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5 de Maio de 2024

STJ Maio23 - Guarda Municipal em Atuação Ilegal - Flagrante e Prova declaradas Nulas - Tipo Penal Furto

há 9 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 800207 - SP (2023/0030076-5)

RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR

CONVOCADO DO TJDFT)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado contra acórdão assim ementado (fl. 83):

Apelação. Furto qualificado. Artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal ( CP). Preliminar de nulidade em razão da diligência de encontro da res furtiva ter sido realizada por guardas municipais. Não acolhida. Acusado abordado com o veículo utilizado no delito e que, além de confessar o delito, colaborou para restituir a res furtiva, apontando aos guardas onde havia deixado a máquina subtraída. Ausência de prisão em flagrante. Supostas nulidades ocorridas na fase do inquérito policial não possuem o condão de macular a ação penal dele derivada. Autoria e materialidade bem demonstradas. Pena bem calculada. Preliminar não acolhida e recurso improvido.

O paciente foi condenado à pena 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias multa, como incurso no art. 155, § 4º, IV, do Código Penal.

Sustenta a impetrante, em síntese, a ilicitude das provas decorrentes da prisão realizada por guardas municipais, uma vez que a conduta ultrapassou os limites de suas atribuições, ressaltando a ausência de situação flagrancial, requerendo, liminarmente e no mérito, a absolvição do paciente.

Indeferida a liminar, o Ministério Público Federal manifestou-se pela "concessão da ordem, a fim de reconhecer a ilicitude das provas obtidas a partir de patrulhamento, investigações, diligências e busca pessoal por guardas municiais, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o paciente" (fl. 104).

Sobre a controvérsia aqui trazida, assim dispôs o acórdão recorrido (fls. 87- 89):

[...] Dos elementos coligidos nos autos, contudo, verifica-se o apelante foi abordado pelos guardas na condução do veículo Fiat/Uno, o qual havia sido utilizado para escoltar o caminhão furtado no dia anterior , tendo confessado a autoria do crime ocorrido.

Ainda, conforme depoimento do guarda municipal, o acusado espontaneamente colaborou para a restituição das res furtiva, de modo que adentrou a viatura da guarda, juntamente com a vítima, visando indicar onde havia deixado a máquina e o caminhão furtados.

Pontue-se que, ainda conforme a testemunha Ari, a duração da diligência teria sido atípica uma vez que o caminhão e máquina furtados haviam sido deixados na área rural, sendo certo que o acusado, embora colaborando para o encontro, não sabia exatamente o local onde havia deixado os bens subtraídos.

Ademais, após a localização da máquina subtraída, as partes foram apresentadas na Delegacia, onde foram ouvidas (fls. 07/09 e 17), o acusado ratificou sua confissão (fls. 18) e a máquina subtraída foi restituída ao seu legítimo dono (fls. 10/13).

Nesse contexto, é certo que a diligência encetada pelos guardas ocorreu em razão da confissão e colaboração do acusado, e visava tão somente a necessária apreensão da mini carregadeira na área rural.

Ademais, não há elementos indicando a alegada restrição indevida da liberdade do acusado pelos agentes públicos, eis que a prova dos autos indica que houve colaboração espontânea do apelante, sendo digno de nota que sequer ocorreu prisão em flagrante, mas mera condução do apelante ao Distrito Policial para lavrar a ocorrência.

Pontue-se que o increpado, ouvido somente no distrito policial por ter optado pela revelia, não trouxe qualquer alegação no sentido de ter sido privado indevidamente de sua liberdade pelos guardas, limitando-se a confessaram amplamente o delito.

Não se vislumbra, nesse contexto, a aventada ilegalidade da diligência efetuada pelos guardas municipais. Ademais, é certo que, ainda que não verificada na espécie, a alegada irregularidade ocorrida na fase de inquérito não possui condão de macular a ação penal dele derivada.[...]

Não se desconhece o entendimento desta Corte no sentido de que inexiste óbice à realização de prisão, em situação de flagrância, por guardas municipais ou qualquer outra pessoa. A propósito:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL A QUO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ALEGAÇÃO DE PROVA ILÍCITA. CONDUTA FLAGRADA POR GUARDAS MUNICIPAIS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. WRIT NÃO CONHECIDO.

1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

2. Se o Tribunal de origem, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, concluiu, de forma fundamentada, não só pela materialidade do delito, mas também por ser o réu autor do crime descrito na exordial acusatória, não cabe a esta Corte a análise das afirmações relacionadas ao pleito de absolvição, na medida em que demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.

3. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief).

4. Firme o entendimento jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que: "Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender

quem esteja em flagrante delito, razão pela qual não há qualquer óbice à sua realização por guardas municipais. Precedentes." ( HC 357.725/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 12/5/2017).

5. Habeas corpus não conhecido. ( HC 332.635/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017.)

Contudo, na espécie, os guardas municipais atuaram a partir do acionamento da vítima a indicar que o veículo furtado no dia anterior circulava pelas imediações, não havendo falar-se em situação flagrancial, portanto. Por oportuno, trecho da sentença a corroborar tal afirmação (fl. 57):

[...] No dia 08 de setembro, Danilo percebeu que o veículo Uno, já citado, estava estacionado em frente ao seu estabelecimento comercial, e com cautela, seguiu o referido veículo com sua motocicleta. Logo a frente, a vítima visualizou que adentrou uma outra pessoa no veículo. Diante dos fatos, Danilo acionou imediatamente a Guarda Civil Municipal.

Com a chegada dos agentes públicos, eles abordaram os suspeitos. O condutor do veículo Uno foi identificado como XXXXXXXXXX e o passageiro como sendo XXXXXXXXXXXXXXXs.

