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1 de Maio de 2024

STF Set22 - Busca e Apreensão Escritório de Advocacia - Nulidade das Provas Obtidas contra o Advogado

há 2 anos

Inteiro Teor

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 169.505 PA RANÁ

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

AGTE.(S) : ADRIANO DUTRA EMERICK

ADV.(A/S) : DANIEL LAUFER E OUTRO (A/S)

AGDO.(A/S) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de agravo regimental interposto em face de decisão monocrática por meio da qual neguei seguimento à impetração.

A decisão tem o seguinte teor:

"Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão, proferida no âmbito do STJ, assim ementada:

"HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

1. O fato de se autorizar a busca e apreensão em escritório de advocacia não significa a criminalização de tal atividade profissional. Evidentemente que não é pelo fato de prestar algum tipo de assessoria, de aconselhamento, ou de realizar atos de natureza profissional a favor de pessoas envolvidas em práticas ilícitas, por si só, que justifica a medida em comento.

2. Segundo delineado nos autos, são investigados supostos delitos perpetrados no âmbito da Câmara Legislativa, com o envolvimento de vereadores e possível participação de advogados , em atuação não necessariamente ligada à sua atividade profissional, mas como pessoas que se locupletariam, em tese, das práticas ilícitas apuradas.

3. Demonstrados indícios suficientes de envolvimento em esquema criminoso - como na hipótese -, é válida a determinação de medidas tendentes à obtenção de prova cautelar mais robusta para formar a opinio delicti do Ministério Público, que é o titular da ação penal e, por isso mesmo, a autoridade a quem cabe dizer se o lastro probatório é suficiente ou não para iniciar a ação penal.

4. No requerimento do Ministério Público se percebe a

intenção de que, ao determinar-se a busca e apreensão, o Juízo asseguraria a preservação da prova, que poderia se desfazer ou ser, de alguma forma, suprimida, diante do cumprimento do mandado de prisão de corréus, a partir do que haveria a possibilidade de ocultação de provas.

5. Assim, evidencia-se a existência de justa causa - indícios mínimos - a dar lastro legal para a providência gravosa, de natureza cautelar.

6. Quanto à alegação de haver sido expedido mandado genérico para o cumprimento da diligência, como bem ressaltado pelo Ministério Público Federal, não é possível delimitar, ao autorizar a medida em comento, exatamente quais os elementos que serão encontrados. De todo modo, o documento lavrado especifica os tipos de bens que poderiam ser apreendidos - computadores, arquivos de vídeo e de áudio, notebooks, celulares -, com a ressalva de que deveriam estar relacionados com a participação nos crimes objeto das investigações. A medida foi cumprida na presença de um profissional da advocacia, circunstância que reforça a conclusão de que os requisitos legais foram observados na sua totalidade.

7. Ordem denegada."

( HC 463.568/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 18/03/2019, grifei)

Aduz o impetrante que:

a) tramita em primeiro grau investigação direcionada à apuração de" eventuais crimes contra Administração Pública de Antonina/PR, envolvendo o ex-Prefeito de Antonina, Câmara de Vereadores, ex-Diretor da Autoridade Portuária Paranaguá e Antonina - APPA e o proprietário do Terminal Portuário Ponta do Félix ";

b) o paciente, que é advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB, foi destinatário de mandado de busca e apreensão, tendo sido deferida diligência a ser cumprida em escritório de advocacia;

c) a defesa não questiona a viabilidade normativa e abstrata da expedição de mandado de busca e apreensão a ser cumprido em escritório de advocacia;

d) impugna, em verdade, a alegada insuficiência de fundamentação da decisão que deferiu a medida, bem como a cogitada ausência de delimitação pormenorizada dos bens suscetíveis de busca e apreensão;

e) sublinha que a medida" culminou na apreensão de mais de 1 TB (um terabyte) de arquivos do escritório EMERICK & MEDEIROS ADVOGADOS ASSOCIADOS ", circunstância a ilustrar o gravame acarretado aos interesses tutelados pela inviolabilidade do escritório de advocacia;

e) enfatiza que" NÃO BASTA especificar os tipos de bens que poderiam ser apreendidos, é necessário a existência do nexo causal entre os fatos investigados e os objetos alcançados pela constrição ".

Diante do exposto, requer"seja o presente Habeas Corpus conhecido e integralmente provido para o fim de que a decisão recorrida seja modificada, a fim de que sejam declaradas nulas as provas obtidas a partir de decisão carente de fundamentação idônea, bem como operacionalizadas por mandado judicial amplamente genérico e irrestrito, em afronta ao disposto nos artigos , inciso XI, e 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988; 243, § 2º, do Código de Processo Penal e 7º, inciso II e § 6º, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), decretando-se a sua total e completa imprestabilidade para utilização no Procedimento Criminal nº 0001079-68.2017.8.16.0043, e em quaisquer de seus desdobramentos, sejam inquéritos policiais, procedimentos."

Foram prestadas informações pelo Juízo singular (e.doc. 12).

O Conselho Federal da OAB solicitou ingresso no feito como assistente por entender que a matéria de fundo do writ vincula-se à defesa das prerrogativas institucionais do advogado (e.doc. 14).

