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17 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJBA • Reintegração / Manutenção de Posse • Esbulho • XXXXX-07.2016.8.05.0078 • Vara de Feitos de Rel de Cons. Cível e Comerciais do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Vara de Feitos de Rel de Cons. Cível e Comerciais

Assuntos

Esbulho, Turbação, Ameaça

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teorbd73cec3df8cf1d0f0ed9942b11f6f83ab3ca882.pdf
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SENTENÇA

Processo nº: XXXXX-07.2016.8.05.0078

Classe Assunto: Reintegração / Manutenção de Posse - Esbulho / Turbação / Ameaça

Autor: ESPÓLIO DE LUIZ AGRES DE CARVALHO

Réu: FRANCISCO DE ASSIS DORNELLA DA SILVA

Vistos, etc...

Trata-se de Ação de Reintegração de Posse ajuizada pelo Espólio de Luiz Agres de Carvalho em face de Francisco de Assis Dornella da Silva, com pedido de liminar, pelos fatos e fundamentos a seguir.

Inicialmente, requereu a gratuidade da justiça sob a alegação de que o Espólio autor não dispõe de dinheiro e ainda que dispusesse não poderia dele utilizar, pelo menos nesse momento, sem autorização do juízo de Inventário, ou até que o mesmo seja finalizado.

Informou que não tem interesse em conciliar.

Alegou, em síntese, que o espólio é legitimo possuidor de dois Terrenos: a) medindo 11,30m de frente, 24,40m do lado esquerdo, 22,70m do lado direito e 11,0m de fundo, tendo como vizinho do lado esquerdo o vendedor (VALDEMIR SOUZA) e do lado direito o próprio comprador e no fundo o senhor conhecido como Josafá; b) medindo 11,00m de frente, 13,50m do lado esquerdo, 12,60m do lado direito e 11,55m de fundo, tendo como vizinho do lado esquerdo o próprio comprador e do lado direito desconhecido e de fundo o prédio do antigo Juizado Especial (fls.3), localizados na Rua Pedro Agres de Carvalho, s/n, Centro, Euclides da Cunha-BA, adquiridos por Luiz Agres de Carvalho em 29/06/2010 (conforme recibos nos autos, fls.10) em mãos do antigo possuidor Sr. Valdemir Souza (fls.14) que detinha a posse dos imóveis há décadas e que transmitiu de forma amistosa a posse dos mesmos.

Ressaltou que o réu trabalhou por anos com o falecido LUIZ AGRES DE CARVALHO, conhecedor de seus negócios e de sua vida. Após seu falecimento, tentou a todo custo ocupar os referidos terrenos.

Frisou que, tentando evitar atos de turbação e esbulho, o representante do espólio registrou na DEPOL local, um boletim de ocorrência, anexo, mas não obteve o fim almejado.

Informou que o inventariante também tentou, junto a Prefeitura Municipal, barrar a edificação ilegal e arbitrária no imóvel, conforme requerimento anexo, eis que não tinha autorização para construção.

Ainda assim, tentou exaustivamente resolver de forma amigável e amistosa, porém não obteve êxito, não restando outra via a não ser buscar a cautela jurisdicional para proteger os bens pertencentes ao Espólio.

Asseverou, por fim, que o Réu em evidente má-fé, pois sabe que o imóvel tem proprietário, faz-se passar como proprietário do imóvel do Autor, inclusive colocando o mesmo à venda e edificando no local, merecendo desse MM Juízo o tramite com celeridade para DEFERIR A LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE do autor nos imóveis de propriedade de sua família/herdeiros há mais de mais de seis anos.

Salientou que o autor sempre cuidou do seu imóvel, mandando por diversas vezes limpar a área e cuida-la. Já o inventariante, cumprindo seu mister, declarou os referidos bens nos autos do inventário que segue em anexo.

Logo, resta configurado o ESBULHO na posse dos imóveis de propriedade do autor.

Por diversas vezes, o inventariante tentou de forma amigável conversar com o réu. Ocorre que o mesmo sempre agiu de forma grosseira afirmando que o terreno seria dele, mas nunca apresentou qualquer documento para provar o quanto alegado.

Razão pela qual requer a concessão da liminar initio litis, ou, mais que fumaça, há o fogo palpitante do direito inconteste do autor, pois diante documentos colacionadas, bem como da desobediência do réu em desocupar espontaneamente o imóvel em tela, resta caracterizado o ESBULHO, ressaltando-se o perigo da demora, vez que os encargos inerentes ao imóvel estão vencendo e o réu não arca com estes, certamente acarretará danos irreparáveis, comprometendo inclusive o próprio imóvel, bem como do risco iminente do réu alienar o imóvel a terceiros de boa fé ou não. E mais, o autor necessita do referido imóvel, para que de prosseguimento a ação de inventário.

E, ao final, seja julgada procedente a ação com a confirmação da medida liminar e condenação definitiva do réu para a desocupação do imóvel objeto da presente ação, reintegrando a posse ao autor, além de custas e honorários advocatícios.