Após serem indagados pelos guardas, Antônio confessou ter praticado o crime de furto. Sebastião foi dispensado pois no momento nada de ilícito foi encontrado contra ele. Antônio disse para os guardas que abandonou a Mini Carragadeira Bobcat na cidade de Leme. Em relação ao caminhão, não sabia seu destino.

A vítima, junto com os Guardas Municipais da ROMU, dirigiram-se até a cidade de Leme. Lá chegando, em uma mata distante da cidade, encontraram a Bobcat abandonada.[...]

Além disso, "a função das guardas municipais, insculpida no art. 144, § 8º, da Constituição Federal, é restrita a proteção de bens, serviços e instalações municipais, não lhes sendo permitido realizar atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil" ( AgRg no HC n. 757.022/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 12/12/2022).

Vê-se que os guardas municipais, de fato, ultrapassaram as suas atribuições previstas constitucionalmente, pois desempenharam atividade de investigação, as quais se restringem à polícia judiciária. Logo, não podem ser consideradas lícitas as provas decorrentes da referida busca. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. REQUISITOS DO ART. 244 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ATUAÇÃO DA GUARDA MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO CLARA, DIRETA E IMEDIATA COM A TUTELA DOS BENS, SERVIÇOS E INSTALAÇÕES MUNICIPAIS. INGRESSO FORÇADO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. AGRAVO REGIMENTAL DE FLS. 438-449 DESPROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL DE FLS. 450-461 NÃO CONHECIDO.

1. O agravo regimental de fls. 450-461 (Petição n. 01162722/2022) não merece ser conhecido, pois, segundo a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, "quando da

interposição simultânea de dois agravos regimentais contra o mesmo ato judicial e pelo mesmo agravante, deve ser conhecido apenas o primeiro deles, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa."( AgInt no AREsp 1.227.973/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 12/06/2018.)

2. A busca pessoal, de acordo com o § 2.º do art. 240 do Código de Processo Penal,

somente pode ser realizada quando houver fundada suspeita de que a pessoa oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas alíneas b a f e h do § 1.º do citado dispositivo.

3. Nulas são as buscas pessoal e domiciliar realizadas por Guardas Municipais sem

a demonstração clara de pertinência com as atribuições desses agentes públicos no sentido de proteger o patrimônio municipal, consoante orientação jurisprudencial consolidada no REsp n. 1.977.119/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz.

4. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no HC n. 781.405/SP, relatora Ministra Laurita

Vaz, Sexta Turma, julgado em 28/2/2023, DJe de 9/3/2023.)

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL REALIZADA POR GUARDA MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS SUPEITAS. CONTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ALEGAÇÃO DE INDEVIDA INVASÃO DE DOMICÍLIO. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. PRECEDENTES.

1. Na esteira do entendimento do Pretório Excelso, a jurisprudência desta Corte evoluiu,

encontrando-se assente no sentido de que o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer que, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência, mostra-se possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio (REsp n. 1.558.004/RS, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 31/8/2017).

2. Ao analisar o contexto da prisão do paciente, verifica-se que não havia fundada

suspeita de que o mesmo estivesse praticando qualquer delito no momento de sua abordagem, pois os guardas municipais afirmam que realizavam patrulhamento no bairro Santa Rita, momento em que a guarnição avistou dois indivíduos que adentraram no imóvel de numeral 525, que aparentemente havia deixado o local e recuaram ao perceber a presença policial, razão pela qual, ante a fundada suspeita, decidiram pela abordagem. Ora, não ficou consignado em sentença nem no acórdão impugnado que os policiais haviam presenciado o paciente e o corréu vendendo entorpecentes ou mesmo praticando qualquer outro delito que justificasse sua apreensão.

3. Ademais, também não há qualquer referência a investigação preliminar ou menção a

situações outras que poderiam caracterizar a justa causa para a revista pessoal, como campanas no local, monitoramento do suspeito, ou, ao menos, movimentação de pessoas a indicar a traficância.

4. Nesse contexto, não se pode admitir que a posterior situação de flagrância, por se

tratar o tráfico de delito que se protrai no tempo, justifique a revista pessoal realizada ilegalmente, pois amparada em mera suspeita, conjectura.

5. Não ficou demonstrado nos autos que a ação dos guardas municipais estava

legitimada pela existência de fundadas razões - justa causa - para a entrada desautorizada no domicílio do paciente ou mesmo que havia autorização expressa para o ingresso no domicílio.

6. Ordem concedida para, reconhecendo a nulidade das provas obtidas ilicitamente, bem

como as delas derivadas, absolver o paciente com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. Estendo os efeitos da presente decisão ao corréu Jhonatan Catarino Gomes. ( HC n. 655.308/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022.)

Como ressaltado pelo Ministério Público Federal, "[n]ão há dúvida de que os guardas municipais, que estavam em típico patrulhamento de polícia preventiva, ao serem acionados, efetuaram também a elucidação do caso mediante diligências que transcenderam a área de atuação e que duraram várias horas ininterruptas, em substituição à polícia investigativa" (fl. 102).

Ante o exposto, concedo o habeas corpus para reconhecer a ilicitude das provas obtidas mediante a indevida atuação da guarda municipal, bem como das provas dela derivadas, e absolver AXXXXXXXXXXXXXXR nos autos da Ação Penal n. 0022603-87.2017.8.26.0320 (2a Vara Criminal de Limeira/SP).

Comunique-se.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 08 de maio de 2023.

Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT)

Relator

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(STJ - HC: 800207, Relator: JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Data de Publicação: 12/05/2023)

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