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17 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJPE • PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL • DIREITO DO CONSUMIDOR (1156) • XXXXX-28.2020.8.17.2480 • 3ª Vara Cível da Comarca de Caruaru do Tribunal de Justiça de Pernambuco - Inteiro Teor

há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

3ª Vara Cível da Comarca de Caruaru

Assuntos

DIREITO DO CONSUMIDOR (1156), Contratos de Consumo (7771), Seguro (7621 DIREITO DO CONSUMIDOR (1156), Responsabilidade do Fornecedor (6220), Indenizaão por Dano Material (7780 DIREITO DO CONSUMIDOR (1156), Responsabilidade do Fornecedor (6220), Substituição do Produto (7767 DIREITO DO CONSUMIDOR (1156), Responsabilidade do Fornecedor (6220), Indenização por Dano Moral (7779 DIREITO DO CONSUMIDOR (1156), Responsabilidade do Fornecedor (6220), Abatimento proporcional do preço (7769

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorTJPE_e32c743a5cf6a5a45150fabe415d2c380b543eb5.pdf
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Tribunal de Justiça de Pernambuco

Poder Judiciário

3a Vara Cível da Comarca de Caruaru

AV JOSÉ FLORÊNCIO FILHO, MAURÍCIO DE NASSAU, CARUARU - PE - CEP: 55014-837 - F:(81) 37257400

Processo nº XXXXX-28.2020.8.17.2480

AUTOR: ALESSANDRA DA SILVA

REU: AUTO CLUBE DE BENEFÍCIOS VIP

SENTENÇA

1- Relatório

Trata-se de ação para reparação por dano material e moral proposta por ALESSANDRA DA SILVA contra a empresa AUTO CLUBE DE BENEFÍCIOS VIP, na qual alega ser proprietária de uma motocicleta, para a qual firmou contrato de seguro veicular com a ré, na data de 23.01.2020. Afirma que na data de 03.07.2020, pela madrugada, quando estava trabalhando com o veículo, foi vítima de roubo. Diz que o contrato previa a colocação de um rastreamento nos veículos acima de R$ 10.000,00, porém, a ré não lhe convocou para a efetivação da medida. Diz que em razão disso foi prejudicada, pois poderia ter auxiliado a Polícia a encontrar o bem segurado. Diz que a ré violou cláusula contratual e deve reparar o dano. Ademais, afirma que pagou a prestação do contrato no mesmo dia em que ocorreu o sinistro, porém, por equívoco pagou em duplicidade a mensalidade de maio, ao invés de quitar junho. Em razão disso a ré se recusa a cobrir o valor do veículo protegido. A autora aponta desgaste emocional para resolver o conflito e pede reparação por dano moral e material.

A ré foi citada e contestou, refutando os argumentos da parte autora, alegando que não existe relação de consumo, pois se trata de associação em que a relação se baseia no socorro mútuo entre os associados e a ré somente intermediaria os interesses dos associados. Afirma que pela cláusula contratual 3.9.1 a autora seria a responsável pela colocação do rastreamento, devendo ela apresentar o veículo para realizar o serviço. Porém, a autora não cumpriu a apresentação do veículo. Por fim, sustenta que a autora estava inadimplente quando ocorreu o sinistro e que ela somente quitou a prestação após o evento, para impedir a aplicação da cláusula que prevê o afastamento do PAM (Programa de Assistência Mútua). Traz aos autos documentos e mídia com conversação da autora sobre o sinistro, alegando a ré que a autora tem ciência de que não faz jus à cobertura, em razão de seu inadimplente, tanto que obteve ressarcimento das prestações que pagou após o sinistro.

A autora falou em réplica, insistindo em seu direito. As partes nada mais produziram, vieram-me conclusos para sentença.

2- Fundamentação

Processo pronto para julgamento.

A matéria objeto do conflito comporta uma análise importante sobre o comportamento do consumidor que adquire seguro, ou qualquer outro serviço equivalente de proteção veicular, mas não adimple suas prestações no vencimento e as consequências para o grupo quando há ocorrência do sinistro. Há de se avaliar se a ausência de notificação prévia autoriza o cancelamento da cobertura.