Com a inicial juntou documentos fls. 8/143. Entre eles destaca-se: certidão de ocorrência policial datada de 30/05/2014; dois recibos de compra e venda de terreno formulado entre o Sr. Valdemir e Luiz Agres datados de 29/07/2010; requerimento formulado junto ao setor de tributos; termo de declarações de Sr. Valdemir junto à Delegacia de Policia datado de 31/08/2012; fotos do terreno onde se percebe o levantamento de paredes; cópia da petição das primeiras declarações nos autos da ação de inventário, onde o inventariante cita os dois terrenos; cópia da petição dos autos da ação de inventário onde o inventariante informa da existência de inquérito policial que investiga a participação da Sra. Neide e seu filho em suposta "fraude" na venda do imóvel pertencente ao Espólio, qual seja os "dois terrenos", entre outros.

Decisão não concedendo a liminar, fls. 149/151.

Devidamente citado, o réu contestou e apresentou documentos, fls. 156/177 e 178/201. Inicialmente, arguiu a preliminar de falta de interesse processual ante o argumento de que a causa de pedir nas ações possessórias deve ser a posse e não a propriedade. Se quisesse reaver o bem com base no seu suposto domínio sobre o mesmo, deveria o Autor ter manejado a ação reivindicatória e não a presente demanda de reintegração de posse, razão pela qual pugna pela extinção do processo sem exame do mérito.

E superada a referida preliminar, aduziu que, no mérito, a pretensão autoral é improcedente, tendo em vista que o Autor nunca exerceu qualquer posse na área reclamada, vez que o imóvel em comento fora passado ao Réu em razão de acerto de contas que este possuía junto ao falecido Luiz Agres de Carvalho. Aliás, deduz-se da própria narrativa dos fatos expostos na inicial, que os herdeiros do falecido Luiz nunca ocuparam o imóvel objeto lide, vez que afirma-se no dito instrumento inaugural que o Réu edificou o imóvel, como efetivamente o fez, conforme notas fiscais e recibos em anexo e fotos juntadas pelo próprio Autor.

O réu ainda faz o seguinte questionamento: se o Autor exercia de fato a posse mansa e pacífica do imóvel, como poderia o Réu edificar a mencionada área?

E responde: O AUTOR NUNCA EXERCEU A POSSE DO IMÓVEL, SENDO QUE ESTA SEMPRE FORA EXERCIDA DE FORMA MANSA E PACÍFICA PELO DEMANDADO.

Explicou que o imóvel objeto da presente ação fica localizado no centro desta cidade, não havendo possibilidade de construção as escondidas, como pode o Autor levianamente alegar.

Esclareceu que o imóvel objeto da ação de fato pertencia ao falecido Luiz Agres, porém, em razão de um acerto de contas com o Demandado, o bem foi vendido a este. Tendo em vista que o Réu trabalhava no escritório do Sr. Luiz Agres, nunca foi outorgado recibo para o Demandado, visto os vários anos de amizade e a confiança existente entre ambos. Contudo, a companheira de Luiz Agres, Neide, sabia do negócio entabulado entre o Réu e seu companheiro. Sabendo que o Sr. Luiz Agres estava adoentado, o Réu buscou formalizar o negócio. Então, entrou em contato com a Sra. Neide e esta, com autorização de Luiz Agres, a quem acompanhava no hospital, solicitou ao Sr. Valdemir Souza que emitisse novo recibo para o Demandado, haja vista que Luiz Agres estava internado e não sabia quando ocorreria a alta hospitalar. Além disso, o recibo anteriormente outorgado foi perdido, o qual apareceu, agora em mãos dos seus filhos.

Frisou que o Sr. Luiz Agres faleceu no ano de 2012 e somente em meados do ano de 2016 que o Autor ingressa com a presente demanda.

Salientou que a própria Sra. Neide companheira do falecido Sr. Luiz Agres, logo sua meeira, reconhece de forma clara que o imóvel objeto da presente ação pertence ao Réu, conforme declaração ora juntada aos autos.

Asseverou que a litigância de má-fé do Autor é tão evidente que em nenhum momento de seu relato inicial indica qual o dia e ano do fictício esbulho e, tentando, como se possível fosse, ludibriar esse douto Juízo, pleiteia providencia liminar.

Informou que possuidor é aquele que tem de fato o exercício de alguns poderes do domínio ou da propriedade. Não seria crível admitir-se que o Autor, morando na mesma cidade, nunca realizou qualquer benfeitoria ou ao menos edificação de muro, tivessem o exercício de fato da posse sobre o imóvel pretendido.

Vê-se, assim, que o Autor demanda por proteção possessória, tentando se passar por possuidor de direito sobre o imóvel, quando apenas junta aos autos documentos inúteis ao deslinde do feito.

Do contrário, o Réu demonstra sua posse desde o ano de 2012, juntando notas fiscais, recibos, faturas de água e luz, o que só corrobora o ora alegado.

Concluiu com segurança que o Autor não pode se beneficiar de direito de proteção possessória alguma, já que nunca ocupou o imóvel objeto da ação. Assim, a alegada posse do Autor nunca foi comprovada, a uma porque nunca ocupou referida área e a duas porque o verdadeiro dono da referida área é o Demandado.

Razão pela qual pugnou pelo descabimento da ação de reintegração de posse, ante a ausência de requisitos, pelo acolhimento da preliminar e uma vez superada que a presente seja julgada improcedente pelas razões de fato e de direito.

