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24 de Maio de 2024

STJ Ago 22 - Desclassificação do Delito para Art. 155 CP - Depoimento Indireto e Depoimento Policial Não são suficientes

há 2 anos

Decisão Monocrática

AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2101587 - MG (2022/0100327-0)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS

AGRAVANTE : ALEXSER JARDEL SABINO SILVA

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

DECISÃO

Trata-se de agravo regimental interposto por ALEXSER JARDEL SABINO SILVA contra a decisão de fls. 434-439 (e-STJ), proferida pelo Ministro Presidente do STJ, que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, diante do óbice da Súmula 7 desta Corte Superior.

O agravante sustenta, em síntese, que não há que se falar no óbice da Súmula 7/STJ. Trata-se "da inidoneidade dos fundamentos utilizados pelo Tribunal Local para não declaração de ilicitude das provas provenientes exclusivamente de matéria de inquérito policial".

Requer a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do feito à Quinta Turma.

É o relatório.

Decido.

Em face dos argumentos trazidos no agravo regimental, reconsidero a decisão agravada, proferida pela Presidência deste STJ.

Em relação à controvérsia, o Tribunal de origem assim decidiu:

"No inquérito policial, a vítima declarou ter sofrido um golpe de"gravata"por parte do réu, que o jogou ao chão, acabando por sofrer lesões no ombro, cotovelo, mão, joelho e tornozelo, isso, com a participação do adolescente D.A.S.S., dando cobertura para garantir o êxito da empreitada criminosa, sendo, inclusive, encontrado na posse da bicicleta subtraída (fl. 05). Assim, informou o ofendido:

[...]

Os policiais militares participantes da diligência, Leonardo Pereira de Almeida, à fl. 02, Marco Túlio Silva Rodrigues, à fl. 03 e mídia de fl. 108, e Ênio Pereira da Silva Júnior, à fl. 04 e mídia de fl. 108, relataram que a vítima lhes disse que, durante a ação de subtração, o acusado deu-lhe um golpe de" gravata ", enquanto o menor vigiava o local. Acrescentaram os últimos milicianos que, de fato, o acusado apresentava escoriações. Neste sentido, relatou o policial Marco Túlio Rodrigues: [...]

"Que nesta madrugada estavam de patrulhamento na esquina da Av. dos Andradas com a rua do Guaicurus, centro de BH; Que a viatura da guarda municipal a qual o depoente integra foi abordada pela vítima;

Que a vitima disse que estava dormindo na rua junto com a namorada;

Que chegaram dois homens e a abordaram; Que o adolescente ficou perto olhando enquanto o imputável "deu uma gravata" na vítima, jogando-a ao solo; Que teriam subtraído sua bicicleta e seu aparelho celular, com o fone de ouvido do mesmo; Que o chip do celular foi recuperado jogado perto do local da abordagem, porém está danificado; Que em rastreamento a viatura da GM a qual o depoente integra conseguiu localizar e prender os suspeitos; Que o adolescente D. A. empurrava a bicicleta e o imputável ALEXSER JARDEL estava ainda com o aparelho celular da vitima; Que a vitima apresenta escoriações, porém dispensou atendimento médico; Que nesta Delegacia os suspeitos foram reconhecidos pela vítima em sala especial."(fl. 03)" (e-STJ, fl. 294).

Da análise dos autos, verifica-se que parte dos indícios de que houve violência na ação criminosa foram obtidos na fase inquisitorial e não foram confirmados em Juízo; já os depoimentos dos policiais são inservíveis para tal fim, porque os agentes não presenciaram os fatos, mas somente relataram o que ouviram dizer da vítima no inquérito - ou seja, são testemunhos indiretos.

Ocorre que essa Corte Superior possui entendimento de que a condenação não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nem em depoimentos testemunhais indiretos.

Assim sendo, os testemunhos indiretos não autorizam a condenação pelo delito de roubo, porque são meros depoimentos de "ouvir dizer" - ou hearsay , na expressão de língua inglesa.

Dessarte, a desclassificação do delito é medida que se impõe, tendo em vista que, desconsiderando os depoimentos colhidos ainda na fase investigativa, os quais não foram repetidos em Juízo, as únicas provas da violência produzidas em juízo dizem respeito ao depoimento indireto dos policiais.

É nesse sentido que se manifesta nossa jurisprudência:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO A HOMICÍDIO TENTADO. TESE DE LEGÍTIMA DEFESA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA SUA REJEIÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. TESTEMUNHO INDIRETO (HEARSAY TESTIMONY) QUE NÃO SERVE PARA FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO. OFENSA AO ART. 212 DO CPP. AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO, PELA POLÍCIA, DAS TESTEMUNHAS OCULARES DO DELITO, IMPOSSIBILITANDO SUA OUVIDA EM JUÍZO. FALTA TAMBÉM DO EXAME DE CORPO DE DELITO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. , III E VII, E 158 DO CPP. DESISTÊNCIA, PELO PARQUET, DA OUVIDA DE DUAS TESTEMUNHAS IDENTIFICADAS E DA VÍTIMA. GRAVES OMISSÕES DA POLÍCIA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE RESULTARAM NA FALTA DE PRODUÇÃO DE PROVAS RELEVANTES. TEORIA DA PERDA DA CHANCE PROBATÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO DO DEPOIMENTO DO REPRESENTADO. EVIDENTE INJUSTIÇA EPISTÊMICA. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE ABSOLVER O RECORRENTE.

1. O representado foi condenado em primeira e segunda instâncias pela prática de ato infracional análogo a homicídio tentado.