Pois bem, inicialmente, percebe-se que a autora diz que foi vítima do sinistro em 03.07.2019, por volta das 1:25horas da madrugada, estando esta informação respaldada em documentos nos autos, que registram sua notícia-crime à autoridade policial por meio de Boletim de Ocorrência (BO). Esta notícia-crime em concreto, como se sabe, tem natureza unilateral, pois depende da disposição da própria vítima em acionar as autoridades investigativas e dar as informações e detalhes sobre as circunstâncias em que o fato se deu.

A ré aponta divergência no horário da ocorrência do assalto e diz que há má-fé da consumidora, pois esta contatou a central para dar ciência do sinistro às 00:46horas e informou que já havia sido vítima do assalto, ID XXXXX. Portanto, a autora deu informação errada no boletim de ocorrência policial, certamente para evitar que ficasse registrado o seu pagamento, da prestação atrasada, depois do sinistro.

Basta verificar a mídia anexada pela ré, em que a autora afirma já ter sido vítima do assalto às 00:46hrs, ID XXXXX, para confirmar os fatos. Também o documento que registra as ligações da autora para o atendimento do consumidor, aponta que a autora desde o dia 02.07.2020 às 23:48hrs, já estava ligando para a ré. Depois de algumas horas, já na madrugada do dia 03.07.2020 efetua outras ligações até conseguir atendimento, que é justamente o conteúdo da mídia anexada, onde ela confirma, já ás 00:46 que havia sido assaltada e diz que possuía rastreador no veículo, ID XXXXX.

A autora informa erradamente à ré que seu veículo possui rastreador, quando tinha ciência que não havia apresentado o veículo para sua colocação.

Somente por isso, já se percebe a conduta ilícita da autora, que promoveu alterações das informações para obter falsa adimplência no seu seguro. A autora efetuou o pagamento do boleto às 00:15 da madrugada, o que, por si só, também demonstra uma farsa na sua condução sobre o contrato, já que não era de se crer que a autora tivesse como rotina efetuar pagamentos de suas dívidas a esta hora da madrugada. Somente o fez para interferir na constatação de fatos. Após o sinistro, procurou pagar sua prestação atrasada, a qual tinha se vencido desde 25.05.2020.

Os documentos dos autos provam que o pagamento foi realizado, pelas condições e horários, somente para dar ares de normalidade ao contrato, porém, resta claro que a autora estava inadimplente.

No entanto, esses fatos são relevantes somente para afastar a reparação por dano moral, já que a parte autora não se comportou com boa-fé e descumpriu regras do contrato que são importantes para manter o equilíbrio da relação, respeito mútuo e configuração da boa-fé. Assim, o pedido de reparação por dano moral não tem qualquer justificativa.

Porém, os fatos não são suficientes para impedir a cobertura da assistência contratada. O art. 2.18 do regulamento, que regra a relação entre as partes, exige que em caso de mora por mais de 30 dias, a ré notifique a autora para regularizar a pendência em 8 dias, não o fazendo é que poderá suspender o benefício.

Ora, a ré não provou que tomou as providências que lhe cabiam para exigir que a pendência da autora, sobre o atraso da prestação fosse solucionada, portanto, não pode agora negar a cobertura a que se comprometeu. Veja-se que a autora chegou a resolver sua pendência, pagando a prestação atrasada já na noite do sinistro, portanto, regularizou a sua situação de inadimplência, de maneira que a ré não poderia mais cancelar a cobertura. A ré acabou devolvendo este valor à consumidora para livrar-se da cobertura.

Aplica-se por equiparação à relação, a Súmula 616 do STJ, que impõe a exigência de notificação para validade da suspensão da cobertura, o que não ocorreu no caso:

A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro

No que se refere à natureza da relação entre a autora e a ré, em que pese tentar negar uma relação de consumo, trata de contrato com clara obrigação de prestação de serviço pela ré, tendo a autora como destinatária final. Não é por meio de nomenclaturas distintas que a natureza da relação toma corpo distinto. É evidente que na relação a autora adquiriu um serviço prestado pela ré, nos mesmos moldes do seguro, basta ver a existência da cobertura, sinistro, prestação, obrigações de cumprir os requisitos de segurado etc. Com isso configura-se uma relação de consumo.