Em sede de contestação, a parte ré apresentou os documentos, a seguir: i) cópia de declaração assinada por Neide, datada de 02/01/2017, consoante fls. 179; ii) cópia do recibo de compra e venda entabulado entre o Sr. Valdemir Souza e Francisco Assis Dornellas, datado de 29/07/2010 no valor de R$ 20.000,00, consoante fls. 180; iii) cópias de recibos de compra de materiais de construção, datados de 2012, consoante fls. 181/184; iiii) cópias de notas fiscais de compra de material para construção, datadas de 2012, 2014, fls. 185/188; iiiii) cópias de contas da Embasa, datadas de 2014, 2015 consoante fls. 189/200.

Foi expedido ato ordinatório intimando-se as partes para especificarem suas provas, fls. 205.

As partes foram devidamente intimadas pelo DPJ, fls. 206.

O Representante do Espólio requereu a produção de prova oral às fls.207.

Houve despacho designando audiência de instrução, fls. 208.

As partes foram devidamente intimadas pelo DPJ, fls. 209.

O Representante do Espólio depositou o rol às fls. 210/211.

O Representante do Espólio peticionou (fls. 212/216) trazendo os seguintes fatos, resumidamente: i) o réu não pagou IPTU, malgrado ocupe ilegalmente, desde a data indicada na exordial; o extrato fiscal anexo revela que a dívida tributária consolidada até o exercício 2016, inscrita em dívida ativa, e já objeto de ações executivas ali indicadas - é de R$ 22.286,91; eis, portanto, o risco iminente de perda da propriedade a que o imóvel está submetido (perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo), se mantido o réu exercendo irresponsavelmente a posse do bem, como o faz até então; ii) Um outro aspecto que demonstra o exercício irresponsável da posse por parte do réu é que a área objeto do litígio está alugada ou foi vendida a posse à JOSÉ SILVA SANTOS JÚNIOR "JÚNIO DA PAX", com o que tem o réu um bônus (recebimento de valores), sem o correspondente e inadiável ônus, representado pela obrigação inafastável do possuidor de quitar os tributos incidentes sobre o imóvel que ocupa; iii) Está, portanto, caracterizada a inidoneidade financeira do réu de forma absoluta, porque confessada, tudo a demonstrar a impossibilidade de quitação dos tributos devidos ao Fisco Municipal, cuja cifra atualizada, é superior a R$ 22.000,00, como visto e comprovado, atraindo, pois, a incidência do art. 559, CPC; iiii) desde o início da presente celeuma, o representante da parte autora comunicou os fatos à DEPOL de Euclides da Cunha, através do Boletim de Ocorrência que culminou com a Instauração do Competente inquérito que agora, FATO NOVO, foi concluído com o indiciamento do réu e da Sra. Neide de Jesus Carvalho pelo crime de Estelionato. Colhe-se do inquérito que constam alguns registros policiais do presente caso, tendo sido inclusive instaurado Termo Circunstanciado, crime de dano tombado com o nº 0000349-94.2013.805.0078. Consta termo de declarações do Sr. Valdemir Souza (ex proprietário dos terrenos). Ainda, Termos de Declarações de todos os envolvidos. Chegou-se à participação da Sra. Neide, pois a mesma, através de meio ardil, convenceu o SR. Valdemir a assinar novo recibo dos terrenos, utilizando-se de sua proximidade com este, eis que é seu ex-sogro. Esta senhora, ainda, dando continuidade à sua prática, visando proteger o réu, assinou Declaração afirmando ter presenciado o falecido autor/representado pelo espólio, a vender os terrenos para o réu, na contramão de todas as provas colhidas no inquérito. Que a ação fraudulenta foi concretizada com a venda do imóvel a terceira pessoa, Junior da Pax, pessoa bastante conhecida na Cidade e, pasmem, conhecedor de toda trama tendo inclusive sido notificado pela parte autora para não concretizar o negócio seja lá qual tenha sido.

Argumentou que esses são os fatos novos que justificam a renovação do pedido de concessão da Tutela de Urgência pleiteada na petição inicial, qual seja, reintegra o autor na posse do bem, pedindo atenção especial ao débito do imóvel e indiciamento do réu pelo cometimento do crime de Estelionato, justamente pelos fatos trazidos na presente ação.

Como prova do acima alegado juntou documentos de fls. 217/293, onde consta: relatório da dívida tributária; cópia da portaria que instaurou o Boletim de Ocorrência n. 17-000892 em face do Réu; cópias dos depoimentos colhidos na Delegacia de Policia de Valdemir, Francisco, Neide, Junior da Pax, José Vagner, filho de Neide, Marcus Wellby, Inventariante; cópias dos recibos de compra e venda entabulado entre Valdemir Souza e Francisco de Assis Dornella da Silva, datado de 29/07/2010; recibo de compra e venda entabulado entre Valdemir Souza e Luiz Agres de Carvalho, datado de 29/07/2010; recibo de compra e venda entabulado entre o Réu e José Silva Santos Junior, datado de 02/03/2017;

conclusão do IP nº 086/20017 pelo indiciamento de Francisco de Assis Dornella da Silva e Neide de Jesus Carvalho pela conduta tipificada no art. 171, caput c/c art. 29, CPB, entre outros.