A PGR, em parecer, manifestou-se pela denegação da ordem (e.doc. 18).

Foram prestadas informações complementares (e.docs. 21,

23 e 24).

A defesa reiterou as razões da impetração (e.doc. 27).

É o relatório. Decido.

2. De início, cabe observar que, de fato, a Constituição da Republica (art. 5º, XI) assegura a inviolabilidade domiciliar que, sem consentimento do morador, somente cede em casos de flagrante delito ou desastre, ou ainda, durante o dia, nas hipóteses de prévia autorização judicial.

Com efeito, a inviolabilidade domiciliar é bem ilustrada pela expressão my home is my castle, fruto de dogma característico do constitucionalismo inglês, de modo que se trata de garantia vocacionada a ser exercida pelo cidadão em face de possíveis arbítrios decorrentes do poder estatal.

Acrescente-se que a inviolabilidade domiciliar também abrange locais em que, embora não destinados à moradia, sejam exercidas atividades profissionais, conforme se extrai do art. 150, § 4º, do Código Penal.

Mais especificamente no campo do exercício da advocacia, atividade essencial à administração da justiça (art. 133, CRFB), a proteção é densificada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil:

"Art. 7º São direitos do advogado:

(...)

II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;"

A própria Lei n. 8.906/94, por sua vez, preceitua exceções à regra geral que consagra a inviolabilidade do escritório de advocacia. Confira-se:

"§ 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado , a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo , em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

§ 7º A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade."

Como se vê, a inviolabilidade do advogado não é absoluta, notadamente nos casos em que os fatos objeto de apuração não se limitariam ao regular exercício da profissão.

Nesse sentido, como, aliás, expressamente reconhece a defesa, a insurgência não se dirige à viabilidade normativa de busca e apreensão a ser realizada em escritório de advocacia.

O que se perquire, portanto, é a existência de motivação adequada para legitimar a expedição de mandado de busca e apreensão, bem como da higidez da limitação dos bens suscetíveis de arrecadação pelos órgãos de persecução, circunstâncias que passo a examinar.

3. Para tanto, em um primeiro momento, contextualizo as investigações subjacentes, na medida em que a possível indicação de prática de crime por parte de advogado constitui elemento decisivo ao desate da matéria.

Consta das informações fornecidas pelo Ministério Público (e.doc. 21) que medidas investigatórias realizadas na"residência do ex-Prefeito Municipal, João Ubirajara Lopes, trouxeram indícios robustos de que durante o seu mandado como Prefeito Municipal de Antonina, entre os anos de 2013/2016, o ex-Prefeito associou-se ao seu Secretário Municipal de Obras; aos Procuradores do Municípios; ao seu assessor pessoal e aos Vereadores para a prática de crimes de corrupção ativa e passiva que tinham como finalidade garantir que o então Prefeito obtivesse a maioria dos votos da Casa Legislativa em assuntos de seu interesse pessoal e de interesses do Poder Executivo ".

Em síntese, narra-se a ocorrência de pagamentos periódicos de valores em favor de agentes públicos a fim de angariar aprovação de proposições legislativas.

Consignou-se, nesse sentido, a apreensão de vídeos, sendo que em um deles teria se registrado" a entrada do ex-Vereador Cesar Luis Cordeiro e a aparição do assessor do ex-Prefeito Herzon Cecin Duarte Valente, momento em que Fabrício [ex-Procurador Municipal] abre um envelope com dinheiro e o entrega para os ex- Vereadores, que logo saem do quarto ".

É nesse suposto contexto que se afirma que"entre os meses de novembro e dezembro de 2016, Luiz Carlos de Souza ex-Diretor da APPA (Autoridade Portuária de Paranaguá e Antonina), Rafael Moura,"Raposão", e 7fabfc1 , Diretor Presidente do TPPF (Terminal Portuário da Ponta do Félix), ofereceram vantagem indevida a João Ubirajara Lopes, então Prefeito de Antonina, consistente na oferta gratuita de serviços advocatícios, a fim de que omitisse a prática de ato de ofício".

Veicula-se como cogitado objetivo a edição, pelo Prefeito Municipal, de decreto que geraria a revogação da indicação de membros para instituição e composição do Conselho Municipal do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável de Antonina. Isso porque, segundo a convicção ministerial, a instituição e" formação de Conselho Municipal do Meio Ambiente - não seriam boas para os projetos e atividades do Terminal Portuário Ponta do Félix e da empresa Interbulk S/A , das quais o sócio majoritário é a1b2edd7 . "

Enfatize-se que ADRIANO DUTRA EMERICK, advogado ora paciente, também atuaria como sócio- administrador da empresa Interbulk S/A , supostamente beneficiada pela solicitação dirigida ao agente público municipal.

Além do repasse de outras vantagens indevidas, aponta o

Ministério Público que a solicitação geraria como contraprestação o fornecimento de serviços advocatícios que seriam realizados pelo escritório Emerick & Medeiros Advogados, local de cumprimento de mandado de busca e apreensão. Ou seja, o próprio objeto material da suposta vantagem indevida consistiria em atividade a ser realizada pelo escritório do paciente.

