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É possível desconstituir a "adoção à brasileira" para constar o nome do pai biológico no registro de nascimento? Veja o entendimento do STJ
Segundo decidiu recentemente o STJ, o filho tem direito de desconstituir a denominada "adoção à brasileira" para fazer constar o nome de seu pai biológico em seu registro de nascimento, ainda que preexista vínculo socioafetivo de filiação com o pai registral.
Neste sentido - STJ. 3ª Turma. REsp 1.417.598-CE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 17/12/2015 (Info 577).
NOÇÕES GERAIS SOBRE ADOÇÃO À BRASILEIRA
- O que é a chamada “adoção à brasileira”?
“Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem ou a mulher declara, para fins de registro civil, um menor como sendo seu filho biológico, sem que isso seja verdade. Exemplo: Carla tinha um namorado (Bruno), tendo ficado grávida desse rapaz. Ao contar a Bruno sobre a gravidez, este achou que era muito novo para ser pai e “sumiu”, não deixando paradeiro conhecido. Três meses depois, Carla decide se reconciliar com André, seu antigo noivo, que promete à amada que irá se casar com ela e “assumir” o nascituro. No dia em que nasce a criança, André vai até o registro civil de pessoas naturais e, de posse da DNV (declaração de nascido vivo) fornecida pela maternidade, declara que o menor recém-nascido (Vitor) é seu filho e de Carla, sendo o registro de nascimento lavrado nesses termos.
- A “adoção à brasileira” é permitida?
NÃO. Formalmente, esta conduta é até mesmo prevista como crime pelo Código Penal:
Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido
Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena — reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único — Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena — detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.
Vale ressaltar, entretanto, que, na prática, dificilmente alguém é condenado ou recebe pena por conta desse delito. Isso porque, no caso concreto, poderá o juiz reconhecer a existência de erro de proibição ou, então, aplicar o perdão judicial previsto no parágrafo único do art. 242 do CP.
É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta porque, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode ela ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças.
Caso o pai registral se arrependa da “adoção à brasileira” realizada, ele poderá pleitear a sua anulação? E no caso, o filho registrado indevidamente tem o direito de ter reconhecido como pai o seu genitor biológico?
SITUAÇÃO 1: PAI REGISTRAL QUER ANULAR O REGISTRO
Voltando ao exemplo dado acima, imagine que, depois de alguns anos, André (o pai registral) termina seu relacionamento com Carla. Com raiva, ele procura um advogado pretendendo o reconhecimento judicial de que ele não é o pai de Vitor.
Qual a ação que deverá ser proposta pelo advogado de André? Ação negatória de paternidade cumulada com nulidade do registro civil.
Contra quem a ação é proposta? Contra Vitor (não é proposta em face da mãe de Vitor).
- Se Vitor for menor, será assistido (entre 16 e 18 anos) ou representado (menor de 16 anos) por sua mãe.
- Se Vitor já for falecido, a ação será ajuizada contra seus herdeiros.
Não havendo herdeiros conhecidos (lembre-se que a sua mãe é herdeira), André deverá pedir a citação por edital de eventuais interessados. Qual é o prazo desta ação? É imprescritível (art. 1.601 do CC).
Onde esta ação deverá ser proposta (de quem é a competência)? No foro da comarca onde reside o réu (Vitor), mais especificamente na vara de família (não deve ser ajuizada na vara de registros públicos).
Participação do Ministério Público: se o filho for menor de 18 anos, o Ministério Público atuará como fiscal da ordem jurídica (custos legis), considerando que se trata de processo que envolve interesse de incapaz (art. 178, II, do CPC 2015).
Provas produzidas: atualmente, a principal prova produzida nestas ações é o exame pericial de DNA.
Se o exame de DNA provar que Vitor não é filho biológico de André, o juiz terá que, obrigatoriamente, julgar procedente o pedido, declarar/desconstituir a paternidade e anular o registro? NÃO. O pai que questiona a paternidade de seu filho registral (não biológico), que ele próprio registrou conscientemente, está violando a boa-fé objetiva, mais especificamente a regra da venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório).
Para que seja possível a anulação do registro, é indispensável que fique provado que o pai registrou o filho enganado (induzido em erro), ou seja, é imprescindível que tenha havido vício de consentimento:
(...) O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento; não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade, em que o próprio pai manifestou que sabia perfeitamente não haver vínculo biológico entre ele e o menor e, mesmo assim, reconheceu-o como seu filho. (...) (STJ. 3ª Turma. REsp 1229044/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/06/2013).
SITUAÇÃO 2: FILHO DESEJA QUE SEJA RECONHECIDO SEU PAI BIOLÓGICO
Imagine agora que Vitor, já maior, descubra que André não é seu pai biológico, mas sim Bruno. Vitor ajuíza ação de reconhecimento de paternidade cumulada com nulidade do registro contra Bruno e André.
- A ação terá êxito segundo o entendimento do STJ?
SIM. É possível o reconhecimento da paternidade biológica e a anulação do registro de nascimento na hipótese em que pleiteados pelo filho adotado conforme prática conhecida como “adoção à brasileira”.
O direito da pessoa ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética insere-se nos atributos da própria personalidade. O direito do filho de buscar o reconhecimento do estado biológico de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica (STJ. REsp 833.712/RS).
A prática conhecida como “adoção à brasileira”, ao contrário da adoção legal, não tem a aptidão de romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de desfazer o liame jurídico advindo do registro ilegalmente levado a efeito, restaurando-se, por conseguinte, todos os consectários legais da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditários.
- A ação será julgada procedente e o registro será anulado mesmo que tenha se estabelecido uma relação socioafetiva entre Vítor e André?
SIM. O STJ entende que, mesmo que o filho tenha sido acolhido e tenha usufruído de uma relação socioafetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico (REsp 833.712/RS).
Dessa forma, a filiação socioafetiva desenvolvida com o pai registral não afasta o direito do filho de ver reconhecida a sua filiação biológica.
Portanto, o filho tem direito de desconstituir a denominada "adoção à brasileira" para fazer constar o nome de seu pai biológico em seu registro de nascimento, ainda que preexista vínculo socioafetivo de filiação com o pai registral.
7 Comentários
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E quando uma mulher casada tem um caso com outro homem ficando grávida deste, mas ela e o marido registram a criança sabendo ser filho do amante e contra a vontade do amante? continuar lendo
Filhos nascidos sob o regime de casamento são supostos como legítimos. continuar lendo
Belo artigo, parabéns ! continuar lendo
o filho só pode entrar com ação de reconhecimento de paternidade biológica, se for maior de 18
anos ou se for menor de 18 pode por meio de representação solicitar o reconhecimento de paternidade ? continuar lendo
otima decisao pois o filho tem direito de saber quem e o seu pai biologico e se for o caso pleitear em Juízo a nulidade da adocao e ir morar junto de seu pai biologico. continuar lendo