Em termo de audiência de instrução, foram tomados os depoimentos do Autor/Inventariante (fls. 297/298) e das testemunhas Henna Lucia de Oliveira Souza (fls. 298), Maria Rita Dias de Brito (fls. 298/299) e Demetrio Otaviano dos Santos Filho (fls. 299). Na oportunidade, a parte autora formulou requerimento, sendo que este Juízo manifestou-se nos seguintes termos: "Analisando-se os autos, procedem as alegações da parte autora. Deveras no despacho de fls. 208 dos autos, foi designada audiência de instrução, determinando-se às partes que, no prazo comum de 15 dias, apresentassem rol de testemunhas ou informassem o comparecimento da mesmas independente de intimação. Entretanto, a parte ré, devidamente intimada, quedou-se inerte, não apresentou rol de testemunhas e tampouco compareceu à presente audiência. Desta forma, aplico ao caso a norma do § 2º do art. 362 do NCP, ficando assim dispensada a produção de prova da parte ré". Por fim, uma vez ouvidas as partes acima, determinou o MM Juízo a abertura de prazo para apresentação de alegações finais.

O espólio de Luiz Agres de Carvalho apresentou razões finais, fls. 302/309. Na oportunidade, reiterou os termos da inicial, pugnando pela procedência dos pedidos, reiterando o pedido de concessão da tutela de urgência, para reintegrar o autor na posse do bem, fixando-se multa diária de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento, juntamente com a sentença.

A parte réu apresentou razões finais às fls. 310/315. Na oportunidade reiterou os termos da contestação, requerendo, por fim, o acolhimento da preliminar por falta de interesse processual, caso superada, que a ação seja julgada totalmente improcedente, condenando-se o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Inicialmente, fundamento a exclusão do feito da ordem cronológica de conclusão para julgamento, nos termos do artigo 12, § 2º, VII do CPC/2015, por se tratar de processo envolvendo priorização no julgamento em cumprimento a META 1 do CNJ.

I - DA PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL

Em sede de contestação, a parte ré arguiu a preliminar de falta de interesse

processual ante o argumento, em síntese, de que a causa de pedir nas ações possessórias deve ser a posse e não a propriedade.

Entretanto, deve a mesma ser rechaçada, uma vez que o objeto da lide, efetivamente, consistiu na discussão da posse, como veremos adiante.

Ademais, a referida preliminar se confunde com o mérito e como tal será analisada.

II - DO MÉRITO

Trata-se de ação possessória, visando à reintegração do Espólio de Luiz Agres de Carvalho nos terrenos descritos na inicial, cuja posse foi adquirida a partir de compra e venda entabulada entre o antigo possuidor e o Sr. Luiz Agres de Carvalho e, com sua morte, transmitida para seus herdeiros - princípio da saisine , art. 1.784, do CC, que consiste no •g direito que têm os herdeiros de entrar na posse dos bens que constituem a herança•h (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2003, p.29) -, sob a alegação de esbulho perpetrado pelo ora demandado.

Pois bem. Protegem a posse as ações possessórias, que são ações que se fundamentam na posse, enquanto exercício de poder de fato. No juízo possessório, destarte, é possível apenas a discussão do jus possessionis , que é a garantia de se obter a proteção jurídica ao fato da posse.

De outra banda, tais ações distinguem-se das que se baseiam diretamente no direito de propriedade ou em algum outro direito real. No juízo petitório, a pretensão deduzida tem por supedâneo o direito de propriedade ou algum dos seus desmembramentos.

São as possessórias ações sumárias, sob o ponto de vista da cognição, uma vez que o campo de defesas permitidas ao demandado é limitado. De fato:

(...) toda demanda possessória, na medida em que impede as defesas fundadas em direito - limitando a controvérsia exclusivamente ao terreno do conflito possessório, ainda quando a ação seja ordinária, por dirigir-se contra turbação ou esbulho praticados há mais de ano e dia -, por isso mesmo, é uma demanda sumária. (SILVA, OVÍDIO BAPTISTA DA, Curso de Processo Civil, volume 2, 4a Edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 267-8.

Resta claro, em suma, que a discussão entabulada nas ações possessórias é limitada.

Demais disso, cabível observar que a reintegração de posse ou ação de esbulho

possessório, diferentemente das demais possessórias, é ação executiva na conhecida classificação quinária das ações. Trata-se de uma ação real, através da qual o possuidor esbulhado pede a coisa, e não o cumprimento de uma obrigação. Por isso, mesmo quando se tratar de ação de posse velha, isto é, aquela intentada após o prazo de ano e dia previsto na legislação, não perderá seu caráter possessório.

Posto isso, tem-se que o art. 560, do Diploma Processual Civil, estabelece os requisitos para obter a proteção possessória:

Art. 560. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

Nesse contexto, afigura-se imprescindível aos autores a demonstração do cumprimento de tais requisitos. Nesse sentido, cito o seguinte precedente:

APELAÇÃO CÍVEL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ESBULHO. ART. 927, CPC. Em reintegração de posse, devem ser atendidos os requisitos do art. 927, do CPC, sendo ônus do autor comprová-los. (...) Negaram provimento. Unânime. (Apelação Cível Nº 70016745374, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 19/07/2007).

Não importa, via de regra, para a solução da lide reintegratória, a questão da propriedade, nos exatos termos do art. 1.210, § 2º, do CC, o qual reza:

"Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa."

Nelson Nery Junior, em seu Código Civil, assim define a reintegração de posse:

"assim define a reintegração de posse:"A ação de força espoliativa é o remédio utilizado para corrigir agressão que faz cessar a posse. Tem caráter corretivo, mas para valer-se dela o autor tem que provar: a) a posse ao tempo do esbulho; b) que essa posse, com relação ao réu, não tenha se constituído de maneira viciosa; c) que o réu, por si ou por outrem, praticou os atos; e d) que os atos foram arbitrários". (Código Civil Comentado, 3a edição, editora Revista dos Tribunais, em relação ao artigo acima citado, pg. 619).