Mais do isso, adiciona o Ministério Público que detinha"informações de que a suposta atuação indevida mantida pelos investigados se dava, inclusive, mediante a utilização de seus diversos empreendimentos e estabelecimentos profissionais, dentre os quais o escritório de advocacia Emerick & Medeiros Advogados, mantido pelo ora paciente ADRIANO DUTRA EMERICK , que servia como representante de parte dos demais requeridos em suas práticas e, especialmente, fazia de sua sede um possível centro de reuniões para os supostos planos ilícitos do grupo".

Sublinha ainda que, em"10 de janeiro de 2017, a minuta de uma nova Lei Municipal de criação da Conferência Municipal do Meio Ambiente é encaminhada pelo pelo atual Procurador do Município, Denis Rafael Ramos, a Adriano Dutra Emerick".

Esse cenário sinalizaria que a atuação do advogado se verificaria durante o percurso do iter criminis, não se limitando a ações defensivas posteriores à consumação da suposta infração penal.

Frisa-se também que, mediante pagamento de vantagens indevidas, teria sido encaminhado o"Projeto de Lei nº 50/2013, que determinava a desafetação das ruas do imóvel doado irregularmente pelo Município de Antonina à empresa Interbulk S/A".

Questiona-se ainda a concessão de licenças ambientais em favor da empresa Interbulk S/A. Aponta-se que requerimento de supressão de vegetação havia sido negado pelo IBAMA, mas, em seguida, teria sido admitido pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), circunstância que teria gerado danos à Mata Atlântica. Aponta-se que a licença teria sido concedida por" servidor sem habilitação legal "e, mesmo assim, o desmatamento teria ocorrido de modo incompatível com a licença irregularmente implementada.

Ou seja, noticia-se uma série de atos tidos como irregulares praticados em favor da empresa Interbulk S/A, administrada pelo paciente, e que, em tese, teriam sido perpetrados mediante desvios funcionais de agentes públicos.

Diante desse contexto fático, foi deferida a busca e apreensão em endereço residencial e profissional do ora paciente . Vale dizer, há medida gravosa explícita deferida em face do paciente e em local que não se questiona do exercício de advocacia, cenário a robustecer o indicativo de que o paciente figurava como potencial coautor ou partícipe dos fatos objeto de apuração.

Ademais, dentre os diversos procedimentos instaurados, menciona-se a formalização da Ação Penal nº 1890- 28.2017.8.16.0043, movida também contra o ora paciente.

Esse contexto bem retrata o fato de que o paciente era efetivamente sujeito passivo da investigação, de modo que não se questiona o direcionamento de medidas investigativas com a finalidade de elucidar fatos limitados ao regular exercício da advocacia. Em outras palavras, não há indicação de que a busca e apreensão, por exemplo, teria sido empregada com o intuito de alcançar fatos atinentes ao regular exercício profissional.

Acerca da viabilidade de busca e apreensão em escritório de advocacia na hipótese em que o advogado figura como investigado, já decidiu esta Suprema Corte:

"O sigilo profissional constitucionalmente determinado não exclui a possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia . O local de trabalho do advogado, desde que este seja investigado, pode ser alvo de busca e apreensão , observando-se os limites impostos pela autoridade judicial."( HC 91610, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010, grifei)

Ainda no sentido da relatividade do sigilo profissional, sobretudo quando presente suspeita de prática delituosa por parte de advogado, confira-se o seguinte precedente do Tribunal Pleno, em que se admitiu ingresso em domicílio até mesmo em horário noturno, em hipótese que, para parte da doutrina, configuraria casos de ponderação entre regras:

"PROVA. Criminal. Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno, para instalação de equipamento. Medidas autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não caracterização. Suspeita grave da prática de crime por advogado, no escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Situação não acobertada pela inviolabilidade constitucional. Inteligência do art. , X e XI, da CF, art. 150, § 4º, III, do CP, e art. , II, da Lei nº 8.906/94. Preliminar rejeitada. Votos vencidos. Não opera a inviolabilidade do escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão."( Inq 2424, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2008, grifei)

Em suma, a racionalidade da jurisprudência da Corte construiu-se no sentido de que a imunidade profissional funciona como instrumento de salvaguarda do exercício do direito de defesa. Assim, não cabe ao Estado o deferimento de medida de busca e apreensão para o fim devassar informações sigilosas de interesse dos clientes de advogados.

Nada obstante, essa inviolabilidade, a teor do estabelecido na Lei n. 8.906/94, é limitada quando o próprio advogado é o investigado, ou ainda nos casos em que os clientes são investigados como coautores ou partícipes de infrações vinculadas ao profissional.

Isso porque, naturalmente, o sigilo profissional se presta a

assegurar o exercício do direito de defesa, não tendo como vocação a proteção da prática de ilícitos.

4. Feita essa contextualização, observo que a busca e apreensão foi judicialmente autorizada de forma regularmente fundamentada. Ademais, inexiste indevida ausência de delimitação do escopo da medida que possa vulnerar a higidez da diligência.