A ré utiliza a nomenclatura PAM, Programa de Ajuda Mútua, para fugir das exigências a que estaria obrigada junto a Susep, de forma que entrega serviço equivalente a um seguro sem as fiscalizações dos órgãos competentes, mas a atividade claramente se presta a cumprir o que os seguros, sob regras rígidas, cumprem para ter sua atividade autorizada legalmente.

Portanto, não há dúvida da verdadeira relação de consumo que se molda por trás de subterfúgios contratuais. O próprio STJ já teve oportunidade de consignar seu entendimento sobre a aplicação do CDC nestas relações:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.954.718 - MG (2021/XXXXX-6) DECISÃO

Cuida-se de agravo apresentado por ASSOCIAÇÃO DE AUTOMÓVEIS E VEÍCULOS PESADOS - contra a decisão que não admitiu seu recurso especial.

O apelo nobre, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas a e c da CF/88, visa reformar acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, assim resumido:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - PRELIMINAR - NULIDADE DA SENTENÇA - REJEIÇAO - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR - VEÍCULO ACIDENTADO - RECUSA DE COBERTURA - PRESTAÇÃO MENSAL NÃO VENCIDA - NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - DANOS MATERIAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.

- Embora as associações de proteção veicular não possam firmar contratos de seguro, na prática, o serviço que oferecem é extremamente parecido - senão idêntico - àquele ofertado por seguradoras .

- Assim sendo, diante da similitude dos contratos, as regras previstas para o contrato de seguro, ainda que por analogia, podem nortear a relação firmada entre associação de proteção veicular e os respectivos associados.

- Nesse contexto, aplica-se o entendimento da súmula nº 616 do STJ aos contratos de associação veicular, visto que a suspensão da cobertura sem a respectiva notificação não é compatível com o artigo 51, inciso IV e § 1º, inciso II e III, do CDC .

- Ausente prova do efetivo desembolso de valor relativo a aluguel de veículo, a improcedência do pedido é medida que se impõe, sob pena de enriquecimento ilícito da parte.

- As partes devem observar não só no momento da contratação, mas também ao longo da execução do contrato a boa-fé objetiva, cada qual atuando de forma colaborativa evitando o prejuízo da outra parte.

- O contrato de seguro - ao qual se equipara a contratação firmada entre as partes litigantes - deve ser interpretado restritivamente, conforme as cláusulas nele previstas, pactuadas pelas partes, sendo regido por estrita boa-fé.

- Preliminar rejeitada. Recurso provido em parte.

...

É, no essencial, o relatório. Decido.

...

A suspensão da cobertura sem a respectiva notificação não é compatível com o artigo 51, inciso IV e § 1º, incisos II e III, do CDC, com a seguinte redação: [...].

[...] Desse modo, a disposição contratual que prevê a perda automática da proteção automotiva, a partir do inadimplemento, no caso de pequena mora, associada à ausência de notificação do associado, afronta ao princípio da razoabilidade e coloca o associado em desvantagem exagerada, cenário de máxima violação da cláusula geral da boa-fé acima transcrita (fls. 319-320).

...

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 05 de outubro de 2021.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Presidente

(AREsp n. 1.954.718, Ministro Humberto Martins, DJe de 06/10/2021.)

Deste modo, não se há de concordar que a autora perde o direito à cobertura da mútua assistência, devendo a ré apenas descontar os valores da pendência que existe, no caso, as prestações a que a autora deveria ter pago nos vencimentos e eventual franquia prevista em contrato, pagando-lhe o saldo restante.