De acordo com os ensinamentos de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento:

"ter posse é, em relação a determinado bem e ao elemento físico, usá- lo, fruí-lo e dele dispor; usá-lo e fruí-lo; usá-lo e do bem dispor; fruí-lo e dele dispor; ou tantas outras formas de combinação de exercício de tais poderes; ou isoladamente cada um deles - de forma plena ou não. A ação do possuidor é que delimita. O que se está estruturando é o elemento físico, o corpus. No entanto, a configuração da posse tem outro pressuposto essencial, que é seu elemento subjetivo, ou o animus. (...) O elemento subjetivo do possuidor, refletido por sua vontade, é pressuposto essencial à categorização de uma relação possessória. (...) O elemento intencional está vinculado à vontade do possuidor. Os atos que ele exercita estão envolvidos nos poderes inerentes da propriedade."(Posse e Propriedade, 3aed., ps. 16/17),

Segundo Orlando Gomes:

"todo o possuidor tem direito de consegui-la, se da posse for privado por violência, clandestinidade e precariedade. Além disso, a ação pressupõe ato praticado por terceiro que importe, para o possuidor, perda da posse, contra a sua vontade. Se o possuidor não for despejado da sua posse, não haverá esbulho, não havendo falar, consequentemente, em reintegração."(Direitos Reais. 7a Ed., p. 86).

Fixadas tais premissas, que se prestam a situar a matéria no âmbito doutrinário, à reintegratória, importa a posse anterior exercida sobre a área, requisito este inarredável para a proteção possessória, que é o que se busca com este tipo de ação. Não se perquire acerca da propriedade, como visto.

Conforme prova constante nos autos, Luiz Agres de Carvalho, quando em vida, adquiriu a posse dos imóveis litigiosos a partir de negócio jurídico entabulado, mediante instrumento particular, em 29 de julho de 2010 (e com firma reconhecida, em 20/08/2010, fls. 10/11), com o antigo possuidor, Sr. Valdemir Souza (também conhecido como" Vavá "), exercendo-a mansa e pacificamente e, transmitindo-a, assim, para os seus herdeiros (princípio da saisine, art. 1.784 do CC), constando os aludidos imóveis, inclusive, nas primeiras declarações do inventário de Luiz Agres (fls. 31/33). Após o falecimento do Sr. Luiz Agres, ocorrido em 29 de abril de 2012 , deu-se a disputa possessória travada entre as partes, iniciando com atos meramente turbativos (já em 2012, fls. 135, 286) para culminar no esbulho possessório ora impugnado, ocorrido em 30 de maio de 2014, tendo sido noticiada na delegacia a invasão dos terrenos litigiosos pelo réu (fls. 09, 12/13, 15/17). É que, sob a alegação de que, antes de falecer, Luiz Agres lhe transferira a posse dos aludidos imóveis num acerto de contas verbal, intitulava-se o réu o legítimo possuidor, fato este não comprovado nos autos, conforme veremos a seguir.

Inicialmente, para comprovar a aquisição da posse dos imóveis litigiosos, buscou o réu, com o auxílio da Sra Neide de Jesus Carvalho (viúva de Luiz Agres), forjar documento no sentido de que obtivera a aludida posse diretamente do Sr. Valdemir Souza (antigo possuidor) na mesma data que o mesmo havia vendido a Luiz Agres, ou seja 29 de julho de 2010, fato este desmentido pelo Sr. Valdemir Souza - que, inclusive, declarou ter sido induzido a erro pela Sra Neide de Jesus - e por testemunhas (fls. 14, 86, 295). Posteriormente, a Sra Neide firmou declaração datada de 02 de janeiro de 2017, afirmando ter presenciado o Luiz Agres vender ao réu os imóveis litigiosos (fls. 179); fato este, ressalte- se, não corroborado por nenhum elemento de prova produzido nestes autos.

Posteriormente à propositura da presente ação, o réu vendeu um dos terrenos litigiosos a um terceiro, José Silva Santos Júnior (conhecido como" Júnior da Pax "), o que ensejou nova queixa na delegacia de polícia pela parte autora com a consequente instauração de inquérito policial para apuração do crime de estelionato, na modalidade venda de coisa alheia como própria (art. 171, § 2º, inciso I, do CP), datada de 29 de março de 2017 (fls. 219), culminando com o indiciamento de Francisco de Assis Dornella da Silva, ora réu, e da Sra Neide de Jesus Carvalho pelo crime de estelionato (fls. 219/293).

Em sede do aludido inquérito policial, foi colhido novamente o depoimento do Sr. Valdemir Souza (antigo possuidor dos imóveis litigiosos), que confirmou a venda dos imóveis a Luiz Agres de Carvalho em 29 de julho de 2010, bem assim a fraude de que fora vítima, praticada pela Sra Neide de Carvalho, para obter novo instrumento de particular de compra e venda, agora tendo como contratante/beneficiário Francisco de Assis Dornella (réu). Neste mesmo inquérito, Francisco de Assis Dornella declarou, por ocasião de seu interrogatório, que o terceiro comprador, José Silva Santos Júnior (" Júnior da Pax "), tinha conhecimento de que de que o imóvel adquirido era litigioso (fls. 229/230), aplicando-se ao ao mesmo a regra prevista no art. 109 do CPC).