4.1. No que toca à motivação da decisão, cabe salientar que esta Corte já assentou que a busca e apreensão a ser judicialmente autorizada supõe a existência de elementos concretos que a justifiquem:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO. ART. 240 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DECISÃO JUDICIAL. FUNDADAS RAZÕES. NECESSIDADE DA MEDIDA. 1. Esta Corte já se posicionou acerca da legalidade da medida cautelar de busca e apreensão quando imprescindíveis às investigações e condicionadas à existência de elementos concretos que justifiquem sua necessidade e à autorização judicial. Precedentes. 2. Decisão judicial devidamente fundamentada e em consonância com o art. 240 do CPP. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento"( RHC 117039-SP, Relatora a Ministra Rosa Weber, Dje 18.12.2013, grifei)

Esse requisito, a meu ver, está adequadamente delineado pelo cenário processual já descrito, notadamente em razão das especificidades dos fatos objeto de apuração e pela indicação de atuação do paciente.

A decisão judicial, por exemplo, menciona os diversos fatos objeto de elucidação. Acrescenta os indícios de atuação do paciente, inclusive em aparente conluio com terceiros que não teriam defesa patrocinada pelo paciente. Aduz que o escritório funcionaria como sede de reunião do grupo tido como criminoso, bem como que o paciente teria constituído pessoa jurídica na companhia de outro investigado, a indicar certa intensidade da relação entre ambos.

Mais do que isso, a decisão indica que o investigado RAFAEL DE MOURA, segundo elementos probatórios, também integraria"o conjunto de membros do escritório de advocacia Emerick & Medeiros", atmosfera a evidenciar que não apenas o paciente, mas outro investigado, também, em tese, teria feito uso do escritório como instrumento da prática de ilícitos. RAFAEL, a propósito, teve sua prisão temporária decretada.

No ponto específico do exame da busca e apreensão requerida, a decisão salienta, com base em informações probatórias, que"a suposta atuação ilícita seria prática intrínseca à atuação profissional dos investigados". Quanto à participação do paciente, apontou-se:

"No que tange à atuação do advogado ADRIANO DUTRA EMERICK , conclui-se, dos relatos testemunhais, das mensagens constantes do aparelho celular do ex-prefeito e das interceptações telefônicas, que ele realiza aparente representação jurídica do investigado a1b2edd7 , mas também auxiliaria nas ofertas indevidas, cedendo seu escritório ao grupo para reuniões com fins ilícitos , de modo que estaria assim vinculado a todos os demais suspeitos nas práticas em questão.

O ex-prefeito municipal disse que ADRIANO DUTRA EMERICK teria cedido seu escritório para que fosse realizada a apresentação do projeto de lei de incentivo à atividade industrial de Antonina na presença a1b2edd7 e LUIZ CARLOS DE SOUZA, projeto este que beneficiaria diretamente ao Terminal Portuário Ponta do Félix, mas que, uma vez vetado pelo ex-gestor municipal, culminou com o corte do suposto "mensalinho" pago por LUIZ CARLOS DE SOUZA.

Além disso, ADRIANO DUTRA EMERICK seria o

responsável por prestar os serviços jurídicos indevidamente ofertados por RAFAEL DE MOURA, a1b2edd7 e LUIZ CARLOS DE SOUZA em troca da omissão do ex-prefeito na criação do Conselho Municipal do Meio Ambiente , a fim de beneficiar investimentos portuários de interesse destes últimos.

A vinculação deste investigado à atuação do grupo desponta também de sua relação mantida com o investigado RAFAEL DE MOURA , o qual embora não integre o quadro social do escritório mantido por aquele primeiro habitualmente frequenta as instalações do referido empreendimento e é reconhecido, inclusive pelos funcionários do local, como um membro do grupo de advogados , o que demonstra que agiriam de maneira articulada, em grupo.

Os investigados, pelo que se interceptou, continuam a agir e a se encontrar de maneira habitual com aparentes fins ilícitos.

Colheu-se dos relatórios elaborados pelo GAECO, dos diálogos extraídos do celular do ex-prefeito municipal e do teor das interceptações telefônicas que os endereços utilizados pelos investigados para se encontrarem e aparentemente se organizarem para planejar ações, em tese, ilícitas, continuam a ser aqueles correspondentes ao escritório de advocacia Emerick & Medeiros , representante de a1b2edd7 e aparente ambiente de trabalho do investigado RAFAEL DE MOURA, a sede da empresa Sul Participações e do Terminal Portuário Ponta do Félix, locais de trabalho de a1b2edd7 e também ambiente de livre acesso e circulação dos demais.

Conforme relatos formulados por João Ubirajara Lopes, o escritório de advocacia Emerick & Medeiros foi o endereço escolhido por LUIZ CARLOS DE SOUZA e a1b2edd7 para a apresentação do projeto de lei de incentivo à atividade industrial de Antonina, que, uma vez negado pelo ex-gestor municipal, gerou o encerramento de verbas indevidamente pagas por aqueles dois investigados.

Do mesmo modo, é extraído dos relatórios de investigação

de nº 57/2017 e 64/2017, que as instalações do referido escritório continuam a servir de local habitual para os investigados LUIZ CARLOS DE SOUZA e a1b2edd7 firmarem reuniões, a fim de obstaculizarem investigações e ocultar suas práticas ilícitas.