Vejamos a jurisprudência colacionada do STJ, que se coaduna com o entendimento aqui esposado, em diversas questões:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2024083 - MG (2021/XXXXX-7)

DECISÃO

Trata-se de agravo interposto por UNIÃO NACIONAL DOS CONSUMIDORES E PROPRIETÁRIOS DE VEÍCULOS -UNICOON contra decisão que inadmitiu recurso especial. O apelo extremo fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, insurgiu-se contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL -AÇÃO INDENIZATÓRIA -ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR -FURTO DO VEÍCULO -INADIMPLÊNCIA DE PARCELA -SUSPENSÃO OU CANCELAMENTO AUTOMÁTICO DA COBERTURA -IMPOSSIBILIDADE - NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DO ASSOCIADO -MORA NÃO CONSTITUÍDA - PRECEDENTES DO STJ -PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO CONTRATADA - OBRIGAÇÃO QUE SE IMPÕE. - O Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou seu entendimento no sentido de que o atraso no pagamento das parcelas do contrato de seguro não implica em suspensão ou cancelamento automático do que fora pactuado.-' Súmula 616: A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro'. -O atraso no pagamento da parcela do seguro não enseja automaticamente o cancelamento do contrato, devendo haver a prévia notificação do segurado acerca do inadimplemento, lhe oportunizando a regularização da obrigação.- Restando contratado o decote do valor correspondente à Contribuição Obrigatória, justifica-se a alteração da sentença para que prevaleça o que foi previamente estabelecido entre as partes" (e-STJ fl. 370).

...

3. Agravo interno a que se nega provimento"( AgInt no AREsp XXXXX/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, julgado em 4/10/2016, DJe 7/10/2016).

Ante o exposto, conheço do agravo para negar provimento ao recurso especial.

Na origem, os honorários sucumbenciais foram fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, os quais devem ser majorados para 12% (doze por cento) em favor do advogado da parte recorrida, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015, observado o benefício da gratuidade da justiça, se for o caso.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 15 de março de 2022.

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

( AREsp n. 2.024.083, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 30/03/2022.) TJSC-0277814)

3- Dispositivo

Diante do exposto, e por tudo que dos autos consta, com base no art. 267, VI, e art.

269, I, do CPC, resolvo a lide julgando procedente em parte o pedido da autora ALESSANDRA DA SILVA, condenando a ré AUTO CLUBE DE BENEFÍCIOS VIP ao pagamento do valor previsto na apólice para cobertura do sinistro, fazendo-se a ressalva da possibilidade de descontos pela ré quanto aos débitos da consumidora previstos no contrato (prêmio, franquia e outros). Juros de mora de 1% a.m desde a citação e correção monetária pela Tabela do Encoge, desde a ocorrência do sinistro até a data do pagamento. Julgo improcedente o pedido de reparação moral.

Sucumbência recíproca, condeno ambas ao pagamento das custas, sendo 50% para cada uma, e honorários advocatícios, estes em 15% do valor da condenação, a serem pagos ao advogado d aparte contrária, sem direito a compensação, com base no art. 85, § 2, do CPC. Aplico à autora o art. 98, § 3º, do CPC.

Remetam-se os autos ao Contador Judicial para cálculo das custas processuais, intimando-se para pagamento a parte não isenta, no prazo de 15 dias, alertando-se a ré para eventual cadastro negativo.

P. R. I. Após o trânsito, não havendo pagamento das custas no prazo fixado, cumpra- se em conformidade com o art. 3º, incisos I e II, do Provimento n.º 003/2022-CM, de 10/03/2022, atentando-se, ainda, ao que prevê o § 2º do mesmo dispositivo, quanto à competência para informação junto ao SERASAJUD.

Considerando os termos do art. 1.010, § 3º, do NCPC, no caso de eventual interposição de apelação, fica a Diretoria Cível autorizada a expedir os atos ordinatórios necessários, nos termos dos §§ 1º e 2º do aludido dispositivo, inclusive quanto à remessa dos autos à Egrégia Câmara Regional de Caruaru.

Havendo pagamento espontâneo da condenação, expeça-se alvarás e arquive-se.

Caruaru, 21 de junho de 2022.

Maria Magdala Sette de Barros

Juíza de Direito

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pe/1658666448/inteiro-teor-1658666455