Assim, o conjunto probatório carreado aos autos revela a existência de posse da parte autora, os atos de turbação e, por fim, de esbulho que sofreou a parte autora no tocante aos terrenos referidos na inicial, senão vejamos.

O autor trouxe aos autos elementos aptos para a obtenção tutela final pretendida, ou seja, cópias dos instrumentos particulares de compra e venda dos dois terrenos descritos na inicial - a) Terreno medindo 11,30m de frente, 24,40m do lado esquerdo, 22,70m do lado direito e 11,0m de fundo, tendo como vizinho do lado esquerdo o vendedor (VALDEMIR SOUZA) e do lado direito o próprio comprador e no fundo o senhor conhecido como Josafá; b) Terreno medindo 11,00m de frente, 13,50m do lado esquerdo, 12,60m do lado direito e 11,55m de fundo, tendo como vizinho do lado esquerdo o próprio comprador e do lado direito desconhecido e de fundo o prédio do antigo Juizado Especial -, decorrentes de negócio jurídico entabulado diretamente entre Luiz Agres e Valdemir Souza, datado de 29/07/2010, inclusive, com reconhecimento de firma em Cartório de Tabelionato em 20/10/2010. Com o falecimento de Luiz Agres (ocorrido em 29/04/2012), os imóveis foram transferidos para seus herdeiros, tanto que os aludidos imóveis foram declarados como parte do acervo hereditário (fls. 31/33).

A parte autora juntou certidões de ocorrências policiais onde relata atos de turbação, datada de 2012 (fls. Fls. 135, 286), e invasão, em 30/05/2014, pelo réu, dos dois terrenos objetos da presente ação. Juntou aos autos fotografias demonstrando a ocupação indevida (fls. 15/17). Juntou cópia do IP nº 086/2017 (fls. 219/293), instaurado em face de Francisco de Assis Dornella da Silva e Neide de Jesus Carvalho pela conduta tipificada no art. 171, caput c/c art. 29, CPB, onde a autoridade policial concluiu que houve a execução do crime de estelionato, considerando que a segunda indigitada induziu em erro, quando solicitou que o Sr. VALDEMIR, assinasse um recibo de venda dos terrenos diretamente para o primeiro indigitado, sendo que este, diante do documento predito obteve vantagem econômica indevida ao vender um dos terrenos para o Sr. JUNIOR DA PAX, consoante recibo de compra e venda juntado nos autos do IP, datado de 02/03/2017, pela quantia de R$ 40.000,00 (Quarenta mil reais), ou seja, venda de uma área de terra situada na Rua Pedro Agres de Carvalho, neste município, medindo 11,30m de frente, 24,40m de lado esquerdo 22,70m de lado direito e 11,00m de fundo, tendo com o vizinhos do lado esquerdo o próprio vendedor, do lado direito o próprio comprador e de fundo o Sr conhecido por Josafá. No interrogatório, Francisco de Assis Dornela declara que terceiro adquirente de um dos imóveis litigiosos, José da Silva Júnior, tinha conhecimento de que o imóvel adquirido era litigioso (fls. 219/293).

À prova documental soma-se a de natureza testemunhal, constante às fls. 298/299, fazendo-se oportuno a transcrição dos relatos. Vejamos:

" que conhece os terrenos objetos da ação; que os terrenos pertenciam a seu pai há mais de 50 anos; que a depoente é vizinha dos imóveis; que não recorda a data correta 2010/2011 da venda para Luis Agres; que até onde sabe o pai (Valdemir) vendeu os dois terrenos (um como pagamento de honorários do pai da depoente e o outro foi venda); (sic) que os terrenos não possuem escritura; que sabe como vizinha que existe um rapaz conhecido por chicão (Francisco) que alega ser dono; que o pai da depoente nunca vendeu os terrenos para chicão, mesmo que o réu afirme ser o dono; que o pai da depoente possui 83 anos"; (sic) que viu chicão murar; (sic) que Lula vigiava os terrenos; (sic) que após a morte de Lula, chicão invadiu o terreno, que quando lula encontrava-se vivo, chicão nunca havia encostado nos terrenos; que de inicio pensou que Lula havia vendido a Chicão e ao encontrar com o filho de Lula, Luizinho o mesmo a informou que não tinha realizado venda alguma e os terrenos encontravam-se no inventário; (sic) que o tereno sempre foi murado; que os terrenos foram invadidos em 2016; (sic) que assim que Lula faleceu Neide foi até a casa de Vavá e pediu que ele assinasse outro recibo, pois o original havia sido perdido; que seu Vavá nem leu; (sic) que Vavá foi na Delegacia e afirmou que o recibo verdadeiro era o que ele vendeu para Lula e não para Chicão"; (sic) que andava com Lula dos terrenos; que sempre Lula botava alguém para limpar" (testemunha Hena Lucia Oliveira Souza , filha de Valdemir Souza, antigo possuidor dos terrenos litigiosos, fls. 289).

"que trabalhou a vida inteira com Lula; que sabe onde são os terrenos; que os terrenos são deles (apontando para o autor); (sic) que chicão invadiu os terrenos em 2016; (sic) que os terrenos pertenciam a Luis Agres de Carvalho que adquiriu de Seu Vavá; (sic) que Lula comprou durante o dia e à noite passou na casa da testemunha para que fossem até o local" (testemunha Maria Rita Dias de Brito , fls 298/299).

