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3 de Maio de 2024

STJ Maio23 - Silêncio Parcial - Interrogatório Anulado por Encerramento Ilegal do ato

Direito de Responder só as Perguntas da Defesa

há 8 meses

HABEAS CORPUS Nº 825094 - MG (2023/0171863-2) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ

EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. EXTENSÃO DE BENEFÍCIO SUPOSTAMENTE CONCEDIDO A CORRÉU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA E INSURGÊNCIA QUANTO AO ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE CONSTRANTIMENTO ILEGAL. NULIDADE DO INTERROGATÓRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDO.

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de XXXXXXXXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais no julgamento do HC n. 1.0000.23.088590-7/000. Depreende-se do aresto impugnado que o Paciente foi preso em flagrante, em 04/12/2022 (convertido o flagrante em prisão preventiva no dia 06/12/2022), e "denunciado pela suposta prática do crime previsto no artigo 157, § 2º, inciso II, do Código Penal, em tese cometido contra a vítima [...] que contava com 71 (setenta e um) anos de idade na data dos fatos" (fl. 10).

Impetrado prévio writ na origem, a Corte local conheceu em parte da ordem e a denegou, nos termos do acórdão de fls. 9-14. Neste habeas corpus, a Defesa alega, inicialmente, a existência de ilegalidade no interrogatório do Paciente. Aduz que o Juízo singular "indeferiu o direito do paciente e corréu de responder somente às perguntas da defesa técnica" (fl. 5) e que o Increpado tem direito ao silêncio parcial, conforme a jurisprudência desta Corte.


Sustenta, ainda, constrangimento ilegal decorrente de suposto excesso de prazo na formação da culpa e da ausência de revisão da necessidade da custódia nos termos do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

Requer, em liminar e no mérito, seja expedido o alvará de soltura em favor do Paciente, bem como a "extensão dos efeitos da decisão ao corréu Alan Xavier de Souza, por estar na mesma situação fática e jurídica, nos termos do art. 580 do CPP" (fl. 7).

É o relatório. Decido. De início, destaco que "[a]s disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria" (AgRg no HC 629.625/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 17/12/2020). No mesmo sentido, ilustrativamente:

"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM SEM OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL. HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA CELERIDADE E À GARANTIA DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. [...]. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Malgrado seja necessário, em regra, abrir prazo para a manifestação do Parquet antes do julgamento do writ, as disposições estabelecidas no art. 64, III, e 202, do Regimento Interno desta Corte, e no art. 1º do Decreto-lei n. 522/1969, não afastam do relator o poder de decidir monocraticamente o habeas corpus. 2. 'O dispositivo regimental que prevê abertura de vista ao Ministério Público Federal antes do julgamento de mérito do habeas corpus impetrado nesta Corte (arts. 64, III, e 202, RISTJ) não retira do relator do feito a faculdade de decidir liminarmente a pretensão que se conforma com súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça ou a confronta' (AgRg no HC 530.261/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/9/2019, DJe 7/10/2019). 3. Para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica. Precedentes. [...] 6. Agravo regimental não provido." (AgRg no HC 656.843/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 10/05/2021.)

Portanto, passo a analisar diretamente o mérito da impetração, na parte cognoscível. Em primeiro lugar, verifica-se que a insurgência concernente ao disposto no art. 580 do Código de Processo Penal não foi objeto de debate no acórdão impugnado, o que impede o exame da questão por esta Corte sob pena de indevida supressão de instância.

A propósito: "[...] no que tange ao pleito para extensão de efeitos de decisão proferida em favor do corréu, tal tese não foi apreciada pelo Tribunal de Justiça no acórdão impugnado. Nessa toada, fica obstada a análise das alegações por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância" (HC n. 716.557/MT, relator Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 18/3/2022).

Ademais, a Defesa nem sequer demonstrou que foi deferido ao corréu qualquer benefício que viabilizasse a aplicação do referido dispositivo processual. Quanto ao alegado excesso de prazo para a formação da culpa, registre-se que, consoante a pacífica orientação desta Corte, "[e]ventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional" (RHC 124.116/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, DJe 09/03/2020).

Nessa perspectiva, somente se cogita da existência de constrangimento ilegal por excesso de prazo quando ficar evidenciada, estreme de dúvidas, a desídia estatal na tramitação do feito, o que não se observa no caso, notadamente diante do que destacou o Tribunal de origem (fls. 12-13):

"Na hipótese em apreço existem aspectos relevantes que não podem ser desconsiderados, como, por exemplo, a pluralidade de agentes e de crimes a serem apurados – a revelar certo grau de complexidade e a justificar o seu alongamento –, sem olvidar que o feito encontra-se com a instrução encerrada, incidindo o disposto na Súmula n.º 52 do Superior Tribunal de Justiça ('Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo')." Sobre a questão, confira-se, ainda, o seguinte julgado: "[...] 1. Constitui entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça - STJ que somente configura constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, apto a ensejar o relaxamento da prisão cautelar, a mora que decorra de ofensa ao princípio da razoabilidade, consubstanciada em desídia do Poder Judiciário ou da acusação, jamais sendo aferível apenas a partir da mera soma aritmética dos prazos processuais. [...] 5. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC n. 585.674/BA, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 18/8/2020, DJe de 24/8/2020; sem grifos no original.)

Outrossim, diante da pena em abstrato atribuída ao crime imputado ao Acusado, a prisão preventiva não se revela, no momento, desproporcional. A propósito:

"[...] 6. Ainda que o paciente esteja preso desde 24/9/2019, não se revela desproporcional a custódia cautelar, neste momento, diante das penas em abstrato atribuídas ao delito a ele imputado. 7. Agravo regimental improvido" (AgRg no HC 585.081/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 01/09/2020, DJe 16/09/2020.)