Não se pode desconsiderar, de mais a mais, que aquele escritório funciona como aparente ambiente de trabalho do investigado RAFAEL DE MOURA, pois, conforme informado pelo Ministério Público (seq. 13.47, p. 44), embora não conste do quadro social do empreendimento, um dos telefones de sua empresa, a R20 Relações Públicas, corresponde ao mesmo numeral utilizado por aquele escritório de advocacia, além de que funcionários deste local também reconheceriam o suspeito como um de seus membros, inclusive atendendo telefonemas e passando recados em seu favor. Tornando ainda mais evidente tal constatação, extrai-se do Relatório 64/2017 do GAECO (seq. 13.51), inclusive mediante fotografias, que RAFAEL DE MOURA continua a frequentar as instalações daquela sociedade.

(...)

Dessa forma, enquanto verificada a utilização dos referidos locais para constantes reuniões e tratativas do grupo investigado, inclusive encontros em que se teria aparentemente planejado e perpetrado práticas ilícitas, tal como os oferecimentos de vantagens indevidas a agente político, bem como por se ter em vista a natureza dos crimes investigados, praticados de modo clandestino, em ambientes estruturalmente empresariais, é patente a probabilidade de se extraírem destes locais eventuais registros de prova.

Ainda considerando a natureza das irregularidades investigadas, as quais se instrumentalizam precipuamente mediante tratativas privadas dos envolvidos, evitando-se testemunhas, além de darem-se em meio eletrônico, por meio de registros e contatos telefônicos, de fácil ocultação ou desaparecimento, afigura-se adequada a medida de busca e apreensão pleiteada."

Além disso, esta Corte também já afirmou que a legitimidade da decisão que decreta busca e apreensão pode ser aferida de acordo com a técnica per relationem:

"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ- LA. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. VALIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE GRAVAME. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrática conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a chamada motivação per relationem como técnica de fundamentação das decisões judiciais. Precedentes. 3. Não configura ofensa ao disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal a decisão que, ao deferir busca e apreensão, de forma expressa, se reporta à representação da autoridade policial e à manifestação do Parquet , que apontaram, por meio de elementos concretos, a necessidade da diligência para a investigação. 4. Além de a decisão estar suficientemente motivada, a defesa não demonstrou prejuízo efetivo, tendo em vista que sequer indicou quais elementos colhidos na referida diligência teriam servido de substrato para a condenação. Não tendo o impetrante deduzido em que medida a decretação de invalidação poderia conduzir a desfecho diverso na ação penal, não há como reconhecer a ilegalidade invocada. 5. Agravo regimental desprovido."( HC 170762 AgR, Relator (a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 20/11/2019, grifei)

Quanto a esse ponto, registre-se que o pleito, formulado pelo Ministério Público em mais de uma centena de laudas e no qual se alicerçou a decisão judicial que decretou a busca e apreensão, também descreve com minúcias as razões que levariam à restrição à inviolabilidade domiciliar.

Como se vê, a atuação estatal se desincumbiu do ônus processual de motivar concretamente as razões que ensejariam a busca e apreensão, mencionando os indícios de participação criminosa dos advogados, bem como da utilização da sede do escritório de advocacia como local para perpetração de fatos ilícitos, cenário a conferir lastro empírico mínimo à possibilidade de colheita de provas relevantes ao descortinamento dos fatos em apuração.

4.2. Quanto à delimitação da ordem de busca e apreensão, tenho que duas perspectivas devem ser concebidas.

Em primeiro lugar, no que toca à identificação do local objeto de diligência, de fato há uma forte exigência de delimitação espacial. Isso porque esse aspecto tem relação com o próprio sujeito passivo da medida gravosa, sendo que essa identificação não exige, num primeiro olhar, relevante antecipação de juízos valorativos por parte dos órgãos encarregados da persecução penal.

Nesse sentido, por exemplo, esta Suprema Corte já considerou ilegal busca e apreensão realizada em andar diverso de edifício indicado como objeto de diligência. Trata-se do HC 106.566, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, examinado na ambiência da cognominada Operação Satiagraha.

Esse mesmo rigor, nada obstante, não é passível de integral observância no contexto de quais elementos probatórios serão arrecadados.

Vale dizer, há distinção entre a prévia identificação espacial da diligência e a delimitação objetiva do meio de obtenção de prova.

Isso porque, a meu ver, a delimitação dos objetos de arrecadação deve ser exigível de acordo com as balizas da viabilidade dessa realidade. Essa, aliás, parece ter sido a compreensão de parte dos integrantes da Segunda Turma durante o julgamento do HC 106.566.

A eminente Min. Cármen Lúcia, por exemplo, que aderiu à corrente majoritária quanto à ilegalidade da extensão da busca e apreensão para andar diverso do previamente autorizado, quanto à delimitação objetiva da arrecadação, ponderou o seguinte (grifei):

"Não há exigência de que a decisão judicial, que defere a cautelar de busca e apreensão, esmiúce quais documentos ou objetos devem ser coletados, até mesmo porque esse detalhamento somente é possível de ser implementado ao término da verificação do que foi encontrado no local em que cumprida a medida , ou do que localizado em poder do indivíduo que sofreu a busca pessoal."