"que conhece os terrenos localizados na Rua Pedro Agres; que os terrenos pertenciam a Luis Agres de Carvalho que adquiriu de Seu Vavá; que Lula não vendeu para ninguém; que o terreno era murado e todo mundo sabia que era de Lula; que os terrenos foram invadidos por chicão em 2015/2016"(testemunha Demetrio Otaviano dos Santos Filho, fls. 299).

Como se vê, o autor se desincumbiu do ônus de provar os fatos que alega, o que não se pode dizer do réu quanto aos fatos obstativos do direito do autor. Pelo contrário, o acervo probatório trazido aos autos pelo autor consistiu exclusivamente nos seguintes documentos: a) cópia de declaração assinada por Neide de Jesus Carvalho, datada de 02/01/2017, no sentido de que a mesma presenciara a venda dos imóveis litigiosos pelo falecido ao réu (fls. 179), fato este não corroborado por nenhum elemento de prova e que não merece valia ante os fatos apurados no inquérito policial que culminou no seu indiciamento pelo crime de estelionato (fls. 219/293). Aqui, ressalte-se que o fato de ser a

Sra Neide meeira do aludido imóvel, já que era viúva do falecido Luiz Agres não justifica a sua conduta em usurpar a parte que cabia aos espólio/herdeiros; b) cópia do recibo de compra e venda entabulado entre o Sr. Valdemir Souza e Francisco Assis Dornella, datado de 29/07/2010, no valor de R$ 20.000,00, consoante fls. 180, documento fraudulento como bem esclareceu o Sr. Valdemir Souza nas duas oportunidades em que foi ouvido perante a Autoridade Policial (fls. 14, 295); c) cópias de recibos de compra de materiais de construção, datados de 2012 (fls. 181/184), de notas fiscais de compra de material para construção, datadas de 2012, 2014 (fls. 185/188) - que não especificam o imóvel para o qual eram destinados - e cópias de contas da Embasa, datadas de 2014, 2015 (fls. 189/200), documentos estes que revelam o esbulho praticados no ano de 2014, haja vista que sua posse, em relação à parte autora, sempre foi injusta (adquirida de forma que repugna o direito).

Deveras, Orlando Gomes ensina que posse justa é aquela cuja aquisição não repugna ao Direito (GOMES, Orlando," Direitos Reais ", Forense, 1991, p. 37). Destaca que esta qualidade se estabelece no momento da instalação da posse, de maneira que será justa a posse que se estabelecer em conformidade ao direito, ou, ainda, cuja aquisição for isenta de vícios originais.

O conceito de posse justa é trazido pelo Código Civil, de forma negativa. O artigo 1.200 conceitua posse justa como sendo a posse que não é violenta, clandestina ou precária. Por essa disposição, chega-se ao conceito de posse injusta, sendo aquela que é adquirida de forma violenta, clandestina ou precária. Não obstante, posse justa é aquela desprovida de qualquer vício.

Violência é o ato pelo qual se toma de alguém, abruptamente, a posse de um objeto. Pode ainda se manifestar na expulsão do legítimo possuidor. A violência pode ser física ou moral, pode ser contra a pessoa, ou, ainda, contra a coisa. A posse só pode ser violenta no início da sua aquisição. Uma posse que se iniciou sem vícios, não se torna injusta pela sua violência. Quando um possuidor legítimo reage a uma violência, a posse legítima não se transmuda para ilegítima. A reação é válida e protegida pela lei, quando se atua de forma moderada.

A respeito do tema, dispõe o Código Civil: "Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. (...)

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

No presente caso, por tudo quanto exposto, não resta dúvidas que o autor foi despojado de sua posse por atos materiais irresistíveis, pela prática de atos de força contra o próprio bem (invasão), padecendo de vício a posse do réu em relação ao autor que não convalesce, conforme se depreende do quanto disposto nos arts. 1.203 e 1.208 do CC.

Válido citar os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, em Direito Civil - Direitos Reais, volume 5, Direitos Reais, 3a edição, editora Atlas: "Ocorrendo esbulho, a ação é de reintegração de posse. Esbulho existe quando o possuidor fica injustamente privado da posse. Não é necessário que o desapossamento decorra de violência. Nesse caso, o possuidor está totalmente despojado do poder de exercício de fato sobre a coisa. Os requisitos estão estampados em conjunto com os da manutenção no artigo 927 da lei processual. Além de sua posse, o autor deve provar o esbulho, a data de seu início e a perda da posse" . (p. 141/142).

Benedito Silvério Ribeiro observa que a posse injusta "não se converte em posse justa, pois a ninguém é dado mudar a causa de sua posse, nem mesmo em razão do tempo, de vez que aquilo vicioso de início não pode validar-se com o decurso do tempo" (Ribeiro, Benedito Silvério, "Tratado de Usucapião", volume 1, Saraiva, 1992, pg. 620). No entanto, mais adiante, registra que a violência e a clandestinidade são vícios que podem cessar e produzir efeitos na órbita jurídica, desde que a mudança não decorra de atos do possuidor vicioso. A conversão deve decorrer de causa diversa daquela em que se funda a aquisição (compra feita de esbulho, herança recebida do desapossado etc (Obra citada, p. 621).