"[...] a segregação antecipada, ao menos por ora, não se afigura desproporcional diante das penas em abstrato atribuídas aos delitos imputados ao paciente na decisão de pronúncia. 4. Ordem denegada, com recomendação." (HC 485.511/ES, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019.)

Quanto à insurgência relativa à ausência de reavaliação da prisão preventiva no prazo previsto no art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, também não se evidencia a existência de patente ilegalidade a ser sanada na espécie. Isso porque o Tribunal a quo decidiu a controvérsia invocando julgado desta Corte, assinalando que (fl. 13; sem grifos no original)

"Outrossim, já decidiu o STJ quanto à revisão da prisão preventiva nonagesimal, nos seguintes termos: 'não se trata de termo peremptório, isto é, eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade' (STJ. HC 584992-SE. Relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Publicado em 29/06/2020)."

De fato, "[a] inobservância do prazo de reexame da custódia cautelar, conforme previsão do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, não conduz, automaticamente, à ilegalidade da prisão" (RHC n. 133.503/RR, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 7/12/2020, DJe de 1/2/2021; sem grifos no original).

Observe-se, ainda, que, no caso, ao indeferir pedido de revogação da custódia, em recente decisão (datada de 09/02/2023), o Juízo singular concluiu que "[d]essa forma, presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva dos réus, restando demonstrada a necessidade de sua manutenção, nos termos do parágrafo único do art. 316, do CPP" (fl. 38).

De outra parte, no que diz respeito à tese de ilegalidade na decisão do Juízo singular, que indeferiu ao Paciente o direito de responder apenas às perguntas da defesa técnica, o Tribunal a quo assinalou que (fls. 11-12; sem grifos no original):

"Pois bem. No que se refere à alegada ilegalidade no interrogatório judicial de Felipe, que teve indeferido o pedido de responder apenas às perguntas da defesa, a presente impetração não merece ser conhecida. Isso porque tanto a Constituição (artigo 5º, inciso LXVIII), como o Código de Processo Penal (artigo 647) estabelecem que o habeas corpus é o remédio constitucional cabível para garantia do direito de locomoção da pessoa, quando ficarem evidenciados ilegalidade ou abuso de poder. No entanto, no caso em tela, não se verifica quaisquer das hipóteses mencionadas acima, uma vez que o impetrante busca se insurgir contra suposta ilegalidade na realização do interrogatório. Ora, as hipóteses de cabimento do writ são restritas, não se admitindo que seja utilizado em substituição a recursos ordinários, tampouco a apelação, como pretende a defesa. Ainda assim, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem de ofício da detida análise dos autos, não vislumbro qualquer constrangimento ilegal a ser sanado por meio deste remédio heroico, até porque, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, dispõe o artigo 563 do Código de Processo Penal, in verbis: 'nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa'. Diante disso, torna-se inviável o conhecimento do pedido no tocante a este ponto."

Como se percebe, o Tribunal a quo não conheceu da impetração originária, no ponto, afirmando o descabimento do writ como substituto do recurso de apelação, e que não cabe a concessão da ordem de ofício por não vislumbrar constrangimento ilegal a ser sanado. Observe-se que o Juízo singular, em 17/04/2023, indeferiu o pedido da Defesa nos seguintes termos (fl. 24; sem grifos no original):

"Verifica-se que o douto advogado dos acusados requereu que seus clientes respondessem apenas às suas perguntas durante o interrogatório judicial. Este Juiz indeferiu, ao argumento de que o interrogatório é ato privativo do magistrado. Assim, o i. advogado se manifestou contrário ao entendimento e preferiu que supra os acusados ficassem em silêncio. Nessa oportunidade, a ata de audiência, acostada em ID 9776889656, retifico fazendo nela constar o conteúdo ora narrado. Sendo assim, dê-se vista sucessiva para fins do art. 402, do CPP. Cumpra-se."

Ocorre que a situação retrata nos trechos acima demonstra a existência de constrangimento ilegal a ser sanado na espécie, decorrente de cerceamento de defesa. Com efeito, e como bem observado pela Procuradoria de Justiça no parecer ofertado perante o Tribunal de origem, ao opinar pela concessão parcial da ordem, esta Corte Superior já decidiu que "Verifica-se a ilegalidade diante do precoce encerramento do interrogatório do paciente, após manifestação do desejo de não responder às perguntas do juízo condutor do processo, senão do seu advogado, sendo excluída a possibilidade de ser questionado pelo seu defensor técnico" (HC n. 703.978/SC, relator Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 7/4/2022; sem grifos no original).

No mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas, mutatis mutandis: HC n. 646.227/SP, relator Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 01/02/2022; HC 639.247/SP, relator Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), DJe de 16/08/2021; HC n. 688.748/SC, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, DJe de 27/08/2021; e HC n. 628.224/MG, relator Ministro FELIX FISCHER, DJe de 09/12/2020.

Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do habeas corpus e, nessa extensão, CONCEDO A ORDEM para, nos autos da Ação Penal n. 0448369-79.2022.8.13.0024, determinar ao Juízo de primeira instância a realização de novo interrogatório do Paciente, assegurando-lhe o direito de, após sua identificação, responder apenas às perguntas da defesa técnica. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 24 de maio de 2023.

Ministra LAURITA VAZ Relatora

( Edição nº 0 - Brasília, Publicação: quinta-feira, 25 de maio de 2023 Documento eletrônico VDA36919527 assinado eletronicamente nos termos do Art. § 2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário (a): MINISTRA Laurita Vaz Assinado em: 24/05/2023 16:55:19 Publicação no DJe/STJ nº 3641 de 25/05/2023. Código de Controle do Documento: d0ff3b80-9d40-4cfc-9ea6-6a87330d1051)

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