Nessa linha, também já se decidiu:

"Agravo Regimental. Busca domiciliar. Apreensão de bens em poder de terceiro. Admissibilidade. Morador do mesmo imóvel, alvo da busca, em que reside um dos investigados. Necessidade da medida abranger a totalidade do imóvel, ainda que diversas suas acessões, sob pena de se frustrarem os seus fins. Indícios, ademais, de um liame entre ambos. Bens apreendidos. Ausência de sua discriminação no mandado de busca. Irrelevância . Diligência que tinha por finalidade "apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos", "descobrir objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu" e "colher qualquer elemento de convicção" (art. 240, § 1º, b, e e h, do Código de Processo Penal). Impossibilidade de indicação, ex ante , de todos os bens a serem apreendidos. Necessidade de se conferir certa margem de liberdade, no momento da diligência, à autoridade policial. Restituição de bens. Indeferimento. Objetos, componentes do corpo de delito, que têm relação com a investigação. Prova destinada ao esclarecimento dos fatos e suas circunstâncias (arts. , II e III, do Código de Processo Penal). Possibilidade, inclusive, de decretação de sua perda em favor da União. Recurso não provido.

(...)

3. É inexigível a discriminação, no mandado de busca, de todos os bens a serem apreendidos , uma vez que dele constava a determinação para "apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos", "descobrir objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu" e "colher qualquer elemento de convicção" (art. 240, § 1º, b, e e h, do Código de Processo Penal).

4. Dada a impossibilidade de indicação, ex ante , de todos os bens passíveis de apreensão no local da busca, é mister conferir-se certa discricionariedade, no momento da diligência, à autoridade policial ."(Pet 5173 AgR, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 30/09/2014, grifei)

Mais recentemente, essa compreensão foi reiterada, por maioria de votos, pela Segunda Turma.

Durante o julgamento da Rcl 33711, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/06/2019, concluiu-se pela inexigência de que conste da decisão ou do mandado a indicação textual do objeto específico a ser apreendido.

Naquela assentada, a decisão judicial questionada, de fato, não autorizava a apreensão de aparelho celular específico, cingindo-se a legitimar a arrecadação de equipamentos eletrônicos em geral, circunstância que foi tida como suficiente à observância da regularidade da diligência. Diante do exposto, ponderei:

"De fato, se formos à literalidade, a expressão"autorizo a apreensão do aparelho celular" aqui não está, mas há essa referência, e inclusive, em seguida, a própria decisão - já, aí, na folha 21 - diz: autorização de devolução de material apreendido, documentos e equipamentos eletrônicos, se, após análise, não comportarem interesse para investigação."

Comungando da percepção que explicitei naquele julgamento, o eminente Min. Ricardo Lewandowski bem observou o seguinte:

" (...) tenho a impressão de que não se pode exigir do juiz que minudencie todos os objetos que serão encontrados, eventualmente, num escritório, numa residência onde se determine a busca e apreensão, objetos de interesse do processo e, sobretudo, se contenham algum tipo de mídia eletrônica. "

A hipótese dos autos indica similitude aos precedentes oriundos desta Corte.

Com efeito, a medida de busca e apreensão foi deferida à luz do art. 240, e e h, do Código de Processo Penal. Na mesma decisão, o Juízo deferiu, desde logo, a quebra de sigilo de dados constantes em equipamentos eletrônico, assentando ser"imprescindível a autorização judicial para a visualização de eventuais materiais constantes em aparelhos eletrônicos apreendidos com os investigados."

O mandado de busca e apreensão (e.doc. 5), por sua vez, é expresso ao abranger equipamentos eletrônicos, autorizando a arrecadação de" documentos relacionados com os fatos investigados, do (s) aparelho (s) celular (es), computador (es), notebook (s), pen drive (s) e memória (s) externa (s), com extensão de acesso sobre arquivos nele existentes, bem como demais objetos que possam fornecer indícios importantes à elucidação da investigação , autorizada a quebra do sigilo de dados dos respectivos aparelhos eletrônicos pertencentes ao investigado ".

Ademais, o Juízo de primeiro grau, ao prestar informações, esclareceu o seguinte (grifei):

"(...) não haveria a possibilidade de este Juízo, previamente ao cumprimento das buscas, ordenar específica e detalhadamente quais materiais deveriam ser apreendidos e quais deveriam ser descartados , especialmente pelo fato de que nem mesmo as autoridades responsáveis pela coleta dos documentos teriam o aparato técnico suficiente no momento da ação para realizar tal separação, restando tal ato reservado à discricionariedade do grupo investigativo no momento do cumprimento, discricionariedade a qual estaria adstrita ao objeto da investigação."

Na mesma linha, foram as observações do Ministério Público:

"A apreensão de mídias, computadores, notebooks, HDs, telefones, ipads, e outros instrumentos eletrônicos é imprescindível para a investigação, porquanto, atualmente, é a forma como os dados são organizados e armazenados. Por conta disso, a perícia é realizada pelo Instituto de Criminalística (Estadual ou Nacional), que fará a extração e análise dos dados, descartando-se, posteriormente, informações que não interessam ao processo e as investigações. Esta cisão de provas, preliminarmente à apreensão e a perícia é ontologicamente impossível, pois não há como o juiz saber, previamente, o que será encontrado, e o que servirá de elementos à investigação e ao processo."