Segundo Caio Mário, "A alteração no caráter da posse não provém da mudança de intenção do possuidor, mas de inversão do título, por um fundamento jurídico, quer parta de terceiros, quer advenha da modificação essencial no direito" (PEREIRA, Caio Mário da Silva,"Instituições de Direito Civil", v. IV, 8a. Ed., Forense, 1990, p. 24.).

Para Marcos Vinicius Rios Gonçalves, a posse adquirida de forma viciosa é sempre injusta em relação a quem a perdeu (GONÇALVES, Marcos Vinicius Rios, "Dos Vícios da Posse", Ed. Juarez de Oliveira, 2001, pg. 45). Segundo este autor, a cessação da violência ou clandestinidade será relevante na medida em que até então não haverá posse (art. 1.208, 2a. Parte, do Código Civil). Haverá, segundo ele, mera detenção, estabelecendo- se, deste modo, um período de transição: enquanto houver violência ou clandestinidade, haverá detenção; cessado o vício, surge a posse.

Este modo de conciliar os artigos 1.208 e 1.203 do Código Civil demonstra estar incorreta a posição de Sílvio Rodrigues, que considera perdida a posse se não houver ajuizamento da demanda possessória no prazo de ano e dia[GONÇALVES, Marcos Vinicius Rios, Obra citada, p. 46/47 ].

O artigo 1.203 do Código Civil estabelece que a posse mantém o caráter com que foi adquirida, salvo prova em contrário, o que não ocorreu in casu .

Marcos Vinicius Rios Gonçalves insiste em que a cessação da violência e da clandestinidade não afasta o caráter vicioso da posse, ainda que superado o prazo de ano e dia como sustenta Sílvio Rodrigues, - corrente a qual nos filiamos -, tanto que será cabível ação possessória sem liminar - como é o caso ora sob análise. Sua relevância está centrada na transmudação da mera detenção em posse, que, contudo, continua injusta. Pondera que a regra do artigo 1.203 (antigo art. 492) do Código Civil diz respeito à boa-fé, e não à justiça da posse (GONÇALVES, Marcos Vinicius Rios, "Dos Vícios da Posse", Ed. Juarez de Oliveira, 2001, pg. 47).

No mesmo sentido, ainda sobre o convalescimento dos vícios da posse e tecendo comentários sobre o art. 1.208 do CC, do Código Civil Comentado (editora Manole - ed. 2007, página 1.008), o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Francisco sustent: •"Via de conseqüência, nos exatos termos da segunda parte deste artigo, enquanto perduram a violência e a clandestinidade, não há posse, mas simples detenção. No momento em que cessam os mencionados ilícitos, nasce a posse, mas injusta, porque contaminada de moléstia congênita. Dizendo de outro modo, a posse injusta, violenta ou clandestina, tem vícios ligados a sua causa ilícita. São vícios pretéritos, mas que maculam a posse mantendo o estigma da origem. Isso porque, como acima dito, enquanto persistirem os atos violentos e clandestinos, nem posse haverá, mas mera detenção".

Feitas tais considerações doutrinárias, não procede a alegação do réu de que, por se tratar de lesão possessória ocorrida há mais de ano e dia (posse velha), não merece o autor proteção possessória. Até porque •" O lapso temporal de ano e dia é notoriamente reconhecido para a questão do possuidor mantido na posse sem ter contra ele uma liminar, devido à contumácia do antigo possuidor, que deixou ultrapassar mais de ano e dia para bater nas portas do judiciário. Tanto que, mesmo depois de ano e dia, o proprietário esbulhado pode recuperar a coisa mesmo depois desse prazo" (ZULIANI, Matheus Stamillo. A Posse Justa e Injusta - Aplicações práticas e teóricas com ênfase no Distrito Federal - Diponível em htt://www.Escoladamagistratura.org.br).

Assim, reputando verdadeiros os fatos alegados pelos alegados pelo autor, concluo que restou provada sua posse sobre os imóveis reintegrandos, sua perda, bem como o esbulho perpetrado pelo réu e sua data, devendo ser deferido o pedido de reintegração de posse pretendido pelo autor, vez que preenchidos os requisitos dos arts. 1.210, caput, do Código Civil, e art. 560 do CPC.

Destarte, com fulcro no art. 487, I, c/c art. 490, todos do CPC, tenho por bem julgar PROCEDENTE O PEDIDO do autor para REINTEGRÁ-LO, definitivamente, na posse dos imóveis descritos na inicial a) medindo 11,30m de frente, 24,40m do lado esquerdo, 22,70m do lado direito e 11,0m de fundo, tendo como vizinho do lado esquerdo o vendedor (VALDEMIR SOUZA) e do lado direito o próprio comprador e no fundo o senhor conhecido como Josafá; b) medindo 11,00m de frente, 13,50m do lado esquerdo, 12,60m do lado direito e 11,55m de fundo, tendo como vizinho do lado esquerdo o próprio comprador e do lado direito desconhecido e de fundo o prédio do antigo Juizado Especial (fls.3), localizados na Rua Pedro Agres de Carvalho, s/n, Centro, Euclides da Cunha-BA.

Custas pelo réu. Honorários advocatícios que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), com base no art. 85, § 8º, do CPC, a serem pagos pelo réu.

P. R. I, desta extraindo cópias para os devidos fins. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com respectiva baixa na distribuição.

Expedientes necessários. Cumpra-se

Euclides da Cunha (BA), data da liberação do documento nos autos digitais

DIONE CERQUEIRA SILVA

Juíza de Direito

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