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16 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Usucapião • Usucapião Extraordinária • XXXXX-62.2018.8.26.0114 • 1ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 3 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Vara Cível

Assuntos

Usucapião Extraordinária

Juiz

Euzy Lopes Feijó Liberatti

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teor86177908%20-%20Julgado%20Improcedente%20o%20Pedido%20e%20Procedente%20em%20Parte%20o%20Pedido%20Contraposto.pdf
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SENTENÇA

Processo Digital nº: XXXXX-62.2018.8.26.0114

Classe - Assunto Usucapião - Usucapião Extraordinária

Requerente: Domingos Ribeiro de Carvalho

Requerido: Percilia Melotti Breshak

Prioridade Idoso

Justiça Gratuita

Juiz (a) de Direito: Dr (a). ANDRE PEREIRA DE SOUZA

Vistos.

Trata-se de ação de usucapião extraordinária proposta por DOMINGOS RIBEIRO DE CARVALHO em face de PERCILIA MELOTTI BRESHAK, . Sustenta, em síntese, ser pedreiro, e que em meados do ano de 1995 efetuou uma construção para Thomaz Breschak, parente da requerida, e o serviço não foi pago, motivo pelo qual, Thomaz deu como pagamento o imóvel descrito na inicial. A dívida era, na época, de R$ 20.000,00, e, após o acordo verbal de transferência de propriedade, Thomaz informou que viajaria par ao exterior, e tão logo retornasse, procederia à transferência e registro do bem em nome do autor, no entanto, não houve mais contato entre os contratantes. Assevera, ainda que edificou sua residência, fixou sua morada e passou a viver no imóvel indicado na inicial, construindo aos poucos com o que restava das obras que fazia para terceiros. Descobriu, no entanto, que Thomaz havia transferido o imóvel para a requerida, um ano após as tratativas, em prejuízo ao autor. Afirma, por fim, que exerce a posse, mansa e pacífica do bem, há aproximadamente 23 anos, e pretende o reconhecimento da prescrição aquisitiva. Com a inicial vieram os documentos de fls. 05/09.

À parte autora foram concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.

Citada para os termos da demanda, a requerida apresentou a contestação de fls. 101/115, na qual impugna a pretensão do autor, e requer a improcedência da ação. Formula reconvenção, na qual postula o pagamento de reparação de danos materiais, decorrente da ocupação indevida do imóvel, além da reintegração de posse. Juntou os documentos de fls. 116/312.

Concedida a tutela de urgência, concedendo a reintegração do imóvel (fls. 326/327), que foi revogada, por decisão proferida pelo E. TJSP, em sede de agravo de instrumento (fls. 718/724).

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Réplica encartada às fls. 556/568.

É o relato do essencial.

Fundamento e decido.

A causa está madura para julgamento, porquanto a matéria versada nos autos é de fato e de direito, porém não há necessidade de produção de outras provas, tendo em vista que todas as provas produzidas nestes autos são bastantes para a formação da convicção deste Juízo, a ponto de possibilitar o pronto conhecimento dos pedidos na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

Alega, a parte autora, que exerce a posse mansa e pacífica do imóvel descrito na inicial, há aproximadamente 23 anos, e que o bem lhe foi entregue como forma de pagamento por serviço de pedreiro, com valor de R$ 20.000,00, no ano de 1995, por Thomaz Brechak. Alega, ainda, que desde então, estabeleceu sua residência, juntamente com sua família no local, e que, posteriormente, descobriu que um ano após oferecer a residência como forma de pagamento, Thomaz a vendeu para a requerida, Percília.

A demandada, por sua vez, em sua contestação, assevera que o autor sempre fez pequenos trabalhos de pedreiro para seu genro, Thomaz, e que, por ser empreiteiro, e ter vários peões de obra, era autorizado, por vezes, por Thomaz, para utilizar o imóvel indicado na inicial, que não havia sido finalizado, por falta de dinheiro, para que seus funcionários pudessem permanecer por breves períodos, quando realizavam obras na região.