Cabe observar ainda que a decisão impôs condicionante relacionada à vedação de utilização como prova"de instrumentos de trabalho e documentos que contenham informações sobre clientes, salvo se tais clientes forem os demais investigados neste procedimento, hipótese em que estará plenamente autorizada a apreensão, nos termos do artigo , §§ 6º e 7º, da Lei 8.906/94".

Quanto à apreensão, esclareceu ainda o Ministério Público (e.doc. 26, grifei):

"Em relação às documentações relacionadas a clientes distintos de todos os investigados neste feito, não houve a apreensão de nenhum documento físico que não tivesse relação com os investigados . No entanto, a apreensão dos e- mails dos investigados demandou o espelhamento completo de sua base, pois era impossível o espelhamento compartilhado ou a seleção de documentos no momento na busca, diante do grande volume de informações digitais.

Contudo, nenhuma informação espelhada que não fosse referente aos investigados foi objeto de apreciação pelo Ministério Público , tanto é que documentos que não se referem aos investigados não foram utilizados para quaisquer fins , seja para a instrução de processos judiciais e procedimentos extrajudiciais, seja para a instauração de novos feitos, mantendo-se fiel respeito aos objetos do mandado de busca e apreensão expedido por este juízo."

O proceder investigatório verificado, a meu ver, não merece reproche. Com efeito, o art. , § 6º, da Lei n. 8.906/94 é expresso ao vedar"a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes."

Na minha visão, o que o dispositivo almejou não foi inviabilizar apreensões materialmente insuscetíveis de prévia seleção e delimitação, mas, sobretudo, vedar a utilização de elementos eventualmente arrecadados em sede investigatória e que digam respeito a pessoas não diretamente investigadas.

Vale dizer, trata-se de opção legislativa cujo escopo é rechaçar, desde logo, a possibilidade de encontro fortuito de provas em sede de busca e apreensão implementada em escritório de advocacia.

Nada obstante, quanto a esse ponto, não há controvérsia, na medida em que o Ministério Público afirmou expressamente que não utilizou elementos em desfavor de terceiros, visto que a busca e apreensão, no caso concreto, é ineficaz em relação a pessoas diversas das investigadas.

5. Diante do exposto, nos termos do art. 21, § 1º, RISTF, nego seguimento ao habeas corpus."

No agravo, alega-se ofensa ao princípio da colegialidade, porquanto, no entender do agravante, o julgamento monocrático do recurso, além de não ser admitido pela jurisprudência, importaria negativa de jurisdição. Além disso, sustenta não estar em questão a relatividade da inviolabilidade do escritório de advocacia, mas o modo como a busca e apreensão foi realizada nas dependências do endereço profissional do paciente. Isso porque, segundo aduz, não foram respeitadas as restrições legais insculpidas nos artigos 243, § 2º, do Código de Processo Penal e 7º, inciso II e § 6º, da Lei 8.906/94"(eDOC 31, p. 13).

De acordo com o agravante, o mandado de busca e apreensão deveria indicar os bens que serão apreendidos de forma individualizada, a fim de evitar que sejam apreendidos dados que não digam respeito à investigação ou que se refiram à totalidade das atividades do escritório. O mandado genérico, que afirma ter sido o expedido para o caso, viola a inviolabilidade do advogado e o direito à propriedade. Requer o provimento do agravo, concedendo-se a ordem, para reconhecer a nulidade da coleta de prova.

É, em síntese, o relatório.

Decido.

Reconsidero a decisão monocrática anterior, para conceder a ordem de habeas corpus.

Apesar de se referir à especificidade do mandado de busca e apreensão, a questão controvertida nesta impetração não é exclusivamente sobre esse tema, mas também sobre quem deve verificar a pertinência entre o objeto da investigação e o material apreendido.

O Congresso Nacional, recentemente, derrubou os vetos à Lei n. 14.365, de 2022, que altera o Estatuto da Advocacia e dispõe sobre a execução do mandado de busca e apreensão nos endereços profissionais de advogados. Atualmente, conforme prevê o art. do Estatuto da Advocacia, além de se garantir a presença de representante da OAB, tem esse representante o direito"de impedir que documentos mídias e objetos não relacionados à investigação, especialmente de outros processos do mesmo cliente ou de outros que não sejam pertinentes à persecução penal, sejam analisados, fotografados, filmados, retirados ou apreendidos do escritório de advocacia". Ademais, no caso de ser tecnicamente inviável assim proceder, seja em razão do volume, seja em razão da natureza do bem apreendido, a cadeia de custódia deverá ser preservada, mantendo-se o sigilo do conteúdo apreendido, sendo assegurada a presença do representante da OAB para assegurar o cumprimento do direito à inviolabilidade.

