sobre esse tema foi acalorada entre os deputados e dela se podem extrair algumas falas de como se dá o diálogo interinstitucional no Brasil. O Deputado Rubens Pereira (PCdoB/MA), por exemplo, acatou vivamente a decisão que se apresentava no Supremo, como se vê no seguinte trecho:

Agora vejam: esse espírito vem da Constituição Federal, no seu art. 14, § 9º, que diz que temos que proteger a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico. Aqui não se fala em uso do poder econômico, em abuso do poder econômico; aqui se fala em influência. Colocar na Constituição o financiamento empresarial é um atentado contra a Constituição Federal do País.

E digo mais: o financiamento empresarial é antidemocrático e fere a isonomia, a igualdade de oportunidades. A máxima da democracia, Sras. e Srs. Deputados, é um homem, um voto. A máxima da democracia é um homem, um voto. Com o financiamento empresarial, passa a valer uma empresa, milhares de votos. E não é isso. Campanha é candidato, é partido e é povo! Fora disso, não é campanha, não é democracia!

Por isso, Sr. Presidente, é que eu insisto: temos que votar contra o financiamento empresarial. Essa proposta nada mais é do que uma coletânea de votos vencidos do Supremo Tribunal Federal. Perderam no Supremo e querem trazer para cá para constitucionalizar, mas é isso que não podemos permitir. Votar contra essa emenda é a garantia de que o sistema, no mínimo, valerá como está, e o Supremo vai declarar a inconstitucionalidade. [13] (grifei).

Tem-se que trazer, ainda, as palavras do Deputado Marcus Pestana (PSDB/MG), que demonstra uma faceta da maneira como o Parlamento dialoga com a Corte:

Essa é uma questão muito importante e estratégica para a democracia brasileira. Primeiro, vamos deixar claro, já disse aqui: quem constitucionalizou essa questão foi o Supremo Tribunal Federal. No vácuo do Congresso, a OAB impetrou uma ADI, que foi admitida e, portanto, esse tema é constitucional. E o Congresso não pode se omitir. O nosso papel é legislar. Não podemos judicializar tudo. Não pode o Judiciário, no lugar do Congresso, legislar. Esta é uma questão pacífica, vencida, é uma matéria constitucional. [14]

Pela fala do Deputado, depreende-se que a matéria em questão só receberia a estatura constitucional por parte do Parlamento no momento em que o Supremo assim definisse. Isso demonstra letargia do Parlamento em se perceber também como protagonista das questões de direito.

Ao final da deliberação na Câmara dos Deputados, a PEC 182/2007 foi remetida ao Senado Federal, em 13.08.2015, com a previsão de doações eleitoral por empresa privada. No Senado, contudo, a proposta de constitucionalização do financiamento empresarial foi amplamente rejeitada, como se verifica já no primeiro relatório apresentado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da lavra do Senador Raimundo Lira (PMDB/PB):

No que diz respeito ao financiamento eleitoral e partidário manifestamo-nos de forma contrária à permissão adotada pela proposta no sentido de facultar a doação das pessoas jurídicas aos partidos políticos.

Com relação a esse tópico concordamos com o posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e diversas outras entidades representativas da sociedade brasileira e ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que eleição é matéria que deve ficar restrita à Cidadania.

Assim, estão legitimados a participar do processo eleitoral as pessoas físicas, que podem e devem manifestar as suas preferências eleitorais e partidárias, inclusive contribuindo financeiramente e dando suporte material para os seus candidatos.

Já as pessoas jurídicas não têm o direito de voto e não estão legitimadas a participar do processo eleitoral, não podendo interferir na vontade dos eleitores, não lhes cabendo, portanto, financiar candidatos, nem partidos. [15]

O resultado da deliberação parlamentar, portanto, foi pela não inclusão da doação por pessoa jurídica na Constituição e pela manutenção do veto presidencial aos artigos da Lei nº 9.504/97, que excluiu da ordem jurídica essa forma de financiamento.

5. CONCLUSÃO

Diante do exposto, vê-se que na recente “rodada procedimental” sobre o financiamento empresarial de campanha eleitoral houve alinhamento de entendimento entre Corte e Parlamento, restando rejeitada qualquer proposta de conferir legalidade a essa forma de financiamento.

Esse alinhamento, no entanto, não deve ser visto como um movimento natural, tendo em vista que as decisões exaradas pelo Congresso Nacional foram nitidamente ditadas pela resolução advinda do Supremo Tribunal Federal. Assim, pode-se dizer que o relator da ADI 4.650, Ministro Luiz Fux, estava coberto de razão ao dizer que a “última palavra provisória” sobre o tema seria dada pela Suprema Corte.

Embora se questione a capacidade do Congresso Nacional sobrepujar uma eventual decisão do STF, através de uma emenda constitucional, como se ventilou no caso analisado, interessante observar o pensamento prévio de alguns ministros do Supremo sobre tal possibilidade.