Assevera, ainda, que como Thomaz não tinha dinheiro para terminar a obra no imóvel indicado na inicial, foi por ela adquirido, e que, somente em 2017, quando tentou vender o imóvel, ao retirar o tapume, verificou que havia pessoas em seu interior, informando serem funcionárias do autor.

Como não conseguiu solucionar amigavelmente a situação, ingressou com uma notificação extrajudicial, visando a reintegração de posse do imóvel, e, posteriormente, o autor ingressou com a presente demanda.

Necessário consignar que os pressupostos da usucapião extraordinária são: coisa hábil ou suscetível de usucapião, posse, decurso do tempo, justo título e boa-fé.

Os três primeiros são indispensáveis e exigidos em todas as espécies de usucapião. O justo título e a boa-fé somente são reclamados na usucapião ordinária.

Em primeiro lugar, é necessário verificar se o bem que se pretende usucapir é suscetível de prescrição aquisitiva, pois nem todos se sujeitam a ela, como os bens fora do comércio e os bens públicos.

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Além disso, a posse é fundamental para a configuração da prescrição aquisitiva.

Mas não é qualquer espécie de posse, contudo, que pode conduzir à usucapião. Exige o ordenamento jurídico que se revista de certas características.

Posse ad usucapionem é a que contém os requisitos exigidos pelos artigos 1.238 a 1.242 do atual Código Civil, sendo o primeiro deles o ânimo de dono ( animus domini ou animus rem sibi habendi ).

O segundo requisito da posse ad usucapionem é que seja mansa e pacífica, isto é, exercida sem oposição. Se o possuidor não é molestado, durante todo o tempo estabelecido na lei, diz-se que a sua posse é mansa e pacífica.

Conhecidamente, há, no que se refere a posse, duas teorias, a subjetiva, ou clássica, elaborada por Friedich Karl Von Savigny, segundo a qual, a posse seria o poder que o titular tem de dispor materialmente de uma coisa, demonstrando a intenção de tê-la sob seu domínio, ou defendê-la contra qualquer intervenção de terceiros. Já segundo a teoria objetiva, elaborada por Rudolf Von Ihering, a posse é o poder de fato e a propriedade, o poder de direito sobre a coisa.

Ao analisar o artigo 1196, do Código Civil, que dispõe que "considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade", é possível identificar que o legislador civil filiou-se à teoria objetiva, e, no que tange à usucapião, como modo aquisitivo da propriedade, cedeu à teoria subjetiva.

E a fundamental diferença entre as duas concepções, subjetiva e objetiva, se encontra na conceituação de detenção.

"Ensina José Carlos Moreira Alves que ao contrário da teoria subjetiva, que parte da detenção para chegar à posse, a teoria objetiva de Ihering parte desta para chegar àquela, mas entende que certas relações que preenchem os requisitos possessórios são excluídas do mundo da posse por um fato externo, que se traduz em um dispositivo legal. Posse e detenção não se distinguem por um elemento volitivo como defendia Savigny, pois mesmo o detentor teria animus, só lhe sendo recusada a condição de possuidor em razão de um critério objetivo.

Ao analisar, detidamente, todas as provas documentais produzidas nestes autos, verifico que o autor, a despeito das alegações versadas na inicial, não conseguiu comprovar o exercício da posse sobre o bem sobre o prazo necessário ao reconhecimento da prescrição aquisitiva.

Sim, porque a demandada comprovou, documentalmente, que ingressou com notificação judicial, contra o autor, protocolizada em 22/03/2018 (fls. 150/153), ou seja, seis

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meses antes da propositura da presente demanda.

Importante consignar que a referida ação foi proposta na comarca de Hortolândia, local em que o autor, residia, tanto que, segundo à certidão de fl. 193, emitida por Oficial de justiça, em 15/10/2018, o autor foi notificado no endereço indicado na inicial, ou seja, rua Joaquim da Paz, 45, Jardim Nossa Senhora Auxiliadora, Hortolândia (fl. 192). Inclusive, o sr. Oficial de Justiça consignou na certidão que entregou a"contra fé e acolhendo nota de Elza Maria, companheira, ante a recusa do requerido"(fl. 193).