Pode-se até questionar, doutrinariamente, se a nova legislação altera o regime anterior, ou se apenas explicita o que antes já deveria decorrer da previsão constitucional de inviolabilidade. Seja como for, para os fins desta impetração, essa discussão é desnecessária, pois, ainda que se afirme que o representante da OAB, antes da vigência da Lei n. 14.365, 2022, não tinha o direito de impedir que materiais não relacionados à investigação fossem analisados, é a partir de seu referencial que se deve examinar a fundamentação feita pela autoridade policial para justificar a pertinência dos objetos. Noutras palavras, a autoridade policial tem o dever de fundamentar no auto de busca e apreensão a razão de coleta de cada objeto ou documento apreendido, demonstrando a pertinência com a investigação em curso, à luz do que o representante da OAB apontar.

O dever de fundamentação é indispensável para fazer valer a presença e a atuação do representante da OAB, sob pena de transformar sua participação em mera acessoriedade. Eventual impossibilidade técnica jamais pode servir para eximir a autoridade policial deste específico dever de fundamentação, independentemente da observância da cadeia de custódia, porque o sigilo profissional, que não tenha sido utilizado para praticar ilícitos, deve ser preservado pela OAB.

No caso concreto, embora, em um primeiro momento, tenha reconhecido que, em si mesmo considerado, o mandado de busca e apreensão era específico; reexaminando-o, verifico que dele não consta a exigência de fundamentação para demonstrar a pertinência dos objeto ou documento apreendido com a investigação em curso.

De fato, são estes os termos do mandado de busca e apreensão (eDOC 5):

"Manda a Autoridade Policial sob sua jurisdição que, em cumprimento deste, proceda a busca e apreensão de documentos relacionados com fatos investigados, do (s) aparelho (s) celular (es), computador (es), notebook (s), pen drive (s) e memória (s) externa (s), com extensão de acesso sobre arquivos nele existentes, bem como demais objetos que possam fornecer indícios importantes à elucidação da investigação, autoridade a quebra de sigilo de dados dos respectivos aparelhos eletrônicos pertencentes ao investigado, limitando-se o acesso aos arquivos de voz e imagem, às chamadas telefônicas, originadas e recebidas, agenda armazenada na memória do aparelho e cartão SD, mensagens de texto enviadas e recebidas (SMS), conversas via redes sociais e aplicativos, bem como ambientes de armazenamento virtual de dados ("nuvem"), em desfavor de:

[ENDEREÇO PROFISSIONAL DO PACIENTE]

Saliento que a autoridade policial deverá observar em seu cumprimento o contido no artigo 245 e seguintes do referido diploma processual.

O presente mandado deverá ser realizado com a presença de representante da OAB."

No auto circunstanciado da diligência, por sua vez, não há registro de justificativa, mas apenas informação de itens arrecadados (eDOC 6).

Note-se, de modo mais relevante, o que consignou na ocasião o representante da OAB (eDOC 6, p. 5-6):

" Na qualidade de membro designado pela Comissão de Defesa das Prerrogativas Profissionais, informo que acompanhei a busca e apreensão no escritórios "Medeiros e Emerick". Ressalto que o mandado expedido é GENÉRICO , não delimita o que poderia ser buscado pela autoridade policial, não apresenta o objeto da investigação, quem seriam os investigados, o nome das empresas ou outras informações que delimitassem a busca e não ferisse o Estatuto e Código de Ética da OAB. Também não foi apresentada a decisão judicial ou qualquer outra informação adicional, o que caracteriza uma violação de prerrogativas profissionais.

No mais, acrescento que este procurador orientou o advogado Adriano Emerick para acompanhar a busca, no entanto, este indicou um sócio do escritório.

Por fim, a autoridade policial, apesar do mandado genérico expedido pelo judiciário, foi atencioso no sentido de permitir que o sócio de nome Nasser fotografasse os documentos apreendidos".

O relato trazido pelo i. Representante infirma as alegações de que o procedimento foi adequado. Como já apontado, a inviabilidade técnica de se indicar previamente os materiais que serão apreendidos não pode impedir o represente da OAB de exercer sua prerrogativa.

Muito embora a decisão que autorizou a medida tenha sido fundamentada e contenha informações que, em tese, permitiriam separar os materiais que interessam à investigação, esses dados não constam do mandado, nem foi ele acompanhado de cópia da decisão. Tal como decidiu a Suprema Corte dos EUA no caso Groh v. Ramirez ,a ausência desses elementos inviabiliza que se considere como razoável a interferência na prerrogativa dos advogados. Tanto o mandado de busca e apreensão quanto a sua execução pela autoridade policial violaram a expectativa de sigilo profissional.

Quanto à informação trazida pelo membro do Ministério Público, no sentido de que não foram objeto de apreciação elementos estranhos à investigação, não tem ela o condão de convalidar diligência que, por violar prerrogativa da OAB, é absolutamente nula.

Ante o exposto, concedo a ordem para declarar a nulidade das provas obtidas a partir da busca e apreensão realizada no escritório profissional do paciente e para reconhecer sua imprestabilidade para a utilização no Procedimento Criminal n. 0001079-68.2017.8.16.0043 e em quaisquer de seus desdobramentos, sejam inquéritos policiais, procedimento investigatórios ou ações penais.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 16 de setembro de 2022.

Ministro EDSON FACHIN

Relator

Documento assinado digitalmente

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(STF - HC: 169505 PR, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 16/09/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 19/09/2022 PUBLIC 20/09/2022)

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