O sítio eletrônico Consultor Jurídico reportou matéria, datada de 19.09.2015, ou seja, enquanto ainda se dava a discussão no Parlamento sobre a legalidade ou não da doação empresarial para campanha eleitoral, com o seguinte título “Lei que restabelecer doações de empresas será inconstitucional, diz Fux” [16]. No corpo da matéria, tem-se o seguinte trecho, no qual os ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski apresentam suas opiniões caso o Congresso aprovasse emenda constitucional que estabelecesse o financiamento eleitoral:

Caso o Congresso Nacional aprove uma emenda constitucional que estabeleça o financiamento de campanha, Fux entende que a norma precisaria ser analisada pelo Supremo. “O STF já declarou a inconstitucionalidade de emendas constitucionais, como a dos precatórios”, lembrou o ministro, mencionando o julgamento das ADIs que resultaram na declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 62/2009.

O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, tem visão semelhante à de Fux. Segundo ele, se qualquer lei que restabelecer as doações eleitorais por empresas violar os princípios da isonomia, da paridade de armas, da democracia e da normalidade das eleições - que foram usados pelo STF para fundamentar a decisão dessa quinta -, deverá ter o mesmo destino dos dispositivos questionados pela Lei das Eleicoes e pela Lei dos Partidos Políticos e ser declarada inconstitucional.

Como esses princípios são cláusulas pétreas e não podem ser alterados via emenda constitucional, o Supremo poderia derrubar as doações de empresas para campanhas eleitorais mesmo se elas fossem reinseridas no ordenamento jurídico por uma norma desse tipo, apontou Lewandowski.

Vê-se, então, que apesar dos avanços doutrinários no sentido de afrouxar as amarras do judicial review, conferindo autoridade equânime à Corte e ao Parlamento no tocante à interpretação constitucional, no caso concreto, o STF ainda goza de supremacia ao decidir questões de direito.

Assim sendo, conclui-se que, evidentemente, há diálogo constitucional entre as instituições, tanto que o presente trabalho demonstrou repercussões diretas da decisão do STF no âmbito das deliberações legislativas. Esse reconhecimento ocorre, no entanto, sem prejuízo do entendimento de que o diálogo constitucional no Brasil precisa ser aprimorado, apresentando maior lateralidade entre os órgãos, mais deferência por parte da Corte e maior protagonismo do Parlamento ao decidir questões de direito.

NOTAS

[1] BOURDIEU, Pierre. A representação política. Elementos para uma teoria do campo político. In: _____. O poder simbólico. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 177.

[2] idem

[3] RUBIO apud URAZATO, Denis. Financiamento de Campanha eleitoral e Representação Política. Monografia (especialização) -- Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento. (Cefor), da Câmara dos Deputados, Curso de Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo, 2008, p. 21.

[4] MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. 2008. Dissertação (Doutorado em Ciências Políticas) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 166.

[5] Financiamento privado. Disponível em: <http://www.politize.com.br/leis/financiamento-privado-de-campanhas/>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[6] IBOPE. Reforma Política – 2013. Disponível em: <http://www.oab.org.br/arquivos/pesquisa-462900550.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição Inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650. 2011, págs. 8/9. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1432694#0%20-%20Peti%E7%E3o%20inicial%20-%20Peti%E7%E3o%20Inicial>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[8] ibidem, p. 10.

[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Presidente da República/Congresso Nacional. Relator: Ministro Luiz Fux. DJ, 23 fev. 2016, p. 7. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10329542#128%20-%20Inteiro%20teor%20do%20ac%F3rd%E3o>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[10] ibidem, p. 3.

[11] WALDRON, Jeremy. The Core of the Case Against Judicial Review. The Yale Law Journal, New Haven, 2006, p. 1354.

[12] BRASIL. Câmara dos Deputados. Notas taquigráficas da Sessão 260.1.55.O, 9 de set. 2015. Discurso proferido pelo Deputado Henrique Fontana, p. 70. Disponível em: <http://www.câmara.leg.br/internet/plenario/notas/extraord/2015/9/EV0909151758.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[13] BRASIL. Câmara dos Deputados. Notas taquigráficas da Sessão 128.1.55.O, 27 de mai. 2015. Discurso do Deputado Rubens Pereira, p. 153. Disponível em: <http://www.câmara.leg.br/internet/plenario/notas/extraord/2015/5/EV2705151601.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[14] BRASIL. Câmara dos Deputados. Notas taquigráficas da Sessão 128.1.55.O, 27 de mai. 2015. Discurso do Deputado Marcus Pestana, págs. 87/88. Disponível em: <http://www.câmara.leg.br/internet/plenario/notas/extraord/2015/5/EV2705151601.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[15] BRASIL. Senado Federal. Parecer da Comissão de Constituição e Justiça, 12 nov. 2015. Relator: Senador Raimundo Lira, p. 4. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getTexto.asp?t=183024&c=PDF&tp=1>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[16] CONJUR. Lei que restabelecer doações de empresas será inconstitucional, diz Fux, 19 set. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-19/lei-liberar-doacoes-empresas-inconstitucional-fux>. Acesso em: 30 jun. 2016.

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