2. Como relataram a sentença e o acórdão, a namorada grávida e um amigo do recorrente foram agredidos por J F DA S A após este ter consumido bebida alcoólica, ao que o representado reagiu, golpeando o agressor com um paralelepípedo. Segundo as instâncias ordinárias, constatou-se excesso na legítima defesa, com base nos depoimentos indiretos do bombeiro e da policial militar que atenderam a ocorrência quando a briga já havia acabado. Esses depoentes, por sua vez, relataram o que lhes foi informado por" populares ", testemunhas oculares da discussão que não chegaram a ser identificadas ou ouvidas formalmente pela polícia, tampouco em juízo.

3. O testemunho indireto (hearsay testimony) não se reveste da segurança necessária para demonstrar a ocorrência de nenhum elemento do crime, mormente porque retira das partes a prerrogativa legal de inquirir a testemunha ocular dos fatos (art. 212 do CPP).

4. A imprestabilidade do testemunho indireto no presente caso é reforçada pelo fato de que a polícia, em violação do art. , III, do CPP, nem identificou as testemunhas oculares que lhes repassaram as informações posteriormente relatadas pela policial militar em juízo. Por outro lado, a vítima, a namorada do recorrente e seu amigo - todos conhecidos da polícia e do Parquet - não foram ouvidos em juízo, tendo o MP/AL desistido de sua inquirição.

5. Para além da falta de identificação e ouvida das testemunhas oculares, a vítima não

foi submetida a exame de corpo de delito, por inércia da autoridade policial e sem a apresentação de justificativa válida para tanto (na forma do art. 167 do CPP), o que ofende os arts. , VII, e 158 do CPP. Perda da chance probatória configurada.

6." Nas hipóteses em que o Estado se omite e deixa de produzir provas que estavam ao seu alcance, julgando suficientes aqueles elementos que já estão à sua disposição, o acusado perde a chance - com a não produção (desistência, não requerimento, inviabilidade, ausência de produção no momento do fato etc.) -, de que a sua inocência seja afastada (ou não) de boa-fé. Ou seja, sua expectativa foi destruída "(ROSA, Alexandre Morais da; RUDOLFO, Fernanda Mambrini. A teoria da perda de uma chance probatória aplicada ao processo penal. Revista Brasileira de Direito, v. 13, n. 3, 2017, p. 462).

7. Mesmo sem a produção de nenhuma prova direta sobre os fatos por parte da acusação, a tese de legítima defesa apresentada pelo réu foi ignorada. Evidente injustiça epistêmica - cometida contra um jovem pobre, em situação de rua, sem educação formal e que se tornou pai na adolescência -, pela simples desconsideração da narrativa do representado.

8. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial e absolver o recorrente, com a adoção das seguintes teses: 8.1: o testemunho indireto (também conhecido como testemunho de"ouvir dizer"ou hearsay testimony) não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu . Sua utilidade deve se restringir a apenas indicar ao juízo testemunhas referidas para posterior ouvida na instrução processual, na forma do art. 209, § 1º, do CPP. 8.2: quando a acusação não produzir todas as provas possíveis e essenciais para a elucidação dos fatos, capazes de, em tese, levar à absolvição do réu ou confirmar a narrativa acusatória caso produzidas, a condenação será inviável , não podendo o magistrado condenar com fundamento nas provas remanescentes". ( AREsp 1940381/AL, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021; grifei)

"HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. CONDENAÇÃO. PROVAS COLHIDAS EXCLUSIVAMENTE NO INQUÉRITO POLICIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.

1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, na esfera criminal não se admite a

condenação do réu baseada em meras suposições, provas inconclusivas, ou exclusivamente colhidas em sede inquisitorial, tal como ocorrido na espécie ( AgRg no AREsp 1.288.983/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 29/08/2018).

2. Não sendo o depoimento da testemunha ocular repetido em juízo,

lastreando-se a prova judicial apenas na oitiva da autoridade policial, que o colheu na fase inquisitiva, ausente prova judicializada para a condenação.

3. O delegado não relata fatos do crime tampouco é testemunha adicional do que

consta do inquérito policial.

4. Utilizados unicamente elementos informativos para embasar a procedência da

representação, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal.

5. Habeas corpus concedido para anular a sentença, por violação do art. 155 do CPP,

e julgar improcedente a representação, nos autos do Processo de Apuração de Ato Infracional 0700016-98.2019.8.02.0038, na forma do art. 386, VII, do CPP.

( HC 632.778/AL, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 12/03/2021; grifei)

Desta feita, de rigor o provimento do recurso, devendo a conduta imputada ao recorrente receber nova classificação jurídica, qual seja, a descrita no artigo 155, § 4º, IV, do CP.

Portanto, a partir dos parâmetros estabelecidos pelas instâncias de origem, passa-se à nova dosimetria da pena.

Diante da inexistência de circunstâncias judiciais negativas, fixo a pena-base em 2 anos de reclusão e 10 dias-multa. Na segunda fase, estabelecida a pena-base no mínimo legal fica prejudicada a análise das atenuantes da confissão e da menoridade, nos termos da Súmula 231/STJ. Na terceira fase, não há majorantes ou minorantes.

Mantida a pena de 1 ano de reclusão com relação ao delito de corrupção de menor, e considerando o concurso formal de crimes, aumento a pena do furto em 1/6, totalizando 2 anos e 4 meses de reclusão e 10 dias-multa.

O regime inicial é o aberto, conforme art. 33, § 2º, c.

Diante do exposto, reconsidero a decisão de fls. 434-439 (e-STJ), para prosseguir na análise do recurso especial e, com fulcro no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao recurso especial para fixar a pena do recorrente em 2 anos e 4 meses de reclusão e 10 dias- multa, no regime inicial aberto.

Substituto a pena privativa de liberdade pelas duas restritivas de direitos indicadas na sentença.

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(STJ - AgRg no AREsp: 2101587 MG 2022/0100327-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 10/08/2022)

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