Não é só. Junta, também, a parte demandada, ação declaratória de rescisão contratual, com pedido de perdas e danos, proposta por Manuel Correia Lameira, contra o autor, ação protocolizada em 21/08/2014 (inicial às fls. 196/201), na qual, o autor apresenta contestação, indicando seu endereço, o mesmo constante da notificação judicial acima, ou seja, Rua Joaquim da Paz, 45, Jardim Auxiliadora, não só na contestação (fls. 268/289), como na procuração firmada ao seu patrono naquela demanda (fls. 292/293), e junta comprovante de endereço em nome de sua companheira, Elza Maria dos Santos Carneiro, datado de 10/02/2016 (fl. 294), a mesma que firmou a contrafé do mandado de notificação proposta pela demandada (fl. 193).

Na decisão de fls. 993/994, foi determinado ao autor que comprovasse o exercício da posse sobre o bem, pelo período indicado na inicial, por meio da juntada de contas de consumo incidentes sobre o bem.

O autor fez referencia aos documentos juntados às fls. 350/411, que referem-se a contas de consumo de energia elétrica desde 25/07/2014 (fl. 411), até o ano de 2019.

Tais contas de consumo se coadunam com os relatos levantados pelo sr. Oficial de Justiça, na certidão de fls. 1066/1067, a indicar a ocupação do bem pelo período em que houve a ligação de energia elétrica no imóvel.

O que resta claro na presente demanda, é que o autor, efetivamente exerce a posse sobre o bem, por si, ou por interposta pessoa, tendo em vista que, há outros integrantes de sua família, ou por ele autorizados, que ocupam o bem.

A posse exercida pelo autor, somente comprovada a partir do mês de julho de 2014 (fl. 411), ao menos após sua citação na ação de notificação judicial, intentada pela parte autora, em 15/10/2018 (fl. 192), passou a ser, não só injusta, mas também, de má-fé.

Assim, ainda que não se considere o fato de o próprio autor ter declarado seu endereço de residência na cidade de Hortolândia (268/289, e 292/293), em fevereiro de 2016, e o fato de ter sido o autor notificado, pessoalmente, por meio de oficial de justiça, na residência por

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ele ocupada com sua companheira, no mesmo endereço, localizado em Hortolândia, em 15 de outubro de 2018 (fl. 193), mesmo assim, desconsiderando tantos elementos que indicam que o autor não residia no imóvel descrito na inicial durante esse período, estabelecendo o início do exercício da posse, somente com base na data da primeira conta de energia elétrica por ele juntada aos autos (julho/2014), somente pode se extrair das provas produzidas nestes autos, que o autor somente exerceu a posse, por si, ou por interposta pessoa, até a sua notificação judicial, ou seja, pelo período de quatro anos, e três meses.

Logo, há provas documentais contundentes nestes autos que não deixam dúvida que o autor não exerceu a posse sobre o bem, pelo período necessário à prescrição aquisitiva.

Além disso, a posse por ele exercida, a partir de 15/10/2018, deixou de ser mansa e pacífica, portanto o referido período, até a presente data, não pode ser computada para fins de reconhecimento do domínio pelo instituto da usucapião, pela ausência de caracterização de seu elemento essencial. A partir da referida data a posse não só prosseguia de forma injusta, mas também sem os requisitos da mansidão e pacificidade. E ainda que fosse computada, tampouco alcançaria o prazo de quinze anos.

Verifico, portanto, que a parte autora não possui requisitos essenciais à aquisição da propriedade pretendida pela usucapião, a posse, mansa e pacífica, pelo prazo de quinze anos.

Além disso, o autor não demonstrou o exercício da posse com animus domini , por não ter comprovado o pagamento de uma só parcela dos tributos incidentes sobre o bem, que vinham sendo pagos pela parte demandada.

E nesse ponto, verifico que, não só a pretensão formulada pela parte autora é improcedente, como também, a postulada em sede de reconvenção merece provimento parcial.

Sim, pois, a partir da citação do requerido para os termos do pedido reconvencional, deve arcar com as despesas decorrente da ocupação irregular do imóvel, que, no entanto deverá ser objeto de avaliação, a fim de apurar, efetivamente, o valor justo para a ocupação do bem, no estado em que se encontra, por meio de profissional técnico, e até a data da efetiva desocupação do bem, em fase de cumprimento de sentença. Também, procedente a pretensão de imissão na posse do bem pela parte reconvinte, e desocupação por parte do autor, principalmente porque há prova documental nestes autos, de que é proprietário de mais de um imóvel (fls. 959/963, 295/297) que poderá ser ocupado pelo autor.

Além disso, verifico que o comportamento apresentado pelo autor neste feito demonstra clara ofensa ao princípio da boa-fé processual.

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Tal princípio deve ser observado pelas partes envolvidas na demanda, e veda o comportamento contraditório, e a litigância temerária, que caracteriza a litigância de má-fé, e deve ser repelido pelo julgador, com a finalidade de afastar a prática que descaracterize a essência ética a ser observada no processo.

Tal conduta, qualifica-se como prática totalmente incompatível com o postulado ético jurídico da lealdade processual, e caracteriza ato de litigância maliciosa, o que legitima a imposição de multa, por deduzir pretensão contra texto expresso de lei, alterar a verdade dos fatos, usar do processo para conseguir objetivo ilegal (artigo 80, I, II, III, do Código de Processo Civil).

E a multa constante do artigo 81, do Código de Processo Civil deve ser aplicada em nove por cento sobre o valor atualizado da causa, em favor do requerido, além de indenizar o a autora por todos os prejuízos experimentados por Percília Melotti Breshak, em razão da demanda, inclusive, honorários advocatícios contratuais.

Além disso, levando em consideração o fato de que o autor se utilizou do Poder Judiciário para tentar obter vantagem ilícita, não pode fazer jus aos benefícios da assistência judiciária gratuita, anteriormente a ela concedidos, pois não se pode conceber que o Poder Judiciário sirva como instrumento da prática de atos ilícitos, gratuitamente.

Assim, revogo o benefício da assistência judiciária gratuita anteriormente concedido ao autor, nos termos do artigo 81, caput, do CPC.

Ante o exposto, e pelo que mais dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido contido na inicial, e, PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão formulada em sede de reconvenção, e extinto o feito, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para:

1. Condenar o autor ao pagamento de reparação de danos materiais, decorrente da ocupação irregular do bem, a contar de 07/08/2019 (fl. 328), nos termos da fundamentação desta sentença, a ser apurado em sede de cumprimento de sentença;

2. Condenar o autor à obrigação de fazer, consistente na desocupação do imóvel descrito na inicial , de forma voluntária, no prazo máximo de quinze dias.

3. Condenar a parte autora na pena de litigância de má-fé, a qual fixo em 9% (nove por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 81, caput , e 80, I, II, e III, do Código de Processo Civil, mais reparação de todos os danos materiais experimentados pela parte demandada na presente demanda, inclusive, as despesas

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relativas aos honorários advocatícios contratuais, a ser apurada em sede de cumprimento de sentença, nos termos do artigo 81, § 3º, do CPC.

4. Concedo, nos termos do artigo 300, do Código de Processo Civil, tutela de urgência consistente na imissão na posse do imóvel , por Percília Melotti Breshak, assim que ultrapassado o prazo de quinze dias, a contar da data da publicação desta sentença, prazo concedido para a desocupação voluntária do imóvel por parte do autor.

Caso não observado o prazo de quinze dias, defiro desde já a expedição de mandado de desocupação forçada do bem, e a critério do sr. Oficial de Justiça, com reforço policial, mediante simples peticionamento, indicando o descumprimento da ordem.

Condeno, ainda, diante da sucumbência, a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, tendo em vista a cassação dos benefícios da assistência judiciária gratuita anteriormente concedida , referente à ação principal, e reconvenção, além da verba honorária, que fixo em 20% sobre o valor atribuído à causa principal, e também sobre o valor atribuído à reconvenção, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

P.I.

Campinas, 02 de julho de 2021.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,

CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

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